Histórias da música
António Victorino d'Almeida O génio experimentalista de Chopin
Todas as valsas são em compasso ternário. Mas haverá talvez que lembrar que nem todos os compassos ternários podem transformar-se em valsa ou, menos ainda, associar-se a um conceito restritivo de música para se dançar.
Em princípio, podemos apontar três danças de certo modo aparentadas e fundamentalmente estruturadas em ritmos ternários: a valsa, a masurca e o Ländler, que é uma dança originária da Áustria, mas também com raízes no sul da Alemanha e na Suíça alemã.
É evidente que ainda há outras danças em ternário, nomeadamente o minuete, conquanto este tenha caído bastante em desuso e pareça irremediavelmente afastado da atmosfera dos night clubs e discotecas...
Mas nunca se sabe!... Nos tempos que vão correndo, já nada me surpreende, nomeadamente quando penso que um CD com uma vaga estilização do canto gregoriano pôde bater records de venda entre a juventude, do mesmo modo que também já tenho observado públicos dessa faixa etária - normalmente sujeita ao fascínio dos ritmos sincopados - , a extasiar-se ao som de melodias paradoxalmente lúgubres e dissociadas de qualquer agitação rítmica, para além da lenta e comovida movimentação de isqueiros acesos que se gera em plateias, bancadas ou relvados...
Um dia, quando menos se esperar, ainda vemos um qualquer minuete reintroduzido nos serões juvenis por obra e graça de publicitários para quem nada é impossível...
Ora, essa capacidade de vender produtos até àqueles que estariam logicamente nos antípodas de os querer comprar não é um fenómeno exclusivo dos nossos dias, e já foi um pouco contra isso que Chopin se rebelou quando, ao visitar Viena pela segunda vez - depois de uma primeira viagem marcada pelo êxito - verificou com indisfarçada irritação que ninguém lhe ligava nada, pois a única música que se passara a vender eram valsas de Johann Strauss (pai) e do seu comparsa Lanner...
Não se tratava de pôr em questão a qualidade dessa música, uma vez enquadrada num determinado contexto de popularidade, dado que os dois músicos, no seu estilo, eram mesmo óptimos.
O que enfurecia Chopin era o exclusivismo das atenções dado a um género musical sem dúvida rico de atractivos, bem construído e excelentemente trabalhado por dois homens de grande talento, mas sem que tal justificasse que tudo o mais fosse esquecido ou arredado para planos de humilhante insignificância...
Além disso há que não esquecer - e há que respeitar - que Chopin se deslocara de Varsóvia até Viena em viagem profissional, com o legítimo intuito de ganhar a sua vida, que não estava nada fácil de ganhar numa Polónia permanentemente invadida e ocupada por potências estrangeiras. E o malogro dessa deslocação vinha contribuir para o agravamento da já de si precária situação financeira do compositor, motivo de sobra para que o seu eventual interesse estético pela valsa vienense se transformasse numa espécie de alergia pessoal...
Com efeito, é claramente ilusória a hipótese levantada por alguns musicólogos, segundo os quais, apesar do grave revés sofrido em Viena, Chopin se teria interessado pelo fenómeno da valsa, ao ponto de vir mais tarde a escrever, em parte sob essa influência, a admirável colectânea de dezanove valsas.
Essas valsas não têm absolutamente nada de vienense. E mesmo que se tivesse esboçado alguma atracção ou sentimento de interesse por essa música - pois Strauss e Lanner eram mesmo muito bons... - sabe-se que Chopin tinha suficiente mau feitio para renegar quaisquer influências de uma moda que tão gravosa se mostrara para a sua carteira...
Além disso, será bom salientar que, já antes da explosão de entusiasmo provocada por Strauss e Lanner em Viena, já outros compositores tinham escrito valsas com alguma inspiração popular, tais como Hummel, Schubert - ou o próprio Beethoven, conquanto a dança não parecesse ser o lado mais forte do mestre de Bona...
Quanto a mim, porém, a única influência popular que poderia ter marcado, aqui e além, as valsas de Chopin, era a da valsa parisiense, a chamada valse musette, originariamente ligada a uma espécie de gaita de foles que tinha esse nome - musette - e que seria, a partir do século XIX substituído pelo acordeão nos bailes de rua que se realizavam em Paris, a cidade pela qual Chopin sempre esteve efectivamente apaixonado.
Por outro lado, o compositor manteve ao longo de toda a vida uma relação muito intensa com os compassos ternários, que ele associava aos batimentos do nosso coração, igualmente marcados - com excepção dos cardíacos, claro... - por uma rítmica ternária.
Assim como fez valsas - que nada têm de vienense e também muito pouco, ou mesmo nada, de polaco - Chopin escreveu as suas magníficas masurcas, essas sim, claramente enraizadas nas tradições populares da Polónia.
. Ligações
. A Mesa pola Normalización Lingüística
. Biblioteca do IES Xoán Montes
. encyclo
. cnrtl dictionnaires modernes
. Le Monde
. sullarte
. Jornal de Letras, Artes e Ideias
. Ricardo Carvalho Calero - Página web comemorações do centenário
. Portal de cultura contemporânea africana
. rae
. treccani
. unesco
. Resistir
. BLOGUES
. Aventar
. DÁ FALA
. hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
. ProfBlog
. Sararau