A New 7 Wonders Portugal, SA está a lançar um concurso com vista a eleger as “7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo”. Os resultados serão conhecidos no próximo dia 10 de Junho. Estamos, pois, no mundo dos negócios e do mediatismo, e os critérios por que se pauta este mundo têm pouco a ver com a busca da verdade ou da justiça. Têm antes a ver, neste caso, com os lucros que podem ser obtidos com a exploração da história, da obtenção de direitos de exploração do conceito “7 Maravilhas”, da publicidade, da promoção do turismo, etc. Perante isto, pode estranhar-se o incómodo e o protesto que este concurso tem vindo a suscitar no espaço de língua oficial portuguesa, envolvendo sobretudo investigadores que se dedicam ao estudo do império colonial português ou ao estudo dos países independentes que emergiram do fim do império e educadores que, neste espaço, procuram passar às novas gerações uma visão complexa da história que, longe de ser passada, continua a afectar as suas sociedades e as suas vidas.
O incómodo e o protesto têm razões fortes e a principal é que este concurso implica não apenas com a história de Portugal, mas também com a história dos países que estiveram sujeitos ao colonialismo português, e fá-lo de modo a ocultar, precisamente, o colonialismo, ou seja, o contexto social e político em que esses monumentos foram erigidos e o uso que tiveram durante séculos. O olhar que é orientado para ver a beleza da arte e da arquitectura dos monumentos é igualmente orientado para não ver o sofrimento inenarrável dos milhões de africanos que, entre o século XV e o século XIX, sacrificaram a vida para que muitos desses monumentos tivessem vida, quer os monumentos onde foram comprados como “propriedade móvel”, quer os monumentos que foram construir no outro lado do Atlântico. Portugal foi um participante activo no tráfico de escravos, a maior deportação da história da humanidade, que só na África Ocidental envolveu entre 15 e 18 milhões de escravos. Se tivermos em mente que, por cada escravo que chegou à América, cinco morreram nos processos de captura, no transporte do interior para os armazéns (alguns deles, os monumentos de hoje), durante o cativeiro à espera de transporte ou na viagem, estamos a falar de 90 milhões de pessoas. E não esqueçamos que a esperança média de vida dos que chegavam à América era apenas de mais cinco ou seis anos.
Os monumentos devem ser respeitados e recuperados para nos devolverem a história, não para no-la ocultar. É por essa razão que ninguém imagina que se promova a visita a Auschwitz apenas para conhecer a arquitectura carcerária modernista da Alemanha. É, por isso, perturbador que o comissário do concurso diga que “esta visita ao património de origem portuguesa no Mundo é feita com um sentimento de orgulho e de satisfação pelo legado histórico do nosso passado”, e acrescente que “os fluxos de pessoas e de informação à escala global aproximam-nos de todos enquanto partes constituintes de uma mesma humanidade”. Teremos de concluir daqui que, porque o tráfico de escravos foi um desses fluxos, os monumentos são um monumento ao colonialismo português?
Todos nós que trabalhamos no espaço de língua portuguesa fazêmo-lo com a convicção de que Portugal é um país de futuro e que esse futuro passa pelas relações fraternas que soubermos criar com os países que estiveram sujeitos ao colonialismo português. Mas para que isso ocorra é necessário assumir a história em toda a sua complexidade e não retirar dela apenas o que nos convém. É com base neste pressuposto que estamos a construir uma vibrante comunidade científica e educativa no espaço de língua oficial portuguesa. O património em causa é tanto de origem portuguesa como é de origem angolana, moçambicana, guineense caboverdiana, indiana ou brasileira. Por um critério mínimo de justiça histórica, as instituições que patrocinam este concurso devem exigir à empresa total transparência de contas e que os lucros sejam integralmente destinados à recuperação dos monumentos.
07-06-2009 Visão voltar
Carlos Leça da VeigaQue relacionamento há com Goa, sabendo-se que a União Indiana é um dos maiores potentados mundiais? Quem – que governação portuguesa – exemplo lamentável, nunca nada fez com a importância mais devida para proteger, senão incentivar, o património cultural português deixado nos territórios que, anos atrás, foram chamados Estado Português da Índia? Em Goa, mais um mau exemplo da política externa portuguesa, deixou-se morrer o jornal “O Heraldo” que era, no mundo, o periódico mais antigo publicado em língua portuguesa, tudo consequência dos governantes daqui não terem sido capazes de dar-lhe o socorro financeiro mais necessário à sua sobrevivência.
O colonialismo português, mau grado muitas depredações de ordem vária (não esquecer a criminalidade do tráfico da escravatura) apesar de tudo, como fruto último duma convivência muito estreita e duma irrecusável bonomia social – afinal, um fenómeno cultural tornado histórico – gerou, contra todas as piores expectativas, bons entendimentos e companheirismos dignos, uns e outros, de reconhecimento internacional. Por desgraça, este notável capital político não têm merecido dos sucessivos governos nacionais posteriores ao 25 de Abril a atenção e o favor duma preocupação política à altura das necessidades tanto nacionais como, por igual, as de todos os novos Estados de Expressão Oficial Portuguesa, reconhecidos todos os condicionalismos e todas as particularidades próprios de cada qual.
Para que a subsistência afirmativa de Portugal, no quadro dum posicionamento internacional verdadeiramente ímpar seja, de facto, uma realidade sentida será obrigatório que tenha uma preocupação muito intensa com a possibilidade de transformar os velhos relacionamentos, com todos os novos Estados de Expressão Oficial Portuguesa, em parcerias firmes e sustentáveis, sobretudo, nas áreas da economia, da educação, da cultura, da tecnologia e da ciência. Só desta maneira, face ao mundo, conseguir-se-á a consagração duma alternativa política, cultural e social repleta das mais variadas virtudes políticas e, por isso mesmo, capazes de potenciarem as parcas possibilidades económicas portuguesas enquanto, a seu par e em contrapartida – uma contrapartida valiosa – a população portuguesa tem sectores bem habilitados capazes de facultar, com mérito reconhecido, tanto as suas disponibilidades técnico-cientificas, como as suas diferenciações profissionais.
“A cooperação deve ser progressista, quase revolucionária” na expressão do único português, o Embaixador Dr. Luís Gaspar da Silva, que entendeu, com a inteligência, a sapiência e a ponderação dignas de mencionarem-se, as formas correctas a serem adoptadas para os relacionamentos com todos os Estados, hoje em dia, congregados na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
“A importância da política de cooperação não é só o acordo económico como motivo determinador e a causa principal e única das relações diplomáticas. Ela é, essencialmente, um processo cultural que caminha para a liberdade, conduzindo à solidariedade e à autonomia moral do mundo integralmente humano” e mais, como pode ver-se na “Utopia, seis destinos”, obra publicada por aquele Senhor Embaixador, “A África deve ser considerada como ideia central da geopolítica portuguesa. Ela representa um dos vectores primaciais da nossa acção histórico-pragmática”.
Haveria de ser uma política promissora para o investimento financeiro e humano bem melhor do que aquela de subserviência manifesta mostrada face à chamada união europeia – o IV Reich – concretamente às suas potências continentais.
Tem de perguntar-se se os donativos europeus terão mais valor real que as possibilidades de trabalho – de emprego – no mundo que a História nos fez conhecer e, como assim, ser conhecidos pela História?
Dir-se-á que todas estas várias maneira de questionar ou de observar os relacionamentos com um mundo por onde os portugueses tanto passaram vivem, apenas, duma atitude populista e que não são nada mais do que isso; que nada mais conseguem vislumbrar que não sejam superficialidades; que não traduzem a complexidade dos problemas; que não levam em linha de conta as correlações de força dos relacionamentos internacionais; que o terceiro mundo é para esquecer; que não atendem aos interesses nacionais; que nada têm que ver com os propósitos da Democracia; que não estão na primeira linha das perspectivas da união europeia; que contrariam os altos desígnios dos possidentes nacionais; que são contrárias ao afluxo do investimento estrangeiro; que prejudicam a tal retoma económica que – tem de dizer-se – nos moldes políticos actuais, essa, nunca chegará; que ignoram as dificuldades da conjuntura internacional e que não atendem às prioridades da política europeia, uma política que, essa sim, tem de ser propugnada, porquanto – aqui entra o puro oportunismo e a mais estafada desonestidade política – perspectiva um eldorado infalível.
Viver-se nesta nítida dependência política imposta pelo exterior, só pode causar indignação. Quantos senti-la-ão?
Quem tem sido ludibriado é quem tem de queixar-se e de fazê-lo sustentado nas suas possibilidades próprias, com autonomia e não por intermédio de cabeças alheias. Os que tudo sabem – isto é, julgam saber – já tiveram mais de trinta anos para demonstrarem as suas falências políticas e, como assim, têm de perceber que devem sair de cena. É fundamental unir os esforços dos independentes – dos não-alinhados – para desenhar-se uma resposta da indignação nacional.
Como deixou escrito Hannah Arendt, “São os Homens que fazem milagres porque, por receberam o dom duplo da liberdade e da acção, são capazes de instaurar uma realidade que seja sua”