Sábado, 24 de Julho de 2010
Carlos Mesquita
Rever ou não a Constituição da Republica Portuguesa? Há quem entenda que nas legislaturas que têm poder de revisão constitucional é obrigatório rever a Constituição, como numa almoçarada que dura até as cinco da tarde, chegada a hora de lanchar, há que comer. Tradições. Anda aí uma fome ancestral para tirar do texto constitucional menções de cariz ideológico (como se não fosse ideológico retirar as referências) enquanto outros querem manter essas alusões. Há também quem, com a sabedoria da formação milenar cristã, como Adriano Moreira, diga que “não se pode apagar a esperança”. Entre as teses da direita e da esquerda e a hermenêutica bíblica, proponho uma 4ª via, uma fórmula pós Giddens. Primeiro, e porque para mexer em leis é preciso ter formação suficiente; confesso que de Direito só tenho um irmão advogado e o ADN não é retroactivo, por outro lado ele foi colega do Durão Barroso, no tempo em que com vinte e cinco tostões na bandeira do MRPP se fazia uma cadeira, e suponho que com o equivalente a um euro, mobilava-se um anfiteatro. Como frequentei a cantina universitária terei equivalência com os matriculados formados administrativamente. Dito isto vamos ao busílis do preâmbulo da Constituição, que a torna marxista. Lê-se: “A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português (…) de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista (…)”. Isto de “abrir caminho para a sociedade socialista”, que em África poderia significar dar umas catanadas no capim, tem no Portugal de hoje conotações delicadas; a “sociedade socialista” ainda passa, é histórico e como diz Adriano Moreira “não se pode pôr em risco princípios de esperança”, mas “abrir caminhos” é polémico, relembra as empresas do regime, os ex-ministros na Mota Engil e na Lusoponte, o utilizador pagador.
Proponho uma nova redacção. Seria assim: “ (…) assegurar o primado do Estado de Direito democrático no caminho da sociedade socialista (…). Que tal? Deixa de ter obras públicas e a trabalheira de abrir caminhos, já está no caminho. É um passo importante para aqueles que pensam que basta estar num papel que vão a caminho do socialismo, para um dia lá chegarem, e para os outros que sabem que o caminho é o mesmo, o sentido é que é inverso. Esta extraordinária ideia apenas peca por ter só duas saídas, quando é sabido que uma norma perfeita deve ter de 6 a 16 hipóteses de ser interpretada, mas é a minha contribuição mais séria para a revisão da Constituição. Por último, quero destacar que tive a colaboração na elaboração desta proposta do meu companheiro de maleitas René Goscinny; dum diálogo entre Obelix e Astérix perante uma seta que acaba de se cravar numa árvore junto a eles. Pergunta Astérix – onde estará quem disparou esta seta? Fácil – diz Obelix – e só seguir a seta, na direcção contrária que ela indica, é lógico!
Só vejo uma razão lógica para rever a Constituição que é as leis já aprovadas irem todas contra o preâmbulo dos princípios fundamentais. Afinal o que o PSD pretende é livrar o Tribunal Constitucional duma “Razão Atendível” de despedimento.
Sexta-feira, 16 de Julho de 2010
Carlos Leça da VeigaUtopia que seja; quem quererá partilhá-la? (Continuação)A alienação tem por substrato um pensamento discursivo racional – ideológico – de substantivação das relações sociais que, no caso português e nos últimos mais de trinta anos, ao arrepio das proposições constitucionais, mas por conveniências políticas inaceitáveis, tem sido veiculado e ampliado com insistência desmesurada, tanto pela comunicação social como, sobretudo, pelas intervenções políticas dos sucessivos governos. Diagnostica-se-lhes, a uns e a outros, a intenção primordial – digam o que dizerem – de reforçar a alienação da população com vista a permitir que o logro político instalado continue a facilitar aos possidentes a benesse duma sua eternização na hegemonia do poder político e, aos seus fâmulos de serviço – governantes, deputados, partidocratas, comentadores e comunicadores sociais – que não percam a mira das sinecuras pingues ou, se assim tiver de ser, assegurem, pelo menos, as gamelas e os condutos.
As classes possidentes sabem muito bem como ter os Governos, tanto na sua mão, como à sua mão. A seu lado – note-se bem – nunca falta a companhia da generalidade dos partidos políticos parlamentares que, ao aprovarem ou, simplesmente, contemporizarem com os programas e com as obras dos sucessivos executivos nacionais – as sumptuárias de sobremaneira – não podem ser dispensados da sua importante fatia de responsabilidade na tarefa de inculcar, ou deixar inculcar, na mente da população, que as variações económicas e financeiras que cada qual sente e que, agravam as condições de exploração da mão de obra, já de si muito barata, não decorrem da apropriação indevida das mais valias que resultam da exploração dessa sua força do trabalho mas, sim, de variações inevitáveis inclusive erros ou desvios de circunstância das regras do mercado e, também, das imprevisíveis flutuações da oferta e da procura, porém, como é repetido à exaustão, esse mesmo mercado, graças à sua própria capacidade de regulação e, por igual – argumento criminoso – devido a um imaginado sentido de justiça social dos seus lideres, dispõe de condições para tudo rectificar e, também, sem falta, garantir uma futura redistribuição do rendimento nacional a ser processada com a maior justiça.
Se os partidos políticos que têm tido acesso ao executivo nacional são responsáveis directos e imediatos pelo incremento da alienação política da maioria dos portugueses, aqueles outros que nunca tiveram quaisquer funções governativas, pela sua simples presença em São Bento, só têm permitido legitimar a intervenção política dos sucessivos governos que, invocando o peso democrático do contraditório – inutilizado, como tem acontecido – permitem cunhar as suas acções executivas como sendo autenticamente democráticas. Felizmente, está a haver quem não lhes dê um tal epíteto, outro sim, e bem inverso.
Em 1994, o professor universitário Doutor António Hespanha, no seu artigo “O meu trabalho é a política”, que foi publicado no jornal “Manifesto”, sentenciou – e muito bem – que “0 pior de todos os riscos do sistema político estabelecido (e ele não tem só um) é a eficácia com que aliena o cidadão comum da actividade política”.
Desde o 25 de Abril que todos os sucessivos dirigentes das maiorias políticas portuguesas têm defendido, como bem e como bom, inclusive como verdadeiramente democrático, que as regras do mercado, para mais, passo a passo, tornado declaradamente selvagem, tenham direito a assentar arraiais fixos na regulação das relações sociais de produção e que, também, os sectores socio-económicos dominantes, para melhor conseguirem uma necessária protecção política, têm de aceitar permanecer colocados em clara submissão aos ditames internacionais dos grandes possidentes de que são exemplos, para começar, a integração portuguesa na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e mais tarde nas Comunidades Económicas Europeias (CEE) transformadas, depois, em União Europeia (UE).
A obra demolidora das vontades e das esperanças nacionais portuguesas, que os anos mais recentes têm vindo a exibir com crueza e extensão bastantes, decorre, muito principalmente – uma particularidade indesculpável – da aceitação, bem acolhida, senão mesmo procurada, pelos sucessivos governos portugueses, duma sujeição sucessiva – alienante, por natureza – a relacionamentos internacionais multilaterais ao serviço de forças imperialistas.
“Vivemos no meio de um logro magistral, dum mundo desaparecido que recusamos a reconhecer como tal e que, políticas artificiais pretendem perpetuar” é uma visão lúcida e obrigatória de aceitar-se que tem a autoria acertada de Viviane Forrester.
Na verdade, a situação indubitável de dependência do exterior, têm sido um factor de devastação dos tecidos político, cultural, económico, ecológico e social portugueses já que, terá de reconhecer-se, é esse o seu fim mais verdadeiro, muito embora nunca confessado.
Ianques e centro-europeus só pretendem, por interesses diversos, que os dez milhões de portugueses não passem doutra coisa mais que simples e submissos compradores líquidos das suas produções de ordem vária inclusive das ideológicas. Como assim, no interesse da maioria da população nacional – e no uso do “terrível poder de recusar” legado por Miguel Torga – exige-se que essa obra alienígena de demolição seja considerada como autora confessa da corrosão acentuada da auto-estima nacional e, também, da descrença na busca duma saída nacional que terá de ser eminentemente política.
Na manutenção das circunstâncias constitucionais actuais – uma inquestionável ditadura dos partidos políticos – todas e quaisquer proposições de natureza economicista – as únicas que são preconizadas pelas organizações partidárias parlamentares com acesso ao executivo – nada de novo trarão, entre outras razões, por estarem firmes e decididas na defesa do sistema económico ultraliberal que é propício, cada vez mais, a um mercantilismo inteiramente selvagem, tornado verdadeiramente mafioso. Também, dada a natureza imprecisa, permissiva e imprevidente de tudo quanto, hoje em dia, diz respeito aos direitos sociais constitucionais é muito fácil haver razões bastantes para poder profetizar-se, a quaisquer das visões economicistas dominantes, mesmo quando tenham a audácia dum modesto alcance reformista que, mais outra vez, a sua falência está antevista. Ou são duma feição abertamente neoliberal e, assim, a prazo breve, por sua própria natureza, como tantas outras já tentadas, nada de bom trarão à multidão dos carenciados ou, então, se são empreendimentos falhos do cunho imposto pelos interesses económicos privados, então, não faltarão em seu desfavor os mais variados, concomitantes e incomensuráveis subterfúgios de oposição. Na simples suspeita de, no fim do percurso projectado, não possa haver, em pleno, benefícios garantidos para os possidentes, estes, como é de uso conhecido, tudo saberão fazer para liquidar quaisquer antevisões socialmente benéficas, afinal uma coisa que, regra comum, já estão habituados a conseguir. Para tanto basta-lhes socorrerem-se duma fácil interpretação da actual Constituição da República e utilizarem tanto as suas imprecisões, como a sua flexibilidade permissiva ou, mais fácil, a sua vacuidade reservada aos direitos sociais. Anos atrás, foi disso paradigmático – quem não recordará – o exemplo lamentável do socialismo que, sem decoro e com facilidade extrema, foi mandado engavetar.
(Continua)
Segunda-feira, 12 de Julho de 2010
Carlos Leça da VeigaUma outra Constituição Política (Continuação)
Se, ao longo das legislaturas passadas e actuais, a opinião pública só vai conhecendo – porém sem qualquer valor operacional – as variações das suas apetências e das suas próprias intenções eleitorais, na conformidade de quanto resulta dos inquéritos aleatórios que lhe são feitos por e para privados, então, para que o Congresso, no seu período anual de funcionamento, tenha uma maior aproximação, momento a momento, com a realidade mais sentida pela população eleitora ter-se-á de introduzir nas votações do Congresso da República, um número de Cidadãos e de Cidadãs, candidatos não eleitos nas últimas legislativas mas representantes significativos de segmentos minoritários do eleitorado nacional e, assim, ao influenciar as deliberações do Congresso, torne a Democracia muito mais imprevisível e, sobretudo, muito mais válida. Mas mais, a presença destes Jurados no Congresso obrigará todos os membros deste Órgão da Soberania, apetrechados com o direito a voto e às iniciativas políticas e legislativas próprias, a terem de fazer ouvir-se sob a expectativa de conseguirem a sensibilização convincente não só dos seus pares mas, também, a dos jurados e não, como na prática parlamentar actual, em que basta-lhes dizerem qualquer coisa, inclusive coisa sem nexo, que já sabem quantos votos favoráveis conseguirão.
Hoje em dia, na Assembleia da República, logo à partida, a maioria que suporta o Executivo Nacional sabe, de antemão, que qualquer insuficiência ou deficiência explicativa, que qualquer ausência de fundamentação para quanto proponha ou defenda e, mais acintoso, qualquer atropelo ao direito instituído, têm, desde logo, os votos precisos para ser vitorioso. É forçoso, tal como num tribunal, ter de pensar-se como é que os Jurados reagirão, neste caso, às iniciativas políticas apresentadas, aos seus méritos e à maneira mais ou menos completa como são expostas e, por igual, como são, ou não, contrariadas. A Democracia, como a experiência histórica o tem demonstrado, só poderá sê-la se tiver de viver na expectativa do imprevisível. Valerá a pena reparar-se nos actuais debates parlamentares em que, regra muito comum, ninguém responde a ninguém, em que ninguém tem de trazer consigo fundamentações bem acabadas e em que quem quer que seja, com maior ou menor perspicácia ou, maior ou menor desfaçatez, contraria ou aprova as propostas apresentadas, sabendo-se que, no final, as votações, voz popular, são favas contadas. Na velha Grécia os deputados escolhidos por sorteio ajudaram a que a História consagrasse Atenas como fundadora dos méritos virtuosos da Democracia. Agora não é pretendido utilizar personalidades inteiramente aleatórias, fruto do acaso dum sorteio mas sim Cidadãos ou Cidadãs que, efectivamente, representam uma parte importante do eleitorado do qual, em tempo oportuno, mau grado derrotados, tenham obtido uma aceitação significativa, por exemplo, votações favoráveis de, no mínimo, 10% dos votos expressos.
Ainda quanto à organização do poder político e tendo em atenção o conteúdo do Artigo 2º da Constituição actual, muito em especial no que diz respeito ao aprofundamento da Democracia participativa, parece ter grande importância para a formação democrática da vontade política da população que, cada Circulo Eleitoral Legislativo passe a ser uma estrutura orgânica da Democracia e tenha um funcionamento, tanto ordinário como extraordinário, sob convocatória duma Mesa de Presidência eleita em lista própria no mesmo acto da eleição do Deputado Legislativo do Circulo. Esta Assembleia do Circulo Legislativo permitirá que a comunidade participe activa e directamente na vida política nacional com a operacionalidade que actual Artigo 109º não faculta e, nessas condições, não mantenha os Cidadãos sujeitos a serem, apenas, eleitores a prazos fixados. A Assembleia do Circulo Legislativo, por intermédio da sua Presidência, tem de ser convocada ordinariamente uma vez por ano durante o mês anterior ao início da sessão legislativa do Congresso da República e extraordinariamente por iniciativa do Presidente da Mesa do Circulo, do Deputado eleito pelo Circulo, a pedido fundamentado dirigido à Mesa, do, ou dos Candidatos vencidos na última eleição para Deputado pelo Circulo (desde que sejam os que tenham obtido pelo menos uma percentagem eleitoral superior a 10%) e, também, a pedido dum número significativo (a determinar-se) de eleitores à semelhança do previsto no Artigo 263º da actual Constituição da República e que diz respeito à constituição e área da Organização de Moradores. A Mesa da Assembleia do Circulo Eleitoral Legislativo tem por obrigação receber todas as opiniões e sugestões legislativas de qualquer Eleitor e, em tempo devido, para aceitação, apreciação e votação, apresentá-la à Assembleia. O Deputado do Circulo Eleitoral ficará sujeito ao mandato imperativo face a todas as deliberações da Assembleia do Circulo Eleitoral que obtenham mais de 50% de votos favoráveis entre os presentes na Assembleia.
Parece ser muito importante que a Constituição da República passe a permitir ao Municipalismo poder ter uma afirmação política com uma capacidade significativa de intervenção no nível nacional. Considera-se ser necessário haver uma estrutura constitucional para a congregação orgânica de todos os Municípios – a Assembleia Municipal da República – em que cada uma delas esteja representado pelo respectivo Presidente e cujo funcionamento só tenha efeitos de circunstância política. Para efeitos da sua organização e representação no Congresso da República terá de eleger um Conselho Superior Municipal constituído pelos trinta Presidentes de Câmaras mais votados nessa Assembleia Municipal da República, isto é, dez por cento do total das Câmaras Municipais.
Sábado, 3 de Julho de 2010
Carlos Leça da VeigaQuem submete Portugal? Norte-americanos e centro-europeus, uns e outros, embora em decadência manifesta, por razões estratégicas, políticas e económicas que são muito próprias de cada qual, não desistem, pelo contrário, insistem em garantir os seus variados graus de comando em toda a área do mundo que consideram sua. Neste sentido, e sempre a troco de assegurarem um controlo absoluto do mundo chamado ocidental, não descuram quaisquer fracções do território submetido, em cujas dispõem, ás suas ordens, um dispositivo bastante para dar-lhes as garantias mais seguras duma continuidade inalterável.
Aqui, em Portugal – vê-se no dia a dia – as orquestrações alienígenas, para uma sobrevivência mais garantida, não deixam de envidar esforços de ordem vária na mira de assegurar a sobrevivência económico-política dos possidentes portugueses e, por igual, a dos seus parasitas inefáveis, mau grado, a estes últimos, serem-se-lhes reconhecidas as autorias da maior parte dos atropelos sucessivos à legitimidade com que, com muita impunidade, atingem e mancham a prática democrática da justiça social. Esta situação com aspectos sociais verdadeiramente calamitosos é fácil de constatar-se pelo conhecimento dos sucessivos retrocessos dos indicadores sócio-económicos de referência, pelos sucessivos escândalos dos atropelos à legalidade, pela exibição constante duma propaganda política falaciosa, senão mentirosa e, também, pela exibição mal disfarçada dum constante servilismo político-económico internacional.
Bastará fazer-se a leitura da Constituição da República Portuguesa para ficar a saber-se que, apesar de não estar expresso, a situação de dependência nacional não é uma circunstância minimamente reconhecida, sequer admitida, contudo, a vivência nacional diz-nos que ela existe, é superiormente bem acolhida e, também, como tudo leva a demonstrá-lo, tem conduzido a um acentuar constante do défice democrático que é aceite sem contrariedade de maior pelos partidos políticos que dominam a vida política e social portuguesa.
Os portugueses têm de ser súbditos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma sucursal dos Estados Unidos da América do Norte e, também, têm de ser súbditos da União Europeia (EU), uma sucursal do centralismo franco-germânico. Por força da primeira organização – uma herança do salazarismo – são obrigados a assumir compromissos e acções ao serviço dos interesses estratégicos expansionistas do imperialismo ianque que, no mundo, são cada vez mais reprovadas e condenados. Por força da segunda – uma imposição ditatorial do soarismo – têm de ter uma política internacional que é aquela das potências continentais centro-europeias; têm de ser importadores forçados de tudo quanto lhes é mais necessário; estão sujeitos às regras neoliberais impostas pelo mercado europeu; têm desigualdades sociais que geram verdadeiros abismos sociais e, de facto, vivem sob a pressão duma aculturação importada que, para cúmulo, não é deliberadamente contrariada pela acção educativa da escola cuja, também, para tudo piorar, recebe o suplemento negativo da ajuda inteiramente “pimba” que a comunicação social, de sobremaneira, sabe publicitar e incentivar.
A política internacional portuguesa teria de ter sido conduzida, como tem sido, sob o signo da dependência do exterior?
A política internacional portuguesa terá de continuar a ser conduzida deste mesmo modo?
As consequências do 25 de Abril não deveriam ter conduzido Portugal para uma posição sem alinhamentos políticos?
Aceite-se – é demasiado óbvio – que Portugal não tinha, nem tem, ao seu alcance a mínima possibilidade de dissolver, sequer tentar dissolver, quaisquer blocos político-militares e como tal, nem por sombras, fossem quais fosse as circunstâncias, pudesse admitir-se a hipótese de forçar a desmobilização da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ou do já defunto e não menos atrabiliário Pacto de Varsóvia. Mesmo assim sendo, como é, nada, no direito internacional, inclusive qualquer deliberação da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (AGOTAN), podia e pode obrigar Portugal a coibir-se de manifestar declaradamente a sua oposição activa e efectiva à persistência de quaisquer pactos político-militares e, nesse contexto, a pronunciar-se por querer excluir-se da OTAN.
O texto constitucional português, embora com alguma tibieza e sem quaisquer consequências, pronuncia-se pela dissolução de todos os blocos político-militares, porém, quem tem governado, jamais, tomou qualquer atitude no sentido de dar corpo ao preconizado na legislação fundamental.
Desse modo, na medida dos seus interesses geoestratégicos próprios, da sua letra constitucional e das suas possibilidades políticas e diplomáticas, Portugal, em termos políticos e, por desígnio, em favor dos princípios democráticos, podia conseguir dar uma indicação concreta, a todo o mundo, da assumpção duma atitude perfeitamente legítima em matéria de política internacional que fosse claramente descomprometida com alianças político-militares multilaterais, para mais comprovadamente agressivas. Seria um exemplo de independência política impossível de ser julgada como uma atitude de política internacional desprezível ou errada, antes pelo contrário, seria um comportamento político autónomo posto em favor do justo orgulho nacional, da Paz mundial e do melhor entendimento de todos os Povos. O que aconteceu? Como é que as coisas aconteceram?
As altas instâncias dos Órgãos de Soberania e os maiores partidos políticos portugueses, ao arrepio das melhores disposições expressas no texto constitucional nacional, proclamaram e festejaram, com entusiasmo redobrado e continuado, a ligação de dependência, em alto grau, frente à OTAN, um bloco subentendido, no número 2 do Artigo 7º do actual texto constitucional português, como mais um que esse alto instituto jurídico desejava fosse destinado à dissolução. Ao seu arrepio, prosseguiram com uma integração nesse bloco politico-militar multilateral que desde o seu começo esteve sempre colocado ao serviço duma potência mundial, os Estados Unidos da América do Norte (EUAN) afinal, um estado reconhecido, desde a sua fundação, pelas suas pretensões hegemónicas e em cuja história são bem conhecidos variados esbulhos territoriais operados sobre territórios e estados tanto da sua vizinhança próxima como, também, sobre outros, a maior ou menor distância, particularidades que não deveriam ter sido esquecidas, pela flagrante contradição, com o momento histórico em que Portugal vivia ao libertar, em favor das suas Independências, os territórios coloniais que ocupou durante séculos.
(Continua)
Segunda-feira, 28 de Junho de 2010
Carlos Leça da VeigaHaverá interessados numa Terceira República?Se não podem haver dúvidas sobre o benefício da chegada a Portugal dos primeiros iluminados já o mesmo não será possível dizer-se sobre quantos, por cá, pretenderam seguir-lhe e continuar-lhes as passadas.
Ainda hoje, com resultados muito insatisfatórios, continua a fazer sentir-se a influência dessas gerações de continuadores que, entre nós, passaram a ter presença um tanto influente para – quantos sem merecimento – alcançarem uma posição avassaladora e decisiva na sua intervenção cultural que, como a História no-lo demonstrou, não teve reflexo à altura do que era mais necessário à população nacional e, também – terá de reconhecer-se – foi muito mal sucedida na sua contribuição, chame-se-lhe, de feição política.
Na verdade, assim aconteceu tanto no período da Monarquia constitucional como naquele da Primeira República em que, uns atrás dos outros, tanto os idealismo dos reaccionários como os dos jacobinismos destemperados, com os seus erros políticos em acumulação crescente, haveriam de vir a descambar na ditadura do salazarismo fradesco, uma particularidade amarga que levou o país para cinquenta anos dum absolutismo neomiguelista cujos resquícios lamentáveis, de novo – digam o que disserem – vivem, a lume brando, numa lenta mas paulatina emergência. Mais uma vez, importa tentar contrariá-los.
Na Segunda República, esta em que vivemos, os herdeiros políticos dessas castas política e intelectualmente dominantes são, hoje em dia – evolução a quanto obrigas – os proprietários possidónios duma pequenez mental digna de nota que só têm sabido colocar os portugueses perante uma democracia viciada, um regime de compadrios e nepotismo, um dia a dia de ilegalidades e de desconchavos, tudo sem qualquer sanção jurídica e, forte vergonha, numa despropositada submissão ao expansionismo despótico dos interesses políticos, económicos e militares tanto da OTAN/EUAN (recorde-se o salazarismo) como duma EU, esta, em evolução para o IV Reich.
Foi à custa substancial dessa racionalidade importada do centro europeu – uma zona europeia com percursos e interesses históricos completamente distintos do português – que a tal “modernização” por cá tem estado a ser imposta, alcançou ganhar um estatuto saliente, gerou iniquidades, distribuiu benesses, provocou pobreza, desemprego e precariedade para, a todo o instante – tenha para isso uma oportunidade política – à custa de manobras propagandistas e, por igual, dum pessoal político bem adestrado saber apresentar-se como sendo e tendo a melhor resposta política e económica para Portugal que, como reafirmam – tal a sobranceria exibida – é a única resposta para o que designam como as inquestionáveis necessidades nacionais.
Trata-se duma versão recente daquela muito querida por uma certa intelectualidade – se o foi e se o é – que, desde há cerca de duzentos e cinquenta anos, com uma fidelidade canina, prossegue na cópia de regras, hábitos, costumes, revoluções e perspectivas importadas do estrangeiro. De facto, para as figuras públicas mais proeminentes – os verdadeiros chefes de fila e os indutores efectivos da opinião pública – é indiferente, por completo, saberem para que serve o que mandam vir de fora, desde que as suas carreiras pessoais, as suas apetências ideológicas, as suas vivências mundanas e os seus patrimónios prossigam com destaque social. Para tanto basta-lhes que a sua linha política interventiva deve sujeição, aliás bem favorecida, às determinações do exterior sejam às da OTAN/EUAN, sejam às da UE, organizações que, uma e outra, são pródigas em facultar-lhes toda a protecção política e social necessárias.
Por muito que seja dito o contrário, qualquer destas organizações internacionais, anos a fio, mantêm uma encenação política que reafirmam ser democrática, porém, a verdade manda dizê-lo, repleta de aparências enganadoras que, contra toda a evidência, minuto a minuto, é muito elogiada, pelos próceres portugueses, esses morgadelhos de arribação. São organizações internacionais que, bem feitas as contas, só têm prejudicado a imensa maioria da população portuguesa, como disso é-nos dado conta, por serem elucidativos, não só os maus indicadores económicos, sucessivamente produzidos como, também, os envolvimentos disparatados em quezílias internacionais em tudo estranhas aos interesses e tradições nacionais.
(Continua)
Domingo, 27 de Junho de 2010
Carlos Leça da VeigaO substrato mafioso do neoliberalismo económico (Continuação) Essas particularidades e circunstâncias eram, e são, pormenores históricos com valia avultada, impossíveis de serem ignorados, muito menos, de não serem uma constante política irredutível e insusceptível duma qualquer mudança de direcção, muito menos se conduzida ao sabor duma qualquer importação alienígena que, sem respeitar a expressão livre da vontade democrática da população portuguesa, possa atingir – como está a acontecer – a própria feição cultural nacional radicada, apesar de tudo e contra tudo, numa sua matriz universalista, velha de séculos, possuidora de singularidades muito eficientes, mau grado o desprezo a que tem sido votada, contra a melhor corrente da História, desde que, após a Descolonização, passou a dispor de potencialidades internacionais perfeitamente ímpares e muito positivas. Em que Estados há só uma Nacionalidade?
Portugal, a população portuguesa, mau grado sujeita, ao longo dos séculos, aos flagelos de variadas intermitências históricas capazes, cada qual, das piores alienações políticas e culturais, agora, nos anos derradeiros, depois da esperança vivida com a Libertação Democrática do 25 de Abril, retrocede e, mais uma outra vez, aparece molestada pela invasão insidiosa, aliás intencional, dum aculturação importada que, mal vão os tempos, persiste em fixar-se e avolumar-se para, por fim, tudo conseguir descaracterizar.
Quaisquer soluções arquitectadas pelas mentes dos chamados economistas – é uma experiência com um ror de anos – está condenada ao fracasso.
Não há memória dalguma vez terem acertado nos prognósticos propostos.
Não há uma ciência económica mas sim avaliações estatísticas deduzidas numa fase posterior aos acontecimentos que, quando muito, caracterizarão o acontecido, jamais aquilo previamente antevisto, nunca o que, na realidade, irá acontecer e muito menos – a ideologia não tem permitido – a razão mais plausível dos falhanços dos acontecimentos transactos. Desde uma nomenclatura exaustiva e hermética para designar as contingências mais vulgares do deve e do haver dum qualquer contabilista até aos embustes teóricos mais rebuscados sobre as recessões, as retomas, as inflações, as deflações e os ciclos, tudo é imaginado – tem de reconhecer-se – na certeza de ser obrigatório garantirem-se as mais valias aos proprietários do investimento para cuja protecção especial há, em permanência, economistas de serviço e, caso disso, as forças da ordem. Com toda a legitimidade, perguntar-se-á se a economia é, ou não, um serviço, com aparência científica, prestado em concordância total com a vontade interessada dos possidentes? Tudo é desenhado para dar lucros a uns poucos e, fazê-lo, à custa de muitos. O contrário, uma economia a sério, isso nunca foi visto.
De Portugal, anos atrás – é uma minha repetição – bem podia dizer-se que era um país de juristas, colonialista e militaristas mas que, tal foi a mudança para pior, passou a ser, em exclusivo, de economistas e de gestores, contudo, triste realidade, daqueles mais dados a oportunismos e compromissos imperdoáveis.
Sábado, 26 de Junho de 2010
Carlos Leça da VeigaO substrato mafioso do neoliberalismo económico Num discurso nacional começado a afirmar-se, com toda a razão de ser, por alturas da governação joanina do século XVIII, muito vivificado no consulado pombalino e, mais tarde, sem a razoabilidade e a oportunidade mais exigíveis, tornado num discorrer reiterado, insistente e desmesurado era reclamada a necessidade imprescindível duma pronunciada renovação da vida portuguesa que, conforme afirmado e reafirmado era, como continua a dizer-se, uma necessidade nacional irreprimível e inadiável, face ao que, já lá vão dois séculos, passou a ser designado ora por decadência nacional, ora por atraso nacional.
Embora nada deva opor-se, bem pelo contrário, ao inquestionável desiderato nacional de, a todo o custo, querer buscar-se para a sociedade portuguesa, com afinco máximo, um desenvolvimento político, económico, cultural, ambiental e social passível de poder reconhecer-se como justo, digno, saudável e democrático, importa contrariar-se sem receio – como não tem acontecido – um mero crescimento económico imaginado – como tem acontecido – primeiro sob o signo da modernidade, anos depois sob os auspícios do modernismo ou, como nos dias de hoje, sob o clamor europeísta e dum modo um tanto possidónio, da modernização.
Importa defender-se que o maior objectivo antevisto e proposto deva ser o da procura duma efectiva justiça social distributiva, fácil de reconhecer-se e que, para assim poder considerar-se, tem de estar assegurada por um caminhar sustentado numa Democracia verdadeiramente participada que ofereça as máximas possibilidade de realização do ser, do ter e do saber. Importa, também, que esse caminhar não seja alicerçado, como tem sido tentado, inconsequente e sucessivamente, desde o alvor da República, na transitoriedade dum positivismo filosófico posto ao serviço do jacobinismo político, na entrega do país aos ditames inconcebíveis duma ditadura fascista, na subserviência vergonhosa, como o foi, face a quaisquer dos dois expansionismos imperialistas em disputa ou, ainda, como tem sucedido nos últimos anos, nos sustentáculos economicistas rendidos à omnipotência do mercado neoliberal que se, ao longo de muito tempo, conseguiu permanecer servido por um racionalismo de sabor romântico, agora, nos últimos anos, a acompanhar de muito perto as imposições da multilateralidade política europeia, aparece enroupado com tiques um tanto messiânicos que, todos eles, uns após outros, ao falharem, acabaram por revelar o seu substrato mais verdadeiro, de sobejo, o mafioso.
Aquilo que para o futuro dos portugueses e das portuguesas deverá ser uma necessidade programática indubitável e premente, tem de ser escorado – para que não claudique – nas exigências dum pensamento dialéctico que só ele é susceptível de formular, por devir, um projecto de desenvolvimento autodinâmico capaz de ter em permanência e em linha de conta, sem hesitar, acima de tudo, a evolução histórica do país. Tem de reconhecer-se, que desde o término da sua hegemonia mundial, nos finais do quinhentismo, Portugal, pela mão das suas classes sociais dominantes e à revelia dos interesses da arraia-miúda, tem sofrido múltiplos e variados atropelos inclusive retrocessos que, quantos deles, dir-se-ão muito gravosos, porém, nada aponta no sentido de não ser possível e muito desejável querer repará-los ou, apenas, de tentar querer fazê-lo. Actualizar o país com a Democracia que não tem havido e considerar garantida, sem apelo, a equidade social mais imprescindível é, sem margem para dúvidas, a tarefa mais premente e a que tem de tornar-se no escopo dum novo estatuto constitucional capaz de fundar uma Terceira República.
Na ânsia da chamada “modernização” (um mero crescimento económico produzido a qualquer preço e sem olhar à justeza da sua redistribuição) tem sido esquecido, como continua a fazer-se que, Portugal, com séculos duma continuidade histórica, boa e má – coisa que, agora, não vem ao caso – tinha e deve ter ao seu serviço, como qualquer Nacionalidade, as particularidades estratégicas e de circunstância reconhecidas como as mais aptas, umas e outras, para afirmarem a defesa intransigente do seu legítimo percurso histórico e da sua própria evolução política, embora – como deve ser e por sua vontade expressa – uma evolução aberta ao mundo na tarefa nobre de defesa da Paz mundial e na do entendimento solidário de todas as Nacionalidades.
(Continua)
Quinta-feira, 24 de Junho de 2010
Carlos Leça da Veiga(Continuação)Toda a realidade política decorrente tanto da submissão portuguesa à OTAN como, também, da sua integração na União Europeia – não há outra política para poderem fazer-se aferições e comparações – constitui-se, com toda a objectividade da causa para efeito, como a particularidade mais responsável não só pelos prejuízos políticos, económicos, culturais e sociais que, dia após dia, recaem sobre a generalidade dos portugueses como, por igual, provocam a perda lamentável da visibilidade internacional de Portugal. Tudo o que possa dizer-se em sentido contrário não passa dum oportunismo político baseado na ideia ultrapassada que a Europa prosseguirá no mundo com o seu estatuto tradicional. Políticos e comentadores não conseguem afastar-se do caminho que está a levá-los à derrota.
Portugal que com o 25 de Abril deu um passo histórico verdadeiramente democrático e progressista, depois, pela mão dos dirigentes político-partidários, acabou por ter de ver-se enfeudado com tudo quanto representa retrocesso económico irreparável, submissão inaceitável à vontade do exterior e ausência total de boas perspectivas estratégicas.
Afinal em que parte do mundo é que estão a surgir, com sucesso económico estrondoso, os grandes potentados económicos?
Afinal com que parte do mundo é que, de facto, interessa ter mais e melhores relacionamentos?
A redefinição do centro do poder estratégico mundial jamais voltará a dar predomínio a qualquer dos Estados europeus, dos continentais, sobretudo.
Assim, para que parte do mundo deve caminhar Portugal?
Para aquela que, como deve ser, nunca praticou alinhamentos políticos com conglomerados multilaterais e que, na voz dos dirigentes do mundo ocidental, regra geral, foi sempre rotulada – erro tremendo e irreparável – como terceiro-mundista ou, muitas vezes, com desprimor e sobranceria inaceitáveis, de atrasada.
Na Constituição tinha de ter-se optado por uma linha de intervenção definitiva, peremptória e claramente adversa de quaisquer conluios internacionais com pactos militares ou civis de índole multilateral e de natureza expansionista. A verdade é que, para as cúpulas partidárias que têm comandado os destinos portugueses posteriores ao 25 de Abril, o caminho preferido tem sido o da aceitação despundonorosa da dependência nacional que, à custa duma propaganda política de baixo estofo, tentam exibir como uma comparticipação activa numa luta internacional em favor da Democracia contudo, atente-se, ou naquela sujeita á versão ianque, prepotente, asfixiante, hegemónica e de índole militarista ou, por igual, naqueloutra filha dos famosos, velhos e bafientos equilíbrios estratégicos europeus, muito viciados e imensamente destorcidos pelo poder dos seus interesses expansionistas – económicos e políticos – completamente desajustados e muito recusáveis, dos Estados continentais do centro europeu.
A verdade é que a Constituição portuguesa está muito longe de ser um instrumento político suficientemente poderoso, de verdade, colocado ao serviço da Democracia, da Independência e da Soberania Nacionais e, como assim, é difícil não dizer-se que, afinal, a avaliar pelos procedimentos políticos observados dia a dia, de facto, a Constituição até afoga a Independência Nacional.
Na Constituição da República Portuguesa, no número três do seu Artigo 7º, está escrito que “Portugal reconhece o direito dos povos à sua autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão”.
Infelizmente esse reconhecimento não passa de mais outra frase que a nada obriga. Se assim fosse não era possível aos sucessivos governos portugueses continuarem a não apoiar, como exemplos muito pertinentes, entre muitos outros, os movimentos de independência justíssimos que, duma maneira mais ou menos evidente, têm a coragem de insurgirem-se contra, entre outras, as dominações castelhana, inglesa, prussiana, piemontesa, russa ou chinesa. Quantas Nacionalidades subjugam? “La «troisième Europe»” – escreveu o bretão Yann Fouéré, em 1968, na sua obra L´Éurope aux Cent Drapeaux – “ne pourra naître que de léffacement dês actuels États-nations souverains, communs diviseurs de l´Europe et legs attardé du XIX siècle: ces grandes formations étatiques – France, Espagne, Italie, Belgique, Grande-Bretagne, Russie …. – doivent être divisées.”
A população portuguesa, não pode contentar-se em aceitar os adornos de hipocrisia que, os Constituintes, por puro oportunismo político, entenderam apropriado e conveniente introduzir na letra do número três do Artigo 7º da Constituição da República. De facto nunca foi visto que Portugal – tanto os seus representantes oficiais como, até, quaisquer dos das suas forças partidárias – tenha sentido a obrigação política e ética de ter uma intervenção activa em favor de quaisquer dos movimentos independentistas espalhados pelo mundo ou, por igual, de exercer uma condenação concreta, caso a caso, de quaisquer formas de opressão sobre quaisquer Nacionalidades que não tenha sido, triste realidade, por determinação prepotente ou com a anuência interesseira da política expansionista dos EUAN.
Portugal, sem que nada possa obstá-lo, precisa e deve procurar o espaço internacional que lhe seja mais necessário e mais favorável para a consequente afirmação da sua particularidade política muito invulgar, valiosíssima e, provavelmente, ímpar – no mundo poucos conseguirão exibi-la – de não ter quaisquer Nacionalidades subjugadas logo, desse modo, ser um país que pode afirmar-se, sem margem para quaisquer dúvidas, como um farol do legitimo direito democrático à autodeterminação e independência de todos os Povos que, em todos os continentes, desde há séculos, ainda permanecem sujeitos a autoridades estrangeiras. Quais – raríssimos – sem telhados de vidro, estarão tão bem colocado como Portugal para poder falar duma nova ordem internacional democrática?
É inaceitável a desculpa, agora em grande circulação, que pretende contrapor e subverter o valor e o orgulho indispensáveis da Independência política aquele dos interesses económicos dos grandes espaços territoriais.
Na República actual, tal como na Primeira, quem nelas pôs e dispôs, aceitou e aceita prosseguir, senão incentivar – muito negativo – uma ligação internacional alicerçada na dependência absoluta dum potência hegemónica que se deixou de ser a da pérfida Albion (bem aceite e bem mendigada em 1910, tal como o fora, por três séculos, com os Braganças) passou a ser a ianque acrescida depois, anos após, por aqueloutra centro-europeia, cujas, por igual, uma ou outra, a modos distintos, não deixam de ser asfixiantes.
Se na Constituição da Primeira República Portuguesa o assunto das alianças multilaterais com o exterior não foi versado, na da Segunda* – a de agora – bom grado, por expresso, no texto constitucional, aparecer afirmado que Portugal é avesso à sua inclusão em pactos político-militares inclusive avance com uma afirmação sobre a sua necessária desarticulação (o já citado número dois do Artigo 7º), apesar de tudo isso – é uma repetição intencional – Portugal, o governo português, com a integração na OTAN, não só prossegue numa prática semelhante à do tempo do salazarismo como, para cúmulo, à semelhança dos erros da Primeira República, excede-se e facilita contingentes militares expedicionários sobre o pretexto ardiloso da defesa e da promoção da paz em territórios com cujos problemas internos e, em muitíssimo especial, com os de política exterior nada há em comum e, talvez mesmo, até só haja inconvenientes muito sérios em aceitarem-se envolvimentos intempestivos, por evento, politicamente irreparáveis já que em desacordo total com a tradição política portuguesa. É incompreensível que os portugueses aceitem – ao sabor dos interesses ideológicos de ocasião – como um bom procedimento político que possa haver uma rarefacção dos relacionamentos bilaterais com quem não temos qualquer litígio, isso em troca de oferecer-se alguma ajuda à potência que, no mundo, mais atenta contra a Paz
Quarta-feira, 23 de Junho de 2010
Carlos Leça da Veiga(Continuação)Ao sair-se do fascismo cinquentenário e da prática colonialista secular só havia que procurar-se uma presença internacional não alinhada com vista a uma inserção mundial em todos os azimutes, muito em particular junto àqueles países com que, mundo fora, de há muito a esta parte já tínhamos contactado – o velho e bem sucedido universalismo dos portugueses – e que, nos últimos anos, alguns deles – a História está a confirmá-lo – são, no mundo, os novos potentados económicos que, estes sim, logo após o 25 de Abril, deviam, com devem, merecer aos portugueses as relações bilaterais mais constantes, intimas, reforçadas e amistosas. Sem que devam abrir-se excepções para os relacionamentos amistosos com o exterior não é possível esquecer, por todas as razões, a totalidade dos Países da Lusofonia com os quais é obrigatório manterem-se laços muito estreitos, senão mesmo franca e claramente preferenciais. A lusofonia é uma arma estratégica de importância capital para uma afirmação internacional autónoma e forte.
A opção geoestratégica portuguesa, uma vez terminado o seu império ultramarino, como era, e é, da sua conveniência deve retomar a prática política internacional do seu bem sucedido universalismo de antanho e fazê-lo não só por uma questão de fidelidade histórica mas, também, para poder colher benefícios dos consequentes relacionamentos bilaterais sobretudo com cada qual daqueles grandes potentados económicos que se, hoje em dia, já estão colocados muito para além duma simples emergência, muito em breve, alcançarão preponderância significativa, senão decisiva, na vida internacional.
Se, por força e na consequência das Descobertas, esse universalismo português foi praticado séculos atrás – antes mesmo que o fosse tentado ou conseguido por qualquer outro Estado do mundo – então, após o 25 de Abril e, por maior razão, depois da Descolonização podia e devia ter sido retomado já que, mercê das consequências felizes destes factos históricos, Portugal passou a dispor de condições políticas para poder alcançar uma afirmação internacional muito positiva e inequívoca. Ao contrário do que tem acontecido será bom não esquecerem-se mas, sim, reavivarem-se as excelentes, notáveis e inequívocas visibilidade e projecção políticas internacionais que, em 1975, foram obtidas por Portugal e que, todo o mundo, viu confirmadas na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, quando aí discursou o então Presidente da República, Marechal Costa Gomes.
Logo após o 25 de Abril, graças à concretização da determinação portuguesa de descolonizar e de fazê-lo – assim teve de acontecer – sem perspectivar quaisquer formas de neocolonialismo, então, a identificação, o prestígio mundial, o reconhecimento manifesto inclusive o aplauso internacional obtidos por Portugal, sabe-se e confirma-se, estiveram em alta. Depois, tudo tem vindo a perder-se e não são os ”happenings“ pseudo-políticos, nacionais ou internacionais, umas meras fachadas da produção político-partidária portuguesa, quem consegue disfarçar tão indesejável retrocesso.
Ano após ano, identificação, reconhecimento ou aplauso têm-se perdido e, por infelicidade, bom grado as potencialidades políticas de Portugal, só resta uma presença internacional meramente consentida e, é bom não esquecer, descaradamente explorada.
Portugal, uma vez liberto da ditadura salazarista e com o país regressado à sua dimensão territorial europeia tem condições e deve definir, com autonomia total a sua estratégia política mais fundamental. Tem de caminhar-se no sentido da defesa intransigente tanto da Independência Nacional – um bem estratégico mais que fundamental – como, também, da procura duma grande abrangência mundial – o universalismo – e nunca, ao contrário do que tem estado a fazer-se, a exibir-se esta Pátria com oito séculos de História como um instrumento dócil, servil e subsidiado por qualquer congregação política de natureza multilateral (UE ou OTAN) forjada com objectivos estratégicos políticos, económicos, culturais e sociais próprios dos interesses expansionistas de potências com finalidades estratégicas nada identificáveis com as da História da população portuguesa, sobretudo, as daquela mais recente e, muito menos – disso pode estar-se certo – com quantas digam respeito ao futuro nacional.
Como se já não bastasse que a governação portuguesa aceite a dependência político-militar da OTAN que a própria Constituição da República indica como coisa indesejável, os portugueses foram obrigados a sujeitar-se – sem serem consultados – às exigências das potências continentais centro-europeias imaginadas, a si mesmas – onde vai a imaginação – como sendo, hoje em dia, as possíveis continuadoras dum passado de dominação mundial que, por bem, já terminou e terminou de vez com o final da Segunda Guerra Mundial e com a eclosão feliz, em todo o mundo, das Libertações Nacionais que, como assim, ditaram uma natural e consequente reorganização da vida mundial.
Com o fim das vantagens económicas resultantes da dominação e exploração colonial engendrada, mantida e reforçada pelas potências europeias o que restará para a Europa como fonte de receita própria, com valor económico significativo?
Se, no mundo, há, ainda, quem possa precisar de adquirir o que quer que seja de produção europeia – uma circunstância já muito pouco líquida – dentro de muitíssimos poucos anos quem continuará a precisá-lo?
Então como é que os grandes possidentes europeus pensam conseguir resolver a crise económica sem, desde logo, abalarem a sua actual estrutura sociopolítica e, também, abandonarem os seus sonhos de importância mundial? Hitler, no fim da carreira esperava ter uma arma nova para dar-lhe a vitória; agora, em Bruxelas, estar-se-á à espera algum produto novo cuja venda venha salvar o mundo velho?
(Continua)
Terça-feira, 22 de Junho de 2010
Carlos Leça da VeigaUma Constituição que afoga a Independência de Portugal A partir de 1974 não devia ter-se aceite a manutenção de sujeição político-militar face à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e, sobretudo, em sua concomitância, às exigências de igual ordem dos Estados Unidos da América do Norte (EUAN), isso, quanto mais não fosse, pelo seu sentido político eminentemente expansionista, pela sua malfadada agressividade militar e, também, se outras mais razões não houvesse, pelo apoio indesmentível que, sempre, OTAN e EUAN quiseram dar ao salazarismo.
Essa organização multilateral político-militar, na prática concreta, é uma indesejável “marionnette” às ordens dos EUAN que, com despudor, obrigava – continua a obrigar – Portugal a uma subserviência indigna que, desde muito antes de 1974, se não só já era um facto comprovado era, também, um juízo de valor em completo desfavor do salazarismo e repetido constantemente pelos autênticos oposicionistas desse regime ditatorial. Sob a capa da defesa do que chamam civilização ocidental, nada mais é pretendido que não seja garantir, aos EUAN, a sua posição de dominância instalada e, por igual, dar passos no sentido duma sua expansão sem limites.
Se, por razões da evolução da sua política externa, os EUAN tenham acabado por não poder prosseguir no apoio activo da ditadura salazarista – o colonialismo português prejudicava-lhes a imagem na sua campanha anti-soviética e pró direitos humanos – nada pode desculpar que, logo no final da Segunda Grande Guerra, depois de tantas promessas de Liberdade e de Democracia que os Aliados deram ao mundo, os seus comandantes, os EUAN, mas não só, tenham aceite proteger e servir-se de Salazar e Franco.
Essa ligação de sujeição que o salazarismo ofereceu à OTAN e à potência que a domina, foi um reforço poderoso do estrangulamento político imposto durante cinquenta anos à população portuguesa mas que, também, por interesse do imperialismo ianque, como a História demonstrou, actuou constantemente com benefícios políticos recíprocos.
Afinal os beneficiários do 25 de Novembro – pois é destes que deve falar-se – entenderam por bem continuar ao serviço duma política internacional de agressão, porém, como bons hipócritas, escreveram o Artigo 7º da Constituição, designadamente, o seu número dois e, desta maneira, fingiram apresentar-se como progressistas, inimigos do imperialismo, amantes da liberdade e defensores da dignidade dos povos.
Só a força dos interesses ideológicos alienígenas, todos eles de muito mau cariz – os de Leste, sorte a nossa, nada conseguiram; os de Oeste, azar nosso, pelo contrário – é que, associada com aquela de certas personalidades nacionais do pior jaez e ínsitas na alta hierarquia partidária portuguesa, é que tudo tem sido feito para manter, senão reforçar a dependência portuguesa face à política expansionista da OTAN que é, dito doutro modo, a dos EUAN. À custa dessas personalidades portuguesas mantidas, a qualquer preço, em estado de disponibilidade e prontidão para conseguirem assenhorear-se do poder político é que têm sido feito esforços constantes e reiterados de doutrinação destinados a fazerem ignorar e esquecer que a oposição nacional ao salazarismo assacava, com justeza e desprimor muito sentidos, bastos malefícios à sujeição portuguesa àquela organização político-militar que, anos sobre anos – não deve esquecer-se e não pode deixar de voltar a repetir-se – foi uma aliada do regime ditatorial derrubado em 25 de Abril de 74.
Com efeito, depois do 25 de Abril de 1974, devia ter-se pedido escusa e abandonado aquele pacto político-militar que tanto havia abençoado o salazarismo e que, para mais, no mundo, alimentava uma guerra fria contrária, em tudo, aos objectivos estratégicos perspectivados pelo 25 de Abril que – importa reconhecer-se – eram aqueles mesmos ambicionados, apoiados e proclamados pela generalidade da população portuguesa, de tal modo, como ficou bem patenteado, até foram respeitados – sem consequências reais – na letra constitucional pela maioria dos Constituintes de 1975.
Na verdade, defender-se o abandono da OTAN não é caso para quem quer que seja poder dizer estar a querer aventar-se um posicionamento político impossível ou, por igual, estar a defender-se o contrário da vontade nacional já que, na realidade indesmentível, outra leitura não pode fazer-se do que está escrito na actual Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1975. Esta, como tem disposto, não vê com bons olhos a inclusão nacional em conluios internacionais político-militares indo ao ponto de preconizar, por expresso, que terminem pela sua dissolução.
Afinal o que tem acontecido? Apenas mais um desrespeito pelas disposições constitucionais e, de verdade – isso é indiscutível – nenhum executivo nacional, nem qualquer legislativo deram ouvidos ao estatuído na Constituição que, tem de reconhecer-se, é demasiado tíbio para não dizer permissivo.
Com efeito, o Artº.7 da Constituição vigente, que volta a ter de referir-se, é mais uma outra passagem do texto constitucional português que, a avaliar pela realidade vivida, não passa duma afirmação, dir-se-á piedosa – para não dizer desonesta – sem qualquer vigor político porquanto, em todos os seus sete números, nada estipula, com clareza e frontalidade, contra qualquer hipótese da aceitação dum dependência política do exterior, antes porém, como está escrito no número dois daquele Artigo constitucional, “Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares …..”.
Quando a lei fundamental só é bastante para contentar-se em preconizar uma oposição contra várias modalidades dum qualquer constrangimento político-militar que possa recair sobre a livre autonomia de qualquer Povo, então as coisas estão a correr mal e muito terá de duvidar-se da democraticidade autentica dos Constituintes portugueses de 1975 mas, também, não esquecer, de quantos, de revisão em revisão, prosseguem na mesma linha.
A Constituição devia conter determinações frontais, firmes e obrigatórias para uma recusa total da aceitação de qualquer daquelas modalidades de violência imposta fosse a Portugal, fosse a outro qualquer Estado. A não ser assim, então, qualquer cidadão pode concluir que a Constituição da República não passa dum repositório de intenções plenas de hipocrisia ou, talvez, por que não dizê-lo, de traições à Democracia.
(Continua)
Sexta-feira, 18 de Junho de 2010
Carlos Leça da Veiga
É preciso começar a pensar numa Terceira República. A Constituição da República, tal com está instituída, é uma solução política que deve ser contestada tendo em vista o seu abandono e a sua substituição por um texto fundamental aprovado por plebiscito nacional que, pelo menos, abula as disposições actuais consideradas erradas por serem, desde logo, limitativas do exercício bastante e suficiente da cidadania e que, também, como é premente, acrescente quantas garantam, comprovada e inequivocamente, a todo o instante, a salvaguarda efectiva da vontade livre da população e das condições reais da vida nacional. Textos constitucionais com tibiezas e falhos de compromissos políticos frontais, definitivos e inquestionáveis não servem os Cidadãos e tudo permitem.
A Terceira República, com uma outra Constituição, tem de conseguir impor-se.
Na vida, como na ciência, só há progresso pela eliminação de tudo quanto esteja comprovadamente errado e nunca pela afirmação de verdades que, estas, quantas vezes, acabam por não ser verificáveis. Nada de ortodoxias!
Desde 1820 que as produções constitucionais portuguesas, nas suas variadas formulações – excluam-se as perturbações fortemente antidemocráticas do cabralismo, do sidonismo e do salazarismo – uma após outra, com uma constância sistemática, têm pontuado a vida político-social portuguesa contudo, em boa verdade, nunca tiveram as actualizações nem as adaptações mais imperiosas antes sim, no seu essencial, com desprezo por quanto a sociologia poderá ensinar, permaneceram limitadas a repetir quanto, em matéria de organização constitucional, é importado do exterior europeu.
Na Europa e para a Europa, o reino unido e o estado francês, têm sido os fornecedores tradicionais das modalidades constitucionais que, como noutros estados, fazem as suas aparições. Desde os idos da Magna Carta, passando pelo “Bill of Rights”, pelo retrocesso intolerável consequente ao discursar de Burke e pelo falhanço constitucional do regime de assembleia da Revolução setecentista no estado francês, o modelo constitucional adoptado para os portugueses prossegue inalterado no mais fundamental. Tudo continua a passar-se como se nada mudasse na História. Tudo tem sido arquitectado sem ter-se na conta devida o número dos Homens e das Mulheres que, sucessivamente, ao longo da História, adquirem consciência social, ganham instrução, reforçam e aperfeiçoam a sua herança cultural, sentem e percebem a força das ideias, reconhecem o direito de partilhar todos os benefícios, desejam as vantagens dum desenvolvimento humanista, reclamam os seus reposicionamentos sociais e, com maior ou menor discernimento político, reclamam o direito de participar no usufruto da liberdade, da igualdade e da fraternidade que, a todos, por igual, tem de contemplar. Nas sociedades actuais as mudanças sociais não podem deixar de fazer sentir-se a todos os níveis institucionais e, consequentemente, as Constituições políticas dos Estados, para poderem afirmar-se como democráticas, têm de contemplá-las com uma ponderação que resulte dum balanço entre quanto do passado, por ser vantajoso, deverá persistir e quanto de novo, no presente, por ser ambicionado, tem de ser incorporado, tudo deliberado, em última análise, pelo escrutínio do universo eleitoral nacional entre quantas propostas sejam apresentadas à eleição.
(Continua)
Quarta-feira, 16 de Junho de 2010
Carlos Leça da VeigaA Constituição parece estabelecer uma certa animosidade com os Cidadãos. A rua, o sentir popular, afinal, o autor dos passos mais proeminentes da História nacional, esse, na vontade dos maiorais, em definitivo, tinha que ser proscrito. Como assim, a Constituição, fruto dos ardis daqueles partidos políticos, soube consagrar todos os mecanismos constitucionais mais precisos para que, em última análise, paulatinamente, sempre que necessário para os mais poderosos, ano após ano, fosse permitido conseguir acabar por garantir-se a supremacia ideológica do neoliberalismo e do seu capitalismo multinacional, por eufemismo, apelidado de economia de mercado, mercado do qual, para não terem de sentir adversidades dignas de nota, insistem em excluir o imprescindível capital público das actividades com possibilidades lucrativas. Para que, a prazo breve, nada viesse a poder beliscar os interesses dos possidentes do sector privado – a Constituição é frágil e permissiva – destruiu-se o sector público da economia nacional portuguesa cuja presença nos jogos do mercado – uma situação legitima, muito desejável, imensamente recomendável e não menos necessária – por força da concorrência haveria de poder beneficiar os orçamentos da massa populacional anónima e socialmente mais desprotegida. A Constituição actual ao permitir a destruição do sector produtivo público retira aos socialmente mais débeis a possibilidade de estarem em posição de conseguir fazer frente e dar sombra a muitos privados ou, pelo menos, a moderar-lhes as ambições mais especulativas. O funcionamento do sector produtivo público, com a oferta, menos dispendiosa, dum número considerável de bens, quantos de primeira necessidade, haveria de impedir, pelo menos, o avolumar desmesurado de mais valias, para mais, em favor absoluto dos privados envolvidos.
Como pode verificar-se o articulado constitucional português parece estabelecer uma relação de inimizade com os interesses e valores sociais da maioria do Povo português. Na verdade, do lado dos possidentes – uma minoria face ao todo populacional nacional – as queixas ouvidas só vão no sentido de pedir uma revisão da Constituição que permita possibilitar-lhes alcançarem mais facilidades – ainda mais – para a actuação do seu capitalismo que, santa hipocrisia, aparece designado pelo que chamam «empreendorismo» tudo a par de agitarem a reclamação constante duma protecção especial para as suas exigências económico-financeiras que aparecem defendidas pela balela do aumento da competitividade, porém, a ser isso, apenas, daquela que mais lhes convêm.
A educação, cultura e ciência, no texto constitucional nacional, aparecem contempladas no Artigo 73º, que, de imediato, no seu número 1 estipula que todos têm o direito à educação e à cultura. Não se compreende a não indicação desse mesmo direito para a ciência salvo se os Constituintes (não é para admirar) ignoravam os benefícios que ela pode conceder, directa ou indirectamente, até ao mais dos iletrados. Mas aquilo que naquele artigo constitucional, o número 73, é considerado, com tanta magnanimidade, como um direito fundamental não vê, depois, no mesmo texto, uma só palavra sobre a sua realização objectiva, ou seja, uma palavra que constitua um compromisso seguro, definitivo e inequívoco para com a população portuguesa e, como tal, uma sua legítima arma de arremesso, para utilizar quando sinta ter sido desfeiteada. Não há uma simples palavra que possa tranquilizar os portugueses quanto ao seu acesso autêntico àquele direito. O artigo atrás referido contenta-se em falar de promoção, democratização da educação e da cultura e de incentivar e apoiar a criação e a investigação científicas cujas condições e fruições, mau grado nada que as garanta e sustente, em compensação, de sobejo, são anunciadas. Na Constituição assegura-se que o ensino básico é universal, obrigatório e gratuito – grande a generosidade dos constituintes – porém, os demais graus do ensino, cujas várias insuficiências nacionais são gritantes, têm a promessa duma gratuitidade progressiva que a experiência, à saciedade, não tem vindo a demonstrar. Medidas avulsas são meros oportunismos políticos!
Uma Constituição que faz promessas! Dá para rir.
No caso do direito ao trabalho incumbe ao Estado promovê-lo (Artigo 58º) mas a Constituição não diz como pode dar-se uma garantia efectiva, eficaz, eficiente e segura dessa promoção o que, como parece lógico, assim deveria fazer. Pode prescindir-se dessa garantia? Por tratar-se dum direito constitucional tinha de estar assegurado indiscutivelmente e, também – isso não deverá esquecer-se – por ser um direito e um dever tanto individual como social com repercussões tremendas na vida da sociedade então, por razão duma boa ética, tinha de impor-se toda a cautela na impossibilidade de poder haver um seu não cumprimento. Repare-se na incongruência de falar-se duma promoção do trabalho e não, sobretudo, da sua garantia o que, na leitura mais que legítima de qualquer cidadão, pode querer dizer que o Estado português, uma vez realizada a obrigatoriedade da sua campanha promocional em favor do emprego, pode permitir-se – parece que sim – quedar-se numa indiferença olímpica pelo desemprego. Na circunstância infelicíssima deste acontecer, como é o caso em curso – já atinge mais de 10% da população activa – resta esperar-se que a governação, com a magnanimidade típica das suas costumados promessas, nada mais tenha que fazer que não seja reiniciar, com grandes parangonas, o ciclo da promoção e, apenas, da promoção.
A segurança social é mais outro direito previsto (Artigo 63º) contudo, ao Estado, incumbe, apenas, organizar, coordenar e subsidiar um sistema, isto é, fornecer-lhe um orçamento que discrimine as receitas e cubra as despesas (Artigo 105º) contudo, antes doutra coisa mais, é um direito que aparece sujeito a uma lei de enquadramento cujas condicionantes são tais que nada garante que um direito constitucional não acabe na prática como mera acção de caridade pública feita conforme a vontade duma qualquer maioria parlamentar.
A saúde que nos dizem ser um direito de todos (Artigo 64º) é anunciada no texto constitucional como sendo tendencialmente gratuita o que, numa analogia hipotética, pode deixar adivinhar-se que, face a uma crise orçamental deficitária, uma disposição idêntica possa tomar-se para o sufrágio universal e o voto passe a ter um preço, porém, tendencialmente gratuito. De facto os actos eleitorais, cuja necessidade é indiscutível, têm custos elevadíssimos donde, na lógica dos tasqueiros que dirigem o País – obcecados, como aparentam, pelo défice orçamental que, a prazos médio e longo só sabem fazer aumentar – deveriam, também, ter um custo financeiro, tendencialmente gratuito e suportado à boca das urnas por cada eleitor. Assim acontece – mas mal – a quem, por desdita, tem de socorrer-se dum hospital.
A habitação (Artigo 65º) é um direito de todos mas para assegurá-lo o Estado nada garante e, apenas, programa, promove, estimula, incentiva e apoia além de reservar-se a adopção duma política tendente a estabelecer um sistema de rendas compatível, o que só pode querer dizer que essa disposição não passa doutra coisa mais que mais uma outra das fantasiosas tendências constitucionais portuguesas.
Para quê, então, inscrever-se como um direito algo que, desde logo, nunca terá qualquer efectivação plenamente significativa? A partir de qual idade, um qualquer português, pode reclamar a efectivação do seu anunciado direito à habitação?
Para quê, num texto de tanta responsabilidade e cuja respeitabilidade terá de estar acima de qualquer suspeita inclusive de qualquer motivo de troça, para quê, introduzirem-se especulações políticas que, em absoluto, são de mero oportunismo?
Se não têm, ou não têm interesse em ter, a capacidade bastante para garantir a exequibilidade do articulado constitucional para quê, então, darem-lhe uma visibilidade tão enganosa?
A população tem de exigir a garantia efectiva de todos os direitos enunciados na Constituição e exigir que essa mesma garantia – parece pouco ortodoxo mas faz falta – figure no próprio texto constitucional mas sem ser, com a tal letra muito pequenina, como é habitual nos contratos comerciais que, de facto, quase sempre, só o são para vantagem duma das partes.
No caso do ambiente e da qualidade de vida, a Constituição proclama que esse direito promocional é facultado a todos mas que, repare-se (nº.2 do Artigo 66º), é assegurado no quadro de um desenvolvimento sustentável, logo sujeito a uma condicionante muitíssimo complexa, muito poderosa e, por completo, intransponível pela vontade própria da generalidade dos portugueses. Ao invés, como é proclamado constantemente pelos gurus do capital privado, tem de depender da evolução, positiva ou negativa, da “economia de mercado”.
Se os direitos à saúde e à habitação estão sujeitos a tendências variadas quando ao valor que os portugueses terão de pagar para deles poderem ter usufruto, no caso do ambiente exige-se mais. Exige-se um desenvolvimento sustentável – um preço exorbitante – que a Constituição não indica quem, efectivamente, pode garanti-lo, nem como pode ser garantido e não parece pensável que a situação económica, fruto do actual mercado selvagem e da dependência do exterior, consiga vir a fazê-lo.
Mais outra vez deverá tomar-se em atenção o que escreveu o professor universitário norte-americano John Rawlls «Assim, um sistema económico não é apenas um dispositivo institucional para satisfazer necessidades existentes sendo, também, uma forma de criar e modelar necessidades do futuro» e, noutra passagem da «Uma Teoria da Justiça», de 1971, pode ler-se algo que vem muito a propósito quando, como agora, a Constituição da nossa República é acusada – e muito bem – de não dar garantias efectivas aos direitos sociais. «Daqui decorre que o fornecimento dos bens públicos e o respectivo financiamento devem ser assegurados pelo estado e torna-se necessário a aplicação duma regra imperativa que obrigue ao pagamento». Não foi por acaso que John Rawlls foi considerado o maior políticologo do século XX donde, os nossos Constituintes, estes, ter-se-ão de considerar situados no pólo oposto.
Domingo, 13 de Junho de 2010
Carlos Leça da VeigaQue garantias para os direitos sociais?De facto, a dependência político-económica do país, ao contrário do que devia ser, não é formal, convincente e decididamente condenada na letra da actual Constituição da República e, também, em nenhuma das suas disposições há uma qualquer formulação taxativa na determinação indubitável de tudo dever fazer-se para o seu completo impedimento. No seu Artigo 9º está escrito que são tarefas fundamentais do estado, entre várias outras, a de “garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam”. Desde logo garantir é muito diferente de estar obrigado e, depois, criar as condições nada diz sobre a imposição estrita de criá-las e, por igual, de criá-las em que prazo e, sobretudo, com que dimensão. E quais destas condições e dos seus resultados, tantos anos passados, já foram vistos ser implementadas e, como mais interessa, implementadas com carácter absoluto e irreversível?
Como é fácil observar-se, a Constituição da República Portuguesa contempla tanto os direitos formais como, também, aposta – e aposta com muita ênfase – na enunciação dos direitos sociais promocionais. Se, por um lado, não pode aceitar-se – e muito bem – que a perenidade e a garantia dos primeiros possa sofrer quaisquer restrições, antes pelo inverso, em quaisquer condições, até deverão de ser objecto de todos os reforços e de possíveis ampliações, por outro lado, os direitos sociais promocionais, ao contrário dos formais, não estão total e inequivocamente assegurados e esses, a avaliar por quanto é dedutível do texto da actual Constituição portuguesa, ao contrário do desejável, acontece ficarem entregues ao sabor das conveniências estratégicas e tácticas das maiorias parlamentares, isto para não falar do poder decisivo – que faz sentir-se – das ingerências alienígenas. A incongruência é evidente e a bastante para classificar mal o regime político em que temos de viver. Democrático é que, de verdade, não pode chamar-se-lhe.
Esta circunstância inaceitável só pode demonstrar que não foi atingido o objectivo constantemente anunciado de viver-se em Democracia. Em primeiro lugar, por não ser possível que, de facto, os primeiros direitos possam considerar-se como realizados quando os segundos não tenham conquistado todas as posições e garantias que a civilização democrática actual tem de exigir. Em segundo lugar porque os segundos daqueles direitos só podem ter a sua concretização plena e efectiva quando os primeiros forem uma realidade e, na verdade, nestes últimos, há aspectos muito importantes em que o não são. Por exemplo, quem é eleitor não pode ser eleito caso não pertença ou tenha o favor dum partido político, isto é, de quem nele manda, isto é, de quem, de fora, nele tudo decide e, também, outro exemplo, aliás já atrás referido, é o da inexistência de círculos eleitorais uninominais, uma circunstância que é mais outro condicionalismo a funcionar como uma amputação – uma castração – da livre iniciativa política dos Cidadãos. A este propósito deve citar-se uma autoridade na matéria como é o Professor Bernardino Bravo Lira, da Universidade do Chile que escreveu «E – o que é a chave do sistema – o eleitor depende do eleito. Como sabemos deve-lhe uma submissão incondicional, ainda que tenha votado por outro ou que nem sequer tenha votado» e, logo em seguida, cita que «na expressão de Duverger só se pede aos cidadãos que repartam as cartas e designem os jogadores, ao mesmo tempo que são excluídos do jogo».
Se os artigos da Constituição atinentes à organização do poder político e muito em especial aqueles que dizem respeito aos Órgãos de Soberania tivessem sido redigidos com a fluidez e imprecisão que sobressai da leitura daqueles outros destinados à salvaguarda tanto dos direitos e deveres económicos, como dos direitos e deveres sociais e, também, dos direitos e deveres culturais ver-se-ia como era impossível a organização do Estado. Se, à semelhança com quanto consta para estes últimos direitos e deveres, para aqueles outros referentes aos Órgãos de Soberania os termos das suas definição, eleição, elegibilidade, candidatura, data da eleição, competências, etc., etc., tivessem sido contemplados com, apenas, o mesmo cuidado oferecido àqueles direitos promocionais, então, como funcionaria o estado? Estaria escrito, por exemplo, que o Estado Português tem o direito de ter um Presidente da República, que deve ter uma Assembleia Legislativa, que é preconizada a existência dum Governo, ou que, mais outra hipótese, é promovida a existência de Tribunais, em suma, direitos que deverão – apenas, deverão – ser assegurados pelo Estado ao qual incumbe a sua promoção – apenas a sua promoção! Que razão haverá para que todos os direitos sociais, em última análise, estejam dependentes da vontade programática mais ou menos interveniente do Legislativo e do Executivo Nacionais e só aqueles outros dos direitos de primeira geração estejam submetidos – e muito bem – ao rigor e à precisão quase milimétrica dum lote imenso de artigos constitucionais? Se os limites determinados pelas maiorias parlamentares, ou pelos Governos, para o direito à assumpção dos benefícios da Educação, da Saúde, do Trabalho, da Segurança Social e da Habitação, entre nós, podem ser objecto circunstancial de avaliação, redução ou aumento, então, por exemplo, aqueles de liberdade de opinião, de reunião ou de associação – para citar só uns – também deveriam estar sujeitos a condicionantes idênticas e, desta maneira, qualquer maioria legislativa poderia determinar a sua redução ou aumento, mesmo à revelia dum declaração prévia dos estados de sitio ou de emergência. Que razões haverá para tantas contradições? Onde está a equidade?
«O que parece esgotado não é o Estado, naturalmente, mas sim as suas formas constitucionais que o mantêm enclausurado segundo esquemas mentais do século XVIII», como, assim, foi escrito pelo Professor B. Bravo Lira e vem inserto na «Teoria do Estado Contemporâneo», de Fevereiro de 2003.
No caso duma maioria parlamentar absoluta constituída à custa dum só partido, o que, no caso português, como regra, não será mais que um facto meramente circunstancial e excepcional, por isso mesmo, não devia poder autorizar-se que prosseguisse com efeitos políticos durante quatro anos sucessivos sem ser sujeita a verificações intercalares, por si, capazes de poderem aferi-la. Na situação de ditadura – não pode dar-se-lhe outro nome – duma maioria absoluta formada à custa dum só partido político, a Presidência da República, na ausência de qualquer aferição eleitoral intercalar e para, pelo menos, protecção dos seus próprios eleitores, deveria vetar a promulgação de “qualquer decreto” para além daqueles já previstos no número 3 do Artigo 136 “bem como dos que respeitem” às suas alíneas a), b) e c) para saber da possibilidade, ou não, de, na circunstância, mercê dalgum acordo parlamentar negociado, poder vir a verificar-se uma nova aprovação, agora, tornada realmente válida por ser a deliberação duma maioria de dois terços dos deputados parlamentares que não, pelo poder discricionário da maioria absoluta dos deputados dum só partido, esses mesmo, como regra, coagidos a votar em uníssono pela força da disciplina partidária imposta pelo “chefe”.
Sábado, 12 de Junho de 2010
Carlos Leça da VeigaO 25 de Abril mais autêntico fez-se nas ruas Plebiscitar uma qualquer Constituição – quantos, e quantos, projectos podem e devem ser admitidos – é coisa fundamental para depois, e só depois, com propriedade, poder falar-se de Democracia. A que rege, hoje em dia, os destinos nacionais ficou pela sua aprovação em ambiente constituinte e não teve a dignidade de querer descer à rua, à mesma rua que fez o verdadeiro 25 de Abril, para aí, em plebiscito, conhecer a sua validade popular, logo a verdade democrática adoptada pela população.
A composição político-partidária da Assembleia Constituinte de 1975 produziu uma manta de retalhos em que aqueles relativos aos direitos sociais, como exemplo importante, não comportam qualquer compromisso político bastante para, de facto, serem impositivos.
A obrigação primordial duma nova Constituição será aquela de eliminar os erros do antecedente, preservar quanto, de trás, seja vantajoso ou apreciável, porém, deverá obrigar-se a acrescentar-lhe tudo quanto capaz de, por sua intermediação consistente, consiga assegurar relações sociais de solidariedade alicerçadas numa participação política activa, esta mesma capaz de oferecer a garantia do exercício tanto dos direitos, liberdades e garantias individuais como, por igual, dos direitos sociais.
A formação de maiorias deliberativas não pode ficar-se pela simplicidade actual, salvo se os decisores políticos, na sua pobreza intelectual, entenderem que a própria sociedade humana – no caso a portuguesa – é desprovida duma evidentíssima, complexidade política, económica, cultural e social que importa respeitar-se.
Após o 25 de Abril, as grandes alterações políticas, culturais, económicas e sociais produzidas face ao tempo acabado de ser ultrapassado tinham de ter tradução constitucional já que era, e é, de justiça e de direito, serem devidas aos Cidadãos e às Cidadãs. Uma delas tinha de ser a de querer ver garantida, com clareza explícita e simples, a efectividade inquestionável dos direitos sociais, ou promocionais, que se já são apontados na Constituição em vigor, estão redigidos sem quaisquer condicionalismos susceptíveis de impedir, em qualquer ocasião, ao sabor das conveniências parlamentares maioritárias ou, ainda, das disposições emanadas da ditadura burocrática de Bruxelas de serem-lhes cerceadas quaisquer das suas dimensões, exactamente pela imprecisão com que são expressas na letra constitucional aprovada.
As redacções das disposições constitucionais quanto a direitos sociais têm de ser feitas de tal modo que, de facto, sejam regras inquestionáveis quanto à obrigatoriedade do seu cumprimento e, também, não interpretáveis, tudo ao invés das actuais que, a respeito de direitos sociais, outra coisa mais não são que meras recomendações. Há uma diferença indisfarçável face ao modo como estão prescritos os direitos e deveres fundamentais.
Outro dos erros cometidos pela Constituição actual, e um que brada aos céus – a mais elementar lisura democrática é obrigada a condená-lo – é o da manutenção das funções fundamentais do poder do Estado sem a sua separação efectiva, rigorosa e inquestionável, de tal modo qualquer mínima promiscuidade não possa ser possível. Essa promiscuidade nas funções do poder do Estado é totalmente indesejável e, hoje em dia, é uma prática política corrente. A Assembleia da República e a Presidência da República, ambas, na diversidade das suas modalidades de actuação, ditam grande parte da organização de cúpula da Justiça e, assim, não só asseguram ter controlo bastante sobre a função Judicial do Poder como, também, passam um atestado de menoridade à população portuguesa ao negar-lhe uma intervenção muito mais directa na entronização independente das estruturas superiores da Justiça. No Conselho Superior da Magistratura a própria presença de magistrados eleitos pelos seus pares distorce a boa prática democrática. A Justiça tem de estar ao inteiro serviço e á ordem duma vontade eleitoral da população e os seus quadros superiores têm de ser sancionados pela vontade eleitoral nacional. Todos os Órgãos da Soberania têm de emanar directamente da vontade geral. Tal como o Governo dimana da Assembleia da República, o Conselho Superior da Magistratura terá de resultar da vontade directa duma Assembleia inteiramente votada pela população eleitoral nacional.
Tem de reconhecer-se a feição recuada e hipócrita da filosofia que preside à Constituição da República Portuguesa.
No seu “Preâmbulo” vem expresso que “A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português….…de assegurar” – entre outras variadas afirmações de fé, senão mesmo de pura hipocrisia – “o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para um sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português”. É impossível deixar passar em branco dois aspectos difíceis de aceitar sem ter de fazerem-se-lhes reparos. O primeiro será dirigido para a afirmação do “primado do Estado de Direito democrático” o que, sem querer negar-lhe a autenticidade do principio e da sua inquestionável necessidade, isso não significa poder ficar a conhecer-se-lhe o seu significado real mais autentico porquanto, para tanto, importa saber-se ao serviço de que Justiça estará esse Direito e, dessa Justiça – aquela de que a população precisa – a Constituição não se ocupa por não dar-lhe as garantias mais imprescindíveis. O segundo reparo que deve fazer-se tem de dirigir-se ao propósito constitucional “de abrir caminho para a sociedade socialista” o que, por evidência, exigia estarem formulados os passos imperiosos de toda a política necessária em seu deliberado favor que, bem sabido, ao arrepio da prédica populista constitucional culminou num insucesso – o famoso socialismo na gaveta – coisa que, aliás, digam o que disserem, foi intenção premeditada e que só pode ficar na História como um exemplo edificante da mais pura hipocrisia política e ética.
Logo depois, no início do articulado constitucional, no seu Artigo 1º, começa por afirmar-se que Portugal é uma República soberana “empenhada na construção duma sociedade livre, justa e solidária”, uma linguagem alternativa consequente a ter havido, anos sobre anos, uma reclamação por parte das correntes mais reaccionárias para não aceitar-se que houvesse menção ao que chamam de ideologia e, também, nunca, uma qualquer feição constitucional que classificam de programática. Então o solidarismo não é uma corrente tão politicamente comprometida como o é o socialismo ou o capitalismo?
A obra política do francês Charles Gide – a solidariedade e o solidarismo – que tanto satisfez todos os oportunistas dos anos vinte e trinta de século XX não foi outra coisa mais do que uma fuga táctica ao medo inspirado pelo socialismo.
A Constituição de 1976 – dalgum modo uma consequência lógica duma alteração profunda da vida dos portugueses – por força do seu conteúdo de sabor socialista era acusada de ser programática mas, agora, como o solidarismo não assusta o capitalismo, já não é acusada do defeito que antes lhe vislumbravam. E o cooperativismo não será, por igual, um alicerce programático e uma intenção deliberadamente ideológica? Como não mete medo aos reaccionários tem autorização para figurar na Constituição!
Um pouco mais adiante, na Constituição da República, no número 2 do seu Artigo 7º, aquele que trata das “Relações Internacionais” está afirmado “ipsis verbis” que “Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de outras quaisquer formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares …..”. Alguém já reparou no cumprimento deste preceito constitucional? Para que consta na Constituição?
É mais outra forma de hipocrisia política ínsita na Constituição e reveladora do baixo estofo moral dos Constituintes bem como de quantos, ao longo dos anos, têm tido a responsabilidade das várias revisões constitucionais.
Portugal não se declara, com a frontalidade mais exigível, adverso do imperialismo, do colonialismo etc., etc. mas, tão-somente, “preconiza” a sua abolição, isto mesmo – tremenda incongruência – depois de ter sido um actor activo e decidido da descolonização dos seus antigos territórios coloniais! O que era um erro político português – a sua prática colonialista e o seu sentido imperialista – foi sujeito, e muito bem, a uma condenação decisiva, peremptória e indiscutível – a descolonização – contudo, discrepância flagrante, quando cometido por outros estados, no pensar dos Constituintes portugueses do pós 25 de Abril, a esses, que, de facto – coisa indubitável – são imperialistas, colonialistas, agressores, dominadores e exploradores basta, tão-somente, que lhe seja preconizada – preconizada – a abolição desses seus comportamentos verdadeiramente inapropriados. Homens de grande estofo ético e uma notável coragem política, esses Constituintes!
Embora a independência de Portugal esteja formalmente referida na letra da sua Constituição – veja-se o número 1 do Artigo 7º e a alínea a) do Artigo 9º – nenhuma das suas disposições é taxativa na recusa frontal, sine qua non, de quaisquer formas de submissão política, económica e militar imposta, a Portugal, por quem quer que seja.
Portugal, a Constituição da sua República, contenta-se em só preconizar – nada mais que isso – a abolição do imperialismo e, também, de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos. É bastante recuado e suficientemente hipócrita.
Se no Artigo 7º da Constituição todos os seus números não passam de pura retórica que, em concreto, a nada obriga, o Artigo 8ª, no seu número quatro – o Artigo da subserviência ao exterior – é taxativo na aplicação, entre nós, de disposições e de normas exógenas quando reza que “As disposições dos tratados que regem União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das suas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União……”. Do Artigo 7º para o 8º os constituintes ganharam fôlego para serem impositivos sem importar-lhes terem de amesquinhar Portugal, enquanto Estado soberano. No Artigo 7º, só recomendações para, como convêm, nada definir e nada de ser impositivo não vá, desse modo, perturbar-se a vontade dos potentados do exterior, no caso, muito em particular a dos ianques; no Artigo 8º toda a imposição para tudo aceitar, no caso, a dos potentados francês e germânico que, pura evidência, dominam a União Europeia. O prato das lentilhas pode muito!
Sexta-feira, 11 de Junho de 2010
Carlos Leça da VeigaA quem mais convêm uma linguagem hermética?Repare-se com atenção na Constituição da República Portuguesa e verifique-se como ela, no mais substancial, está dominada pela justificação racional do poder político. A proposição deste poder político têm uma pormenorização exaustiva das suas regras enquanto que todos os capítulos dirigidos à instituição dos direitos sociais promocionais têm uma explanação que pouco mais é que um somatório de promessas, “daquilo que deve ser”, “daquilo que deverá fazer-se”, “do que irá promover-se” porém sem que os articulados respectivos tenham qualquer indicação precisa e rigorosa do modo como essas disposições constitucionais têm de ser executados inclusive fiquem garantidas com firmeza indiscutível e inabalável.
A Constituição oferece e diz garantir direitos cuja concretização, como está escrito, compete ser efectivada pelo Estado, contudo, muito estranho, nada diz como será obrigatório fazê-lo e, muito importante, como pode e deve acontecer se os mesmos não forem cumpridos. E como conseguirá saber-se se, de facto, como foram cumpridos? E como pode um qualquer cidadão, coisa importante, reclamar a sua não concessão? As garantias efectivas de quaisquer não cumprimentos são dadas contra quê?
Não serão as afirmações dos juristas quem, em tempos posteriores, aparecerão a explicar quanto, desde logo, não está explicito no texto fundamental que, este, não é para ser lido só pelo hermetismo da linguagem dos juristas mas sim pela generalidade dos Cidadãos.
A afirmação, devidamente comprovada, que não foi cumprido um qualquer dos direitos sociais constitucionais deveria ter uma sanção imediata, prevista e estipulada pela própria Constituição – as tais garantias – como, por exemplo, obrigar à queda do Governo algo que, como as coisas estão, só poderá acontecer no caso imensamente distante de, por circunstância difícil de verificar-se, aquele Governo não ter a seu lado a maioria parlamentar. Acrescente-se que a interpretação dos direitos promocionais tem uma leitura constitucional, no mínimo, ambivalente e, como tal, é possível concluir-se, por exemplo, pela desculpa, fácil de invocar-se, da impossibilidade orçamental dum cumprimento adequado ou, como agora, pela invocação duma qualquer determinação chegada da ditadura de Bruxelas e escondida sob as roupagens do direito subsidiário. Tal como está disposto na actual Constituição da República, no Parlamento é que não e que nunca será sabida qual a explicação do não cumprimento cometido pois, nessa Assembleia, tem de haver uma maioria que suporta o Executivo e essa, por óbvio, não vai denunciar-se e condenar-se a si própria. Ser-se juiz em causa própria não pode ter validade probatória, muito menos capacidade para fazer justiça e só pode alicerçar uma ditadura.
Dizem os bonzos da política portuguesa que, na conformidade do sistema político em vigor, deverá saber-se do acerto duma deliberação parlamentar, do seu erro ou do seu incumprimento pelo executivo, na consulta eleitoral seguinte, isto é, anos após a falta ter sido cometida, situação que parece ser completamente despropositado já que, para além do mais, será fazer exactamente o contrário da tão propalada celeridade da justiça.
Já vem dos tempos quase imemoriais de E. Kant que «assim se a constituição permite a rebelião terá de declarar tal direito publicamente e dispor claramente sobre a respectiva aplicação». Na nossa, tudo quanto são direitos sociais – tão importantes quanto o da rebelião – não têm esta condição claramente explanada e feita com a conveniência mais exigível. A ambivalência e o carácter aleatório do enunciado dos direitos sociais inscritos na Constituição têm de considerar-se incompatíveis com a dignidade dum texto constitucional e são uma forte viciação da prática democrática.
A leitura duma Constituição política, quando feita por um cidadão comum, que não por um constitucionalista – e essa leitura é a que, na realidade, pode aduzir-lhe verdadeiro valor social e político – tem de ser vista, como é de justiça e, também, por evidência, como uma consequência adaptada à altura e ao decorrer das conveniências estratégicas, políticas, culturais, ecológicas e sociais do tempo histórico em que é usada e, por necessário, considerado o prazo previsto duma sua eventual revisão, tudo aprovado em obediência à vontade maioritária directa do universo eleitoral da população que não, como tem sido, pela vontade final dos Constituintes. Todos os cidadãos têm o dever de considerar-se constituintes e, assim, poderem apresentar quantos modelos constitucionais entenderem, contudo, a escolha dum deles – à semelhança quanto é feito com os programas eleitorais partidários – tem de ir a votos no universo eleitoral nacional.