Continuo a ir buscar poemas antigos. Este foi escrito em 1968.
Inspirei-me numa reunião em casa de antifascistas abastados de uma cidade de província no Outono daquele annus horribilis do capitalismo internacional e da ditadura portuguesa – com a onda de choque do Maio parisiense a atingir as universidades, com Salazar a cair da cadeira, com a agudização da Guerra Colonial, sobretudo na Guiné. A repressão aumentava, mas a esperança dos antifascistas também. A forma de exprimir essa esperança assumia, por vezes, aspectos caricatos, como os que refiro no poema.
A «unidade antifascista» obrigava, porém, a pactuar com este tipo de «resistência», onde havia mistos de reunião conspirativa, cocktail e vernissage. Com outros dois companheiros, percorremos algumas centenas de quilómetros para assistir a uma suposta reunião política e deparou-se-nos um agradável e acolhedor, mas politicamente inócuo, convívio social entre a burguesia bem pensante da pequena cidade. Nessa altura, por bem pensante já se entendia ser democrata e antifascista. Apenas se salvou a recolha de fundos a que procedemos (o uísque também não era nada mau).
O muito divulgado poster com o retrato de Ernesto «Che» Guevara a que aludo no poema, depois também estampado em T-shirts, lá estava no meio de óleos, serigrafias e boas reproduções , Pensava-se na altura que era uma fotografia tirada quando foi repelida a invasão da Baía dos Porcos, organizada pela CIA. Soube-se depois que fora feita em 5 de Março de 1960 pelo grande fotógrafo cubano Alberto Korda, quando uma sabotagem fez explodir um barco em Havana.
O poema com que reagi a esta realidade bizarra, do convívio entre a luta antifascista e as reuniões sociais da classe alta, só foi publicado, no meu livro O Cárcere e o Prado Luminoso, mais de vinte anos depois de ser escrito. Diz assim:
Reunião conspirativa
(Uma memória dos anos sessenta)
Chez revolucionário de lareira,
cada coisa está no seu lugar:
Lenine na estante,
uísque na garrafeira.
Nas paredes é uma festa:
Mondrian, Utrillo e Leonardo
(em boas molduras de aço anodizado),
submetem-se ao poster;
«Che» preside,
com os cabelos ao vento da Baía
e a boina guerrilheira.
(Cá em baixo,
ao nível da alcatifa,
o Zeca chora a morte da ceifeira.
Come-se aperitivos de importação
e (presença da cultura popular)
pastéis de bacalhau.
Entre um cigarro americano
e uma (oportuna) citação
do presidente Mao,
a anfitriã cala o Zeca
e liga a televisão.
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