(Continuação)
4 COLABORAÇÃO INSTITUCIONAL E ADMINISTRAÇÃO
A máquina da administração pública tem vindo paulatinamente a deteriorar-se (à parte algumas "ilhas"que persistem em manter-se em contracorrente) e os governos, na ânsia de colocar clientelas, têm tido um efeito assaz pernicioso na degradação da mesma. Com efeito, ao invés de terem tentado criar uma máquina eficaz, de bons e independentes profissionais, têm desenvolvido esforços para colocar correligionários ("parentes e aderentes" na linguagem do vulgo), o que se tem revelado catastrófico. A pletora de assessores e assistentes que se tem desenvolvido ao nível dos gabinetes ministeriais tem claros efeitos perniciosos.
Agora é a crise e o congelamento (regressão?) de direitos e condições; mas lê-se e pasma-se: "gabinetes de ministros escapam a congelamento nas admissões de pessoal (Diário Económico, de 26 de Maio de 2010), isto neste período de "vacas magras" que porventura virarão esqueléticas a muitíssimo curto prazo.
Que dizer da colaboração entre instituições da República quando lemos em Resolução da Assembleia da República (n.° 41/2010, Diário da República, 1.ª série, n.° 92, de 12 de Maio de 2010) a recomendação ao Governo para que "seja enviada aos deputados a resposta que o Estado português deu na sequência da notificação da Comissão Europeia relativa ao Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (...)” e outras semelhantes?
5 DIMENSÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA
Os partidos existem, melhor, devem existir, como âncoras essenciais na garantia e desenvolvimento do processo democrático, pelo que seria inaceitável a consolidação de clientelismos políticos, de cariz partidário (ou outro), transformando-se os partidos, basicamente, em máquinas de conquista e defesa de interesses individuais ou de grupo, ou se viessem a perder a necessária capacidade para se abrir à sociedade e para a enquadrar politicamente.
Ora, os discursos tão correntes e habituais referindo "jobs", "boys", "girls" e quejandos não deveriam simplesmente poder ter lugar, por não ocorrência de situações relevantes. Só que uma comparação em matéria de obtenção de empregos e progressão nas carreiras não pode deixar de conduzir à conclusão que os cidadãos que seguiram apenas o circuito escolar e profissional são, em função dos resultados obtidos, certamente muito menos capazes do que aqueles que se aventuraram por outras esferas de intervenção!.. A conclusão só pode ser: os melhores foram para os partidos.
Alguns comportamentos que têm chegado à opinião pública, algumas vezes defendidos por representantes do poder ou mesmo por instituições, só podem desacreditar o poder e o regime. Pessoalmente, admito que seria um exercício interessante para determinados agentes viajar em hora de ponta nos transportes públicos, sob disfarce, e ouvir comentários e opiniões. Talvez não gostassem, mas esse é o país real, que vota e que um dia pode descolar para outras soluções. Também seria conveniente não se defender determinadas soluções com base em aspectos de mera legalidade - nem tudo o que é legal é moral e a responsabilidade política situa-se muito para além de critérios jurídicos.
6 Educação
Quantitativamente, é notável o que se fez em matéria de acesso à educação. Contudo, continua a ser insuficiente a qualidade da mesma, não obstante o nível comparativo da despesa, já que vários indicadores de qualidade nos relegam para os últimos lugares dos países ditos avançados. Nunca seria aceitável que a educação, de veículo promotor de ascensão e igualitarização social, se transformasse em mecanismo de perpetuação de posicionamentos sociais injustos.
“A educação e a formação, face aos recursos envolvidos (que são comparáveis aos mobilizados em muitos países bem mais avançados) e aos resultados obtidos (que nos colocam, geralmente, nas piores posições quando se estabelecem comparações internacionais), terão de merecer uma atenção e uma exigência particulares, tendo de assumir-se que a aprendizagem é, sempre ou quase sempre, actividade penosa e exigente que implica muito trabalho e muito esforço. O controlo dos resultados obtidos - ao nível de cada aluno e de cada professor individualmente considerados, bem como das escolas - é manifestamente uma questão urgente: na perspectiva dos estudantes e do seu futuro, no respeito dos cidadãos contribuintes e do interesse do desenvolvimento do País. ‘É necessário colocar de novo a tónica numa escola com sentido da responsabilidade, com rigor, disciplina e trabalho, mas também, numa escola atenta ao mérito, onde os bons resultados e o esforço, a demanda da excelência são premiados. Uma escola que transmita os valores da cidadania, reforçando o respeito pelos outros através da praxis diária e do conhecimento de documentos estruturantes como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Convenção Europeia dos Direitos do Homem' são afirmações (...) que se corroboram.” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa, 2002, pág. 50).
(Continua)
Sílvio CastroCesário Verde, nascido em 1855 e morto em 1886, representa um singular fenômeno no quadro geral do romantismo português. Com ele a poesia de Portugal ganha improvisamente uma modernidade desconhecida. Seus poemas, mesmo participando de uma longa tradição, rompe com os tempos e se projeta muito além de uma época pessoal, ainda que sendo principalmente fruto dela.
Filho de uma rica família de comerciantes, desde muito cedo ligou a própria existência à atividade do pai, para nela criar e desenvolver uma personalidade quase anônima, mas que cedo se projeta como uma revolução. Nasce assim um intelectual e um criador lírico que, aparentemente integrado a um ambiente burguês insuperável, de natureza mercantil, dele jamais faz parte.
A poesia de Cesário nasce no silêncio da vida que realmente não é aquela sua aparente. Mas os poemas que ele vai criando na sua curta existência lentamente o projetam num novo mundo, fantástico ainda que imediatamente real e reconhecível. Nasce com esta poesia um novo sistema de linguagem, inicialmente em contraposição a qualquer possibilidade de receptividade, mas que cedo irá desvendar a própria força no forjar diálogos e sentimentos novos.
A língua poética do poeta revolucionário é feita com a aparente sintaxe da
comunicação comum, na qual o poeta intromete a genialidade criadora de novos ritmos e de morfemas que corroem qualquer forma de indiferença e incompreensão. Novos mundos são então projetados aos que desde logo sabem penetrar na complexidade de uma nova semântica poética, na qual a metalinguagem é presença copiosa.
Partindo da tradição romântica dos sentimentos mais pessoais e da participação
serena com a natureza, o poeta cedo alarga o seu cenário sentimental ao plano urbano. A partir daí, com o surgir de uma Lisboa inédita aos ritmos poéticos portugueses e ao gosto geral de uma época, a poesia de Cesário Verde se faz revolucionária. A aparente dicção prosaica se revela fonte de invenções e de liberdade. Com ela, a receptividade se faz conquista de liberdade partecipativa.
Tudo se origina das mais profundas raízes do poeta, alimentadas de forte universalismo e de uma mágica capacidade de criar mundos inicialmente encubertos aos olhos, prontos a serem vividos na perfeita receptividade.
O sentimento do mundo do poeta é universal, ainda que sempre ligado ao seu mundo
urbano. Este se faz renovador a cada canto de uma praça ou à descoberta da gente mais simples que caminha pelas ruas pedregosas:
“ Nas nossas ruas, ao anoitecer,Há tal soturnidade, há tal melancolia,Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresiaDespertam-me um desejo absurdo de sofrer...............................................................................
Toca-se as grades, nas cadeias. SomQue mortifica e deixa umas loucuras mansas!O aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,Bem raramente encerra uma mulher de “dom”!..............................................................................
E os guardas, que revistam as escadas,Caminham de lanterna e servem de chaveiros;Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.E
, enorme, nesta massa irregularDe prédios sepulcrais, com dimensões de montes,A Dor humana busca os amplos horizontes,E tem marés, de fel, como um sinistro mar!”O mais consciente hino tradutor de “O sentimento dum ocidental” português é significativamente dedicado ao poeta que comovia Portugal com os seus gritos pela liberdade e a favor dos simples, dos humildes, dos desgraçados: Guerra Junqueiro. Como acontece com o poeta de Os Simples, a complexa e revolucionária poética de Cesário Verde é ela igualmente um canto da liberdade sempre reconhecida. Com esse canto a poesia de língua portuguesa se projeta no futuro enquanto um tempo real e concreto.
A partir da poesia de Cesário Verde o romantismo cumpre um longo percurso, atingindo o mais amplo sentido social e desde então fazendo-se uma constante no processo de evolução dos tempos criativos. Com ela estavam abertas as portas de todos os realismos.