Domingo, 24 de Abril de 2011

A luta armada contra a ditadura -3 - Debate com Carlos Antunes (BR), José Brandão (ARA) e Fernando Pereira Marques (LUAR).

(Conclusão)

 

CLE com as BR, como foram as primeiras acções?

 

CA - Nós preparámos a primeira acção com todo o rigor e depositávamos nessa acção - a destruição da base da NATO na Fonte da Telha, com uma grande esperança, mas acontece que resultou numa enorme frustração. Na televisão nas notícias desse dia, o Dutra de Faria, um prócere do regime, director da Agencia Nacional de Informação, dizia que Portugal era um pais com alguma singularidade, visto que aparecia um grupo a proclamar-se autor da destruição duma base na Fonte da Telha, mas que na verdade essa base não existia. Foi isso que nos conduziu oito dias depois a ter que destruir a bateria de canhões no Barreiro, que em termos estratégicos não tinha nenhuma estratégia, para lavarmos a nossa honra...

 

CLTodos sabemos, José, o grande impacto que teve na opinião pública a acção da  ARA emTancos. Porque é que, ao contrário das BR e da LUAR, que só se dissolveram após o advento do regime democrático, a ARA se dissolveu antes do 25 de Abril?

 

JB - A ARA suspendeu as suas actividades em Maio de 1973. Houve um debate interno sobre esta decisão. Havia dúvidas e a decisão não foi absolutamente evidente. Nessa altura, a ARA estava diminuída, com nove dos seus operacionais presos. Esse foi, naturalmente, um factor que pesou, mas não foi decisivo. Conforme palavras de Raimundo Narciso, «nessa altura era mais fácil recrutar novos elementos e fortalecer a organização. O argumento que mais pesou foi de carácter político.» Para a direcção do PCP foi uma boa oportunidade para pôr ponto final a uma actuação que nunca aceitara de bom grado. A repressão que se abatera sobre a ARA apenas atingira operacionais anónimos e não fizera qualquer mossa na estrutura directiva do Partido liderado por Álvaro Cunhal. Nenhum “histórico” que ocupava funções na luta armada foi preso nesta ofensiva contra a ARA em 1973. A este propósito, Raimundo Narciso tem a humildade de confessar que não sabe o que faria se tivesse sido preso (embora se tivesse preparado para não falar) e noutra admite que “chegaram ao fim os melhores ou os que tiveram a sorte de não terem sido presos”.

 

CLConcordas, Carlos? Tu viveste também esta fase ainda ligado ao PCP, creio que na qualidade de funcionário. Na tua opinião, como é que o PCP aceitou enveredar pela acção armada, embora a contragosto, com o José Brandão já explicou.

 

CA-.  Sim, efectivamente nesta segunda fase do PCP, a acção armada deixou de ser condenada, mas não era praticada, sendo mesmo sabotada. Só perante a nossa cisão, e a eminência da acção armada, é que foram obrigados, num curto período, a ter que fazer acções, através da ARA. Simplesmente, isso desencadeou um processo repressivo forte no PCP (não estava em condições orgânicas de poder coexistir como organização armada). Rapidamente e a pretexto que as condições de luta tinham mudado, parou com a acção armada. Desejou mesmo que com as Brigadas Revolucionarias acontecesse o mesmo, mas isso são outros contos...

 

CLJosé, concorda?

 

JBSim, o Carlos Antunes tem razão. Porém, não só pelos princípios que defendia, como pela sua prática, a ARA tinha um objectivo  claro na estratégia do PCP consignado na regra da insurreição popular armada. Era vista como um elemento potenciador da luta de massas e de desgaste do aparelho colonial e repressivo. Visava alcançar um forte impacto na consciência da população portuguesa e na própria opinião pública internacional. Todos estes objectivos só podiam ser levados a bom termo por uma organização não terrorista. Nunca atacou pessoas, nem bens que não estivessem ligados à política colonial e fascista.

 

CLJosé Brandão, houve algum momento especial durante a intervenção da ARA que queira partilhar connosco?

 

JBQuando um deputado pediu a pena de morte para os «terroristas» da ARA.

 

CLA pena de morte?

 

JBSim. Dois dias depois de uma operação da ARA o deputado Cazal-Ribeiro pediu na Assembleia Nacional «a maior severidade, implacável severidade, para a procura e o castigo dos autores do atentado da madrugada do dia 12, na doca de Alcântara, covarde como todos aqueles que trazem a marca da A.R.A. – organização comunista de tendência, ao que parece, maoista» … «A bandeira portuguesa tem de continuar a flutuar, embora isso pese àqueles que a renegam, do Minho a Timor se não queremos negar-nos a nós próprios…». Referindo-se depois a padres de Moçambique que não deixaram entrar a bandeira portuguesa numa igreja, aos «piratas do Santa Maria» Henrique Galvão e outros, a Miguel de Vasconcelos nos idos de 1640, e outros «renegados» como os da ARA, o deputado fascista sentenciou que todos «constituem uma página negra para a nossa história e são a excepção das nossas virtudes e da nossa raça: a negação dos nossos pioneiros – Santos, Mártires e Heróis!».

 

CLFernando, tens alguma recordação especial?

 

FPM - Um das operações ambiciosas e - ao contrário do que se diz – devidamente planeada que não teve êxito, foi a da ocupação temporária da Covilhã. O falhanço deveu-se a problemas técnicos, devido à falta de meios e a causas que aqui seria longo explicar, mais algumas circunstâncias fortuitas. A verdade é que houve várias prisões ( no entanto a enorme maioria dos envolvidos não foi localizada). Um desses presos foi, e isso claro que constituiu

 

rude golpe, o próprio Palma Inácio. Recordo, pois, como uma enorme humilhação para o regime e a PIDE, a sua fuga das celas privativas dessa polícia no Porto, na qual participei também como detido. Tratou-se de uma fuga só possível devido à enorme coragem desse querido companheiro recentemente desaparecido, pois ele estava submetido a uma rigorosa vigilância e sabíamos – eles o disseram – que havia ordens claras para o abater caso o Palma voltasse a tentar fazer o que em 1947 já fizera no Aljube. Acrescia que não havia apoio exterior, pelo que o sucesso dessa fuga foi absolutamente extraordinário. Recorde-se que a dimensão do facto sobre a imagem da polícia e do regime, está patente em, pela primeira vez ou mesmo única na História do fascismo, se ter posto a prémio a cabeça  de um militante. Anúncios nos meios de comunicação divulgaram que haveria uma recompensa de 50 contos a quem denunciasse ou conduzisse à prisão do Palma. Ter acompanhado de perto todo o processo que conduziu a essa fuga é uma das recordações mais emocionantes que tenho.

 

CLAlguma recordação mais forte, Carlos?

 

CANão. Todas a recordações da acção são memórias especiais. Estaria aqui horas a falar…

 

CL - Uma pergunta, talvez retórica, mas que não resisto à tentação de fazer. Quando

lutavam, arriscando a liberdade e a vida, era com o tipo de democracia que hoje temos que sonhavam? O sistema político que hoje vigora em Portugal, era o vosso objectivo? José Brandão.

 

JB-  Tenho para mim um sonho que não se esgota no tipo de democracia que hoje temos.

O sistema político que hoje vigora em Portugal, não é objectivo que satisfaça quem deseje uma sociedade mais justa e de maior humanidade social.

 

CLFernando?

 

FPM - Como já disse o objectivo principal da LUAR era o derrube do fascismo. E isso foi conseguido graças ao 25 de Abril e aos seus capitães. A institucionalização da Democracia, a sua consolidação, o fim da Guerra Colonial, a promulgação de uma Constituição das mais avançadas da Europa e do 

mundo constituíram grandes vitórias. Mas, na linha do que já disse, considerando os ideais expressos em vários documentos, interpretando o sentir de

 

muitos dos que foram meus companheiros  e na minha própria opinião, evidentemente que gostaríamos que uma outra democracia mais perfeita e uma outra sociedade mais justa tivessem sido construídas em Portugal. Todavia, a experiência e a idade levaram-nos a perceber que não se avança linearmente, que é lento o trabalho da velha “toupeira” – como dizia Marx -, e que, por isso, a História não acabou – como houve quem decretasse.Com avanços e recuos será possível mudar a sociedade e o mundo. Aliás, se não se caminhar neste sentido de mudança, a ferocidade do capitalismo desenfreado e a sofreguidão dos poderosos  virão a pôr mesmo em causa a vida neste nosso planeta e até o próprio planeta. Será que os povos não despertarão a tempo? Há que acreditar nesse despertar.

 

CLE tu, Carlos, o que dizes sobre o que se idealizava e sobre o que se tem hoje?

 

CA-  Nós lutávamos pelo socialismo e não por esta espécie de capitalismo selvagem. Não estávamos à espera desta caca, mas é necessário dizer que mesmo sabendo o que isto deu, continuaria a bater-me, não estou nada arrependido.

 

CLObrigado a todos. Creio que foi útil e esclarecedora a nossa conversa. Os leitores o dirão.

   

 

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 12:00
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Segunda-feira, 2 de Agosto de 2010

O Fagundes faz-nos muita falta

Carlos Antunes


O Jorge Fagundes foi sempre um homem muito solidário, antes e depois do 25 de Abril. Foi um dos advogados que mais presos políticos defendeu no Tribunal Plenário antes do 25 de Abril: presos do Golpe de Beja, maoístas da FAP, militantes clandestinos do PCP, não descriminando nenhum anti-fascista pela sua tendência ideológica.

Depois do 25 de Abril, foi o grande organizador da defesa dos presos do PRP. Convidando amigos advogados de todo o país, montou uma defesa extraordinária deste grande processo político. Foi ele que se encarregou pessoalmente da minha defesa e da Isabel do Carmo.

Já em liberdade, e porque tínhamos escritório na mesma rua, face a face, almoçávamos praticamente todos os dias. Tinha um humor fantástico e aproveitava o convívio do almoço para contar histórias inesquecíveis, muitas delas ligadas aos tribunais. Se o Sporting perdesse num domingo, a segunda-feira era sempre dia de luto. E como ele dizia , não era caso para menos...


A sua posição de grande e reconhecido advogado não o impedia de assumir responsabilidades políticas com grande coerência. Foi convidado para ser director do jornal Página Um, em 1976, cargo que assumiu com toda a coragem, mesmo quando choviam os processos jurídicos contra o jornal e contra ele como director. Sem alardes, era um homem com uma grande coerência revolucionária.



_____________________________________
Nota: Logo que soubemos do falecimento de Jorge Fagundes, solicitámos ao Carlos Antunes, grande amigo de Fagundes, um depoimento. Depoimento que só hoje nos é possível apresentar.
publicado por Carlos Loures às 11:00
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Quinta-feira, 24 de Junho de 2010

Memoriando


Carlos Loures

No Sábado, 22 de Maio, na livraria Ler Devagar, realizou-se o lançamento do sítio de internet memoriando.net, meio de divulgação do arquivo histórico do PRP-BR (Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias), bem como dos jornais Revolução e Página Um. Acontece que o site é dirigido por dois amigos de longa data – a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes; a Ler Devagar pertence a outro amigo que foi meu colega num curso da Faculdade de Letras, o José Pinho. Tinha ido por diversas vezes ao antigo espaço no Bairro Alto, mas não conhecia ainda a nova livraria situada na LX Factory. Por volta das seis da tarde, lá rumei a Alcântara, e, nas antigas instalações da Gráfica Mirandela, deparei com uma livraria de uma originalidade ímpar. Desse espaço e do José Pinho falarei noutra ocasião. Hoje quero recordar como, há muito tempo, conheci a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes. Portanto, fazendo um exercício de memória – memoriando, numa palavra.

Conheci a Isabel do Carmo durante a campanha eleitoral de 1969, numa reunião da CDE em Torres Novas, no Cine-Teatro Virgínia. Não era tão anarca como sou hoje, mas já me custava aceitar a disciplina partidária. Não estava em nenhum partido e eram visíveis as manobras do PCP para controlar tudo. A Isabel, à época militante do Partido, estava ali, obviamente com a missão de conter entusiasmos esquerdistas. Mas era diferente dos outros infiltrados pecepistas e eu e um outro enviado da Concelhia de Tomar logo o notámos e o comentámos. Apesar de tudo, entrámos em rota de colisão como era inevitável. Encontrámo-nos depois mais algumas vezes, sempre em reuniões clandestinas, claro. Cumprimentos educados – respeitava os militantes do Partido Comunista, mas evitava grandes conversas. Por seu turno, a Isabel não devia estar interessada em falar com maoístas (coisa que eu não era, mas, dizem-me que era o que constava a meu respeito, pois tinha estado na FAP).

Fiquei surpreendido, quando no princípio do Outono de 1973, em Lisboa, recebi um recado da Isabel do Carmo – se podia ir a uma determinada hora ao café Montecarlo. Lá fui, pensando que ia ser uma conversa inútil, pois entrar para o PCP era coisa que em caso algum eu aceitaria. Mas não era do PCP que a Isabel me queria falar, mas sim de um novo partido que fora criado no interior de Portugal, com o apoio a rádio Voz da Liberdade em Argel (que constituiu um importante instrumento de divulgação das acções das Brigadas Revolucionárias). Foi assim que aderi ao PRP a que estive ligado até 1980. Meses depois, no fim de 1973 ou no princípio de 1974, conheci o Carlos Antunes.


A Isabel e o Carlos, foram ambos os meus líderes carismáticos daqueles tempos agitados. Devo tê-los desiludido, pois não fui talhado para a vida partidária, não tenho qualquer ambição políitica e a minha colaboração não deve ter correspondido à expectativa que naquela tarde de Setembro ou Outubro de 1973, no Montecarlo, me pareceu existir a meu respeito.

Mesmo assim, teria sido impossível manter-me sete anos noutra organização. E quando saí, não foi em ruptura com eles, mas sim com a direcção que os substituiu quando estavam presos. Desilusões deles e divergências minhas aparte, sempre os estimei como amigos, mesmo quando discordava deles como dirigentes. A Isabel e o Carlos são pessoas que, generosamente, deram ao ideal do Socialismo tudo o que tinham para dar, inclusivamente a sua segurança, a sua liberdade. Quando vemos os políticos ligados ao poder actual a movimentar milhões, envolvidos em sujos compadrios e obscuras negociatas, não podemos deixar de nos lembrar de pessoas como o Palma Inácio, como o Manuel Serra, como a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes.

Encontrei também outros amigos que já não via há muito tempo e outros com que contacto com frequência, como o Rui de Oliveira e o Carlos Leça da Veiga, nossos companheiros aqui no Estrolabio, Conheci o Leça da Veiga também em 1973, numa reunião em casa de um companheiro. Dezenas de pessoas apinhadas numa sala de um apartamento. Calor sufocante. Falava-se da atitude a tomar face às tentativas de manipulação do PCP. A certa altura, do fundo da sala, um senhor com ar britânico, diz muito pausadamente qualquer coisa como «A solução seria sairmos da CDE. Escusávamos de estar a prejudicar o recenseamento eleitoral a esses senhores. Se é para continuar a discutir essas parvoíces, mais vale irmos para a União Nacional. Pelo menos, tem ar condicionado».

Memoriando, pois claro. Podia estar horas a lembrar coisas deste tipo. Mas, por hoje ficamos por aqui.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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