Quinta-feira, 13 de Maio de 2010
Luis Moreira
Os primeiros tempos trouxeram os tais debates com Anton Pannekoek e um influxo de ex-Bordigistas para o grupo, grupo que era composto por intelectuais e trabalhadores, defensores da tese de que os principais inimigos da sociedade eram as estruturas burocráticas que governavam o capitalismo moderno. Analisaram a luta contra a burocracia no seu jornal. Seguindo a crença de que o que a classe trabalhadora encarava na luta diária era o conteúdo real do socialismo, os intelectuais encorajavam os trabalhadores no grupo a relatarem o seu dia a dia laboral. Socialisme ou Barbarie divergia do leninismo, rejeitando o «centralismo democrático» de um partido revolucionário e defendendo a criação de “conselhos de trabalhadores”. Alguns partiram para formar outros grupos, mas os que ficaram tornaram-se cada vez mais críticos do marxismo. Segundo recorda Jean Laplanche, um dos membros-fundadores: «a atmosfera depressa se tornou impossível».
Além de escrever os artigos de fundo, Castoriadis liderava o jornal, impondo a sua tese recorrente na época de que era inevitável uma terceira guerra mundial, coisa difícil para outros elementos suportarem: «continuar as nossas vidas, pensando ao mesmo tempo que o mundo seria destruído por uma explosão atómica dentro de poucos anos. Era uma visão apocalíptica». A Revolução Húngara de 1956 e outros acontecimentos da década de 1950 levou à chegada de mais membros ao grupo. Propunham um ponto central: ...«a necessidade do capitalismo de, por um lado reduzir, os trabalhadores a simples executores de tarefas e, por outro, a sua impossibilidade de continuar funcionando se for bem sucedido nesse ínterim. O capitalismo precisa de atingir objectivos mutuamente incompatíveis: a participação e a exclusão do trabalhador na produção».
Isso ficou caracterizado como a distinção entre o dirigente e o executante.
Essa perspectiva permitiu que o grupo expandisse seu entendimento às novas formas de conflito social que emergiam fora da esfera da produção.
Em 1958 desentendimentos quanto ao papel político do grupo levou à saída de membros importantes. Claude Lefort e Henri Simon saíram, formando o Informations et Liaison Ouvrières. Em 1960, o grupo tinha crescido para cerca de 100 membros e tinha desenvolvido novas ligações internacionais, primariamente na emergência de uma organização irmã na Grã-Bretanha chamada Solidarity. No começo dos anos 60, disputas dentro do grupo sobre a crescente rejeição do marxismo por Castoriadis levou ao abandono e à criação do jornal Pouvoir Ouvrier. O Socialisme ou Barbarie continuou a ser publicado até a edição final em 1965, depois do que o grupo permaneceu inactivo e foi então dissolvido. Uma tentativa de Castoriadis para relançar o grupo durante o Maio de 68, fracassou. A Internacional Situacionista foi associada ao grupo e influenciada através de Guy Debord, que era membro de ambos. O movimento social italiano Autonomia também foi influenciado, mas menos directamente.
A questão que queria hoje colocar é a que nos é levantada pelo título do jornal de Castoriadis e do seu grupo – “Socialismo ou Barbárie”. Por aquilo que nos é permitido saber, a alternativa ao Socialismo é a barbárie – e não estou a falar do «socialismo real», nem do «socialismo em liberdade» ou «de face humana». Estou a referir-me à jamais cumprida utopia socialista, sem os centralismos democráticos de Lenine ou do neo-liberalismo que Soares, com alguns ouropéis formais, introduziu em Portugal e anda por aí à solta. A barbárie, por assim dizer.
Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Como Rosa Luxemburgo, coloco como única alternativa ao verdadeiro socialismo uma sociedade onde, mesmo que sob o rótulo de «democracia», impere a barbárie. É essa «democracia» que temos – a da barbárie. Dizer-se desta pobre democracia que temos que, sendo o pior dos sistemas à excepção de todos os outros, não chega. Wiston Churchill não era propriamente um ideólogo. A frase tem graça, o Sérgio Godinho aproveitou-a bem, mas não é verdadeira. A medicina que temos não cura todas as doenças. É a melhor que se pode arranjar o que não é caso para se deixar de investigar, de encontrar fármacos e terapias que resolvam amanhã o que ainda hoje não se pode resolver.
Quarta-feira, 12 de Maio de 2010
Carlos LouresUm termo, um nome que ouçamos uma primeira vez de forma consciente, passa, a partir de então, a sair-nos ao caminho a cada momento. A primeira vez que ouvi falar de Castoriadis foi em Paris, no Albergue de Juventude de La Chapelle onde estava instalado. Havia umas dezenas de jovens de ambos os sexos e de diversas nacionalidades em dois dormitórios. O refeitório era comum e a cozinha onde preparávamos as refeições também.
Foi no refeitório que um sueco que me queria vender uns sapatos, me abordou um fim de tarde perguntando-me num cómico espanhol: Quieres comprar zapatos? Calço 40/41 e o tipo com quase dois metros de altura, calçava 46 ou 47.Expliquei-lhe que, por todas as razões, o negócio não era viável. Sentou-se desanimado, pousou os sapatos, grandes como porta-aviões. Falou-me no Socialisme ou Barbarie e em Castoriadis. Isto passou-se no Outono de 1959. Regressei antes do Natal e, volta que não volta, o jornal Socialisme ou Barbarie e o Castoriadis apareciam-me em citações, transcrições, referências. Foi quando li (em edições brasileiras) a obra de Gramsci. Não concordava com o rigor autocrático do leninismo, mas não tinha argumentos para opor ao leninismo reinante, mesmo fora do PC. Gramsci, Pannekoek e Castoriadis forneceram-me esses argumentos.
A certa altura, já depois de ter estado envolvido num partido saído de uma cisão no PC (a FAP), por altura de 1966 ou 1967, comecei a interessar-me pelas teses de Anton Pannekoek, teórico marxista holandês que propugnava a prevalência dos conselhos operários sobre os partidos políticos e os sindicatos como os pilares de uma sociedade comunista. Estas eram, segundo ele, organizações típicas do século XIX e que se revelavam disfuncionais na prática política de um século depois. Mas nem tudo o que vem de trás está desactualizado. Voltemos á minha viagem pela filosofia política - a tese básica de Pannekoek fora formulada a partir de Marx: "A emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores" e os conselhos operários eram pensados como órgãos do processo revolucionário e de uma nova sociedade fundada na autogestão.
Depois, nas minhas leituras. lá me surgiu o Pannekoek a entrar em rota de colisão com o Castoriadis de que falara o sueco. Eu estava desfasado no tempo. Lia isto em 1970 ou 1971 e o Pannekoek morrera em 1960. A seguir a Abril de 1974, muita gente, me falava de Castoriadis e de Pannekoek. Até que em 1979, a editora Regra do Jogo, dirigida editorialmente pelo meu amigo Fernando Pereira Marques, lançou numa magnífica tradução de Miguel Serras Pereira uma colectânea de ensaios de Castoriadis «A Experiência do Movimento Operário» que li e reli e copiei e citei e se transformou num livro de cabeceira. Quem era então este Castoriadis?
Cornelius Castoriadis nasceu em Constantinopla (Istambul)em 11 de Março de 1922 e morreu em Paris em 26 de Dezembro de 1997. Era, pois, um filósofo grego radicado em França, vindo a ser considerado um dos maiores expoentes da filosofia francesa do século XX. Autor de uma vasta obra de filosofia política. Na linha de Pannekoek, foi o grande filósofo da autonomia. Na sua obra, destacam-se: Instituição Imaginária da Sociedade, Encruzilhadas do Labirinto e Socialismo ou Barbárie.
Socialismo ou Barbarie foi um grupo socialista libertário radical francês do período pós-guerra (o nome tem origem numa frase de Rosa Luxemburgo num ensaio de 1916, 'The Junius Pamphlet). O grupo existiu entre 1948 e 1965. A personalidade nuclear do movimento era Castoriadis, também conhecido como Pierre Chaulieu ou Paul Cardan. Oriundo da Quarta Internacional (trotskista), onde Castoriadis e Claude Lefort constituíram uma tendência Partido Comunista Internacionalista francês, em 1946.
Em 1948, abandonaram o trotskismo e formaram o Socialisme ou Barbarie, cujo jornal começou a aparecer em Março de 1949. Castoriadis mais tarde disse a respeito desse período "... a principal audiência do grupo e do jornal era formada por grupos da antiga esquerda radical: Bordigistas - seguidores de Amadeo Bordiga (1889-1970) destacado socialista italiano - comunistas de conselho, alguns anarquistas e alguns órfãos da "esquerda" alemã dos anos 1920". Foram assimilados pela Tendência Johnson-Forest, que se desenvolveu como um corpo de ideias dentro das organizações trotskistas americanas. Uma facção desse grupo formou mais tarde o grupo Facing Reality. Os primeiros tempos trouxeram os tais debates com Anton Pannekoek e um influxo de ex-Bordigistas para o grupo.
(Continua)