Sexta-feira, 20 de Maio de 2011

Flor, telefone, moça, por Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

 

 


 

Não, não é um conto. Sou apenas um sujeito que escuta algumas vezes, que outras vezes não escuta, e vai passando. Naquele dia escutei, certamente, porque era a amiga quem falava, e é doce ouvir os amigos, ainda quando não falem, porque amigo tem o dom de se fazer compreender até sem sinais. Até sem olhos.

 

Falava-se de cemitérios? De telefones? Não me lembro. De qualquer modo, a amiga – bom, agora me recordo que a conversa era sobre flores – ficou subitamente grave, sua voz murchou um pouquinho.

 

- Sei de um caso de flor que é tão triste!

 

E sorrindo:

 

- Mas você não vai acreditar, juro.

 

Quem sabe? Tudo depende da pessoa que conta, como do jeito de contar. Há dias em que não depende nem disso: estamos possuídos de universal credulidade. E daí, argumento máximo, a amiga asseverou que a história era verdadeira.

 

- Era uma moça que morava na rua General Polidoro – começou ela. – Perto do cemitério São João Batista. Você sabe, quem mora por ali, queira ou não queira, tem de tomar conhecimento da morte. Toda hora está passando enterro, e a gente acaba por se interessar. Não é tão empolgante como navios ou casamentos, ou carruagem de rei, mas sempre merece ser olhado. A moça, naturalmente, gostava mais de ver passar enterro do que de não ver passar nada. E se fosse ficar triste diante de tanto corpo desfilando, havia de estar bem arranjada.

 

Se o enterro era mesmo muito importante, desses de bispo ou de general, a moça costumava ficar no portão do cemitério para dar uma espiada. Você já reparou como coroa impressiona a gente? Demais. E há a curiosidade de ler o que está escrito nelas. Morto que dá pena é aquele que chega desacompanhado de flores – por disposição de família ou falta de recursos, tanto faz. As coroas não prestigiam apenas o defunto, mas até o embalam. Às vezes ela chegava a entrar no cemitério e a acompanhar o préstito até o lugar do sepultamento. Deve ter sido assim que adquiriu o costume de passear lá por dentro. Meu Deus, com tanto lugar para passear no Rio! E no caso da moça, quando estivesse mais amolada, bastava tomar um bonde em direcção à praia, descer no mourisco, debruçar-se na amurada. Tinha o mar à sua disposição, a cinco minutos de casa. O mar, as viagens, as ilhas de coral, tudo grátis. Mas por preguiça, pela curiosidade dos enterros, sei lá por que, deu para andar em São João Batista, contemplando túmulo. Coitada!

 

 

 

publicado por João Machado às 21:00

editado por Luis Moreira em 21/05/2011 às 01:32
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Segunda-feira, 21 de Março de 2011

DIA MUNDIAL DA POESIA 4 - Além da Terra, Além do Céu - Carlos Drummond de Andrade -

Dia Mundial da Poesia

 

(ilustração de Adão Cruz)

 

 

 



 



 




Carlos Drummond de Andrade  ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

 

 

Além da terra, além do céu
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastros dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fudamental essencial
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar
o verbo pluriamar,
razão de ser e viver.

 

 

publicado por Augusta Clara às 16:00
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