Sábado, 18 de Junho de 2011

Carlos Leça da Veiga responde a Adão Cruz

 

Apreciei muito favoravelmente o texto do Adão Cruz em que, e muito bem, puxou as orelhas ao bispo Carlos Azevedo.

 

 

Parece que o cardeal Cerejeira está a querer voltar e os de Roma a quererem, mais uma vez, como sempre, um lugar ao sol. Na verdade a instituição da hierarquia romana não perde uma oportunidade para colocar-se ao serviço dos possidentes e quando o faz é por saber de fonte segura que eles estão com muito poder e têm as coisas bem encaminhadas.Assim deduzo que a situação é pior do que já parece.

 

Os outros, os que estão na  mó debaixo para quem devem orientar as suas queixas e dar conta dos seus projectos?

 

 

Deixo a pergunta no ar e não dou a minha resposta por não querer ouvir acusações consequentes a certas ideias políticas ditas de esquerda.

 

 

Peço, apenas, que seja recordada a evolução histórica do País já que é aqui que temos e devemos viver.

 

 

Carlos Leça da Veiga

 

publicado por Augusta Clara às 16:00
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Terça-feira, 22 de Fevereiro de 2011

TODOS IGUAIS; TODOS DIFERENTES - por Carlos Leça da Veiga

 

Sob os títulos “entre sexo e género” e “sexo e coisas do género”, o Dr.Juiz P. Vaz Patto e o Dr. Deputado J. Soeiro, respectivamente, emitiram, um após outro, as suas conclusões sobre como entendem deverá ser o futuro do conteúdo do Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa e, com toda a propriedade, apresentaram as suas perspectivas com a dispensa, por cada qual, das argumentações pensadas mais convenientes. Sexo e género, na aparência das coisas, para os autores comentados, serão matéria com importância extrema na reformulação, ou não, do Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. 

 

Se não dou o meu acordo a qualquer das modalidades propostas para incluir na revisão prevista do texto fundamental, também, como é óbvio, não perfilho qualquer das suas fundamentações porém, isso não fará dispensar-me de proceder-lhes a um pequeno comentário que, por completo – como irá ver-se – fica á margem das especulações em disputa naqueles textos jornalísticos.

 

As redacções desejadas, por qualquer dos dois articulistas, para uma versão renovada do tal Artigo constitucional, bem vistas as coisas – é minha opinião – só têm a intenção de, qualquer delas, conseguir ferir um dos lados da barricada, em que o maniqueísmo antevisto, sem consequência substantiva, gasta o seu tempo e fá-lo, isso é grave, sem cuidar de quanto, à maioria da população, mais interessará. A portuguesa, à semelhança doutras, em tempo devido, saber-lho-á recordar.

 

Já vem de trás que este Artigo 13º serviu – e de que maneira – para satisfação da necessidades de afirmação dos Constituintes de 1975 cujas devoções acendradas à causa da Democracia, a todo o instante – não fosse alguém desconfiar – tinham de ser amplamente exibidas – senão fingidas – e, sobretudo, gritadas a plenos pulmões.

 

O Artigo constitucional, em causa, tudo diria – e a ninguém feriria – se, como devia ser, só expressasse o que consta no seu número 1.”Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Com a enunciação simples deste princípio que, recorde-se, foi fundador da contemporaneidade histórica ocidental, estava tudo dito e, quem quer que fosse, em quaisquer circunstâncias, ficava imediatamente bloqueado para poder abalançar-se na introdução de interpretações duvidosas ou de distorções desfavoráveis à Democracia. Para quê, então, a lista imensa de particularidades cujo realce não só é desnecessário como, por igual, chega ao ponto de ser atentatório da consideração mais devida ao espírito e à capacidade de julgar de qualquer Cidadão, magistrado ou não. E, sabe-se lá – a imaginação é fértil – não haveria, ainda, quaisquer outras particularidades a deverem mencionar-se? De revisão, em revisão, onde iremos parar! 

 

Todos iguais; todos diferentes, era um bom aviso para um excelente remate final daquele Artigo constitucional e, dessa maneira, ficava tudo dito e, de tal modo dito, que não haveria hipóteses de abrirem-se feridas sem sentido. A Democracia não foi feita para desfrutar-se o prazer mórbido de, sem sentido sócio-cultural positivo, achincalhar minorias. Alguém acreditará que na ausência da liturgia expressa no número 2, do Artigo 13ª, seriam possíveis atentados à igualdade perante a lei?

 

Se, para os articulistas, as suas preocupações com a igualdade perante a lei dos seus concidadãos é assunto muito exigente, então, que razão não os fez darem prioridade ao que, de facto, é um puro atentado à dignidade e à igualdade humanas. Com efeito, os tais Constituintes de 1975, perante uma população privada, há muito, duma preparação cultural bem avisada, aproveitaram o ensejo jacobino da falácia transportada naquele número 2, do Artigo 13º, para, inclusive, não contentes, debitar asneira. E que asneira!

 

Em 1974/75, já tinham passado vinte e quatro anos sobre a Declaração da UNESCO, de 1950, que afirmou, já não poder aceitar-se, em definitivo, a existência de raças humanas. Foi uma deliberação histórica, eminentemente humanística e verdadeiramente democrática que, tempos depois, em 1953, com a descoberta científica da estrutura do ADN, ficava completamente consolidada, sem apelo nem agravo, fosse qual fosse o plano vislumbrável pelas mais reprováveis intencionalidades.

 

Em Portugal, em 1975, quando já começavam a dar-se passos acertados no sentido da Libertação das colónias e, sobretudo, a aprender a tratar como iguais os demais seres humanos, os nossos ditos Constituintes – pobres cabeças – ainda imaginavam haver raças humanas e lá foram defendê-las no texto fundamental. Como quem faz peito, não só quiseram dar mostra do seu zelo igualitário como, com suposta diligência, ao mencioná-las na Constituição, conjecturaram, por isso mesmo – homens valentes – deixá-las a salvo dum qualquer predador. É estranho que qualquer dos articulistas, agora em apreciação, tão manifestamente preocupados com particulares de peso muito diminuto no todo da sociedade portuguesa, nada tenha a opor à aceitação, para mais num texto constitucional, de referências a raças humanas e, em concreto, por escrito, a deixar entendido, de facto, a sua existência.

 

Se quanto ao Artigo 13º nada mais devo acrescentar já, em relação a uma das argumentações publicadas, entendo dever fazer-lhe uma referência mas, atente-se, coisa de pouca monta.

 

O Dr. Deputado Soeiro não foi nada elegante quando começou a referir-se ao posicionamento do Dr. Juiz Vaz Patto com a recordação – nada a propósito – duma sua derrota no referendo nacional sobre o abortamento e, também, já no final do seu artigo de opinião, deixou mais que entendido que, o que está em causa, é a agenda conservadora – logo o Dr. Juiz V. Patto – não respeitar as pessoas. Com esta maneira de exprimir as suas opiniões, o tal respeito que o Dr. Deputado afirma estar “em causa”, com toda a facilidade, vai morrer-lhe às mãos. Será o fruto dalguma “tentação totalitária” que, muitos anos passados, a modos de resquício histórico, prossegue nalguns sectores de intervenção? Se esse circunstancialismo indesejável for somado com algumas opções políticas de grande fôlego, surgidas sem nexo suficientemente perceptível, então, não será disparatado poder admitir-se que a chamada revisão constitucional – mais chuva no molhado – por evento, mas a avaliar pelo andar da carruagem, pudera ser, então, o início do estertorar final.    

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 20:00
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Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2011

Sistema Nacional de Saúde e Democracia

 

 

 

João Machado

 

 

…"uma nação educada (culta), saudável e confiante é mais difícil de governar" , daí que muitos governantes não desejem um povo culto, saudável e confiante! Baseado no Reino Unido, constitui uma lição de democracia e educação cívica.

 

O nosso amigo e colaborador Carlos Leça da Veiga, que é também um grande médico, encaminhou-nos o vídeo abaixo, acompanhado do texto acima. A frase entre é de Tony Benn, entrevistado neste filme por Michael Moore. Nesta época, em que se põe em causa, em vez de reforçar, um sistema tão importante para o nosso bem-estar (e mesmo para a nossa civilização!), julgo que ver este filme é de grande oportunidade.

 

 

 

 

publicado por João Machado às 16:00

editado por Luis Moreira às 02:07
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Terça-feira, 29 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 42

Carlos Leça da Veiga

Haverá interessados numa Terceira República? (Continuação)

Há muito, nos tempos passados, essa racionalidade imperante chegou a ter alguns – não muitos – adversários à sua altura que, honra lhes seja feita, se foram figuras com marca indelével na História do pensamento nacional, apesar disso, para prejuízo da população portuguesa, nunca conseguiram vingar na assumpção dum poder cultural suficiente e, também, na duma grandeza política bastante para que, em conjugação sinérgica, tivessem tido o destaque e as possibilidades bastantes para conseguir saber-se se o seu rumo alternativo teria, ou não, trazido proventos interessantes para a população portuguesa e dado outro sentido ao percurso – um percurso democrático – da História nacional.


Hoje em dia, em contradita com a variante rasca mas avassaladora do racionalismo instalado no poleiro do poder haverá, mais uma vez, um lote reduzido de resistentes contudo, devida e convenientemente silenciados pela generalidade da comunicação social, uma área imensa, onde, bem sabido, florescem compromissos abundantes e coisas muito feias, porém, bem acobertadas pela falsa democracia colocada, como está, ao serviço dos possidentes, os de dentro e os de fora.


Desde 1820 até a esta primeira década do século XXI, com uma constância periódica e por motivações de conveniência vária, como tenham sido, e sejam, as consequentes às cíclicas ascensões sociais pós revolucionárias, tanto das sucessivas gerações dos ditos intelectuais defensores acérrimos da “modernidade” como, também, as daquelas dos seus acólitos endinheirados – ou a caminho do serem – que, uns e outros, revolução após revolução, numa parceria sempre a repetir-se, comparecem e iniciam-se – é um infausto nacional – nas lides sociais das direcções político-partidárias do País e, como assim, conseguem assegurar-se dos mecanismos económicos que bastam para sua satisfação mais privada. Como é bem patente, geração após geração, esses conluios político-sociais, sempre souberem colher bons frutos patrimoniais à custa das muitas e variadas influências que emanam das funções públicas alcançadas.

As formulações tácticas suscitadas pelas conveniências dos contínuos idealismos racionalistas têm sido colocadas – um oportunismo de bom tom – sob o manto diáfano duma democracia que, experiência infeliz, acaba subvertida, sempre e quando os próceres políticos tentam responder ao seu sonhado objectivo estratégico, por exacto, a essa ânsia manifesta de “modernização”, um fim que só tem tido cabimento na ausência verificada duma verdadeira Democracia. Esse onirismo político, tanto em curso, mostra a sua feição inadequada à evolução histórica do caso português pelo que os seus ideólogos de pacotilha nunca conseguiram, conseguem ou conseguirão fazer vingá-lo quanto baste. Em contrapartida, para desagrado nacional, e isso é uma verdade incontestável, essas experiências desapropriadas e, por igual, os políticos que as tentam implementar, mercê dos seus insucessos de ordem vária, acabam por gerar e deixar um descrédito comportamental muito acentuado e pleno de repercussões socio-políticas indesejáveis, contudo, valiosas para os perigosos reaccionarismos fascizantes, sempre à espera duma sua nova oportunidade.

Em desfavor dos “modernizadores” que querem impor-se ao país, muito felizmente, milita a presença duma estrutura nacional herdada do período transacto – de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975 – que, na actualidade nacional, apesar de muito esfrangalhada pelos inconvenientes persecutórios da sequência política cavaco-socratina, permite a manutenção dum rasto e duma réstia do 25 de Abril que, contra tudo e apesar de tudo, tem permitido que a população resista e não seja sujeita, por completo, às ultrapassagens políticas que os “quislings” proclamam como mais necessárias.

Está na hora de procurar uma saída política construída na base duma Constituição Política para a República (a Terceira República) que seja capaz de assegurar o poder democrático da população. Juntem-se os interessados.
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Segunda-feira, 28 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 41

Carlos Leça da Veiga

Haverá interessados numa Terceira República?


Se não podem haver dúvidas sobre o benefício da chegada a Portugal dos primeiros iluminados já o mesmo não será possível dizer-se sobre quantos, por cá, pretenderam seguir-lhe e continuar-lhes as passadas.

Ainda hoje, com resultados muito insatisfatórios, continua a fazer sentir-se a influência dessas gerações de continuadores que, entre nós, passaram a ter presença um tanto influente para – quantos sem merecimento – alcançarem uma posição avassaladora e decisiva na sua intervenção cultural que, como a História no-lo demonstrou, não teve reflexo à altura do que era mais necessário à população nacional e, também – terá de reconhecer-se – foi muito mal sucedida na sua contribuição, chame-se-lhe, de feição política.

Na verdade, assim aconteceu tanto no período da Monarquia constitucional como naquele da Primeira República em que, uns atrás dos outros, tanto os idealismo dos reaccionários como os dos jacobinismos destemperados, com os seus erros políticos em acumulação crescente, haveriam de vir a descambar na ditadura do salazarismo fradesco, uma particularidade amarga que levou o país para cinquenta anos dum absolutismo neomiguelista cujos resquícios lamentáveis, de novo – digam o que disserem – vivem, a lume brando, numa lenta mas paulatina emergência. Mais uma vez, importa tentar contrariá-los.


Na Segunda República, esta em que vivemos, os herdeiros políticos dessas castas política e intelectualmente dominantes são, hoje em dia – evolução a quanto obrigas – os proprietários possidónios duma pequenez mental digna de nota que só têm sabido colocar os portugueses perante uma democracia viciada, um regime de compadrios e nepotismo, um dia a dia de ilegalidades e de desconchavos, tudo sem qualquer sanção jurídica e, forte vergonha, numa despropositada submissão ao expansionismo despótico dos interesses políticos, económicos e militares tanto da OTAN/EUAN (recorde-se o salazarismo) como duma EU, esta, em evolução para o IV Reich.

Foi à custa substancial dessa racionalidade importada do centro europeu – uma zona europeia com percursos e interesses históricos completamente distintos do português – que a tal “modernização” por cá tem estado a ser imposta, alcançou ganhar um estatuto saliente, gerou iniquidades, distribuiu benesses, provocou pobreza, desemprego e precariedade para, a todo o instante – tenha para isso uma oportunidade política – à custa de manobras propagandistas e, por igual, dum pessoal político bem adestrado saber apresentar-se como sendo e tendo a melhor resposta política e económica para Portugal que, como reafirmam – tal a sobranceria exibida – é a única resposta para o que designam como as inquestionáveis necessidades nacionais.

Trata-se duma versão recente daquela muito querida por uma certa intelectualidade – se o foi e se o é – que, desde há cerca de duzentos e cinquenta anos, com uma fidelidade canina, prossegue na cópia de regras, hábitos, costumes, revoluções e perspectivas importadas do estrangeiro. De facto, para as figuras públicas mais proeminentes – os verdadeiros chefes de fila e os indutores efectivos da opinião pública – é indiferente, por completo, saberem para que serve o que mandam vir de fora, desde que as suas carreiras pessoais, as suas apetências ideológicas, as suas vivências mundanas e os seus patrimónios prossigam com destaque social. Para tanto basta-lhes que a sua linha política interventiva deve sujeição, aliás bem favorecida, às determinações do exterior sejam às da OTAN/EUAN, sejam às da UE, organizações que, uma e outra, são pródigas em facultar-lhes toda a protecção política e social necessárias.

Por muito que seja dito o contrário, qualquer destas organizações internacionais, anos a fio, mantêm uma encenação política que reafirmam ser democrática, porém, a verdade manda dizê-lo, repleta de aparências enganadoras que, contra toda a evidência, minuto a minuto, é muito elogiada, pelos próceres portugueses, esses morgadelhos de arribação. São organizações internacionais que, bem feitas as contas, só têm prejudicado a imensa maioria da população portuguesa, como disso é-nos dado conta, por serem elucidativos, não só os maus indicadores económicos, sucessivamente produzidos como, também, os envolvimentos disparatados em quezílias internacionais em tudo estranhas aos interesses e tradições nacionais.

(Continua)
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Domingo, 27 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 40

Carlos Leça da Veiga

O substrato mafioso do neoliberalismo económico (Continuação) 



Essas particularidades e circunstâncias eram, e são, pormenores históricos com valia avultada, impossíveis de serem ignorados, muito menos, de não serem uma constante política irredutível e insusceptível duma qualquer mudança de direcção, muito menos se conduzida ao sabor duma qualquer importação alienígena que, sem respeitar a expressão livre da vontade democrática da população portuguesa, possa atingir – como está a acontecer – a própria feição cultural nacional radicada, apesar de tudo e contra tudo, numa sua matriz universalista, velha de séculos, possuidora de singularidades muito eficientes, mau grado o desprezo a que tem sido votada, contra a melhor corrente da História, desde que, após a Descolonização, passou a dispor de potencialidades internacionais perfeitamente ímpares e muito positivas. Em que Estados há só uma Nacionalidade?

Portugal, a população portuguesa, mau grado sujeita, ao longo dos séculos, aos flagelos de variadas intermitências históricas capazes, cada qual, das piores alienações políticas e culturais, agora, nos anos derradeiros, depois da esperança vivida com a Libertação Democrática do 25 de Abril, retrocede e, mais uma outra vez, aparece molestada pela invasão insidiosa, aliás intencional, dum aculturação importada que, mal vão os tempos, persiste em fixar-se e avolumar-se para, por fim, tudo conseguir descaracterizar.


Quaisquer soluções arquitectadas pelas mentes dos chamados economistas – é uma experiência com um ror de anos – está condenada ao fracasso.

Não há memória dalguma vez terem acertado nos prognósticos propostos.

Não há uma ciência económica mas sim avaliações estatísticas deduzidas numa fase posterior aos acontecimentos que, quando muito, caracterizarão o acontecido, jamais aquilo previamente antevisto, nunca o que, na realidade, irá acontecer e muito menos – a ideologia não tem permitido – a razão mais plausível dos falhanços dos acontecimentos transactos. Desde uma nomenclatura exaustiva e hermética para designar as contingências mais vulgares do deve e do haver dum qualquer contabilista até aos embustes teóricos mais rebuscados sobre as recessões, as retomas, as inflações, as deflações e os ciclos, tudo é imaginado – tem de reconhecer-se – na certeza de ser obrigatório garantirem-se as mais valias aos proprietários do investimento para cuja protecção especial há, em permanência, economistas de serviço e, caso disso, as forças da ordem. Com toda a legitimidade, perguntar-se-á se a economia é, ou não, um serviço, com aparência científica, prestado em concordância total com a vontade interessada dos possidentes? Tudo é desenhado para dar lucros a uns poucos e, fazê-lo, à custa de muitos. O contrário, uma economia a sério, isso nunca foi visto.

De Portugal, anos atrás – é uma minha repetição – bem podia dizer-se que era um país de juristas, colonialista e militaristas mas que, tal foi a mudança para pior, passou a ser, em exclusivo, de economistas e de gestores, contudo, triste realidade, daqueles mais dados a oportunismos e compromissos imperdoáveis.
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Sábado, 26 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 39

Carlos Leça da Veiga

O substrato mafioso do neoliberalismo económico

Num discurso nacional começado a afirmar-se, com toda a razão de ser, por alturas da governação joanina do século XVIII, muito vivificado no consulado pombalino e, mais tarde, sem a razoabilidade e a oportunidade mais exigíveis, tornado num discorrer reiterado, insistente e desmesurado era reclamada a necessidade imprescindível duma pronunciada renovação da vida portuguesa que, conforme afirmado e reafirmado era, como continua a dizer-se, uma necessidade nacional irreprimível e inadiável, face ao que, já lá vão dois séculos, passou a ser designado ora por decadência nacional, ora por atraso nacional.

Embora nada deva opor-se, bem pelo contrário, ao inquestionável desiderato nacional de, a todo o custo, querer buscar-se para a sociedade portuguesa, com afinco máximo, um desenvolvimento político, económico, cultural, ambiental e social passível de poder reconhecer-se como justo, digno, saudável e democrático, importa contrariar-se sem receio – como não tem acontecido – um mero crescimento económico imaginado – como tem acontecido – primeiro sob o signo da modernidade, anos depois sob os auspícios do modernismo ou, como nos dias de hoje, sob o clamor europeísta e dum modo um tanto possidónio, da modernização.


Importa defender-se que o maior objectivo antevisto e proposto deva ser o da procura duma efectiva justiça social distributiva, fácil de reconhecer-se e que, para assim poder considerar-se, tem de estar assegurada por um caminhar sustentado numa Democracia verdadeiramente participada que ofereça as máximas possibilidade de realização do ser, do ter e do saber. Importa, também, que esse caminhar não seja alicerçado, como tem sido tentado, inconsequente e sucessivamente, desde o alvor da República, na transitoriedade dum positivismo filosófico posto ao serviço do jacobinismo político, na entrega do país aos ditames inconcebíveis duma ditadura fascista, na subserviência vergonhosa, como o foi, face a quaisquer dos dois expansionismos imperialistas em disputa ou, ainda, como tem sucedido nos últimos anos, nos sustentáculos economicistas rendidos à omnipotência do mercado neoliberal que se, ao longo de muito tempo, conseguiu permanecer servido por um racionalismo de sabor romântico, agora, nos últimos anos, a acompanhar de muito perto as imposições da multilateralidade política europeia, aparece enroupado com tiques um tanto messiânicos que, todos eles, uns após outros, ao falharem, acabaram por revelar o seu substrato mais verdadeiro, de sobejo, o mafioso.

Aquilo que para o futuro dos portugueses e das portuguesas deverá ser uma necessidade programática indubitável e premente, tem de ser escorado – para que não claudique – nas exigências dum pensamento dialéctico que só ele é susceptível de formular, por devir, um projecto de desenvolvimento autodinâmico capaz de ter em permanência e em linha de conta, sem hesitar, acima de tudo, a evolução histórica do país. Tem de reconhecer-se, que desde o término da sua hegemonia mundial, nos finais do quinhentismo, Portugal, pela mão das suas classes sociais dominantes e à revelia dos interesses da arraia-miúda, tem sofrido múltiplos e variados atropelos inclusive retrocessos que, quantos deles, dir-se-ão muito gravosos, porém, nada aponta no sentido de não ser possível e muito desejável querer repará-los ou, apenas, de tentar querer fazê-lo. Actualizar o país com a Democracia que não tem havido e considerar garantida, sem apelo, a equidade social mais imprescindível é, sem margem para dúvidas, a tarefa mais premente e a que tem de tornar-se no escopo dum novo estatuto constitucional capaz de fundar uma Terceira República.

Na ânsia da chamada “modernização” (um mero crescimento económico produzido a qualquer preço e sem olhar à justeza da sua redistribuição) tem sido esquecido, como continua a fazer-se que, Portugal, com séculos duma continuidade histórica, boa e má – coisa que, agora, não vem ao caso – tinha e deve ter ao seu serviço, como qualquer Nacionalidade, as particularidades estratégicas e de circunstância reconhecidas como as mais aptas, umas e outras, para afirmarem a defesa intransigente do seu legítimo percurso histórico e da sua própria evolução política, embora – como deve ser e por sua vontade expressa – uma evolução aberta ao mundo na tarefa nobre de defesa da Paz mundial e na do entendimento solidário de todas as Nacionalidades.

(Continua)
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Sexta-feira, 25 de Junho de 2010

Apresentando Carlos Leça da Veiga

Carlos Leça da Veiga, nasceu em Lisboa em 1931. Médico infecciologista, foi durante 27 anos membro do Conselho Redactorial da "Revista Portuguesa de Doenças Infecciosas" onde publicou numerosos trabalhos. Enquanto estudante, pertenceu às Direcções do Club de Cinema de Coimbra, da Delegação em Coimbra do Circulo de Cultura Musical, do Conselho Cultural da Associação Académica de Coimbra e à Direcção Nacional Universitária do MUD Juvenil. É o presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Infecção Hospitalar. Tem participado em numerosos debates, nomeadamente no Centro Nacional de Cultura. Foi um dos colaboradores de "Questões e Alternativas", revista de intervenção políitica.

Foi com dificuldade que obtivemos estes elementos, pois o Carlos Leça da Veiga queria que fosse assim: «nasceu, está vivo, é médico e, a pedido de um amigo, manda textos para o Estrolabio».
publicado por Carlos Loures às 21:54
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Quinta-feira, 24 de Junho de 2010

Memoriando


Carlos Loures

No Sábado, 22 de Maio, na livraria Ler Devagar, realizou-se o lançamento do sítio de internet memoriando.net, meio de divulgação do arquivo histórico do PRP-BR (Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias), bem como dos jornais Revolução e Página Um. Acontece que o site é dirigido por dois amigos de longa data – a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes; a Ler Devagar pertence a outro amigo que foi meu colega num curso da Faculdade de Letras, o José Pinho. Tinha ido por diversas vezes ao antigo espaço no Bairro Alto, mas não conhecia ainda a nova livraria situada na LX Factory. Por volta das seis da tarde, lá rumei a Alcântara, e, nas antigas instalações da Gráfica Mirandela, deparei com uma livraria de uma originalidade ímpar. Desse espaço e do José Pinho falarei noutra ocasião. Hoje quero recordar como, há muito tempo, conheci a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes. Portanto, fazendo um exercício de memória – memoriando, numa palavra.

Conheci a Isabel do Carmo durante a campanha eleitoral de 1969, numa reunião da CDE em Torres Novas, no Cine-Teatro Virgínia. Não era tão anarca como sou hoje, mas já me custava aceitar a disciplina partidária. Não estava em nenhum partido e eram visíveis as manobras do PCP para controlar tudo. A Isabel, à época militante do Partido, estava ali, obviamente com a missão de conter entusiasmos esquerdistas. Mas era diferente dos outros infiltrados pecepistas e eu e um outro enviado da Concelhia de Tomar logo o notámos e o comentámos. Apesar de tudo, entrámos em rota de colisão como era inevitável. Encontrámo-nos depois mais algumas vezes, sempre em reuniões clandestinas, claro. Cumprimentos educados – respeitava os militantes do Partido Comunista, mas evitava grandes conversas. Por seu turno, a Isabel não devia estar interessada em falar com maoístas (coisa que eu não era, mas, dizem-me que era o que constava a meu respeito, pois tinha estado na FAP).

Fiquei surpreendido, quando no princípio do Outono de 1973, em Lisboa, recebi um recado da Isabel do Carmo – se podia ir a uma determinada hora ao café Montecarlo. Lá fui, pensando que ia ser uma conversa inútil, pois entrar para o PCP era coisa que em caso algum eu aceitaria. Mas não era do PCP que a Isabel me queria falar, mas sim de um novo partido que fora criado no interior de Portugal, com o apoio a rádio Voz da Liberdade em Argel (que constituiu um importante instrumento de divulgação das acções das Brigadas Revolucionárias). Foi assim que aderi ao PRP a que estive ligado até 1980. Meses depois, no fim de 1973 ou no princípio de 1974, conheci o Carlos Antunes.


A Isabel e o Carlos, foram ambos os meus líderes carismáticos daqueles tempos agitados. Devo tê-los desiludido, pois não fui talhado para a vida partidária, não tenho qualquer ambição políitica e a minha colaboração não deve ter correspondido à expectativa que naquela tarde de Setembro ou Outubro de 1973, no Montecarlo, me pareceu existir a meu respeito.

Mesmo assim, teria sido impossível manter-me sete anos noutra organização. E quando saí, não foi em ruptura com eles, mas sim com a direcção que os substituiu quando estavam presos. Desilusões deles e divergências minhas aparte, sempre os estimei como amigos, mesmo quando discordava deles como dirigentes. A Isabel e o Carlos são pessoas que, generosamente, deram ao ideal do Socialismo tudo o que tinham para dar, inclusivamente a sua segurança, a sua liberdade. Quando vemos os políticos ligados ao poder actual a movimentar milhões, envolvidos em sujos compadrios e obscuras negociatas, não podemos deixar de nos lembrar de pessoas como o Palma Inácio, como o Manuel Serra, como a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes.

Encontrei também outros amigos que já não via há muito tempo e outros com que contacto com frequência, como o Rui de Oliveira e o Carlos Leça da Veiga, nossos companheiros aqui no Estrolabio, Conheci o Leça da Veiga também em 1973, numa reunião em casa de um companheiro. Dezenas de pessoas apinhadas numa sala de um apartamento. Calor sufocante. Falava-se da atitude a tomar face às tentativas de manipulação do PCP. A certa altura, do fundo da sala, um senhor com ar britânico, diz muito pausadamente qualquer coisa como «A solução seria sairmos da CDE. Escusávamos de estar a prejudicar o recenseamento eleitoral a esses senhores. Se é para continuar a discutir essas parvoíces, mais vale irmos para a União Nacional. Pelo menos, tem ar condicionado».

Memoriando, pois claro. Podia estar horas a lembrar coisas deste tipo. Mas, por hoje ficamos por aqui.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Terça-feira, 8 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 22

Carlos Leça da Veiga


(Continuação)

É bom não esquecer que, no fundamental, os subsídios magnânimos que foram, ou têm sido, disponibilizados pela direcção da União Europeia, no mais essencial, só servem para alimentar o parasitismo social dalguns e, muito em principal, forçar importações – quantas delas supérfluas – provenientes dos próprios estados que são, afinal, na realidade, os subsidiários mais significativos do sistema de ajudas. Assim, por força das importações necessárias aos trabalhos a empreender e daquelas dos bens deixados de produzir, todos os subsídios recebidos, nunca deixam de regressar ao bolso dos subsidiários contudo, é bom recordar, que esse regresso é feito com aquele acrescento monetário – pequeno, diz-se – que, ano após ano, pequeno atrás de pequeno, no caso português, conseguiu levar quanto por cá tinha sobrado do quanto, tempos atrás, havia sido acumulado e que, por pouco que fosse, apesar de tudo daria alguma tranquilidade. O aparelho produtivo nacional, diminuto que fosse – e era-o – apesar disso, impedia a importação duma parte significativa daquilo que, com a maior necessidade, o País tinha e tem precisão.

Quem foram os autores da desarticulação e consequente inutilização do aparelho nacional produtivo?

Quem foram os maiores beneficiários desta alteração?

As políticas da União Europeia têm sido saudáveis para os interesses nacionais portugueses?

Há qualquer razão para dizer-se que a integração na União Europeia proporcionou vantagens sentidas – sentidas de verdade, que não de fachada – à maioria dos portugueses?

Onde já vai o que foi o surto dos aparentes benefícios da integração?

A integração portuguesa da União Europeia – a sua dependência europeia – foi feita sem qualquer vergonha, com muita carga ideológica subjacente, sem qualquer respeito pelos oito séculos da História nacional e sem consulta popular prévia.

A integração na União Europeia foi procurada e conseguida não só na mira ignóbil e venal dos subsídios financeiros perspectivados como, também, na da busca de boas garantias de protecção política para os possidentes, não fosse voltar a haver uma qualquer forma de agitação popular como a do pós 25 de Abril ou, também, e não menos importante, poder haver um qualquer desvio no sentido de, como devia ser, Portugal desejar privilegiar relacionamentos políticos e económicos com qualquer zona ou estados dum mundo em que a presença de Portugal – são as contradições do processo histórico – sempre fez sentir-se e sempre poderá fazer-se mas que os centro-europeus, com o seu sentido colonialista tradicional, imaginam, santa ilusão, voltar a ganhar só para si.

Uma vez colocado o socialismo na gaveta, o passo posterior seria aquele de minimizar o regime democrático, enquanto garante dalgum privilégio para a generalidade da população portuguesa e não uma arma, como é pretendido pelos possidentes, em exclusivo, nas suas mãos. Enfim, neste sentido, era vantajoso ter mais garantias que quantas já dadas pelo próprio 25 de Novembro e pelas suas consequências políticas – a tão badalada “musculação da democracia” – que desde então, se nunca deixaram de estar a dar os seus efeitos não podiam ir tão longe quanto o guarda-chuva europeu conseguia e consegue permitir. Á custa dum imenso folclore partidário o situacionismo instalado tem conseguido “paz nas ruas e tranquilidade nos espíritos” – como no salazarismo – o que tem sido a solução política que mais convêm e muito agrada aos desígnios da União Europeia e que, por igual, é uma boa forma de dar tranquilidade aos europeístas portugueses mas que, a muitos Homens e Mulheres, com magoa, faz recordar outros tempos de mau augúrio.
Portugal, por ser o elo mais fraco da cadeia capitalista da Europa ocidental tinha de ficar sujeito a uma dependência mais apertada não fosse transformar-se numa zona europeia em oposição clara às políticas neoliberalistas, logo ao “europeísmo”.

Para ter-se bem a medida da aceitação, por parte dos possidentes e dos seus lacaios, da ingerência estrangeira em Portugal bastará recordar-se que as autoridades portuguesas anuíram a terem de mandar desmantelar os sectores nacionais produtivos, alguns deles exportadores e, como sua consequência, tudo ter de passar a adquirir-se nos estados continentais centro-europeus que, estes, de facto – não vale a pena dar-se-lhes outro nome – são os verdadeiros mandantes do crime.

Quem comanda a União Europeia parece não querer ver que por força das suas circunstâncias estruturais – em que o mercado neoliberal é um aspecto saliente – a marcha acentuada da sua falência económica, por ser claramente irreversível, impossibilita o regresso aos bons tempos – à aparência de bons tempos – porém, quem escuta as afirmações determinadas e determinantes dos mais altos responsáveis pelas manobras políticas europeias, de facto, só pode concluir que, mais uma vez na História da Europa, volta a ouvir-se discutir o sexo dos anjos.
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Segunda-feira, 7 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 21

Carlos Leça da Veiga

Há um prato de lentilhas oferecido pela União Europeia
Em Portugal, neste 2010, os maus resultados consequentes à integração europeia, já estão mais que à vista e, ao que parece, a procissão ainda vai no adro!

Depois de anos a fio a ouvir dizer-se que a integração europeia era, para Portugal, sem qualquer hesitação, a verdadeira alternativa política e económica, a única possível, a única viável e o único garante do progresso nacional, os portugueses que não vivem de quaisquer mais valias financeiras mas sim de salários demasiado baixos já podem começar a tirar as suas conclusões.

A crise económica tem responsáveis nas altas esferas em que são tomadas as deliberações políticas do capitalismo selvagem e da sua culpa não podem eximir-se os dirigentes da União Europeia. Aqui, em Portugal, por muitas responsabilidades que haja e que não podem desculpar-se, de verdade, não são nada quando comparadas com as produzidas no exterior. O mais grave é elas serem bem aceites, sem recalcitrar, por quantos instalados no alto do poder político português.

Há uma sujeição servil às exigências sacrossantas do mercado que, conforme o tempo avança, só tem mostrado ser um campo de batalha cada vez mais selvagem, corrupto e gerador de pobreza. Entre nós, meses a fio, todos os dias, sabe-se de mais uma outra falcatrua de alto nível enquanto que, em simultâneo, fica a saber-se haver um aumento das dificuldades financeiras das famílias. Para dourar-se o quadro e arranjar desculpas, invoca-se ser assim fora de portas, por exemplo, na área da União Europeia, o tal instrumento gerador de progresso que levaria Portugal até ao novo eldorado!

O avultado grau de desemprego, aquele outro da precariedade laboral e os baixíssimos rendimentos do trabalho auferidos pela generalidade da população portuguesa não encontraram, não encontram, nem encontrarão quaisquer respostas verdadeiramente benéficas por parte desta União Europeia para mais, agora, assoberbada com o nível muito alto duma crise larvar essencialmente económica – que não financeira – sem resposta viável na conformidade dos cânones expansionistas do mercado neoliberal. Com as novas emergências económicas, onde é que a União Europeia encontra compradores para a sua produção?

Os subsídios que, vindos da Europa, têm chegado a Portugal durante os últimos muitos anos – o tal prato das lentilhas que tantas consciências tem comprado – no mais essencial, só forraram, e bem, os bolsos da inutilidade social, por desígnio, os de toda a espécie de oportunismos porém, curiosa contradição, quando a crise económica mais estaria a exigir um incremento do auxilio pecuniário – isto na óptica dos “subsídiodependentes” – muito em breve, conforme consta, as ajudas financeiras têm os dias contados excepto – mais outro facto escandaloso – quando forem julgados necessários para salvar a criminalidade das administrações bancárias e a dos seus “ofícios correlativos”, no caso, a corporação das personalidades políticas useiras e vezeiras no favor das babugens da banca.

O desenvolvimento económico e social de Portugal está inevitável e seriamente comprometido por força da asfixia nacional provocada pela sua iniludível submissão político-económica aos interesses estratégicos do exterior, em principal, os centro-europeus. Assim sendo, qualquer suposta solução proclamada pelo Executivo Nacional e pelos seus serventuários, como é visível, não e nunca conseguirá concretizar-se no sentido do seu bom êxito que não seja, mais uma vez e como sempre, em favor dos grandes possidentes, os eternos beneficiários do esforço do trabalho nacional e, característica indesejável, indiferentes ao bem estar e ao desenvolvimento económico e social da população à custa de quem vivem.

Qualquer solução anunciada por qualquer Executivo Nacional nunca será viável, muito menos sustentável, na conformidade duma política governamental delineada, no mais essencial, como a Europa manda e, na realidade, só manda em favor dos negócios direccionados de tal maneira que, entre nós, só consigam vingar as actividades não produtivas, por desígnio especial, as especulativas. Na realidade não serão estas que irão ser a fonte segura e fiável dum rendimento nacional sustentado, multiplicador da riqueza portuguesa, proporcionador dalgumas exportações e, sobretudo, capaz do objectivo importantíssimo e prioritário da redução das importações, logo da pesada divida externa. Muito pior que as avultadas despesas do aparelho de Estado – mas a Europa põe e dispõe – são as despesas do País, quantas delas, por completo, supérfluas.

No sentido duma redução sentida dos gastos com as importações – que só a autonomia política nacional permitirá poder prosseguir – para nada contribuem, como exemplos mais frisantes, a realização despropositada e sem valor produtivo de obras públicas de cariz faraónico conducentes a acrescentos brutais nas importações; a instalação “novo-riquista” dum comboio de alta velocidade quando em plena crise económica; a construção de mais auto-estradas para agrado, sobretudo, da indústria automóvel e do comércio transitário; a edificação de estádios para a máfia do comércio desportivo; as famigeradas ajudas tecnológicas do tipo “migalhães” e, também, outro sonho lamentável dos possidentes, a aposta, aqui, no incremento do investimento estrangeiro, uma tábua de salvação baseada, vergonhosamente, na oferta nacional duma mão-de-obra suficientemente barata ou, até, se for caso disso – última novidade – para agrado do investidor, subsidiada pelo próprio tesouro português. Entre nós, como fruto da dependência do exterior – afinal, a essência da acção política dos panegiristas do europeísmo – nada de promissor pode contribuir para um saudável desenvolvimento económico e social português. A União Europeia não reserva a Portugal um estatuto de interdependência político-económica mas sim, como salta à vista, de dependência.

Na verdade, a aceitação pacífica pelos últimos Legislativos e Executivos Nacionais da imposição europeia, paga com subsídios pecuniários, para proceder-se à liquidação do aparelho produtivo de Portugal demonstra à saciedade a verdade da sujeição política e económica em que o país está. Assim, sem peias, por parte dos Órgãos da Soberania, só são vistas darem-se facilidades de toda a ordem àquilo que chamam de “empreendorismo” porém, como isso mais convêm aos estados europeus realmente exportadores, um “empreendorismo” afastado dos terrenos sectoriais duma intervenção reconhecidamente produtiva com cuja laboração tradicional havia, anos atrás, uma capacidade técnica, apesar de tudo, habilitada a conseguir limitar, com algum significado, o rol das importações necessárias cujas, hoje em dia, têm de ser feitas por imposição política dos estados continentais da Europa. Afinal, é uma obrigação extorquida aos portugueses para compensar, com vantagens apreciáveis, o favor dos subsídios europeus já aqui recebidos.

(Continua)
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Domingo, 6 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República –20

Carlos Leça da Veiga

(continuação)
O estiolamento do modelo constitucional adoptado em 2 de Abril de 1976 – o duma democracia representativa parlamentarista – passados anos, tantas as imprecisões do conteúdo da letra constitucional e tantas as escapatórias possíveis de adulterar-lhe o cumprimento, muito paulatinamente, haveria de converter-se numa fonte de autoritarismo a que, por hipocrisia, tem sido chamado de “estabilidade governativa consequente à legítima alternância do poder”. Uma estabilidade ditada pela força dos votos eleitorais que são dados às promessas políticas dos vários partidos mas que a Constituição, por seu turno, não obriga a serem cumpridas. Quem a fez soube deixar uma cobertura conveniente para os despautérios posteriores.

O 25 de Abril que a população portuguesa, por justiça e direito próprio, quis transformar em seu inteiro favor acabou vítima de desmandos de toda a ordem. Com tudo isto e em tudo isto, há, ou não, razões bastantes para dever queixar-me?

Por força da reorganização política conseguida pelos conluios de ordem vária, em principal dos alienígenas que o 25 de Novembro facilitou, a nota dominante dos últimos cerca de trinta anos da História portuguesa tem sido a dum lento retrocesso democrático, em acentuação nos últimos anos e cujas consequências políticas, sociais, económicas, ecológicas e culturais, umas ou outras, incontestavelmente deletérias, a modos bem diversos, atingem a generalidade da população.

Retrocesso e consequências indesejáveis foram introduzidos – foram impostos – no viver dos portugueses pela acção, quer negligente quer intencional, dos maiorais das sucessivas direcções da política nacional.

As necessidades e as vantagens estratégicas do exterior, com conivências internas indesmentíveis, souberam e conseguiram moldar o retrocesso político, económico, cultural e social de Portugal para disso tirarem vantagens de toda a ordem. Há, ou não, razões para dever queixar-me?

Com o advento do cavaquismo – ainda bem pior que o do socialismo engavetado – as alterações desfavoráveis aos interesses da maioria da população portuguesa, que não aos dos possidentes, passaram a sentir-se com muito maior intensidade e resultaram das várias intervenções concertadas do capital financeiro, senão mafioso, que ganharam as facilidades mais necessárias, todas elas possibilitadas pela má governação nacional favorecida, disso não haja dúvidas, pelo beneplácito do exterior imperialista. Não estavam passados muitos anos sobre o 25 de Abril para que, os poderes dos interesses manejados pelo exterior, conseguissem remoçar os seus instrumentos de abordagem e de envolvimento da sociedade portuguesa que, desde então, por força duma alienação crescente e sem peias, foi transformada, substancialmente, em consumidora activa. Há, ou não, razões para dever queixar-me?

Com a decisão de quem passou a estar ao abrigo de quaisquer perigos, ou de meros entraves, esse capitalismo perseverado pelo soarismo, reavivado pelo cavaquismo e incentivado pelo socratismo e que o tempo haveria de mostrar ser bem mafioso, passou a uma ofensiva metódica que foi facilitada pela imposição legislativa duma inaceitável abdicação da intervenção do capital público em toda a extensão estratégica do mercado que, como é evidente e indesmentível, resultou das deliberações maioritárias da responsabilidade dos parlamentares. Foi a época do deslumbramento saloio pelas virtudes neoliberais da economia de mercado e da entrega aos privados dos patrimónios económicos do sector público. Foi nessa época, afinal uma consequência da “musculação” do 25 de Novembro de 1975, de que o soarismo e o cavaquismo, um após outro, haveriam de ser expressões funestas, que começou a delapidação sensível dos benefícios sociais e políticos alcançados no pós 25 de Abril por muitíssimos portugueses cujo viver só dependia, como depende, da venda do esforço do seu trabalho e que, em seu favor, uma consequência favorável do 25 de Abril, apesar de tudo, tinham tido uma alteração muito positiva dos seus ganhos salariais e do seu estatuto social. Tudo começou a ruir e o neoliberalismo do socratismo – mais um passo para o retrocesso político-social – parece apostado a levar a obra até ao fim. Há, ou não, razões para dever queixar-me?

Num desprezo revoltante pelos seus iguais, as políticas subsequentes e decorrentes da “musculação” introduzida pelo 25 de Novembro e continuadas pelos seus vários herdeiros permitiram-se ficar libertas dum qualquer freio significativo e deitaram a perder, quase por completo, o sentido da equidade social mais imperiosa e capaz de proporcionar o desenvolvimento progressivo, harmonioso e sustentado do panorama social nacional que, anos atrás, consequência feliz do 25 de Abril, mau grado tantos erros, fosse como fosse, parecia muito promissor. Com as omissões e comissões sócio-económicas do soarismo muito bem aprimoradas tanto pela malignidade cavaquista, como pelos seus derivados iníquos, de que o socratismo é uma expressão eloquente, a defesa dos interesses dos possidentes passou a ser, em definitivo e de voz viva, uma obsessão, sempre anunciada, para e pelas correntes partidárias com acesso ao comando do estado. Em seu nome passaram a tomar-se decisões políticas nacionais e internacionais que, sem qualquer hesitação, levaram a que fossem confundidos os interesses nacionais com aqueles outros exclusivos do capitalismo privado. Há, ou não, razões para dever queixar-me?

É bom não esquecer que, no fundamental, os subsídios magnânimos que são disponibilizados pela direcção da União Europeia – um esteio privilegiado da submissão portuguesa ao capitalismo expansionista das potências continentais do centro europeu – no mais essencial, só servem para forçar importações (quantas delas supérfluas) provenientes desses mesmos estados que são, afinal, na realidade, os subsidiários mais significativos do sistema de ajudas. Assim, por força das importações necessárias aos trabalhos a empreender, todos os subsídios recebidos, nunca deixam de regressar ao bolso dos subsidiários contudo, é bom não esquecer, que esse regresso é feito com aquele acrescento monetário – pequeno, diz-se – que, ano após ano, pequeno atrás de pequeno, no caso português, conseguiu levar quanto por cá tinha sobrado do quanto, tempos atrás, havia sido acumulado e que, por pouco que pudesse ser, apesar de tudo daria alguma tranquilidade. O aparelho produtivo nacional, por pequeno que fosse – e era-o – apesar disso impedia a importação de quase tudo que, com a maior necessidade, o País tinha e tem precisão. Quem foram os autores da desarticulação e consequente inutilização do aparelho nacional produtivo? Há, ou não, razões para dever queixar-me?

O processo político inaugurado com o 25 de Abril, uma vez perdida, com 25 de Novembro, a força da afirmação popular teve, também, um impulso imensamente desastroso com a obra dos constituintes – para não dizer com a sua hipocrisia política – ao produzirem uma Constituição sem a actualidade histórico-social mais devida, designadamente, por não conter, com a expressividade bastante, a autoridade necessária para proporcionar a inviolabilidade dos direitos sociais conquistados no pós 25 de Abril. Com efeito, a estes direitos nunca foram concedidas as necessárias normas impositivas, tudo à semelhança, como foi feito – e bem – àquelas reservadas na Constituição aos direitos, liberdades e garantias individuais. Todo o desenho constitucional foi modelado pelo “dejá vue” em vários estados europeus embora o historial político, económico, cultural, social e geoestratégico de Portugal nada tenha que ver com essas mesmas determinantes no historial evolutivo de quaisquer outros estados. As Constituições não são feitas para eternizar soluções estafadas e monocórdicas modeladas pelos interesses dos possidentes. Há, ou não, razões para dever queixar-me?

Com umas regras constitucionais muito manipuláveis, tanto às mãos dos deputados como dos membros dos governos, a reposição, quanto suficiente, da injustiça da ordem social anterior ao 25 de Abril não deixou de ter dificuldades assinaláveis para conseguir reavivar-se e, paulatinamente, fazê-lo com desenvoltura bastante e suficiente. Como tem acontecido, apenas para temperarem-se-lhe as piores demonstrações e os efeitos políticos mais indesejáveis, invoca-se a manutenção escrupulosa do preceituado na Constituição no que nesta diz respeito aos direitos, liberdades e garantias pessoais, afinal os únicos fragmentos constitucionais – que não os sociais – elaborados com a cautela e a precisão suficientes para asseguram o poder político aos possidentes e que, por igual, são quanto lhes basta para a demonstração ficcionada do que apelidam de Democracia, da sua Democracia. Ao invés, todos os demais preceitos constitucionais que contemplem a promoção social e cuja efectivação inquestionável deveria ser uma decidida obrigação constitucional, não têm qualquer significado constitucional impositivo já que se o tivessem seriam perturbadores, ou inconvenientes, para a sustentação da sobranceria económica das classes sociais dominantes. Há, ou não, razões para dever queixar-me.

Portugal está a viver com o seu aparelho nacional produtivo franca e deliberadamente destruído, exactamente como a União Europeia lho impôs – quem conseguir, diga não ser verdade – e, assim, nenhum dos seus sectores está a dar rendimento económico com qualquer significado útil; tem uma manifesta retracção do investimento público, o útil que não ostentativo; sente, dia a dia, as sucessivas deslocalizações empresariais, as suas intermináveis falências e, como assim, vê-se a braços com um desemprego numericamente insustentável; é obrigado a ver aumentar o número dos trabalhadores precários; suporta a redução importante das, há muito, tradicionais remessas da emigração; dispõe dum nível dos vencimentos laborais extremamente baixo; assiste impotente às imperfeições constantes da Justiça e, como se tudo isto já não fosse suficiente, é-lhe imposta uma Democracia repleta de insuficiências e inadequada face às exigências sociais da actualidade. Há, ou não, razões para dever queixar-me?

Tenho todo o direito e a razoabilidade de tê-las, de apresentá-las e de fazê-lo do modo com penso. Deixo aos demais aquele outro de quererem, ou não, aceitá-las. Só eles poderão dar a resposta.

“Quando uma convicção sincera e profunda se apodera do homem, e a sua língua não se presta a manifestá-la, ou essa língua não é desse homem, ou ele é dotado duma prudência cem vezes mais perigosa que a mais ilimitada franqueza”, assim, foi dito por José Estêvão na sessão parlamentar de 5 de Abril de 1837. A mim, só resta aplaudir o autor.
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Sábado, 5 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República –19

Carlos Leça da Veiga

Daquilo que devo queixar-me e de como entendo dever fazê-lo.


A destruição do regime salazarista viveu não só da contribuição muito significativa, perseverante, esforçadíssima e quantas vezes heróica dos anti-situacionistas, fossem eles os independentes, fossem, sobretudo, os organizados, civis e militares mas, também, dever-se-á acrescentar – porque não pode nem deve esquecer-se – do beneficio duma ajuda, aliás interesseira, facilitada pelas necessidades tácticas da política ianque.

A ditadura salazarista, coisa de tão má memória, depois de ter desfrutado duma muito longa protecção por parte da chefia da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), nos finais dos anos sessenta e, sobretudo, no inicio dos setenta, começou a deixar de poder contar com ela, tudo por força da satisfação dalguns dos interesses políticos ditados pelas vicissitudes da chamada “guerra fria”. Na conformidade dalgumas das conveniências políticas consideradas mais necessárias ao desenvolvimento duma nova atitude da política internacional dos Estados Unidos da América do Norte (EUAN), designadamente no seu conflito com a Rússia Soviética (URSS), era obrigatório, para aquela potência mundial ter de assumir formas de amolecimento táctico na agressividade mantida, em frio, contra a URSS. Disso resultaram vantagens para a corrente de oposição à ditadura salazarista e, depois, marcelista. A vitalidade contestatária da população portuguesa que o 28 de Maio de 1926 muito fez tremer e esmorecer, essa, muitos anos após, uma vez reconhecido o logro político montado, haveria de prosseguir num crescendo de oposição ao “estado novo”, circunstância que o tempo tornaria muito mais perceptível e vigorosa, sobretudo, depois da candidatura à Presidência da República, em 1957, do General Delgado para, mais tarde, nos primeiros dos passados anos setenta, ter beneficiado bastante com a perda suficiente, mas inquestionável, da protecção ianque dada, até então, ao regime ditatorial salazarista. Com efeito o amolecimento táctico da agressividade latente nas relações entre os EUAN e a URSS, por hipocrisia cautelosa, impôs aos EUAN a necessidade de demonstrar um refrear definitivo da sua protecção aos regimes ditatoriais do ocidente europeu – português, grego e castelhano – então, sob sua custódia. Acrescente-se que, por parte dos EUAN, no caso particular de Portugal, esse amolecimento e o consequente abrandamento da protecção oferecida ao anticomunismo salazarista teve de ser um tanto mais acrescido pela necessidade de eles mesmos, EUAN, ficarem em melhores condições para dar àquele seu adversário principal, e ao mundo, uma demonstração, com a visibilidade bastante, da sua sempre anunciada e constantemente reiterada política de defesa intransigente do que conclamam como democracia e como direitos humanos traduzida, à época, pelo apoio dado aos Movimentos de Libertação das, então, colónias portuguesas, contrariando deste modo a vontade do regime do “estado novo”. Este posicionamento dos EUAN, mau grado adverso aos interesses do regime salazarista, um seu aliado de sempre, impôs-se-lhe para dar credibilidade ao seu proclamado anticolonialismo, uma atitude que, de caminho, como retorno consequente, a seu tempo, haveria de dar-lhe vantagens políticas no mundo já em franca descolonização.


Na verdade, os EUAN necessitavam de apresentar-se a esse mundo com uma bagagem discursiva suficiente para, sob disfarce, poderem começar – recomeçar – uma sua ingerência política de tal modo viesse a culminar numa futura pilhagem a ser feita livre da concorrência, tanto dos colonizadores em retirada como, também, daqueles do leste europeu que projectavam conseguir instalar-se. Assim, para satisfazer as suas declarações de acendrado democratismo, não só foram obrigados a mandar por termo aos regimes fascistas em funções nas áreas da sua influência absoluta, como fossem os regimes de Portugal, dos estados grego e espanhol mas, por igual, a exigir que Portugal, um caso com muitas particularidades colonialistas, avançasse para dar a liberdade imediata às suas colónias africanas. A não ser assim, os EUAN perdiam a sua face e os seus futuros benefícios, frente aos movimentos de libertação cuja vitória final, se já estava antevista, a sua futura exploração financeira – nada de inocências – já estava bem equacionada.

A perda, aliás justíssima, do que restava do império colonial português tinha de ter, como teve, consequências altamente perturbadoras para a vida nacional portuguesa sabido, como era, que todo o manancial financeiro subsidiário do colonialismo terminou e, por fim – esta é a realidade – sem os rendimentos coloniais acessórios, teria de viver-se com as consequentes necessidades e, muito principalmente, com outra organização política, económica e social tal como, também, com novas modalidades de relacionamento internacional. Uma e outras, por força dos interesses mais abjectos, nunca conseguiram vingar, melhor dito, a tê-las havido, foram sempre rechaçadas e Portugal, mais uma vez, viu-se enredado nas malhas tecidas fora de portas pelos agentes maiores dos imperialismos sobrantes, o ianque e o centro-europeu. Uma fortíssima razão de queixa.

O minorar da brecha aberta por essas consequências políticas e económicas perturbadoras do viver português, ou um seu possível colmatar, só podia resultar duma forma de organização política e social afirmada num texto constitucional que tivesse, ao seu alcance indubitável, a possibilidade de dispor e impor a maior equidade social possível e, também, fosse capaz de estabelecer vínculos muito fortes de respeito e obediência rigorosa às regras fundamentais dum estado de direito, sucedâneo natural, note-se bem, dum necessário estado de justiça. A solução encontrada esteve muito longe de ser satisfatória. Foi um erro clamoroso, porquanto não só o modelo constitucional adoptado não revelou capacidade para moldar, com o vigor mais preciso, um estado de justiça política e social como, também, não menos lamentável, não contrariou com frontalidade e firmeza políticas a manutenção de quaisquer formas políticas depreciativas de dependência do exterior. Com efeito manteve a permissão, vinda da anterior política ditatorial, da permanência portuguesa num pacto político-militar multilateral – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – como, também, anos após, permitir, mais outra vez sem consulta popular expressa, ter-se corrido a entrar não num conglomerado económico europeu, por evento, talvez, vantajoso, mas sim em oferecer-se a suserania estratégica do país a um projectado estado europeu de tendência federal – a União Europeia (UE) – que é dominado pela parceria calculista, porém, historicamente impossível de consolidação, do estado germânico com aquele franco.

Em 13 de Outubro de 2000, no jornal “O Independente”, o Professor João Ferreira do Amaral deixou escrito “O que se passa hoje na integração europeia é um insidioso mas nem por isso menos escandaloso processo de destruição da autonomia dos estados-nação, em particular dos mais pequenos. Olhemos para o que se passa em Portugal” e, mais adiante “Por seu turno, as instâncias comunitárias não perdem pitada para humilhar as instituições nacionais”, passagens que, no texto, foram rematadas com “os portugueses, tal como os dinamarqueses, têm o direito de não ser uma colónia de Bruxelas”. OTAN, UE e Constituição, cada qual com modos próprios, são motivos de queixa que não devem escamotear-se. Há, ou não, razão para queixas amargas?

A concepção constitucional, que acabaria por ser desenhada na Constituinte portuguesa de 1975/76, desde logo, não soube expurgar-se – como entendo – dos erros que a história parlamentarista da nossa Primeira República (muito idêntica à da monarquia constitucional) já tinha deixado bem patentes e cuja réplica, por cautela ou por bom senso, deveria saber antever-se e nunca deixar que pudessem repetir-se.

Era imprescindível, senão mesmo obrigatório, fugir-se deliberadamente aos erros consequentes às permissividades, deficiências e insuficiências do funcionamento constitucional como, por sistema, começaram e passaram a ser cometidos, sucessivamente, desde 1822 e que, agora, como a actual experiência constitucional tem confirmado, mais outra vez, mostram existir. Salta à vista, serem desajustados e inconvenientes para a instituição dos comportamentos políticos, económicos, culturais e sociais mais ambicionados pela população portuguesa conforme o pós 25 de Abril bem soube afirmá-lo e, não fora o infausto 25 de Novembro – uma ingerência ianque – teriam conseguido vingar.

Em 1975, durante a elaboração da Constituição, dever-se-ia ter levado em linha de conta que a nova situação do país iria, de imediato, confrontar-se com uma agravante nunca antes sentida, por exacto, a resultante da perda completa dos rendimentos decorrentes da exploração colonial cujos, no antecedente, dum modo não despiciendo, excluídos os oriundos da emigração, sempre remediavam muitos dos prejuízos económicos endógenos, outros tantos daqueles causados pela sustentação duma guerra colonial devoradora e, também, não menos gravoso, pela manutenção deliberada duma péssima redistribuição do rendimento nacional, o resultado consequente e indesejável duma justiça social deficiente. Portugal, após a imperiosa Descolonização, precisava de respostas políticas arrojadas para a sua nova situação. Não teve, mais uma razão para dever queixar-me.

A verdade é que os constituintes não souberam, ou não quiseram saber interpretar, com a justeza mais devida, as condições económicas, culturais, sociais e geopolíticas que a dinâmica da nova vida portuguesa trazia consigo e a qual, logo no dia 25 de Abril de 1974, começou a ficar bem expressa pela demonstração resoluta da vontade popular de, ao invés duma tradição funesta, desta vez – daí a sua grandeza histórica – querer demonstrar-se e afirmar-se como um actor decisivo da sua própria História.

Os partidos políticos eivados duma metafísica ideológica sem razão de ser e, para mais, com ligações espúrias de vassalagem absoluta, firmadas, todas elas, fosse com o Oeste, fosse com o Leste, preferiram aceitar, ou negociar, as opções políticas chegadas do exterior, tal como, em definitivo, foi assegurado pelo 25 de Novembro de 1975, afinal, nada mais que um evento revolucionário de natureza política repressiva. Na verdade, como foi possível observar-se, os partidos políticos com assento parlamentar parece não terem querido reparar ou dar significado bastante ao facto de, desta vez, no 25 de Novembro, ao contrário do acontecido no 25 de Abril, a população, por perceber o logro, não ter esboçado manifestar-lhe quaisquer boas-vindas de aplauso ou de agradecimento. O 25 de Novembro – é bom não esquecer-se – teve de ser aceite pela população porém, de facto, nunca foi considerado como bem-vindo senão pelos possidentes e seus lacaios.

Dele, do 25 de Novembro, por mais que queiram negá-lo, não há quaisquer dúvidas de ter sido feito às ordens da vontade retrógrada dos ianques, para mais – assim ia o mundo – com o assenso tácito e táctico dos representantes do Leste europeu. Tudo estava combinada desde Yalta. Há, ou não, motivo bastante para dever queixar-me?

O 25 de Novembro foi a última revolução político-militar havida em Portugal, donde têm de ser-lhe atribuídas todas as opções políticas consequentes, a constitucional incluída que, quaisquer delas, umas após outras, em boa verdade, primaram por ter o condão de anunciar dificuldades sucessivas para quem só vive da venda da força do seu trabalho e que, com o decorrer do tempo, governo após governo, passaram a ser um pesadelo que, maltratou toda a esperança dum viver, ao menos, satisfatório para a generalidade da população. Quantos portugueses, de facto, estão satisfeitos com o que está a passar-se? Há, ou não, razões de queixa?

(Continua)
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Sexta-feira, 4 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República –18

Carlos Leça da Veiga

A Democracia do ser, do ter e do saber (continuação)

Numa República, como já atrás está referido, para ser diferente duma Monarquia – para ser um regime democrático – a figura do chefe de Estado não pode existir. Assim, de facto, convêm repetir, só há uma república no mundo, a da Helvécia.

No modelo constitucional parlamentar usado em Portugal o legislativo nacional, para além de determinar qual é executivo é, também, o instrumento privilegiado da vigilância permanente dos actos governativos. O programa do governo têm de ter a aprovação prévia do legislativo e, também, a própria competência política do governo, na sua quase totalidade (Artigo 197.º da Constituição), que não as competências legislativa e administrativa, tem de ser sujeita à apreciação do parlamento. Como se isso não bastasse para adulterar a regra montesquiana da separação das funções do poder do Estado, o legislativo possui o direito de interferir, decidida e decisivamente embora com o consentimento do chamado chefe do Estado – um verdadeiro atentado à Democracia – na organização de instâncias da Justiça, qualquer delas com importância evidente para o funcionamento da Democracia desde que, acentue-se, tenham uma separação totalmente completa dos outros Órgãos de Soberania, uma particularidade decisiva jamais possível de cumprir-se com o estatuto constitucional agora em curso. Estão neste caso o Conselho Superior da Magistratura, o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas com o que, desse modo, é impedida a separação efectiva e real das três funções fundamentais do poder do Estado. O legislativo, enquanto como tal, só deve legislar por iniciativa própria, imediata ou mediata, esta última, a solicitação, por direito próprio, do Conselho Presidencial, a pedido da Assembleia Judicial ou, democraticamente, a pedido dum determinado número de eleitores. A questão da separação das funções do poder de Estado é um problema basilar para desenhar uma arquitectura francamente melhorada da Democracia e, em seu favor, é obrigatório darem-se os passos mais consentâneos com a ponderação objectiva do nível de diferenciação e complexidade da estrutura social dos nossos dias, da necessidade imperiosa de atender-se à participação política dos cidadãos e, por igual, com respeito extremo dos imperativos da equidade da Justiça Social.

O imobilismo das concepções constitucionais parlamentar e presidencial tal como estão em vigor – sejam quais forem as suas variedades – não pode continuar a ser ditado pelo pensamento político, cultural, económico e social velho dalguns séculos quando a Democracia era, tão-somente, um regalo para a minoria dos possidentes do ter, do ser e de muito pouco saber. Hoje – isso tem de ser uma regra da Democracia universal – exige-se dar a melhor resposta possível a todos, que todos, perante a lei, sem excepção, mau grado as diferenças sociais vigentes, têm o direito inalienável de serem considerados como os detentores legítimos do ser, do saber e do ter.

Tem de haver um dispositivo constitucional nacional a que deve caber a totalidade da função judicial e judiciária e, para tal e tanto, deverá existir um corpo eleitoral próprio, com um calendário eleitoral desfasado daquele do corpo legislativo que terá de ser – por ser necessário e por ser justo – o mesmo que elege o legislativo nacional, porém, para evitar sobreposições indesejáveis, terá de ter círculos eleitorais diferentes geradores da composição duma Assembleia Judicial. A Justiça, cujo mau funcionamento – para não adjectivá-lo com a rispidez mais adequada – tem sido um empecilho inaceitável para a população, essa, tem de passar a estar separada, por inteiro e por completo, das outras funções do poder do Estado. Antever a existência duma Assembleia Judicial não pretende ser a criação duma outra câmara à semelhança do que existe tanto em alguns regimes monarquistas ou republicanos parlamentaristas como, por igual, naqueles republicanos presidencialistas. Não parece correcto defender-se um regime de duas câmaras com hierarquização de poder mas sim, apenas, ao eleger uma Assembleia Judicial, garantir que os Tribunais – e todo o aparelho da Justiça – passem a depender em directo e em exclusivo da vontade democrática deliberada pela Assembleia Judicial. Os deputados legislativos e os deputados judiciais – mas não só, como veremos – para efeitos deliberativos sobre certas matérias (alterações constitucionais, orçamento do estado, aprovação de tratados, declarações de estados de sítio, emergência, guerra e paz) constituir-se-ão como uma parte dum Congresso da República.

Só com uma separação absoluta das funções executiva, legislativa e judicial é que será possível, com o rigor necessário e com aquele mais possível, criar um sistema de vigilância recíproca, virtuoso e exequível, por exacto, o dos “checks and balances” dos norte-americanos ou aquele do “le pouvoir arrête le pouvoir” vindo do estado francês.

O sistema constitucional em vigor em Portugal – nenhum dos demais é exemplo satisfatório – vive da herança dum passado em que a defesa da liberdade era a sua feição dominante. Embora no texto actual haja uma explanação extensa e bem detalhada doutras virtudes que não só as da liberdade política, na verdade, as possibilidades reais das suas efectivações são mais que diminutas e tal como estão prescritas, à partida, liquidam qualquer direito de reclamação com mais significado para o eleitor do que aquele duma simples declaração de repudio ou duma manifestação de indignação cuja resposta mais tradicional manda que quaisquer insurgentes devam aguardar uma eventual resposta política num próximo acto eleitoral legislativo.

Hoje em dia a exigência da população tem de ir ao ponto de não poder descurar-se que o principio da igualdade, de cada um e de todos, perante a lei é coisa inseparável duma igualdade efectiva de oportunidades para todos, uma particularidade assegurada por força dum acesso garantido aos recursos básicos da sociedade cuja equidade distributiva tem de ser medida pelo principio diferencial de as desigualdades sociais deverem resultar em benefícios dos menos desfavorecidos. A igualdade liberal – a formal – é a única que tudo indica poder dizer-se estar garantida completa e decisivamente pelo actual texto constitucional português. A igualdade democrática – a substantiva – não será por ter a dignidade de ver-se indicada na Constituição do Estado português que, de facto, pode considerar-se uma realidade social verdadeiramente tangível.

A Democracia do ser, saber e ter é a maior exigência política dos tempos que correm e a sua concretização mais ou menos concertada não pode viver da mera contestação e reivindicação sindicais – como tem sido – outro sim, duma luta política por um texto constitucional que, sem ter duas leituras possíveis, assegure com rigor e precisão, duma vez por todas, a trilogia da igualdade, da liberdade e da fraternidade sem cuja, a consequente solidariedade social é afectada e, como é óbvio, no caso nacional – o que, agora, mais interessa – os resultados estão à vista. Se, para muitos – essa trilogia – já não passa duma expressão serôdia de exaltação democrática importa, agora, voltar a reafirmá-la e impô-la como o obstáculo mais sério a opor com firmeza não só aos conceitos sócio-políticos liberais como, também, aos do colectivismo. Se os primeiros incompatibilizam a liberdade com a igualdade, os segundos incompatibilizam a igualdade com a liberdade. Se os liberais decretam que liberdade e igualdade, uma e outra, por força das regras do mercado – regras com suporte falho de objectividade positiva – não têm de ter sentidos coincidentes e privilegiam a liberdade, os colectivistas – com falhas não menos importantes – insistem que o primado da igualdade, por contingência, pode ter de prejudicar o da liberdade. O bipé que junta a liberdade com a igualdade não consegue sustentar-se sem dispor daquele outro braço que é o da fraternidade. Esta fórmula inaugural da contemporaneidade tem de ter uma tradução constitucional sólida, indestrutível e com um só sentido interpretativo.
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Quinta-feira, 3 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República –17

Carlos Leça da Veiga

A Democracia do ser, do ter e do saber

Deveríamos ter outra Constituição?

Respondo afirmativamente.

Todos nós ouvimos proclamar que os poderes do Estado têm de estar separados. Para começar tem de dizer-se ser asneira falar-se desse modo já que o Poder do Estado é só um e manifesta-se, como regra, por três funções, que são a legislativa, a judicial e a executiva que estas, sim, têm de estar separadas por completo, uma circunstância que, ao arrepio do propalado, não é imposta pelo texto fundamental que, a nós portugueses, tem regido. O executivo está dependente do legislativo e o judicial tem dependência tanto do legislativo como do, chame-se-lhe, moderador que, bem sabido, são actividades bem diferentes, com exigências muito próprias e que, em boa verdade, sem excepção, devem ter eleitores ad hoc.

A função judicial não pode ter qualquer traço de dependência da legislativa, algo que a Constituição da República portuguesa não acautela e, bem pelo contrário, como está escrito, o Conselho Superior da Magistratura forma-se, em parte pela vontade do Presidente da República e pela dos membros do Legislativo Nacional, tal como sucede com a maioria de quantas personalidades compõem o Tribunal Constitucional e, também, daqueles que são nomeados como Presidente do Tribunal de Contas e Procurador-Geral da República em cuja nomeação intervêm o Presidente da República e o Governo, logo, quem o sustenta, o Legislativo.

A função moderadora e a promulgadora que, entre nós, é entregue ao Presidente da República, não deveria existir, isto é, numa República não pode haver a figura do chefe de estado. O objectivo dos homens que deram início à Revolução Francesa começou por ser o da implantação duma monarquia constitucional conforme o modelo inglês mas que, depois, gorada essa possibilidade, os que se lhes seguiram na condução do processo político, ao quererem abolir a monarquia, no mais essencial, recusaram a existência da figura do chefe do estado e conceberam uma constituição republicana com um executivo nacional colegial inspirado naqueloutro da velha Roma – o Directório – situação que Napoleão acabou por ludibriar para regressar-se à implantação da figura do chefe de estado, por alcunha imperador, uma modalidade que, mais tarde, como matéria decorrente da existência dum presidente da república na formula constitucional norte-americana (George Washington recusou ser eleito rei) haveria de vingar nas várias repúblicas americanas e europeias onde acabou por fazer escola, com a excepção notável, digna de toda a exaltação, da Confederação Suíça que, afinal, de facto, é a única república existente em todo o mundo. Na constituição dos Estados Unidos da América do Norte, os constituintes pretendiam ter um chefe de estado e do executivo que, sobretudo, não tivesse qualquer semelhança com o do reinado colonialista – opressor – dos ingleses que obrigava a estarem sujeitos ao regime parlamentar e consequente gabinete. Era um regime muito odiado pelos revolucionários norte-americanos que, como consideravam, tirava ao rei o seu papel de protector face aos socialmente poderosos. Em boa verdade, o presidencialismo norte-americano foi modelado, dalgum modo, à semelhança da monarquia “constitucional pura” de Guilherme de Orange, consequente à promulgação do “Bill of Rights”. Nesta modalidade não só foram limitados consideravelmente os poderes da coroa inglesa como passou a ser imprescindível um governo com o parlamento e o seu apoio, de que dependia, por exemplo, a criação de impostos e de exércitos. Como Guilherme de Orange, circunstancialmente, com visão política de boa qualidade, reuniu em si, com agrado geral, os poderes de rei e os de chefe do governo deixou uma herança política muito apreciada pelos independentistas norte-americanos que recusaram a outra praticada, mais tarde, pelos soberanos da casa de Hanover dominados, por completo, pela acção parlamentar cuja má lembrança o novo estado americano não quis perpetuar. Como tal, George Washington, eleito pelo Congresso como presidente foi aclamado rei, com o que jamais concordou, porquanto só iria sê-lo por um número de anos limitado. O novo regime – o presidencialista – ficou diferente do de monarquia constitucional pura (JGBrito Filomeno, 1993) sobretudo pelo particular do Presidente não poder dissolver o Congresso, não poder vetar-lhe as decisões e, também, tal como o Vice-Presidente, por serem funcionários da república, ficarem sujeitos ao tribunal do “impeachment”.

A modalidade constitucional presidencialista, mau grado a recusável hierarquização do poder deliberativo como é atribuída a uma das suas duas câmaras, apesar de tudo é, parece, muito mais democrática que aquela outra modalidade parlamentar. Em primeiro lugar, entrega o poder executivo a quem é eleito por um circulo nacional e não, como no parlamentar, em que o primeiro-ministro, que não o seu partido político, no modelo nacional actual, é eleito por um distrito eleitoral e, bem vistas as coisas, é aquele indicado em exclusivo e internamente pelo partido político maioritário o que – é admissível – até pode significar um enviesar da vontade eleitoral expressa noutros círculos eleitorais. Em segundo lugar oferece muito maior garantia da separação das funções (executiva, legislativa e judicial) do poder de Estado.

Num regime presidencialista – tal como deve defender-se – para maior garantia de democraticidade republicana, não deveria haver a figura constitucional dum Presidente da República, antes sim, a dum Conselho Presidencial com um estatuto colegial, eleito numa lista de cinco elementos em que, por votação interna, distribuiriam entre si, por exemplo, em rotação, os cargos de Presidente, de Vice-presidente e de Ministros de Estado aos quais, num tempo posterior, acrescentar-se-ão, conforme conveniência do Estado, um corpo de Secretários de Estado nomeados pelo Conselho Presidencial e só responsáveis perante esse Conselho.

(Continua)

publicado por Carlos Loures às 21:00
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