Lisboa tem razões para envaidecer-se da sua passagem pelo grande ecrã. Se o primeiro filme produzido e realizado em Portugal foi da autoria do portuense Aurélio da Paz dos Reis e se rodou à porta da Fábrica Confiança, na Rua de Santa Catarina, bem no centro da Invicta, depressa o cinema português tomou a capital como cenário.
De entre as primeiras longas-metragens, ainda mudas, realizadas em Portugal várias tiveram Lisboa como cenário: “O Rapto de Uma Actriz” (1907), de Lino Ferreira, “O Quim e o Manecas” (1916), de Ernesto de Albuquerque, “O Primo Basílio” (1922), de Georges Pallu, “Lisboa, Crónica Anedótica” (1930), de Leitão de Barros.
E esta tendência confirma-se nas primeiras longas-metragens sonoras, a começar pela primeira que se realizou em Portugal, “A Severa”, de Leitão de Barros, realizada em 1931, e a que se seguiria, dois anos depois, “A Canção de Lisboa”, de Cottineli Telmo, do qual se poderia dizer que ainda hoje dificilmente se encontra algum português maior de dez anos que não o tenha visto pela menos uma vez.
A marcha do “Olh’o balão”, o “Fado do estudante”, a canção da agulha e do dedal, o esternocleidomastoideu, “Chapéus há muitos, seu palerma!”. Quantos filmes poderiam orgulhar-se de se terem perpetuado de tal forma na memória de gerações de espectadores como “A canção de Lisboa”?
Os anos seguintes corresponderiam ao "período de ouro" da comédia portuguesa, com uma sucessão de filmes cuja acção decorre em Lisboa: “O Pátio das Cantigas” (1932), de Francisco Ribeiro, cuja acção decorre num típico pátio lisboeta, “O Pai Tirano” (1941), de António Lopes Ribeiro, centrado nas desventuras amorosas de um empregado dos armazéns Grandela, ou ainda “O Leão da Estrela” (1947) e “O Costa do Castelo” (1943), ambos de Artur Duarte. Comédias de costumes, nas quais se exaltam os valores do regime: a honradez na pobreza, a humildade abençoada pela Divina Providência, a casinha modesta e alegre.
Novos ventos soprarão no cinema português a partir dos anos 60, com aquilo a que se convencionaria chamar “cinema novo”. “Verdes Anos” (1963), de Paulo Rocha, com a extraordinária música de Carlos Paredes, rodado na zona do café Vává, traçava o retrato de uma geração encerrada numa Lisboa claustrofóbica.
Seguem-se-lhe “Belarmino” (1964), de Fernando Lopes, retrato em grande plano desse filho de Lisboa caído em declínio, e “Domingo à tarde” (1965), de António de Macedo, adaptação do romance homónimo de Fernando Namora.
Os anos 80 são inaugurados com uma entrada triunfal da Lisboa de má fama nas salas de cinema: Intendente, Bairro Alto, Alfama. É por lá que se passeiam Kilas e a sua amante, a artista de variedades Pepsi-Rita, notáveis Mário Viegas e Lia Gama, cujos passos errantes são embalados pela banda sonora de Sérgio Godinho. “Kilas, o mau da fita” (1980), de José Fonseca e Costa, continua a ser um dos maiores êxitos de bilheteira do cinema português.
“Saudades para D. Genciana” (1983), de Eduardo Geada, transpõe para o cinema o universo literário de José Rodrigues Miguéis e recupera a Lisboa dos anos que antecederam a instauração do Estado Novo, centrando a acção numa pensão da Avenida Almirante Reis.
Nos anos seguintes, Lisboa será cenário recorrente dos mais emblemáticos filmes portuguesas da década de 80: “Crónica dos Bons Malandros” (1984), de Fernando Lopes, “O Lugar do Morto” (1984), de António Pedro Vasconcelos, “O Vestido cor de Fogo” (1985), de Lauro António, “Recordações da Casa Amarela” (1989), de João César Monteiro, este último premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza.
“A Caixa” (1994), de Manoel de Oliveira, cuja acção decorre nas Escadinhas de S. Cristóvão, onde um mendigo cego (Luís Miguel Cintra) defende a custo a caixa das esmolas;
“Corte de Cabelo” (1995), aclamada primeira longa-metragem de Joaquim Sapinho, rodada na totalidade em Lisboa e em particular no Amoreiras Shopping;
“Ossos” (1997), de Pedro Costa, retrato documental da vida no gueto, o bairro das Fontainhas.
E “Capitães de Abril” (2000), de Maria de Medeiros, relato épico das 24 horas mais marcantes da história contemporânea portuguesa.
Recentemente, estreou-se “Desassossego”, de João Botelho, audaciosa adaptação do “Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa, a obra fragmentária de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na baixa de Lisboa.
Lisboa no cinema estrangeiro
No cinema Lisboa já foi Assunción, a capital paraguaia (em “The boys from Brazil”, 1978, de Franklin J. Schaffner) e Santiago do Chile (em “A Casa dos Espíritos”, 1993, Billie August), já foi pano de fundo nunca identificado em filmes como “The Ninth Gate” (1999), de Roman Polanski, mas foi igualmente cenário privilegiado, quando não protagonista de uns quantos títulos, dos quais o primeiro terá sido “Lisbon” (1956), de Ray Milland, filme de espionagem que incluía na banda sonora o tema “Lisboa antiga”.
Em 1969, James Bond chegava a Lisboa, haveria de instalar-se no Estoril, e acabaria por casar-se e rapidamente enviuvar num dos piores filmes da saga: “007, Ao Serviço de Sua Majestade”, de Peter Hunt.
Amália Rodrigues canta “Barco Negro” em “Amantes do Tejo” (1955), de Henri Verneuil, filme desengraçado mas que vale hoje pela interpretação de Amália e por se ter tornado um documento da Lisboa dessa década.
A luz de Lisboa ficaria eternizada em “Dans la ville blanche” (1983) de Alain Tanner, o que em muito se deve ao trabalho do português Acácio de Almeida, director de fotografia neste filme.
Em “Lisbon Story” (1994), Wim Wenders lança-se numa busca enigmática dos sons de Lisboa, cruzando-se com os Madredeus e com o realizador Manoel de Oliveira numa súbita aparição chaplinesca.
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Ao longo das últimas décadas, Lisboa foi cenário em filmes tão diferentes como “A Casa da Rússia” (1990), de Fred Schepisi, “Noites Bravas” (1992), de Cyrill Collard, “Des Nouvelles Du Bon Dieu” (1996), de Didier Le Pêcheur, “Afirma Pereira” (1995), do realizador italiano Roberto Faenza, ou “The Dancer Upstairs” (2002), primeiro filme realizado pelo actor norte-americano John Malkovich, protagonizado pelo espanhol Javier Bardem e que incluía no elenco Luís Miguel Cintra e Alexandra Lencastre.
E se é certo que nele Lisboa nunca é mais do que uma miragem longínqua, como poderia ficar de fora desta lista o filme em que Lisboa é sinónimo de liberdade, ainda que em trânsito para outro continente? Lisa e Lazlo partem para Lisboa, Rick fica para trás. Podemos ver muitas vezes esta cena, ele nunca tomará aquele avião para Lisboa e no fundo sabemos que foi melhor assim. “Casablanca” (1942), de Michael Curtiz, pois claro.
Nem damos conta disso, mas por estarmos virados quase em exclusivo para a Europa, mas Marrocos, Casablanca, está a uma hora de viagem de avião de Lisboa. Parecendo tão longe, está tão perto. Madrid, que é quase ali ao virar da esquina, está precisamente à mesma distância.
Decidi visitar este país, que quase fazendo fronteira com Portugal, não fosse o Atlântico separar-nos, representa um outro mundo, de culturas, tradições, religiões, cheiros e cores. De Casablanca, cidade ocidentalizada, a Ouarzazate, às portas do deserto, é um mundo de contrastes que se aproximam mais do nosso passado do que do presente.
Entrar na Medina de Fez é como acontecer um recuo acentuado nas nossas vidas, e o reencontro com hábitos e meios completamente ultrapassados para os ocidentais. A ASAE, caso existisse em Marrocos, fecharia a Medina, não havendo um único lugar em que as condições de higiene estejam garantidas. Acredito que em Lisboa, nos bairros populares, se viveria assim há uma centena de anos. De qualquer forma entrar por ali, acompanhado por um guia, sem o qual um visitante se perderá no emaranhado de ruas, becos e quintais, é uma experiência a não perder. Claro que a alguma distância se encontra uma cidade vibrante, moderna, em que apesar de tudo, para os nossos hábitos, infelizmente, a mulher continua com um papel secundário. Aí, existem McDonalds e outras modernices. Cerveja e vinho é que é difícil de encontrar. Meknes e Fez são muito idênticas. Rabat, a capital, por seu turno, tem outra dinâmica, mais desenvolvida, mantendo a sua Medina, mais moderna, ou melhor, menos atrasada, mais limpa. O seu Kasbah, bem cuidado, com imensas referências a Portugal, merece uma visita. Mais a sul, após uma viagem de nove horas pelo Médio Atlas, sem grande interesse do ponto de vista do conhecimento, chega-se à mais moderna e vibrante das cidades de Marrocos, Marraquexe. Um mundo à parte, multicultural, de grandes contrastes e largos milhares de turistas de todo o mundo. Para quem quiser passar um fim-de-semana diferente pode viajar directo de Lisboa e sinceramente aconselho uma visita.
Marraquexe, as suas muralhas e os seus souks, com grande intensidade de vendas e discussão permanente de preços, são um dos lugares mais atraentes de Marrocos. Falar desta cidade é também falar da Praça Jemaa el-Fna, Património da Humanidade, da Unesco, não devido à sua beleza harmoniosa ou arquitectónica, mas por se tratar de um local, que ao fim do dia, retrata a realidade do país. Nos restaurantes, no meio da praça, onde se luta pelo cliente, dada a quantidade da oferta existente, quando se fala de Portugal, fala-se imediatamente de – sardinhas assadas, sardinhas em lata, cozido, Cristiano Ronaldo – e foi assim que fui abordado por diversas vezes. Pode-se não gostar de futebol, mas o jovem da Madeira é de facto a nossa maior expressão mundial. Para o bem e para o mal, perante a perspectiva de quem analisar o assunto. Por todo o lado as suas camisolas e os seus feitos desportivos são uma constante entre os mais jovens. E abrem portas e conversas e unem pessoas que não se conhecem. O poder do futebol é hoje arrasador. Aparentemente, uma bola, onze pessoas de cada lado, três árbitros e muita paixão pelo jogo, fazem mais pela aproximação entre os povos, do que todos os políticos juntos.
Após Marraquexe, fica o Alto Atlas, conjunto de montanhas que passam dos 4.000 metros e cujas estradas, no seu ponto mais alto, atingem os 2.260 metros, com vistas deslumbrantes e impressionantes. Ouarzazate fica a cerca de 200 quilómetros, atravessando essa cadeia montanhosa, passando por vales e desfiladeiros de grande beleza e ainda por aldeias perdidas onde parece que a vida parou no tempo. Aí chegando, estamos às portas do deserto e na terra dos berberes. O Kasbah Taourirt, único edifício histórico da cidade, é a sua referência maior, sendo também conhecida por possuir dois estúdios de cinema onde se produzem muitos filmes ocidentais.
Estar às portas do deserto e não chegar lá, deixa-nos uma sensação de alguma frustração, mas o tempo, a distância, e os meios, não davam para tudo.
Finalmente o regresso a Casablanca para uma rápida visita antes do regresso. Visitar Marrocos sem uma deslocação à Mesquita Hassan II será sempre uma visita incompleta dada a imponência do edifício e pelo facto de ser a única possível de ser visitada no seu interior. Com espaço para mais de 25.000 crentes é o segundo lugar mais importante do mundo muçulmano após Meca.
Um conjunto relativamente curto de palavras que não conseguem reproduzir o que se viveu durante um período limitado de uma semana. Uma viagem deste tipo daria para imensas impressões, mais detalhadas, mais precisas, mas também, se calhar ainda mais aborrecidas de ler.
Ficam ainda como saliências e conselhos os seguintes factos:
. Antes de partir tire a sua capa de ocidental e adapte-se, não se insurja, integre-se.
. Cuidado com os guias, sendo conveniente discutir sempre os preços e percursos.
. Nunca dê por garantida a isenção e justiça dos preços, convém sempre discutir e lutar pelo “nosso” preço, sabendo-se que mesmo assim perde-se sempre, embora por menos.
. Discuta sempre os preços com os motoristas dos “mini-táxis”.
. A verificação de milhares e milhares de crianças e jovens com as suas mochilas, vindo e indo para as escolas, denunciando um esforço importante de educação. E não falo só das cidades, até nas aldeias perdidas do Atlas, essa foi uma constatação permanente.
. A atitude positiva dos polícias perante os turistas, protegendo-os e auxiliando-os.
. Não tive um só único problema de segurança, em qualquer lugar que fosse, de noite ou de dia, vendo-se crianças sozinhas à noite.
. Conduzir nas cidades em Marrocos torna-se uma aventura única. Curiosamente, nas estradas, o cumprimento das velocidades indicadas é uma regra. Aliás as estradas são particularmente vigiadas pela polícia.
. Tantos e tantos locais de interesse, que não cabem neste pequeno texto, merecem uma visita cuidada, preparada com rigor, coisa que hoje, com a internet é fácil de conseguir.
Em resumo uma viagem muito interessante a um país que espero revisitar, desta vez ao seu litoral, e aos locais onde a presença histórica dos portugueses é mais notória.
Le lendemain du 14 juillet à son réveil, apprenant la nouvelle par le duc de La Rochefoucauld-Liancourt, Louis XVI lui aurait demandé : - « C’est une révolte ? » - « Non sire, ce n’est pas une révolte, c’est une révolution », lui aurait alors répondu La Rochefoucauld !
Na sua edição do dia 16 de Julho de 1789, o Journal de Paris começava assim a notícia:
"O sol nasceu às 4h08 daquela terça-feira, dia 14 de julho de 1789, e, apesar da luminosidade, a cidade anunciava um dia encoberto e frio naquele Verão, no qual os termómetros marcavam 12 graus pouco antes do meio-dia." Porém, apesar do inusitado frio num dia de Verão, um furacão incendiário estava prestes a abater-se sobre a «ordem natural das coisas». Com a Tomada da Bastilha, começava a grande Revolução Francesa. A França e o mundo nunca mais seriam os mesmos. Na realidade, não se tratava de uma revolta. Era a Revolução.
Vejamos de novo esta cena do filme Casablanca, onde o realizador Michael Curtiz consegue, neste seu filme de 1942, fazer perpassar, com emoção, a força de uma França que, apesar de ocupada, se mantém como a indómita guardiã dos valores da sua e nossa Revolução.