Manuela Degerine
Somos uma sociedade que, embora em crise, não deixa de consumir; e que, através do consumo, aprisiona. Viver tornou-se, para tanta gente, um círculo vicioso: trabalhar para comprar para deitar no lixo para voltar a comprar... até à morte. Exaltante? Dito assim, não parece. E, no entanto... A sociedade do espectáculo esvazia as cabeças para depois – ou ao mesmo tempo – lá lançar a publicidade. Um responsável de televisão francesa, Patrick Le Lay, explicava isto em 2004: o objectivo é criar no espectador uma disponibilidade cerebral susceptível de ser vendida à Coca-cola.
Devo dizer que represento um caso bicudo para os publicitários. Não me recordo da última vez que fiz uma compra impulsiva. No lixo só ponho lixo; respeito os três R: reduzir, reciclar e reutilizar. Escolho os alimentos em função do gosto, da qualidade, da quantidade, da proveniência (portuguesa, francesa, europeia...) e do preço; posso trazer a marca mas nunca pela marca, procuro certo tipo de farinha, tal qualidade de ovos, cacau com determinados aromas... E leio todas as etiquetas. Quanto à roupa, também sou capaz de optar por marcas, embora quase sempre me afaste delas, por me parecerem um uniforme fácil e vulgar; gosto de me sentir distinta na aparência. Comprar é para mim uma tarefa, como pôr roupa a lavar na máquina – não é uma forma de expressão. E, para concluir, o tempo parece-me demasiado curto e precioso e aprazível para o vender – isto é: trabalhar – mais do que o indispensável; por conseguinte, para preservar esta liberdade, aos precedentes acrescento outro ingrediente do bem comprar: penso mais duas vezes. (Não é hoje que as televisões poderão vender o espaço vazio do meu cérebro.)
Já adivinharam... Vem tudo isto a propósito do Natal. Na infância da minha mãe havia filhós, um presépio e o Menino Jesus; porém a minha geração já se confrontou com um Natal importado. Lembro-me de olhar para o pinheiro com desencanto: não o achava nada parecido com os dos livros. A neve, as renas, os abetos e o Pai Natal começavam a descer à península ibérica, acabaram por se tornar tão familiares que as crianças já não notam o sotaque – agora é asiático – e, associados ao particularismo lusitano do décimo terceiro mês, projectaram o último trimestre do ano para os píncaros do absurdo: os lisboetas entram no stress de Natal desde o mês de Setembro.
Não é o meu caso. Não ofereço nem recebo prendas de Natal. (Gosto de oferecer, gosto de receber mas não em datas fixas; a surpresa e a motivação fazem parte da prenda.) Não me sinto obrigada a encorajar a economia chinesa – que é de onde vêm os contentores. Nem a aumentar o lixo de Natal – que é onde tudo se conclui.
Sim, dirão muitos leitores, mas a festa?... O Natal é a festa da família. Pensemos então a festa de uma maneira mais criativa – há tantas – do que o simples acto de comprar. Uma festa que passe por viver, sentir, fazer, descobrir – e não apenas por ter. Somos demasiado refinados para nos contentarmos com um monte de prendas embrulhadas. Somos exigentes, queremos melhor. E... livres do pesadelo das compras de Natal, sobra-nos tempo para uma festa verdadeira. Ou para uma aventura comum. É mais simples do que parece, todos podemos experimentar e não corremos grande risco; expostas as razões, feitas as propostas, encontramos, na maior parte dos casos, entre os familiares, uma adesão espontânea. (Simples bom senso.) Transformamos as horas que vivemos numa prenda: perene.