(Publicado em oclarinet)
O governo tem um ministro da Caridade. Desloca-se numa motoreta franciscana e fez discurso no parlamento. Não foi bem um discurso, foi mais uma choradeira pegada sobre os pobrezinhos, do género de fazer secar o saco lacrimal ao antigo Movimento
Nacional Feminino.
Pedro Mota Soares (o ministro), um dos autores do novo código laboral, que levou muitos para a pobreza, defendeu um programa assistencialista para os desprotegidos – a arcaica caridade, e o plafonamento dos descontos para a segurança social. Mandou a
Solidariedade e a sustentabilidade da Segurança Social às urtigas.
Já se sabia que este governo, como Cavaco Silva, apreciam o apoio misericordioso aos necessitados. A mim, que sou suficientemente velho para ter vivido na época de Salazar e Caetano, lembra-me o tempo em que o povo andava de mão estendida a pedir uma côdea para não morrer à fome.
Lembro colegas da escola primária em Belas, anos 60, que andavam sempre de cabelo (rapado na escola) fora de moda, e conhecidos pela “seita do pé descalço”. Traziam mais uma marca identificadora que não enganava, uma corrente ao pescoço com uma medalha numerada. Esse número dava para irem ao posto da UCAL (ao lado da praça) buscar uma dose diária de leite.
Vai voltar o estigma da pobreza, a ajuda aos humildes, a ternura dos beneméritos, as festas agradecidas dos protegidos para satisfação dos “voluntários” e das instituições – claro as instituições – que são uma vergonha que ainda existam no século XXI, nesta Europa abastada.
O negócio já foi sacar fundos europeus, já foi o ramo ambiental. Agora o que vai dar, que já está a dar, são as IPSS, as Misericórdias – a clientela vai aumentar graças ao governo e os apoios ao negócio também.
Quando iniciei esta rubrica, prometi trazer aqui outras vozes sem ser a minha. Já publiquei um debate sobre a resistência armada à ditadura, onde intervieram Carlos Antunes, Fernandp Pereira Marques e José Brandão. Hoje, é Carlos Mesquita quem publica aqui um texto onde nos conta como foi o seu 25 de Abril. Este texto foi ontem publicado no seu blogue oclarinet.
O dia 25 de Abril começou mal, soube da chegada de tropas a Lisboa por um passageiro do comboio descendente (como diria o Zeca) de Queluz para o Rossio, muito cedo. Eu levava um grande saco, e o meu companheiro não soube dizer que tropas eram.
Por qualquer razão cabalística pediu-se que indiquemos dez livros que deviam ser conservados, não são onze, sete ou dezanove, são dez. Talvez porque dez são as emanações divinas, dez são os mandamentos ditados para as tábuas de Abraão, dez por cento é o limite para entender por cá, que o desemprego é preocupante.
Há várias formas de apresentar o “trabalho”, uma é escolher entre as milhentas listas alguns incontestáveis, Guerra e Paz, Ulisses, O Processo, os Cem Anos de Solidão, etc. outra maneira é pensar naqueles que foram mais importantes na nossa formação, e possamos num acto louco designar para fazer clones culturais de nós próprios. Nem as coisas são assim nem acredito que alguém saiba quais os livros que os influenciaram decisivamente; a não ser os adeptos do livro único, como a Bíblia, o Corão ou os livros vermelhos de Mao Tsé-Tung e do Vital Moreira.
Venho dum meio que lê. Na minha adolescência havia uma excelente biblioteca pública na colectividade (ainda há) e um irmão oito anos mais velho que comprava livros para casa; também era o tempo dos livros de bolso, Europa-América, Unibolso, RTP, (não me lembro agora doutras colecções) que editaram quase todos os “recomendáveis”. Depois do bicho introduzido continua-se a comprar, a consumir, são centenas; não me peçam para fazer uma escolha, porque não sei. Alguns releio outros já li há muito. Houve tempo em que lia aos trambolhões, lembro-me do meu irmão dizer aos meus pais que eu andava a ler livros que não eram para a minha idade, nunca soube se era por causa da Madame Bovary, ou O Crime do Padre Mouret se pelos autores como Vítor Hugo, Kafka ou Nietzsche.
A verdade é que li primeiro o Principe de Maquiavel do que O Principezinho de Saint Exupery, ou dentro do mesmo autor também li antes O Mar Morto de Jorge Amado que os Capitães da Areia, A Festa de Hemingway antes do Por Quem os Sinos Dobram, ou As Mãos Sujas antes de O Ser e o Nada, de Sartre. Um parêntesis só para dizer que “aqui atrasado” quando andou no Estrolábio uma discussão metafísica do Ser, a existência e a essência da natureza humana, estive para prescrever umas doses de Sartre, não o fiz porque me pareceu pretensioso.
Há livros que sei que me foram importantes na altura em que os li, como o Germinal de Zola, os Gaibéus de Redol, ou A Lã e a Neve de Ferreira de Castro, e depois Os Dez Dias Que Abalaram o Mundo, e Gramsci e Rosa Luxemburgo e Ruben Fonseca e, e…e escolhendo os Cem Anos de Solidão o que se faz a O Amor nos Tempos de Cólera, e Saramago no Ensaio Sobre a Cegueira, não toca mais toda a gente que no Memorial do Convento?
O que é importante da leitura é o que reservamos no cérebro depois de ruminarmos todos os livros, e isso não conhecemos, não está na memória imediata. Encontrei um artigo meu onde citava Raymond Chandler, um escritor “policial”, autor de “À Beira do Abismo”, passado a argumento de cinema (Hanks, Bogart, Bacall) pelo Nobel, William Faulkner; dizia a citação dum seu personagem julgo que da Dama do Lago, que “na polícia e na política deviam estar os melhores de nós, mas nem a polícia nem a política têm atractivos para os melhores de nós”. Para a matéria deu-me mais jeito que qualquer Fernando Pessoa.
Bom, perguntarão vocês, se este tipo não quer apresentar dez títulos de livros, o que veio aqui fazer? E eu respondo, vim só dizer que não contem comigo.
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Thomas Lanier Williams (Tennessee Williams) nasceu a 26 de Março de 1911, em Columbus – Mississípi. Com um lugar cimeiro no teatro americano do pós-guerra, é representado em todo o mundo.
Várias das suas peças passaram ao cinema sendo as de maior êxito as vencedoras do prémio Pulitzer. As mais famosas adaptações resultaram nos filmes “A Streetcar Named Desire” (Um Eléctrico Chamado Desejo) de 1951, realizado por Elia Kazan, com Vivien Leigh e Marlon Brando como protagonistas, e “Cat on a Hot Tin Roof” (Gata em Telhado de Zinco Quente) de 1955, dirigido por Richard Brooks, com Elizabeth Taylor e Paul Neuman nos principais papeis.
Tennessee Williams é dos dramaturgos cujas peças mais adaptações tiveram para o cinema, escreveu igualmente contos e novelas. “The Night of the Iguana” 1961 está em livro, editado pela Assírio & Alvim – “A Noite da Iguana e Outras Histórias”. Mais difícil de encontrar é o volume “49 Contos de Tennessee Williams” publicado pela Companhia das Letras. O escritor faleceu em Fevereiro de 1983.
Chamemos-lhe Carlos, nascido em Vinhais, que é verdade.
Parece-me que o conheço desde sempre, mas parte contou-me ele; como ser filho do barbeiro da terra e ir à escola de almoço composto de pão com banha. Somos da mesma idade, da mesma região, cruzámos vidas na Lisboa para onde emigrámos; eu trazido pelo meu pai ele pelos irmãos mais velhos. Num ano dos oitentas que não recordo, fui buscá-lo a uma grande empresa para chefiar o meu fabrico, tinha sido colega do meu sócio que lhe conhecia as aptidões. Sabia fazer, sabia ensinar, um chefe (líder como agora se diz).
A minha empresa crescia, entrava equipamento, admitia-se pessoal. A triagem era feita por mim. Apareceu-me um jovem do Cacém que dizia ter experiência no ofício, ter andado por maus caminhos e querer deixar o Casal Ventoso. Para isso precisava de trabalhar, ter uma oportunidade. Chamei o Carlos e na presença do candidato disse-lhe que o tipo dizia ter muita vontade mas tinha de se ver se ele prestava, com igual frieza o Carlos pôs cara de chefe e interrogou-o sobre onde tinha trabalhado, com que equipamentos, e com quem, explicou-lhe que ali era para bulir no duro. Depois do interrogatório e das respostas, o Carlos sentenciou que se eu estivesse de acordo podia entrar no dia seguinte à experiência, uma hora antes dos outros para conversar com ele. Combinado, o jovem saiu muito agradecido. Eu só disse; - o meu sócio ainda me vai lixar a cabeça. Era um pensamento e saiu voz. O Carlos respondeu – não se preocupe eu trato do puto. O meu sócio não teve coragem de me dizer nada, embora me tenham dito que ele se queixava de ter um sócio maluco que empregou um toxicodependente. O Carlos adoptou-o, disse-me que ele era bom e sabia da arte, tinha só aquele problemazinho mas ele tratava do assunto. Passou a fazer um desvio para o levar a casa, não fosse ele “enganar-se no comboio e ir para Campolide em vez de para o Cacém” (a empresa era junto da estação de Queluz) e de vez em quando dizia-me que era preciso arranjar umas horas para ele fazer, e assim esquecer as companhias. A mãe do jovem passou a telefonar regularmente para o Carlos, dizia-lhe que o pai já há muito tinha desistido do filho, que ele o considerava o maior amigo; contava em casa que os verdadeiros amigos estavam no trabalho e não no Casal Ventoso. Mais tarde esse novo empregado já estabilizado na empresa pediu-me uns dias para ir fazer uma desintoxicação a Coimbra, obviamente concedi-lhos. Quando voltou perguntei-lhe como tinha corrido, disse-me apenas e triste, – foi muito difícil. Fiquei com a ideia de ter sido um fiasco. Pouco depois feriu-se numa mão num calcador da máquina e “foi para o seguro”. Nunca mais o vimos, soubemos que durante a baixa voltou ao Casal Ventoso, onde finou com uma overdose. A mãe fez um último telefonema a agradecer tudo o que tínhamos feito, o Carlos lamentava-se: - Mesquita se o puto não se tem aleijado nós ainda o safávamos. Não sei.
O Carlos foi para outra empresa, deram-lhe uma quota. Não lhe disseram que estavam falidos; veio a arcar com as responsabilidades da insolvência, os sócios foram saindo, restou um que se reformou e desapareceu.
Criou outra empresa, pequena. Tenho-lhe dado algum trabalho, do pouco que tenho para a sua dimensão. Hoje de manhã visitei-o estava ao telefone dizendo que só vendia as máquinas em conjunto, espera pagar as dívidas com esse dinheiro, não há trabalho. Com a idade que tem resta-lhe a reforma antecipada, acabou. Mais um.
Por Carlos Mesquita
O governo americano apresenta amanhã o plano
para os europeus se envolverem na guerra civil líbia.
Há duas semanas que se pondera a vontade e os inconvenientes de um envolvimento militar da NATO no conflito líbio. O governo dos Estados Unidos tem dado sinais de não se querer envolver em mais uma guerra, enquanto na Europa as ex-potências coloniais, França e Reino Unido, pressionam para passar por cima da legalidade de uma resolução do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas.
Não vai haver uma zona de exclusão aérea autorizada pelo CS da ONU, dos 10 países membros não permanentes, Líbano, Brasil, Índia e África do Sul, já disseram ser contra, e a Alemanha pela voz de Angela Merkel diz-se céptica. Dos 5 permanentes, Rússia e China desaprovam, impedindo qualquer resolução explícita a favor do bloqueio. Seriam necessários 9 votos e desses a totalidade dos cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança.
Para complicar a situação, não é incontestável que o bloqueio aéreo seja suficiente para impedir que as forças militares governamentais tomem conta de todo o território líbio.
Resolvida a revolta a oeste de Tripoli, o grosso dos efectivos e material militar pode ser empregue em Bengashi, decerto não numa batalha de guerra total, mas confinando a oposição armada a uma área sitiada. A diferença de poderio militar entre as forças leais a Kadhafi e os revoltosos ditaria o desfecho da contenda. É nesse quadro que EU/NATO discutem o seu possível envolvimento directo na guerra civil líbia.
Dos exemplos anteriores de zonas de exclusão aérea, quer as ilegais no Iraque, para proteger a minoria curda a norte e os xiitas a sul, quer na Bósnia Herzegovina, não impediram os ataques executados por Sadam ou pelos Sérvios. Os Ingleses parecem dispostos a agir sem mandato e Sarkozy vai mais longe, propondo “ataques aéreos cirúrgicos”. No fundo foi o que sucedeu no Iraque, onde a imposição da zona de exclusão aérea foi pretexto para bombardeamentos selectivos sobre objectivos militares iraquianos.
A zona de exclusão aérea sobre a Líbia não consegue consenso nem entre os rebeldes, havendo membros do “governo provisório” em Benghazi, que têm declarado à comunicação social ser a questão líbia um problema interno a resolver sem a presença de tropas estrangeiras, pois essa intervenção tiraria a legitimidade à revolta. No mesmo “governo” interino, há quem suplique às potências ocidentais ataques aéreos sobre as forças militares fiéis a Kadhafi, como o seu ex-ministro da Justiça, Mustafa Abdel-Jalil, que tem a cabeça a prémio.
A reticência dos Estados Unidos em se envolverem numa nova frente, sem nada terem solucionado no Iraque onde têm milhares de soldados, ou no Afeganistão onde estão há dez anos, é justificada. Mais uma vez, será a relação de forças militares e políticas internas dos EU, a definir o caminho. Declarações como as do Secretário da Defesa Robert Gates, (o chefe do Pentágono) ao Congresso, revelam cautelas. Para “deixar as coisas claras” disse aos congressistas, “uma zona de exclusão aérea tem de começar com um ataque à Líbia, para destruir as defesas anti-aéreas”, o que “seria um acto de guerra” e significava “uma grande operação num grande país”.
Segundo Hillary Clinton, dia 15 de Março os EU entregariam à NATO o plano visando uma zona de exclusão aérea, ressalvando que a decisão deve ser tomada pela ONU e não pelos Estados Unidos. O governo americano apresenta amanhã o plano, para os europeus se envolverem na guerra civil líbia. Haver ou não mandato da ONU não foi no passado impeditivo de uma coligação de países agirem fora da lei internacional. Se essa for a opção, não se livram, outra vez, da acusação de estarem a intervir por causa do petróleo. Uma cruzada neo-colonial, numa região em ebulição, terá consequências imprevisíveis no mundo árabe, e no sistema de abastecimento energético mundial.
Giovanni Mirabassi Trio - Last Minutes
Por Carlos Mesquita
A pressão mediática de demonização do regime líbio é poderosa mas tem influência limitada sobre Kadhafi, nem será essa a intenção, pois o ocidente sabe que ele viveu muitos anos como pária. A campanha destina-se a alinhavar a tentação da invasão militar.
No artigo aqui publicado de Miguel Urbano Rodrigues, ele dizia ser militarmente desnecessária uma intervenção militar da NATO porque o regime líbio aparentemente agoniza, o busílis é o aparentemente. Pelas notícias trabalhadas que bombardeiam o ocidente aparenta isso um dia, para a realidade parecer no dia seguinte o inverso como é próprio das guerras civis. Vender a pele antes de matar o urso é uma tentação, como a da intervenção militar externa.
Ao contrário do sucedido na Tunísia e no Egipto onde revoltas populares derrubaram os símbolos do poder (por enquanto só isso), na Líbia não bastou a revolta nem as deserções com armas e o armamento de civis, para afastar as figuras do regime, não resultou. As forças revoltosas não têm capacidade militar operacional para derrotar Kadhafi de imediato, a anunciada ofensiva sobre Tripoli parou para pensar pois há um poder bélico intacto e poderoso a opor-se-lhes, e que ainda não actuou em força.
A intervenção militar estrangeira na Líbia é uma opção em estudo no Pentágono e na NATO, e se não podem invadir já o país como gostariam, devido às repercussões no mundo árabe e não só, podem rearmar e treinar os rebeldes com o apoio dos conselheiros militares habituais. Mas há quem queira iniciar a intervenção militar com a imposição de uma zona de exclusão aérea.
A guerra civil está num impasse, se era incerto um período pós-Kadhafi devido às tensões entre os grupos rivais da oposição, é certo, que não é para já o fim do regime na totalidade do território.
O leste líbio, cujas contradições étnico politicas, propicia um espaço de actuação dos serviços secretos ocidentais, e a instalação da Al-Qaeda, está a servir para desestabilizar o oeste líbio sob o domínio governamental.
Hordas de civis armados sem qualquer enquadramento ou experiência militar são lançados a partir de Benghasi. Têm sido úteis à oposição para manter a guerra civil num grau de relativa baixa intensidade. O poder militar governamental, sob uma campanha mediática internacional de estar a matar o povo, tudo fará para poupar os civis voluntariosos que foram convencidos de que derrubar Kadhafi era fácil e rápido.
Notícias de conquistas e reconquistas de posições e cidades, falsas ou verdadeiras vão ser o dia a dia enquanto o tempo passa e o impasse perdura – falta saber a que parte convém essa indefinição.
Pode ser que Kadhafi tenha meios para intensificar a guerra, projectando-a com a força aérea ao longo da estrada que vai até Benghasi e liga toda a zona costeira de maior interesse estratégico. Mas para além das tácticas militares, devido à cobertura mediática no terreno, a estratégia política mandará ter contenção. Uma situação sem solução a curto/médio prazo pode abrir condições para negociações, o que ainda é cedo para começar a desenhar-se.
Para as forças rebeldes, a instabilidade política de Kadhafi, isolado internacionalmente, sob a ameaça de uma intervenção estrangeira, devia ser tempo de se organizarem, armarem, e quando preparados ir à conquista da Tripolitânia, mas partem quase do zero. Nestas condições, uma ofensiva contra as tropas governamentais, o mais certo é ser um desastre.
Uns e outros, no breve prazo apenas procuram consolidar posições a oeste e a este da Líbia, numa divisão que para ser alterada causará um número enorme de vitimas.
Por outro lado, armar os grupos opositores a Kadhafi é tarefa fácil mas com resultados arriscados, a exemplo do Afeganistão. As armas ficam longe de qualquer controle, entregues a conjuntos com interesses distintos, incluindo forças islâmicas para quem o ocidente é o maior inimigo, como a Al-Qaeda.
Para a comunidade internacional, (leia-se; aquela que quer o derrube de Kadhafi a qualquer custo) a situação não é mais favorável. Sabem que as sanções no curto prazo são pouco mais que inúteis, que as ameaças não demovem o regime, e que não dispõem de um mandato legal da ONU para intervirem directamente no conflito. Após a guerra do Golfo isso não obstou a que Blair e Busch com o apoio francês tenham imposto duas zonas de exclusão aérea no Iraque.
Dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia já disse não a qualquer intervenção militar ou criação de zonas de exclusão aérea, que é a mesma coisa. Dos membros da NATO, a Turquia fez o mesmo.
Enquanto Obama mandou preparar “todo o leque de opções” o ministro francês da Defesa Alain Juppé e o britânico dos Negócios Estrangeiros William Hague (o tal que “viu” Kadhafi a caminho da Venezuela) defendem a intervenção militar. São a mesma coligação que sem aprovação da ONU impôs as zonas de exclusão aérea no Iraque, antes da invasão em 2003.
Será que a história se vai repetir?
Não há actualmente informação independente sobre o que se passa na Líbia, mas sobram noticias. É difícil distinguir a contra informação, tendente a conquistar a opinião pública para os interesses em jogo, da realidade.
Desde o início da conflitualidade na Líbia, notícias veiculadas por fontes e rumores transformados em notícias, são desmentidas em seguida pelos factos; como o caso do ministro britânico William Hague, que há uma semana viu “informações de que Kadhafi ia a caminho da Venezuela”, ou bombardeamentos aéreos de manifestantes em Tripoli e fogo de armas pesadas, que os portugueses que de lá vieram desmentiram.
Juntando o que se tem dito e comparando com o que vai sendo confirmado, conclui-se que o mundo está sujeito a mais uma campanha de intoxicação, a lembrar as armas de destruição maciça, que Colin Powel, Durão Barroso, e companhia, “viram”.
A maneira de filtrar algumas das aldrabices, é conhecer um mínimo da história da Líbia e seus povos, da organização política e militar, e de Kadhafi.
Em breves notas, deixando a história anterior de outras ocupações; em1914 aLíbia estava ocupada pelos italianos, durante a Primeira Guerra os líbios reconquistaram a maior parte do território, vindo novamente a perdê-lo para a Itália após a guerra, sendo integrada no reino de Vittorio Emanuel III de Itália em 1939. Vittorio tinha conduzido Mussolini ao governo, que entra na Segunda Guerra em1940. ALíbia é palco dos confrontos entre o Afrika korps do marechal alemão Rommel e os ingleses. Após a derrota das forças do Eixo, a Líbia passou a ser governada pelos ingleses na Tripolitânia (oeste) e na Cirenaica (leste) ficando a parte sudoeste de Fezzan na posse dos franceses. Aos governos militares dos aliados, e após aprovação da independência pelas Nações Unidas em 1 de Janeiro de 1952, sucedeu o líder religioso Idris al-Sanusi, emir da Cirenaica, coroado rei da Líbia
A monarquia despótica de Idris concedeu bases militares aos americanos que com os ingleses dominavam económica e militarmente o país. A líbia vivia do aluguer das bases militares, era pobre e antiquada. Com a descoberta de petróleo em 1961 abriram-se conflitos que haveriam de dar origem ao golpe que derrubou a monarquia.
Em 1969 os “oficiais livres” fazem um golpe de Estado, sem derramamento de sangue, contra o rei Idris. Kadhafi, “Guia da Revolução” e presidente do Conselho da Revolução lidera o novo regime.
Kadhafi, de origens beduínas e nascido no deserto líbio na região de Sirt, recebeu treino militar no Reino Unido, tendo iniciado o golpe de Estadoem Benghazi. Admiradorde Nasser que governava o Egipto, é com esse modelo e com o exemplo da soberania sobre o petróleo, que já como chefe de Estado, em 1970 expulsa os militares estrangeiros, nacionaliza a banca e o petróleo.
Com o dinheiro dos recursos petrolíferos as condições de vida dos líbios transformam-se radicalmente. A Líbia possui as maiores reservas de África e do petróleo de melhor qualidade, Kadhafi lança-se na construção das infra-estruturas modernas necessárias a um país com as dificuldades de ser na maior parte estéril e desabitado, atrasado e sem mão-de-obra.
Etnicamente a Líbia é na maioria Árabe, chegados cerca do século VIII, havendo também os Berberes (pré-muçulmanos), Tuaregues e Tibbu, nómadas para quem as fronteiras são uma abstracção. Os últimos 40 anos, a modernidade Líbia, representa um salto civilizacional extraordinário, do camelo e tenda às costas, para a vida urbana e o conforto. Mas a Líbia é um território tribal, sempre foi e continuará a ser, a obediência primeira é para com a tribo, o que convém reter para a compreensão da revolta actual. Kadhafi, sendo um nacionalista árabe, representa(va) também o factor agregador entre as tribos.
A maior tribo (Warfalla) reúne uma sexta parte da população e quer derrubar Kadhafi, enquanto a segunda mais importante – Magriha – compõe algum do sector público administrativo e divide com a tribo de Kadhafi (Gadaffa) boa parte dos postos superiores do exército. As tribos são mais de cem, mas a contabilidade de apoios ou revoltosos não se faz nominalmente. O exército convencional tem servido para empregar os filhos dos notáveis das várias tribos como oficiais, é mal treinado e mal equipado, é um meio de equilibrar as aspirações tribais e não o poder militar. As dissidências de alguns não perturbam o regime, e corresponde à obediência tribal. O poder militar está na segurança interna e nas “Milícias do Povo” os comités revolucionários cujas brigadas especiais não respondem ao exército, e têm-se mantido leais a Kadhafi e ao seu círculo mais próximo, o “Povo da Tenda”.
Na Líbia, em três décadas a população quintuplicou, mais de metade têm menos de 15 anos, e pouco mais de um milhão em seis são população activa, metade da população da Líbia é emigrante, mesmo assim uma taxa baixa se comparada com os países do Golfo. A maior parte da classe trabalhadora é estrangeira.
As regiões líbias não têm uma história de identidade comum, entre a Cirenaica e a Tripolitânia há deserto, do comprimento de Portugal, e da costa a Fezzan uma caravana demorava meses a chegar, sempre houve uma separação física.
A organização política de base, preconizada por Kadhafi, é de democracia directa (no papel), mas como no caso Bolchevique,em que Lenine retirou o poder aos sovietes porque o Partido era o guia da Revolução Socialista, também na Grande Jamahyria Popular Socialista da Líbia, a democracia directa não chega à superstrutura do poder, ele é exercido pelo círculo restrito de Kadhafi.
A falência do pan-arabismo secularista fez Kadhafi voltar-se para África, os investimentos alimentavam o sistema de alianças tribais e parece que Kadhafi descuidou a zona mais islamizada, a Cirenaica, com queixas antigas sobre a distribuição dos lucros do petróleo. As cisões podem corresponder a essa alteração das relações de força, e à repressão violenta das manifestações em Benghazi, pelo cunhado de Kadhafi, Abdullah Senussi, da linha dura da segurança interna; seria a isso que se referiu o filho de Kadhafi, Saif, como erros cometidos. Saif, um moderado do regime, pediu diálogo, mas os dissidentes pela voz do coronel Rasheed Rajab já disse que estão a preparar-se para atacar Tripoli. A guerra civil ameaça subir em escalada, ninguém sabe como vai acabar.
Com ou sem Kadhafi o desmembramento da Líbia parece inevitável, a divisão geográfica e o tecido social e cultural tribalista, não é o melhor molde para criar instituições de um Estado centralizado, uma vez separado politicamente dificilmente se reunificará. E se há tribos justamente descontentes com a divisão da riqueza até agora feita, quando estiverem divididas organicamente manda o mais forte, daí não virá mais justiça na partilha. Sem as regiões da Líbia unificadas teria sido impossível a obra extraordinária (faraónica) dos rios artificiais que bombeiam água do fundo do deserto do Sara e a levam aos campos e cidades por muitos milhares de quilómetros.
Os Estados Unidos, cujas companhias petrolíferas não estão presentes na exploração do petróleo e gás líbio, já prometeu toda a ajuda aos dissidentes, inclusive, como disse Hillary Clinton, auxílio político. Também a Al-Qaeda terá estabelecido um “emirato islâmico” em Derna, no leste do país, como afirmou Khaled Kaim aos embaixadores da União Europeia. Será que alguém pensa que as coisas estão a compor-se?
Uma canção de “Os Deolinda” teve a virtude de tocar muitos jovens que nela se viram retratados. Começa assim – “Sou da geração sem remuneração/ nem me incomoda esta condição…/ que parva que eu sou…”. A geração “casinha dos pais” (como diz a letra) caiu em si e adoptou a passagem; “ eu – já – não – posso – mais – Que – esta – situação – dura – há – tempo – de – mais!” Prometem manifestar-se a 12 de Março, tendo hoje (22 Fev.) nas “redes sociais” já 20 mil promessas de comparência.
A discussão que tem havido é mais parva que o mundo parvo, uns a dizer que à juventude não lhes falta nada, e outros, que têm direito a tudo, dado e de mão beijada.
Desenganemo-nos, nem a vida é um mar de rosas como pensam (ou pensavam) alguns jovens iludidos, nem convém à sociedade ter uma juventude mansa ou amansada por só conhecer a precariedade laboral. Nem os jovens podem afirmar que são a primeira geração que passa por dificuldades, nem a geração instalada os pode acusar de terem crescido na abundância e com vida fácil.
Se há parvos, são os pais e avós que convenceram os mais novos de que bastava um canudo para vingar na vida, e são também parvos os que esperam que o emprego digno com salário digno vá ter com eles, ou que seja uma obrigação do Estado conceder-lho. A verdade é que há cursos que têm saída imediata no mercado de trabalho e há canudos que nada garantem por não terem qualidade, ou por os candidatos serem muitos mais que os empregos existentes. No curto prazo, não se irão criar empresas para absorver todos os licenciados, e os empregos do Estado estão superlotados. O mais avisado é aceitar trabalhar fora das áreas que estudaram até aparecer uma oportunidade, se algum dia aparecer. O que tenho observado ao longo dos anos, é muita gente ter sucesso e realizar-se profissionalmente em actividades distantes dos cursos que tiraram. Eu tive várias profissões, a minha filha está satisfeita com a profissão que escolheu, que pouco tem a ver com a sua licenciatura, e o meu filho após vários empregos e profissões, faz carreira numa grande empresa. São opções de vida, aceitar começar por baixo, ou esperar com lamúrias que apareça um emprego compatível com os cursos que se tiraram, e logo conciliável em “dignidade” e em “salário”. No fundo é uma questão de necessidade, pois todos os jovens já sabem que há cursos que o mercado de trabalho considera habilitações e outros que não reconhece. É a triagem normal perante o facilitismo educativo e a privatização do ensino sem normas, que permitiu títulos académicos a cursos que não servem para nada, ou só servem para alimentar uns professores e umas escolas.
Outras situações são a remuneração justa de quem trabalha, a precariedade do emprego, os falsos recibos verdes e as empresas de trabalho temporário, mas nessas as “gerações á rasca” são todas, e contra isso não têm sido os jovens, com o seu alheamento político, quem mais tem feito por combater as injustiças. Há quem ande a culpar os governos e nem se digne votar, quando as coisas se resolvem onde está o poder de decisão. É preciso que a juventude faça parte da política e da vida pública activa, que leve os seus problemas para o interior dos partidos, que se faça ouvir para lá das queixas, actuando. Se as medidas da governação actual são prejudiciais, repare-se na alternativa, O PSD propôs hoje contratos a termo não escritos, a generalização da precariedade nos empregos. De mal a pior é a perspectiva para a geração à rasca, se nada fizerem, se tudo consentirem.
“Os Deolinda” serviram pelo menos para lançar uma discussão entre os jovens sobre o seu futuro, espera-se que a sua insatisfação tenha para além da solidariedade na Net, uma presença física nas manifestações, seria uma novidade em relação ao passado.
“ O futuro não se aceita passivamente”.
Como se fosse um sonho lindo.
Aparição efémera, lampejo de imagem namorada, utopia.
Fantasia que devaneia e esmorece consumida, como ilusão
que já não se reconhece, nem lembra, nem fixa.
E que se vê partir. Como se viu chegar. Ténue como uma dança.
Quimera que descansará ao voar, desaparecer, dormir.
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