Quarta-feira, 1 de Dezembro de 2010

Palestina

Adão Cruz

Não há sol nos céus da Palestina não há luz nos olhos da Palestina.

Roubaram o sorriso à Palestina!

São de sangue as gotas de orvalho da madrugada e o vento só é vento quando as balas assobiam.

Roubaram as manhãs à Palestina!

O céu de chumbo esmaga as almas e os ossos e é de lágrimas a chuva quando cai.

Não há sol nos céus da Palestina!

Do ventre da lua cheia de aço e de amargura nasce a cada hora um menino com bombas à cintura.

Mataram a infância na Palestina!

Rasgam as mães os seios com arroubos de ternura para alimentar a raiva. Por cada filho que perdem
outro nasce da sepultura.

Semearam a dor na Palestina!

Nas casas esventradas rompem por entre as pedras leitos de sofrimento onde à noite se acoitam os amantes queimando a dor na paixão de um momento.

Fizeram em pedaços o amor na Palestina!

Cada instante é uma vida na vida da Palestina cada momento uma taça de vingança clandestina cada gesto um vulcão de raiva que nem a morte amansa.

Roubaram a paz à Palestina!

Na sombra do dia ou na calada da noite cravam os vampiros nazis seus dentes de ferro no coração da Palestina. Não há sangue que farte a fúria assassina.

Sangraram cobardemente a Palestina!

Para atirar contra os tanques uma pedra agiganta-se o ódio a cada bater do coração. Por não haver sangue de tanto sangue vertido outra força não há para erguer a mão...

e dar à Palestina algum sentido.


(Ilustração foto net)
publicado por Carlos Loures às 08:00
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Quinta-feira, 11 de Novembro de 2010

Did you hear about it?





Dear friends

I’ve only just now finally found a minute to share with you one of the most important things I’ve ever witnessed in the Jewish movement for justice. Many of us feel in our bones that it was a historic turning point, and that we can never go back.

You might have read about it in the Washington Post, or the front page of Huffington Post, in your hometown newspaper or seen it on TV. If you live In Israel, you have seen or heard about it everywhere - the whole country is talking about it. Much of the institutional Jewish world is talking about it too.

Two days ago at 11:30 in the morning in New Orleans, more than 12 young, proud Jews with Jewish Voice for Peace gave voice to the disillusionment of a generation. They loudly named the unnameable in the Jewish community-Israel’s immoral violations of human rights of Palestinians and much of the Jewish institutional world’s active support of those violations.

And they did it in front of 3,000 Jewish leaders from across America -- and Israeli Prime Minister Bibi Netanyahu himself.

If there was ever a moment where courage and moral strength was required, this was it, each person carrying in him or herself the inspiration of Palestinian friends who risk much worse to make their claim to peace and justice.

Here's what the young Jews, many of them Israeli-American, said:

We care deeply about our history, our families, our spiritual lives and the lessons we learned from our elders about the Jewish values of justice and healing. And we refuse to remain silent about the Israeli settlements, the Occupation, the silencing of dissent, the loyalty oath, the siege of Gaza. Israel's actions and institutional Jewish support for them are making Israel a pariah and turning us away from the Jewish world we seek to claim and embrace.

My friends,

I ask you to do two things:

1: Please join them at www.YoungJewishProud.org. They deserve your support.

2: If you are moved by what you see, please share their remarkable story and statement with your friends.

This group of young activists, all with JVP's Young Leadership Institute, meticulously planned and bravely executed a daring protest in a darkened lecture hall - but not only that.

They wrote an extraordinary statement – a declaration of the political and personal space young Jews are claiming today. Here is an excerpt:

We exist. We are everywhere. We speak and love and dream in every language. We pray three times a day or only during the high holidays or when we feel like we really need to or not at all. We are punks and students and parents and janitors and Rabbis and freedom fighters. We are your children, your nieces and nephews, your grandchildren. We embrace diaspora, even when it causes us a great deal of pain. We are the rubble of tangled fear, the deliverance of values. We are human. We are born perfect. We assimilate, or we do not. We are not apathetic. We know and name persecution when we see it. Occupation has constricted our throats and fattened our tongues. We are feeding each other new words. We have family, we build family, we are family. We re-negotiate. We atone. We re-draw the map every single day. We travel between worlds. This is not our birthright, it is our necessity.

My inspiring 28-year-old colleague Stefanie Fox, who almost miraculously created the space in which each and every participant took on a leading role, texted them moments before Netanyahu went on stage to say that the world was with them.

We now need you to be with them.

Go to http://www.youngjewishproud.org/


Read the declaration. Watch the video they filmed of what exactly happened at Netanyahu’s speech. I warn you, it is very difficult to watch. Sign the declaration. Tell your friends.

Help us build a movement of young, Jewish and proud voices around the world ready to call truth to power and reclaim a vision of Jewishness based on inclusivity, justice and love. And let us take from their powerful vision the inspiration to build a broader inclusive world with young and old, every race and religion, and every nationality, that embraces the principles of equality, mutual respect and love.

Inspired and breathless,

Cecilie Surasky

Deputy Director

Jewish Voice for Peace


publicado por Carlos Loures às 09:00
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Terça-feira, 2 de Novembro de 2010

Israel - Memória e responsabilidade histórica

Rui de Oliveira

Na habitual crónica de Esther Mucznik (E.M.) num Público de Agosto passado há uma curiosa reflexão sobre a memória do holocausto e o facto de a maioria dos grandes memoriais (museus e projectos educativos) na Alemanha só ter surgido nos últimos vinte anos, o que a leva a concluir que foi preciso o desaparecimento da geração da guerra para haver comemorações (interrogação acessória seria indagarmos se também entre nós o bloqueio da rememoração antifascista sofre do mesmo mal ?...). Daí E.M. afirmar a certeza de que “a memória só se torna colectiva e consensual quando politicamente inócua … ou seja quando se transforma em memória cultural”.

Contudo o mais curioso da crónica é a “confissão” recolhida da directora do campo de Dachau durante os últimos 30 anos a quem perguntaram : “serve todo este trabalho de memória de lição para o futuro ?” “Não sei”, respondeu, “éramos ingénuos quando clamávamos ‘nunca mais!’… mas não temos alternativa…”. Esta dúvida sincera quando associada ao dado de que 45 por cento dos visitantes do museu judaico de Berlim respondeu afirmativamente à pergunta “Crês que no teu círculo de amigos há pessoas com preconceitos contra os judeus?” pode levar alguns menos “rousseaunianos” a concluir simplisticamente que a espécie humana é má e que não há volta a dar-lhe – tente-se educá-la mas sem grandes esperanças. No entanto uma outra leitura é possível numa perspectiva histórica e essa deve confrontar não só os dirigentes de Israel, como a generalidade dos judeus.

Há certamente uma responsabilidade recente do comportamento das chefias israelitas face aos povos do Médio Oriente e em particular aos palestinianos, para justificar uma falta de simpatia ampla que engloba, porventura injustamente, a generalidade dos chamados “filhos de David”. Aquele comportamento deve ser denunciado e combatido (e está a sê-lo) sem qualquer dúvida. Mas justificar-se-ia também que a comunidade judia se interrogasse se a sua conduta de povo alegadamente “eleito” (embrião detestável do fanatismo religioso), o seu fechamento como comunidade (ilusão perigosa duma “pureza” étnica), a sua atitude de protecção excessiva dos seus membros (na sociedade americana isso é chocante, com todos os vícios das “seitas” ocultas) não contribuiu e continua a contribuir para uma difícil, senão impossível, pacificação com a restante sociedade. E aqui fica a homenagem a todos, como o recém-desaparecido Tony Judt, que souberam, apesar de judeus, distanciar-se, criticando, da deriva sionista.

Não quereria encerrar esta reflexão motivada pela crónica daquela intelectual judia tão cheia de constatações e perplexidades que cremos sinceras sem lembrar que também noutros campos, nomeadamente o islâmico (e o papel “nocivo” da religião volta aqui a preponderar), se verificam idêntico sectarismo e semelhante afirmação de falsa supremacia – só que aos olhos “ocidentais” o preconceito e o ódio, neste caso, aparecem como mais naturais …
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Sábado, 2 de Outubro de 2010

Boaventura de Sousa Santos no Estrolabio - Réquiem por Israel?


Está ocorrendo na Palestina o mais recente e brutal massacre do povo palestino cometido pelas forças ocupantes de Israel com a cumplicidade do Ocidente, uma cumplicidade feita de silêncio, hipocrisia e manipulação grotesca da informação, que trivializa o horror e o sofrimento injusto e transforma ocupantes em ocupados, agressores em vítimas, provocação ofensiva em legítima defesa.

As razões próximas, apesar de omitidas pelos meios de comunicação ocidentais, são conhecidas. Em novembro passado a aviação israelense bombardeou a faixa de Gaza em violação das tréguas, o Hamas propôs a renegociação do controle dos acessos à faixa de Gaza, Israel recusou e tudo começou. Esta provocação premeditada teve objetivos de política interna e internacional bem definidos: recuperação eleitoral de uma coligação em risco; exército sedento de vingar a derrota do Líbano; vazio da transição política nos EUA e a necessidade de criar um facto consumado antes da investidura do presidente Obama. Tudo isto é óbvio mas não nos permite entender o ininteligível: o sacrifício de uma população civil inocente mediante a prática de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade cometidos com a certeza da impunidade.

É preciso recuar no tempo. Não ao tempo longínquo da bíblia hebraica, o mais violento e sangrento livro alguma vez escrito. Basta recuar sessenta anos, à data da criação do Estado de Israel. Nas condições em que foi criado e depois apoiado pelo Ocidente, o Estado de Israel é o mais recente (certamente não o último) ato colonial da Europa. De um dia para o outro, 750.000 palestinos foram expulsos das suas terras ancestrais e condenados a uma ocupação sangrenta e racista para que a Europa expiasse o crime hediondo do Holocausto contra o povo judeu.

Uma leitura atenta dos textos dos sionistas fundadores do Estado de Israel revela tudo aquilo que o Ocidente hipocritamente ainda hoje finge desconhecer: a criação de Israel é um ato de ocupação e como tal terá de enfrentar para sempre a resistência dos ocupados; não haverá nunca paz, qualquer apaziguamento será sempre aparente, uma armadilha a ser desarmada (daí, que a seguir a cada tratado de paz se tenha de seguir um ato de violação que a desminta); para consolidar a ocupação, o povo judeu tem de se afirmar como um povo superior condenado a viver rodeado de povos racialmente inferiores, mesmo que isso contradiga a evidência de que árabes e judeus são todos povos semitas; com raças inferiores só é possível um relacionamento de tipo colonial, pelo que a solução dos dois Estados é impensável; em vez dela, a solução é a do apartheid, tanto na região, como no interior de Israel (daí, os colonatos e o tratamento dos árabes israelenses como cidadãos de segunda classe); a guerra é infinita e a solução final poderá implicar o extermínio de uma das partes, certamente a mais fraca.

O que se passou nos últimos sessenta anos confirma tudo isto mas vai muito para além disto. Nas duas últimas décadas, Israel procurou, com êxito, sequestrar a política norte-americana na região, servindo-se para isso do lobby judaico, dos neoconservadores e, como sempre, da corrupção dos líderes políticos árabes, reféns do petróleo e da ajuda financeira norte-americana. A guerra do Iraque foi uma antecipação de Gaza: a lógica é a mesma, as operações são as mesmas, a desproporção da violência é a mesma; até as imagens são as mesmas, sendo também de prever que o resultado seja o mesmo. E não se foi mais longe porque Bush, entretanto, se debilitou. Não pediram os israelenses autorização aos EUA para bombardear as instalações nucleares do Irã?

É hoje evidente que o verdadeiro objetivo de Israel, a solução final, é o extermínio do povo palestino. Terão os israelenses a noção de que a shoah com que o seu vice-ministro da defesa ameaçou os palestinianos poderá vir a vitimá-los também? Não temerão que muitos dos que defenderam a criação do Estado de Israel hoje se perguntem se nestas condições - e repito, nestas condições - o Estado de Israel tem direito de existir?


(in Carta Maior  12-01-2009)
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Quinta-feira, 30 de Setembro de 2010

Israel – a recorrência da Shoah no discurso político

Carlos Loures

Circularam e circulam pela net e em e-mails fotografias de uma manifestação realizada em Londres pela comunidade muçulmana. Vêem-se manifestantes exibindo cartazes onde se diz entre outras coisas: «Matai aqueles que insultam o Islão», «Europa. Pagarás, a tua demolição está em marcha»; «O Islão dominará o mundo»; «Europa, pagarás. O teu 11 de Setembro vem a caminho»; «Prepara-te para o verdadeiro holocausto». Segundo se diz também nessas mensagens, tratava-se de uma manifestação pacífica. Habituei-me a acolher com cepticismo e cuidado estas informações que, muitas vezes mais não são do que desinformações. Lá estão as fotografias, com os cartazes escritos em inglês, mas todos sabemos como é fácil manipular fotografias. Verdade ou mentira, não há dúvida que entre os muçulmanos passa uma corrente de intolerância e ódio que nada contribui para que, quem não compartilha a sua crença, possa ao menos ser solidário com a sua legítima revolta.

Existem, mas são poucas, as vozes que nos defendam a causa palestiniana, por exemplo, com serenidade e isenção. Compreendo que seja difícil ser isento quando estamos a ser chacinados, vemos as nossas casas bombardeadas, as nossas crianças assassinadas, a nossa terra ocupada. É difícil, mas aos muçulmanos pede-se esse supremo acto de heroísmo. Do lado judaico existem , sempre existiram, essas vozes. Bem sei, que os judeus, embora em permanente perigo de extermínio à mínima distracção, estão numa situação diferente. Mas não se julgue que a posição dos israelitas é fácil. Entendo que a criação do Estado de Israel foi um erro da diplomacia britânica. No entanto, hoje a nação judaica é um facto consumado. Milhões de pessoas a povoam. A sua destruição, como propugnam os fundamentalistas islâmicos, seria um crime.

O crime que foi o dar o território dos palestinianos aos judeus, não se apaga com o crime de exterminar os israelitas. Entendo que a criação do Estado de Israel foi um erro da diplomacia britânica. No entanto, hoje a nação judaica é um facto consumado. Milhões de pessoas a povoam. A sua destruição, como propugnam os fundamentalistas islâmicos, seria um erro. Não se deve desistir da utopia de um estado em que judeus, muçulmanos, cristãos, ateus, convivam pacificamente. É uma utopia própria de quem vê o problema do exterior. Não agrada nem a judeus nem a palestinianos. Mas é a única solução digna de seres humanos.

Vem tudo isto propósito de duas das tais vozes vindas do lado hebraico, de dois livros, um que a professora israelita Idith Zertal (1944), professora de História e Filosofia Política na Universidade de Basileia, nascida antes da fundação do Estado num kibutz de Ein Shemer, ficou entusiasmada por finalmente ver traduzido em hebraico - a obra de Hannah Arendt (1906-1975) «Origens do Totalitarismo» - que li precisamente na sua edição espanhola, outro, um ensaio da própria professora Idith Zertal - «A Nação e a Morte», Falemos primeiro de Hannah Arendt.

Tendo nascido numa família hebraica de Linden (Hanôver), estudou Filosofia e Teologia em Königsberg (actual Kalinigrado) e trabalhou com Martin Heidegger na Universidade de Marburgo (uma relação que não foi apenas intelectual). Foi depois para Heidelberga, doutorando-se na respectiva universidade, em 1929, com uma tese, acompanhada por Karl Jaspers - «A experiência do amor na obra de Santo Agostinho».

Em 1933, com a chegada de Hitler ao poder, dada a sua condição de judia, foi proibida de publicar as suas obras e de ensinar. Por outro lado, o seu envolvimento com os movimentos sionistas, obrigaram-na a fugir das garras da Gestapo. Com seu marido, Heinrich Blütcher, foi presa em França. Fugindo e escondendo-se por diversos países da Europa, chegaria em 1941 aos Estados Unidos onde ensinou e escreveu.

Em 1951 publicou «Origens do Totalitarismo» que, quase seis décadas depois, surge, finalmente, traduzido em hebraico. De uma forma que à época era extremamente polémica, Arendt compara o estalinismo com o nazismo, considerando que o totalitarismo se instala explorando a «solidão organizada» das massas.

Publicaria em 1963 «Eichmann em Jerusalém» onde, contrariando as teses oficiais de que Eichmann era um monstro, Arendt demonstra que ele era um ser normalíssimo, um burocrata que foi cumprindo ordens com um grande zelo. As organizações judaicas considera-la-iam traidora, tanto mais que no seu livro aludia a cumplicidade de alguns judeus na prática dos crimes de extermínio. Arendt afinal apenas alertava para a necessidade de manter uma permanente vigilância para garantir a defesa da liberdade.

Hannah regressaria à Alemanha, onde contactaria o antigo professor Martin Heidegger, que, devido às suas concessões ao regime nazi, se encontrava afastado do ensino. Envolveu-se na reabilitação de Heidegger, o que contribuiu para que as associações judaicas a atacassem de novo. Da correspondência de Arendt com Heidegger saiu um notável livro de correspondência entre os dois – “Lettres et autres documents(1925-1975)”, Editions Gallimard, Paris.

Em tradução para o castelhano surgiu o livro de Idith Zertal com o título «La nación y la muerte. La Shoah en el discurso y la política de Israel», obra em que a autora fala de «um país de excessos e de paradoxos». Shoah é palavra hebraica para Holocausto. Não hesita em qualificar como maligna a ocupação dos territórios palestinianos, dizendo. «Governar outro povo de uma maneira tão brutal é devastador também para nós». E condena a omnipresença do Holocausto como explicação e justificação para tudo, inclusive para o facto, de usarem sobre outros uma violência brutal, assumindo apesar disso o papel de eternas vítimas.

«O vínculo entre a constituição do Estado e a Shoah e os seus milhões de mortos continua a ser indissolúvel… Desde 1948 e até à crise de 2000 não houve guerra que não tenha sido entendida, definida e conceptualizada na sociedade israelita de uma perspectiva relacionada com o genocídio», e utiliza como exemplo, por vezes obsceno, da matança sistemática perpetrada pelo regime nazi.

Usar e abusar da memória para, de forma descontextualizada, praticar actos condenáveis é a melhor forma de dar razão aos que querem ver destruído o Estado de Israel. Zertal traça no seu ensaio um minucioso percurso através das diferentes funções que o discurso político atribuiu ao intento de exterminar os judeus nos campos de concentração, começando em Israel com as intervenções de Bem Gurion no momento da fundação do Estado.

Essas funções contribuíram, por um lado, para interpretar a história dos judeus como uma sucessão de episódios que, desde os tempos mais remotos, prefiguravam a formulação da utopia sionista de finais do século XIX e a sua concretização em 1948. Mas, por outro lado, contribuíram também para aquilo que Shlomo Ben Ami define no prefácio como «a base ideológica de uma sociedade de vítimas com imunidade moral na sua confrontação com o mundo árabe e com o mundo em geral».

É aqui que Zertal conflui com Arendt, no conceito, por esta aplicado a Eichmann, da banalização do mal que leva homens normais a aceitar assassínios em massa. Por alguma coisa Israel tem um arsenal nuclear. Será para responder às pedras da Intifada?
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Quarta-feira, 29 de Setembro de 2010

Boaventura de Sousa Santos no Estrolabio - O hipnotizador


 A hipnose é um estado psíquico, induzido artificialmente, em que o hipnotizado, numa condição semelhante à de transe, fica altamente sujeito à influência do hipnotizador. O estado de concentração hipnótica filtra a informação de modo a que ela coincida com as directivas recebidas. Estas, por sua vez, podem trazer à consciência do hipnotizado memórias por ele suprimidas. A hipnose pode conduzir a actos destrutivos para o próprio ou para outros e, passado o seu efeito, o contacto com a realidade pode ser penoso. O mundo (não todo, mas uma boa parte) vive hoje em estado de hipnose e o hipnotizador é Barack Obama (BO). A hipnose consiste numa mudança radical de percepção sobre o que se passa no mundo sem que na realidade haja razões para sustentar tal mudança. Em que consiste a mudança e donde provêm os poderes hipnóticos de Obama? O que se passará quando o estado de hipnose desvanecer?

A mudança de percepção ocorre em diferentes áreas. A crise financeira global. Mudança: as medidas corajosas de BO para regular o sistema financeiro e assumir o controle de empresas importantes fez com que a crise fosse ultrapassada e a economia retomasse o seu curso. Realidade: BO injectou montantes astronómicos de dinheiro dos contribuintes nos bancos e empresas à beira do colapso sem assumir o controle da sua gestão; não introduziu até agora nenhuma regulação no sistema financeiro; prova disso é o regresso do capitalismo de casino à Wall Street com o banco Goldman Sachs a registar lucros fabulosos obtidos através dos mesmos processos especulativos que levaram à crise, enquanto o desemprego continua a aumentar e os americanos continuam a perder as suas casas por não poderem pagar as hipotecas.

O regresso do multilateralismo. Mudança: BO cortou com o unilateralismo de Bush e os tratados internacionais voltaram a ser respeitados pelos EUA. Realidade: as recentes negociações de Banguecoque, que deveriam levar ao reforço do frágil Protocolo de Kyoto sobre as mudanças climáticas, conduziram, por pressão dos EUA, ao resultado oposto com a agravante de terem atenuado as responsabilidades globais dos países desenvolvidos, os grandes responsáveis pela degradação ambiental; os EUA, que não assinaram a Declaração de Durban contra o racismo, auspiciada pela ONU em 2001, voltaram a retirar o seu apoio à declaração sobre a revisão da declaração de Durban elaborada na reunião da ONU de Abril passado em Genebra, arrastando consigo vários países europeus; os EUA desautorizaram o corajoso relatório do Juiz Goldstone sobre os crimes de guerra cometidos por Israel e o Hamas durante a invasão israelita da faixa de Gaza no Inverno de 2008, e, juntamente com Israel, pressionaram a Autoridade Palestiniana a fazer o mesmo.

O fim das guerras. Mudança: BO estendeu a mão da fraternidade e do respeito ao mundo islâmico e vai pôr fim às guerras do Médio Oriente. Realidade: sem dúvida, houve mudança de retórica, mas Guantánamo ainda não encerrou; os generais dizem que a ocupação do Iraque continuará por muitos anos (ainda que os soldados sejam substituídos por mercenários); os pobres camponeses afegãos continuam a ser mortos “por engano” por bombardeiros covardemente não tripulados e as mortes estendem-se já ao Paquistão com consequências imprevisíveis; a burla da ameaça nuclear iraniana continua a ser propalada como verdade; no passado dia 10 de Setembro, BO renovou o estado de emergência, declarado inicialmente por Bush em 2001, sob o pretexto da continuada ameaça terrorista, atribuindo ao Estado poderes que coarctam os direitos democráticos dos cidadãos.

As bases militares na Colômbia. Mudança: sem precedentes, BO criticou o golpe de Estado nas Honduras, o que dá garantias de que as sete bases militares a instalar na Colômbia são exclusivamente destinadas à luta contra a droga. Realidade: BO criticou o golpe mas não lhe pôs termo nem retirou o seu embaixador; o alcance dos aviões a estacionar na Colômbia revelam que os verdadeiros objectivos das bases são 1) mostrar ao Brasil que, como potencial regional, não pode rivalizar com o EUA, 2) controlar o acesso aos recursos naturais da região, nomeadamente da Amazónia, 3) dissuadir os governos progressistas da região a terem veleidades socialistas mesmo que democráticas.

Donde provém o poder hipnótico de BO? Da insidiosa presença do colonialismo na constituição político-cultural do mundo. O Presidente negro de tão importante país dá aos fautores históricos do racismo no mundo contemporâneo o conforto de poderem espiar sem esforço a sua culpa histórica, e dá às vítimas do racismo a ilusão credível de que o fim das suas humilhações está próximo.

E o que passará depois da hipnose? BO está a preparar-se meticulosamente para governar durante oito anos, fará algumas reformas que melhorarão a vida dos americanos, ainda que ficando muito aquém das promessas (como no caso da reforma do sistema de saúde) e sem nunca pôr em causa a vigência do Estado de mercado; evitará a todo custo “mexer” no conflito Israel/Palestina; manterá a América Latina sob apertado controle; agradará em tudo à China, tal o medo que ela deixe de financiar o American way of life;deixará o Irão onde está e, se puder, sairá do Afeganistão; tudo isto num contexto de crescente declínio económico dos EUA em parte camuflado pelo aumento das despesas militares algumas delas orientadas para o controlo de conflitos internos.



(Publicado pela revista Visão em 22-10-2009)
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Quarta-feira, 22 de Setembro de 2010

Série de conferências sobre a ocupação israelita e a Palestina por Norman Finkelstein

Da Associação 25 de Abri recebemos esta informação:

Vimos por este meio comunicar que terá lugar em Portugal uma série de conferências pelo Professor Norman Finkelstein, activista e estudioso internacionalmente conhecido do conflito israelo-palestiniano. Em anexo encontra-se um cartaz anunciando a conferência de Lisboa que pode ser amplamente divulgado.

O programa de conferências:

Em Lisboa, dia 29 de Setembro às 18h30 no Auditório da Escola Secundário Luís de Camões: uma conferência com o título “The repercussions of Israel’s Cast Lead Operation for the future of its occupation of the Palestinian territories".

No Porto, dia 30 de Setembro às 18h00 na Cooperativa Árvore: uma conferência com o título “The repercussions of Israel’s Cast Lead Operation for the future of its occupation of the Palestinian territories".

No Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, dia 1 de Outubro às 11h00: uma conferência com o título “Myths and Realities of the Israel-Palestinian conflict”.

Os promotores do conjunto de conferências são a Comissão Nacional de Apoio ao Tribunal Russell para a Palestina, o Centro de Estudos Sociais, o Grupo de Acção Palestina, o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, o Sindicato dos Professores do Norte e a Fundação Mário Soares e a Cooperativa Árvore.




Uma nota biográfica sobre Norman Finkelstein:

Internacionalmente conhecido, Norman Finkelsten é um estudioso de temas que dizem respeito ao Sionismo, a Palestina e a ocupação israelita dos territórios palestinianos. É autor de vários artigos e livros com muito interesse nesse campo e é conferencista activo a favor dos direitos políticos e humanos do povo palestiniano e contra a ocupação israelita. Judeu americano, filho de sobreviventes do Holocausto, Finkelstein aplica um humanismo universalista radical e consistente à sua crítica da ocupação israelita. A sua crítica implacável da ocupação e dos seus apologistas tem-lhe custado muito, tendo a recusa da DePaul University em conceder-lhe tenure sido o resultado de intervenções sem precedentes e pressões notórias de lobbyistas sionistas (nomeadamente Alan Dershowitz). A vida e o trabalho do Finkelstein foram objecto de um documentário recente com o título “American Radical”.



O seu livro mais recente, This Time We Went Too Far: Truth and Consequences of the Gaza Invasion (OR Books, New York, 2010 - http://www.orbooks.com/our-books/thistime/) é uma análise crítica do massacre perpetrado por Israel em Gaza de Dezembro 2008-Janeiro 2009 com a Operação Chumbo Fundido. O seu livro The Holocaust Industry (A Indústria do Holocausto, traduzido para o português no Brasil pela editora Record, 2001) analisa criticamente as várias formas de aproveitamento oportunista da realidade do Holocausto pelo Estado de Israel e os seus apologistas para encobrir os crimes cometidos pela ocupação aos palestinianos.

Para mais, podem ver o seu website em
http://www.normanfinkelstein.com/

Bibliografia seleccionada:

* Image and Reality of the Israel-Palestine Conflict, Verso, 1995, 2001, 2003.
* The Rise and Fall of Palestine: A Personal Account of the Intifada Years. Minneapolis: U of Minnesota P, 1996.
* “Whither the `peace process'?”, New Left Review, 218, July-August (1996).
* A Nation on Trial: The Goldhagen Thesis and Historical Truth (com Ruth Bettina Birn) Henry Holt and Co., 1998.
* The Holocaust Industry: Reflections on the Exploitation of Jewish Suffering, Verso, 2000; 2001; 2003.
* Beyond Chutzpah: On the Misuse of Anti-Semitism and the Abuse of History. U of California P, 2005.
* “Disinformation and the Palestine Question: The Not-So-Strange Case of Joan Peter's From Time Immemorial” in Blaming the Victims: Spurious Scholarship and the Palestinian Question. Ed. Edward W. Said e Christopher Hitchens. Verso Press, 1988.
* This Time We Went Too Far: Truth and Consequences of the Gaza Invasion, OR Books, New York, 2010.

Secretaria [a25a.sec@25abril.org]


publicado por Carlos Loures às 16:00
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Segunda-feira, 13 de Setembro de 2010

Uma viagem a Cuba

Carlos Loures




Fidel Castro foi, na semana que ontem terminou, entrevistado por Jeffrey Goldberg, um jornalista norte-americano ligado à especialista e em Relações Exteriores, Julia Sweig. Foi uma longa entrevista, durante a qual se abordaram temas como o conflito israelo-árabe e a tensão entre os Estados Unidos e o Irão. Fidel parece ter encetado um processo de autocrítica – depois de ter reconhecido, em declarações anteriores, o exagero da sua política persecutória relativamente aos homossexuais, admitiu perante Goldberg que o modelo cubano não serve para exportação, porque nem sequer em Cuba funciona. O Carlos Antunes, em texto que aqui publicou no Sábado, já se referiu a este tema. Esta extraordinária afirmação de Castro, veio lembrar-me o fervor e o entusiasmo com que, no início dos anos 60, nós seguíamos as suas vibrantes intervenções.

Mas, quando em 1962, na sequência da chamada «crise dos mísseis», para se proteger dos Estados Unidos, Cuba foi forçada a transformar-se num satélite da União Soviética, ao fascínio seguiu-se uma profunda desilusão. Porém, aqueles primeiros três anos da Revolução Cubana, tal como os 18 meses da nossa Revolução dos Cravos, foram algo que marcou os jovens daquela época. Não escapei à regra. Ouvir o verbo emocionado e emocionante de Fidel, lendo na Praça da Revolução, as declarações de Havana, particularmente a segunda, era arrepiante. É sob a emoção dessas recordações que escrevo este texto.

.Embora a admiração pela Revolução Cubana há muito tivesse morrido, era um projecto meu visitar Cuba, como quem revisita a juventude e algumas das ilusões perdidas (porque há outras que nunca se perdem e é isso que nos mantém vivos). Há poucos anos atrás, com a minha mulher e um casal amigo (o Gomes Marques e a Célia) metemos mãos à obra. As agências só ofereciam pacotes inaceitáveis – três dias em Havana e quatro em Varadero. Mas nós íamos lá fazer uma viagem de doze horas, atravessar o Atlântico para ir à praia, com a Caparica e as praias da linha aqui tão perto? Mas acabámos por descobrir uma alternativa aos pacotes usuais. Uma boa alternativa que agora vejo que já está mais divulgada. Um carro de aluguer à nossa espera no aeroporto de Havana, hotéis reservados por um itinerário escolhido por nós, a começar e a acabar na capital – Havana, Matanzas, Cienfuegos, Sancti Spíritus, Camagüey, Ciego de Ávila, Santiago de Cuba, Trinidad, Santa Clara, Havana… Tudo por um preço razoável, pouco acima do que custavam os tais pacotes. Durante duas semanas percorremos quase quatro mil quilómetros, vimos o que queríamos, sem guias turísticos a incomodar-nos. E lá fomos à Baía dos Porcos, ao Quartel de Moncada, à Sierra Maestra, ao museu da Revolução, a todos os lugares de culto. Visitámos Havana em pormenor, fomos aos locais frequentados por Hemingway, e até almoçámos em Varadero. Varadero é um local de veraneio, sem nada de especial (a não ser o mar maravilhoso das Caraíbas) – Hotéis, edifícios de apartamentos, etc. Nada, nesse aspecto, que Vilamoura ou Torre Molinos não tenham – tal como pensávamos, não se justifica ir tão longe. Mas o nosso itinerário foi uma maravilha.



Falámos com muita gente. Pudemos verificar que, apesar de algum medo à repressão que inegavelmente existe, as pessoas falaram connosco com à-vontade. Encontrámos mais descontentes nas grandes cidades, Havana e Santiago, principalmente. As condições de vida são constrangedoras. Racionamento dos bens mais elementares – lâminas de barbear, pensos higiénicos, géneros de primeira necessidade, arroz, ovos, leite, tudo é racionado. As casas de Havana, algumas lindíssimas, estão em ruínas. O turismo é uma das saídas. Cozinha-se em casa para os turistas. São os chamados «paladares», alternativas aos restaurantes. Combina-se previamente, escolhe-se a ementa e à hora combinada lá temos a mesa posta e anfitriões dispostos a deixar-nos sós ou a conversarem connosco, como preferirmos. Pelas ruas andam pessoas das mais diversas idades a cooptar clientes para os paladares. Em Ciego de Ávila um professor universitário de avançada idade andava nesta tarefa, recitando-nos de memória poemas de Nicolás Guillén. Para não falar da prostituição, mais ou menos encoberta, que pessoas normalíssimas, qualificadas, quase todas com cursos superiores, se vêem obrigadas a praticar para completar ordenados baixíssimos. A prostituição em Cuba é, de uma maneira geral, uma forma desesperada de sobrevivência.



Nos campos, sobretudo em granjas colectivas, encontrámos mais adeptos do regime, gente saudando-se de punho cerrado. Também é verdade que nos campos a vida não é tão difícil, pois os bens alimentares essenciais são ali produzidos e, portanto, escasseiam menos. Porém, numa coisa todos estão irmanados, fidelistas, antifidelistas: no ódio aos Estados Unidos. Mesmo os opositores ao regime, têm consciência de que sem o bloqueio norte-americano, o povo não sofreria tanto. É evidente que o bloqueio tem perpetuado a ditadura e impedido o advento da democracia. Toda a gente sabe isso. Só a CIA e a Casa Branca se obstinam em não o reconhecer. E Obama, que parece ser mais inteligente do que a generalidade dos antecessores, poderá, mesmo que queira, contrariar a CIA e os falcões do Pentágono? As recentes declarações de Fidel, reconhecendo erros, constituem metade da ponte. Será que o presidente norte-americano terá margem de manobra para construir a outra metade?
publicado por Carlos Loures às 12:00
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