Carlos LouresUmberto Eco, o ensaísta e escritor italiano deu há dois meses atrás uma entrevista a um jornal brasileiro a propósito do lançamento de uma edição da sua nova obra
Não contem com o fim do livro. O apego de Eco ao livro em papel – a sua biblioteca conta com cerca de 50 mil volumes – levaram-no a aceitar o desafio que, Jean-Claude Carrière lhe lançou – o de debaterem a perenidade do livro, com vista à publicação de… um livro
Não Contem Com o Fim do Livro. ´(
N'espérez pas vous débarrasser des livres).
De modo algum tenciono transcrever a entrevista que está disponível na Internet e foi publicada em numerosos jornais. Vou apenas salientar uma ou outra afirmação do escritor e semiólogo. Contestando a anunciada morte do livro afirmou que o desaparecimento desse suporte de escrita é uma obsessão de jornalistas que lhe fazem a pergunta há 15 anos. «Para mim, o livro é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objecto que, uma vez inventado, não muda. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os electrónicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos» (…) «quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler as antigas disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos?».
O jornalista pergunta-lhe que diferença existe entre os conteúdos disponíveis na net e o de uma grande biblioteca. Eco diz: «A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar - muito embora Jorge Luis Borges, no seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de seleccionar o que interessa - é possível encontrar lá tanto a Bíblia como
Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites fiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correcto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.»
E quando lhe pergunta se pode existir contracultura na internet, responde «Sim, com certeza, e ela pode-se manifestar tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível manifestar-se e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas conversando, na China é a única forma de se manter em contacto com o resto do mundo».
Num determinado trecho de
Não Contem Com o Fim do Livro, Eco e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória - que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar. «De facto, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. A minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso pormenorizar sobre o que se passava em Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se se perguntar hoje a um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta clicar no computador para obter essa informação. Lembro-me de que, na escola, era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, achava uma inutilidade, mas hoje reconheço a sua importância. A cultura alfabética cedeu o lugar às fontes visuais, aos computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aperfeiçoa uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória».
Continuaremos a falar deste tema - vai o livro sobreviver ou não? Eco diz-nos para não contarmos com a morte do livro. Acho que tem razão.