É hoje consensual que o capitalismo necessita de adversários credíveis que actuem como correctivos da sua tendência para a irracionalidade e para a auto-destruição, a qual lhe advém da pulsão para funcionalizar ou destruir tudo o que pode interpor-se no seu inexorável caminho para a acumulação infinita de riqueza, por mais anti-sociais e injustas que sejam as consequências. Durante o século XX esse correctivo foi a ameaça do comunismo e foi a partir dela que, na Europa, se construiu a social-democracia (o modelo social europeu e o direito laboral). Extinta essa ameaça, não foi até hoje possível construir outro adversário credível a nível global. Nos últimos trinta anos, o FMI, o Banco Mundial, as agências de rating e a desregulação dos mercados financeiros têm sido as manifestações mais agressivas da pulsão irracional do capitalismo. Têm surgido adversários credíveis a nível nacional (muitos países da América Latina) e, sempre que isso ocorre, o capitalismo recua, retoma alguma racionalidade e reorienta a sua pulsão irracional para outros espaços. Na Europa, a social-democracia começou a ruir no dia em que caiu o Muro de Berlim. Como não foi até agora possível reinventá-la, o FMI intervém hoje na Europa como em casa própria.
Poderá surgir em Portugal algum adversário credível capaz de impedir que o país seja levado à bancarrota pela irracionalidade das agências de rating apostadas em produzir a realidade que serve os interesses dos especuladores financeiros que as controlam com o objectivo de pilhar a nossa riqueza e devastar as bases da coesão social? É possível imaginar duas vias por onde pode surgir um tal adversário. A primeira é a via institucional: líderes democraticamente eleitos reúnem o consenso das classes populares (contra os media conservadores e os economistas encartados) para praticar um acto de desobediência civil contra os credores e o FMI, aguentam a turbulência criada e relançam a economia do país com maior inclusão social. Foi isto que fez Nestor Kirchner, Presidente da Argentina, em 2003. Recusou-se a aceitar as condições de austeridade impostas pelo FMI, dispôs-se a pagar aos credores apenas um terço da dívida nominal, obteve um financiamento de três biliões de dólares da Venezuela e lançou o país num processo de crescimento anual de 8% até 2008. Foi considerado um pária pelo FMI e seus agentes. Quando morreu, em 2010, o mesmo FMI, com inaudita hipocrisia, elogiou-o pela coragem com que assumira os interesses do país e relançara a economia. Em Portugal, um país integrado na UE e com líderes treinados na ortodoxia neoliberal, não é crível que o adversário credível possa surgir por via institucional. O correctivo terá de ser europeu e Portugal perdeu a esperança de esperar por ele no momento em que o PSD, de maneira irresponsável, pôs os interesses partidários acima dos interesses do país.
A segunda via é extra-institucional e consiste na rebelião dos cidadãos inconformados com o sequestro da democracia por parte dos mercados financeiros e com a queda na miséria de quem já é pobre e na pobreza de quem era remediado. A rebelião ocorre na rua mas visa pressionar as instituições a devolver a democracia aos cidadãos. É isto que está a ocorrer na Islândia. Inconformados com a transformação da dívida de bancos privados em dívida soberana (o que aconteceu entre nós com o escandaloso resgate do BPN), os islandeses mobilizaram-se nas ruas, exigiram uma nova Constituição para defender o país contra aventureiros financeiros e convocaram um referendo em que 93% se manifestaram contra o pagamento da dívida. O parlamento procurou retomar a iniciativa política, adoçando as condições de pagamento mas os cidadãos resolveram voltar a organizar novo referendo, o qual terá lugar a 9 de Abril. Para forçar os islandeses a pagar o que não devem as agências de rating estão a usar contra eles as mesmas técnicas de terror que usam contra os portugueses. No nosso caso é um terror preventivo dado que os portugueses ainda não se revoltaram. Alguma vez o farão?
Dizia-me há dias o escritor e artista plástico Vasco de Castro que viveu já em diferentes épocas – na aldeia transmontana da sua infância, viveu na Idade Média, em Vila Real tomou contacto com o século XIX. Vindo para a Lisboa dos anos 50, conheceu o dealbar do século XX. Uma década depois, em Paris, viveu a plenitude do século XX. Agora, embora viva numa pequena aldeia saloia, habita a aldeia global em que o mundo se transformou.Fernand Braudel (1902 —1985) historiador francês, um dos mais significativos representantes da Escola dos Annales, adverte-nos contra os perigos de uma interpretação demasiado linear do processo histórico. As grandes transformações no curso histórico da humanidade têm um ritmo próprio, um momento de transformação e viragem pode durar séculos. Lembremo-nos, por exemplo, da passagem da Idade Média para a Idade Moderna. As duas idades coexistiram durante muito tempo. Os homens mantinham hábitos ancestrais enquanto se iam adaptando às novidades do novo modelo de sociedade que, paulatinamente, se ia instalando.
Neste começo de século parece a muitos de nós que estamos a viver o fim de uma época, enquanto o início de outra se esboça. Aquilo a que se poderá chamar uma encruzilhada da História. Como diz Braudel no seu ensaio L’Apport de l´Histoire des Civilisations, um trabalho publicado em 1959, mas cujas linhas de força permanecem actuais, o viver uma encruzilhada implica sacrifícios, nos conceitos básicos, mas também na linguagem com que os definimos. Implica, sobretudo, o ter-se consciência de que muito do que consideramos como dados adquiridos, atavismos culturais e políticos, nada está garantido; nada é definitivo. As ciências humanas, a antropologia, uma nova concepção da economia, terão de fazer um esforço interdisciplinar para acompanhar os excepcionais avanços da ciência e da tecnologia. Porque é neste desfasamento que bate o ponto.
Forjámos utensílios tecnológicos de uma grande sofisticação e adquirimos ferramentas científicas de grande transcendência, mas o cidadão comum não está muito mais avançado culturalmente do que um homem do Renascimento (e muitas vezes estará mesmo mais atrasado). Aquilo a que se chama evolução das mentalidades é principalmente a adopção de novos comportamentos sociais – não se trata de uma evolução cultural, mas sim de uma modificação comportamental. Involutiva, em muitos casos. Usando uma imagem poética, diria que temos a cabeça imersa nas estrelas e os pés afundados num lodaçal.
Numa entrevista recente que aqui referi, o escritor José Luis Sampedro dizia que temos de abandonar o capitalismo e que isso só se consegue modificando as pessoas o que, por sua vez, só pode ser obtido através da educação e do ensino. Vamos no dia 23 comemorar o Dia Mundial do Livro. Na formação de uma nova mentalidade mais voltada para o ser do que para o ter, o livro tem um papel fulcral. E os professores, que são os principais elementos na difusão do saber são também elementos imprescindíveis na criação de uma verdadeira nova mentalidade. Uma política do livro, tratando-o como produto especial que é, e uma política de ensino que proteja os bons professores, os profissionais competentes, e não meta no mesmo saco gente que só está no Ensino porque, conforme o velho, aforismo «quem nada sabe fazer, ensina», são medidas necessárias e urgentes.
Mais uma vez chamo Sampedro a depor: A história é mudança. Estamos agora a passar por um momento de barbárie, porque se degradaram todos os valores. É uma etapa de desorientação a caminho de outro modelo. Esta cultura capitalista de cinco séculos já esgotou as suas possibilidades. Estamos numa encruzilhada. O capitalismo trouxe-nos até este ponto. Está moribundo, mas vai continuar a cometer crimes. A barbárie continua e os tempos que se avizinham não são fáceis – tenhamos a esperança de que as convulsões que aí vêm sejam o parto de uma nova sociedade. E a cultura – livros, professores… - terá um papel central nessa transformação. A não ser que sejam os políticos, os financeiros, os militares, a desempenhá-lo e, nesse, caso, terá ganho a barbárie.
O capitalismo é o sistema de produção que reune todos os factores de produção num mesmo proprietário, utilizando para o efeito a acumulação de capital. Para outros, é a apropriação pelos detentores do capital das mais- valias produzidas pelos trabalhadores.
Não é, longe disso, a última fase do desenvolvimento do homem.A humanidade viverá muitos anos e bons após banir o capitalismo.
Se dermos como boa a definição acima, depressa chegamos à conclusão que todos os sistemas conhecidos são mais ou menos capitalistas. O mais evidente foi o sistema que prevaleceu na ex- União Soviética. O Estado tornou-se proprietário de todo os factores de produção e das mais-valias produzidas. Veja-se o que se passou recentemente em Cuba em que, 90% da produção de bens e serviços estavam nas mãos do estado.
E o socialismo? Do lado da produção é capitalismo, reparte a propriedade dos meios de produção entre a privada e o estado. E a social-democracia? um sistema e outro repartem ( em proporções diferentes) a propriedade dos meios de produção e as mais valias, incluindo o capital!
Então, somos levados a concluir, que o capitalismo é um dos pilares de todos os sistemas, no que à criação de riqueza diz respeito e à apropriação das mais-valias, apenas se distinguindo entre si pela proporção de propriedade dos meios de produção. Na China, inicia-se uma via muito interessante, o capitalismo é aceite desde que se enquadre nas grandes linhas orientadoras do estado. É o interesse geral a ganhar vantagem ao interesse particular embora , este, não seja proíbido.(isto é, as mais-valias produzidas interessam , enquanto bens e serviços, ao privado e ao estado)
Onde está a verdadeira diferença (conceptual) é do lado da distribuição e na proporção da propriedade dos meios de produção. Da democracia cristã para o comunismo a proporção da distribuição de riqueza é a verdadeira diferença, passando de total entre estes dois sistemas e gradual na social democracia e no socialismo.(vejam-se os casos práticos como são os países nórdicos).
Colocando de lado a "piedadezinha" democrata cristã ( que acredita piamente que o que deixa cair para debaixo da mesa é ao que os criados têm direito, passando pelos chás dançantes para angariar esmolas ) o que podemos constactar é que são a social democracia e o socialismo democrático
os sistemas que melhor conseguiram conjugar os pilares de cidadania e de direito e de dar prioridade ao interesse geral em detrimento do particular.
Acresce ao conceito de sistema capitalista mais os seguintes pilares sem os quais não há sociedade democrática ( não entendo, não discuto, não aceito qualquer regime que não seja democrático) e que são: o Estado de Direito, com a Lei acima de todos e igual para todos; a separação de poderes: legislativo sede da democracia , representativa das várias ideologias eleitas directamente pelos cidadãos; judicial, com poderes de interpretar e aplicar a Lei ; executivo, emanação da assembleia da república , tomando boa conta dos negócios do Estado a bem do interesse geral; e presidencial, representa o Estado e verifica a conformidade dos actos da assembleia e do governo.
Ainda no quadro democrático e na sociedade capitalista, a existência de uma economia "social de mercado", regulada pelo Estado (através do poder judicial e do poder executivo) e onde se trocam as mais-valias conseguidas em forma de bens e serviços e através da moeda.
Se a ganância humana é coisa marcada a fogo nos genes e que só melhorará com a cultura e o espírito de solidariedade, já as leis que legitimam a existência de trapaças, off - shores, swaps e CDS é coisa dos governos que deviam legislar segundo o bem e o interesse geral e não dar cobertura ao individualismo larvar. Numa palavra, são os estados que, esmagando a sociedade civil, através de todos os expedientes à mão (desde vender facilidades depois de criar dificuldades, dando cobertura ao amiguismo, facilitando e legitimando as desigualdade...) que se tornaram num problema.As mais-valias apropriadas pelo Estado e a sua distribuição são as que maior desigualdade originam, quer no leque de vencimentos e pensões, quer nas garantias de segurança e pouco rigor que exige a quem dele depende.
O estado devia legislar, regular, sancionar, definir caminhos e objectivos para alcançar o bem geral mas, em vez disso, o que vimos é que é pela mão do Estado que se fazem as grandes fortunas e, também é pela sua mão que se mantêm milhares de cidadãos na pobreza.Hoje já é óbvio para todos que há pobreza porque a sua erradicação não está nas prioridades do Estado!
É, pacífico, que o que se produz no mundo é suficiente para manter a população a um nível aceitável de vida, o que falha é a distribuição, isto apesar de o estado já se apropriar de mais de 50% da riqueza. Mais estado não é, pois, solução, o que é solução é a existência de uma sociedade civil forte e actuante que possa escrutinar o estado e verificar se sim ou não cumpre o que prometeu na sua eleição..
De outra forma estaremos cada vez mais prisioneiros dos interesses de grupo, de corporações, de partidos, de sindicatos e, isso, trabalho do homem ,tanto se dá no capitalismo mais liberal como no capitalismo mais mitigado.(embora o exemplo de solidez que nos é dado pelos estados nórdicos, passando incólumes pela crise, mostre bem que é ao Estado que compete a defesa do bem geral).
O Estado Previdência, o Estado Social europeu foi, a mais extraordinária conquista da humanidade em termos sociais, com milhões de cidadãos a terem uma vida digna durante muitos anos que o capitalismo selvagem agora ataca sem piedade! Não é o capitalismo enquanto sistema eficaz de criação de riqueza, é a conjugação da ganância individual e corporativa deixada à solta pelos estados democráticos de cócoras perante os senhores do mundo!
Quem abriu caminhos legislativos que permitem os assaltos é quem os devia impedir a todo o custo!
Falei ontem aqui sobre José Luis Sampedro e, como, tendo já ouvido referir o seu nome, nunca lera nada de sua autoria. Contei também
como, numa noite do ano de 1993 (creio que no Inverno, pois fazia frio e chovia), comprei La sonrisa etrusca num quiosque das Ramblas, mais ou menos em frente ao Teatre del Liceu - sei o ano porque tenho o hábito de
escrever nos meus livros,adiante do nome, o ano de compra. Contei ainda como fiquei preso pela leitura de uma história simples, mas fascinante – o amor como maneira de vencer a morte.
Além deste romance, Sampedro tem cerca de uma dúzia de outras obras de ficção, das quais li El caballo desnudo (1970), e Mientras la tierra gira (1993), além do ensaio Escribir es vivir (2003). Porém, a minha
maior surpresa foi a leitura de textos seus não ficcionísticos ou literários, de Economia, se assim se pode dizer, em que defende abertamente o derrube do capitalismo. Sabendo que durante a Guerra Civil lutou no exército franquista, supunha que a sua ideologia estaria em conformidade com esse pormenor da sua biografia. Estava enganado.
Deixo-vos com uma entrevista onde afirma que a saída para a actual crise global é abandonar o capitalismo. Exactamente o que penso há muito tempo, pelo que me parece inútil criticar o sistema no sentido de o melhorar.
O capitalismo que tem as suas raízes na queda do feudalismo, no Renascimento, portanto, parece ter chegado até onde lhe era possível. Precisamos de o substituir. Substituí-lo por que sistema? Eis uma discussão que merece a pena levarmos a cabo.
Para já, deixo-vos com o valioso contributo de José Luis Sampedro:
O Presidente do BES diz que o sistema capitalista é amoral ( não tem nem deixa de ter moral)(porque).. tem de produzir resultados" . E, avança, numa de grande moralista."Os homens é que são morais ou imorais" (têm ou não moral). Fantástico!(Expresso de 26/02/2011)
É que todos nós temos que obter resultados, nas nossas vidas, temos que pagar a renda e os livros, a alimentação...e, assim por diante. Ficamos agora a saber que não podemos ter moral, neste sistema em que vivemos só podemos ter uma vida decente se formos indecentes. Como é que um homem com moral pode viver num sistema que não olha a meios para alcançar os fins? Amoral? Não pode!
Então, se o sistema capitalista, para produzir resultados não pode sentir culpas por financiar a pedófilia, o tráfico de drogas, a prostitução, o tráfico de crianças, o tráfico de armamento, matar gente e derrubar países, pois estas são as actividades que mais dinheiro dão a ganhar, leia-se, apresentam melhores resultados, qualquer pessoa que tenha um mínimo de moral será sempre um perdedor pois tem que renunciar àquelas actividades e passar a vida a trabalhar.
Cuidado, porque vindo de quem vem, não se trata de "uma boca grande", nem de um erro, é mesmo assim e tem como finalidade passar várias esponjas por cima dos escândalos associados ao grande capital que capturou os estados de países suberanos, e que levou à presente crise com milhões de postos de trabalho perdidos!O sistema capitalista leva à miséria milhões de famílias? Recebe em troca (via governos) muitos milhões para cobrir as "amoralidades"? Esse dinheiro é roubado aos contribuintes? É assim o sistema capitalista, não há que duvidar (segundo Ricardo Salgado).
Isto é voltar à selva, de onde estamos a sair desde que o homem começou a andar erecto, desde que a espécie humana tirou as mãos do chão, o sistema capitalista é o último estadio da evolução do homem (segundo Salgado) é pegar ou largar, não há outras vias. No fundo está a tentar "moralizar" o que, segundo ele, não tem nem deixa de ter moral.
Felizmente que os povos de todo o mundo há muito que se indignam e quando é preciso colocam os tiranetes fora do poder, estou mesmo convencido que esta crise vai trazer muita moral ao sistema capitalista, porque os povos perceberam que quem está no poder e toma decisões só precisa de não ter moral. E, isso, explica a miséria, as injustiças, as guerras e, também, as revoltas!
Estou a ler de Tony Judt " Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos" e a sua introdução é certeira : "A qualidade materialista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à condição humana.Muito do que hoje parece "natural" remonta aos anos 80; a obsessão pela criação de riqueza, o culto da privatização e do sector privado, as crescentes disparidades entre ricos e pobres. E sobretudo a retórica que vem junto: admiração acrítica dos mercados sem entraves, desdém pelo sector público, a ilusão do crescimento ilimitado....o capitalismo não-regulado é o pior inimigo de si mesmo: mais tarde ou mais cedo há-de ser vítima dos seus próprios excessos e para salvar-se recorrerá novamente ao estado. Mas se nos limitarmos a apanhar os bocados e continuar como dantes, podemos esperar convulsões maiores nos próximos anos"...
Primeiros signatários: Philippe Askenazy (CNRS, Ecole d’économie de Paris), Thomas Coutrot (Conseil scientifique d’Attac), André Orléan (CNRS, EHESS), Henri Sterdyniak (OFCE)
Tradução para português: Júlio Mota, Luís Lopes e Margarida Antunes (Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
FALSA EVIDÊNCIA N.º 2: OS MERCADOS FINANCEIROS FAVORECEM O CRESCIMENTO ECONÓMICO.
A integração financeira alcandorou o poder da finança ao seu zénite, na medida em que unificou e centralizou a propriedade capitalista à escala global. Agora é a finança que determina as normas de rentabilidade exigidas pelo conjunto de todos os capitais. O projecto era o de a finança de mercado substituir o sistema de financiamento bancário dos investimentos. Projecto que aliás falhou, uma vez que hoje, globalmente, são as empresas que financiam os accionistas e não o contrário. A governança das grandes empresas foi, no entanto, profundamente transformada para corresponder às normas de rentabilidade do mercado. Com a ascensão dominante do valor accionista, instituiu-se uma nova concepção da empresa e da gestão, pensadas como estando ao serviço exclusivo do accionista. A ideia de interesse próprio comum dos diferentes interessados na vida da empresa desapareceu. Os gestores das empresas cotadas na Bolsa têm agora a principal missão de satisfazer o desejo de enriquecimento dos accionistas e nada mais. Consequentemente, deixam eles próprios de ser assalariados, como mostra bem o aumento desmesurado das respectivas remunerações. Como sugere a teoria do “agenciamento”, trata-se de fazer com que os interesses dos gestores passem a estar em convergência com os dos accionistas.
Uma ROE (“Return on Equity” ou rentabilidade dos capitais próprios) de 15% a 25% passa a ser a norma imposta pelo poder da finança às empresas e aos assalariados. A liquidez é o instrumento deste poder, permitindo a todo o momento aos capitais não satisfeitos de mudarem para outras paragens. Confrontados com este poder, os assalariados, tal como a soberania política, surgem, pela sua fragmentação, em situação de inferioridade. Esta situação de desequilíbrio leva a exigências de lucros irrazoáveis, porque definham o crescimento económico e conduzem a um aumento contínuo das desigualdades de rendimentos. Por um lado, as exigências de lucros inibem fortemente o investimento: quanto mais elevada for a rentabilidade exigida, mais difícil é encontrar projectos que sejam suficientemente rentáveis para a satisfazer. As taxas de investimento continuam a ser historicamente fracas na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, esses requisitos provocam uma pressão constante sobre a baixa dos salários e sobre o poder de compra, o que não é favorável à procura. A travagem simultânea do investimento e do consumo conduzem a um baixo crescimento e a um desemprego endémico. Os países anglo-saxónicos têm procurado opor-se a esta tendência através do aumento crescente do endividamento das famílias e através de bolhas financeiras especulativas, que criam uma riqueza fictícia, permitindo o crescimento do consumo sem salários, mas que acabam por redundar em crashs.
Para ultrapassar os efeitos negativos dos mercados financeiros sobre a actividade económica, colocamos em debate três medidas:
Em 8 de Setembro, realizámos aqui uma “maratona poética” – 24 horas emitindo poemas a um ritmo alucinante. O tema comum a todas as obras foi a «a arte poética». Poetas de diversas nações e de várias épocas, da Grécia Antiga à actualidade, dissertaram sobre a poesia e sobre o seu artífice, aquele que com palavras, sensações e sentimentos, a tece e constrói, oferecendo-nos em palavras o fogo, a que muitos chamam espírito e a que prefiro chamar humanidade. Em muitos textos, encontrámos a explicação do poeta sobre qual o objecto da poesia; noutros a justificação para ele próprio, autor, se exprimir através de poemas. Não esgotámos o tema. O tema é inesgotável.
Façamos então aqui fazer uma breve reflexão sobre a origem da poesia (e da arte em geral) e sobre a sua função específica dentro de uma comunidade. Sabendo que há obras mais recentes sobre o tema, vou, contudo, recorrer a uma obra que surgiu nos anos 60 do século XX, «A Necessidade da Arte», Ernst Fischer (1899-1972), um ensaísta austríaco. Dizia Fischer que «a arte é ela própria uma realidade social. A sociedade necessita do artista, esse supremo feiticeiro, e tem o direito de lhe pedir que tenha consciência da sua função social.»
Com o advento do capitalismo, surgiu pela primeira vez na história das civilizações uma classe dominante que não procurou colocar, de maneira objectiva, a arte ao seu serviço. O artista é livre de qualquer tutela e fica desvinculado de obrigações para com a comunidade de que faz parte. Porém, esta liberdade, longe do o libertar, sujeita-o à solidão, à angústia e ao desespero. Em alternativa, à submissão. É uma liberdade que o força a enfrentar sozinho uma sociedade orientada para o lucro. Ou o que produz é mercadoria vendível ou é rejeitado. O capitalismo não dá liberdade ao artista – abandona-o e ignora-o. Tem de optar entre aceitar as suas leis ou não existir.
Mas, voltemos a Fischer: «O artista na época do capitalismo encontrou-se numa situação muito peculiar. O rei Midas transformava tudo o que tocava em ouro: o capitalismo transformou tudo em mercadoria.» A arte passou a ser uma mercadoria e o artista um produtor. O sistema de mecenato foi substituído pela iniciativa privada e por um mercado livre onde a apreciação mercantil da obra ficou à mercê do gosto do público, gosto (de)formado por uma dinâmica de relações de mercado. Um livro, um quadro, uma partitura, têm de submeter-se às contingências da competição mercantil, às leis da oferta e da procura.
Fernão Lopes, Gil Vicente, Camões, viviam de tenças, sinecuras ou de cargos atribuídos pela Corte. Shakespeare, burguês de origem, fazia parte da casa do conde de Leicester, submetendo-se a um estatuto feudal. Milton, que foi secretário dos negócios estrangeiros de Cromwell pôde guiar-se por uma norma burguesa, conciliando a sua poesia com as condições em que a criava, com total identificação entre a sua obra e as concepções políticas e sociais dominantes.. Mas os artistas raramente foram gratos a quem os apoiava. Como disse Montesquieu «quase todas as monarquias foram instituídas na ignorância das artes e destruídas porque as cultivaram demais.» Por vezes a arte foi a víbora que tiranos distraídos alimentaram e que os destruiu..
Mas não será um avanço o facto do artista poder criar a sua obra sem ter de agradar aos mecenas, ao rei, a senhores feudais, a burgueses ou ao Estado? Num certo aspecto, é verdade. Porém, não esqueçamos que agora é a opinião pública que ajuíza do valor da sua obra. E como é formada (ou deformada) essa opinião? Por pedagogos, por gente de cultura? Não. Os chamados opinion makers são, em regra gente inculta ou desonesta, por vezes as duas coisas. O «gosto popular» é formado pela imprensa – tablóides, revistas do coração – pela televisão, da forma que se sabe – telenovelas, reality shows, talk shows e toda essa tralha que nada tem a ver com a cultura. Em suma - o «gosto popular» é construído pelo marketing. No que se refere ao vestuário, à alimentação, a tudo – e também aos hábitos culturais.
Dirão, «mas então uma das funções da arte não é precisamente a de entreter, a de distrair? Antes da escrita, quem contava histórias nas cavernas ou as pintava na rocha, não correspondia, nesse esforço de recrear, aos artistas actuais? Sim, uma dos objectivos da arte será essa. Mas há um outro, mais importante – que é a de chamar a atenção para os problemas do ser humano e da humanidade – «abrir portas fechadas». Criar de acordo com o que o mercado pede é, como disse Fischer, «passar por portas abertas»: «A função da arte não é a de passar por portas abertas, mas é a de abrir as portas fechadas.
A cultura deve ser compreendida como todas as formas de expressão artística e todo o património material e simbólico da sociedade. Esse conjunto é fundamental para a nossa memória e identidade. Quando se promove oportunidade para que todos os grupos, inclusive as minorias, se exprimam culturalmente, fomenta-se o respeito pela diversidade. Assim, a cultura constitui-se como um veículo eficaz de promoção da paz, da cidadania, da coesão nacional». Quando o artista trabalha exclusivamente com a preocupação do mercado está a trair a arte. Pessoa escreveu os seus maravilhosos textos não para o mercado, mas para o baú onde os ia arrumando. Os anos 20 e 30 do século XX não estavam preparados para os receber. Morreu apenas tendo publicado o livro menor que foi a «Mensagem». Suspeito de que tinha consciência da sua grandeza. E, se assim foi, mais difícil lhe terá sido não ter destinatários para essa grandeza, gente que o lesse, críticos, leitores… Público, numa palavra.
Fischer salienta o carácter mágico da arte. Se for desprovida da magia que provém da sua natureza original, segundo ele, a arte deixa de ser arte. A arte tem a idade do homem e o homem foi, desde a sua origem e face à hostilidade da natureza, um mago. A magia da criação da ferramenta transforma um primata superior num homem. O homem produziu a magia que deu lugar à humanidade. É um produto de si mesmo. Só inventou deuses porque não entendia nem os mecanismos, nem o poder da sua própria magia. Não entendia também a natureza sobre a qual exercia essa magia. E precisava de explicar tudo isso. E a sua magia criou os deuses e a lenda de que tinham sido os deuses a criar o homem.
A mão precedeu o cérebro no desvendar dos mistérios. A agilidade da mão fabricou o utensílio: mão e utensílio passaram a ser indissolúveis. O homem primitivo não distinguia a sua actividade do objectivo que a determinava – actividade e objectivo formavam uma unidade. A abstracção veio depois com o advento da palavra. E a palavra veio substituir a magia. Transformou-se ela própria em magia. Os homens eram todos magos. Com a palavra consolidou-se o salto entre animal e ser humano. Com a palavra nasceu a poesia.
Esta é uma das principais funções da arte contemporânea. Finalmente, o homem que se tornou homem pelo trabalho, que superou os limites da animalidade transformando o natural em artificial, o homem que se tornou um mágico, o criador da realidade social, será sempre o mágico supremo. A arte, em todas as suas formas, era uma actividade comum a todos e elevando todos os homens acima do mundo animal. Mesmo muito tempo depois da quebra da comunidade primitiva e da sua substituição por uma sociedade dividida em classes, a arte não perdeu seu carácter colectivo. Somente a verdadeira e autêntica arte consegue recriar a unidade entre o singular e o universal. Somente a arte consegue elevar o homem de um estado fragmentado a um estado de ser íntegro, total. Sem arte não há humanidade.
Nesta semana da Economia, não queria deixar de abordar um tema afim. Escolhi falar sobre capital. Acontece que Capital é palavra com muitos significados. Das mais importantes acepções destaco duas, dois substantivos com géneros diferentes – o capital, acepção do foro da Economia; a capital, na área da geopolítica. Dois famosos livros, entre muitos outros, celebram cada uma das acepções - «O Capital», de Karl Marx, e «A Capital», do nosso Eça. Como adjectivo tem também a sua importância – pena capital, por exemplo, para quem a ela tiver sido condenado, assume uma dimensão transcendente. Muito mais dramático do que não ter capital ou ainda pior do que viver nos subúrbios da capital.
“A Capital”, de Eça de Queirós, foi um romance que viria, depois, a dar lugar à sua obra-prima «Os Maias». Refere-se à capital de Portugal – Lisboa. No seu livro, Eça relata as vicissitudes de um provinciano numa capital, também ela provinciana. Porque naquela época final do século XIX, tal como agora, a capital era um espelho do País. Como se cada país tivesse a capital que merece.
Terá sido a necessidade de centralizar, de criar estruturas como, por exemplo, a Casa da Mina e da Índias que levou à criação de uma capital .. Creio que não se utilizava ainda, no século XV, o termo «capital», mas Lisboa começou nessa altura, como maior cidade do País, a concentrar as funções de «cabeça do Império», pois ali se acumulavam todos os órgãos gestionários quer das frotas que demandavam os mares, execução de mapas (o termo «cartografia» só apareceu no século XIX), armazenamento das mercadorias que saíam e entravam, e toda essa complicada operação de logística que implicava infra-estruturas fixas.
Lisboa é desde a Idade Média a maior cidade do País. Na lógica que veio colada ao dealbar do Renascimento, era o sítio ideal para instalar o centro de um império vasto que se espalhava pelos cinco continentes. Como diz Oliveira Marques, no 1º volume da sua «História de Portugal», terá sido «o desenvolvimento de Lisboa que caracterizou demograficamente o fim da Idade Média em Portugal». Era quatro a cinco vezes maior do que qualquer das outras cidades portuguesas.
Ignoro quando apareceu o termo «capital» na acepção geopolítica, mas só o começo a ver mais ou menos generalizado em textos do século XVIII (embora possa surgir esporadicamente em documentos mais antigos). Mas se a palavra não existia ou não estava vulgarizada, existia desde os alvores da Idade Moderna, em Portugal e nos restantes países europeus a realidade da concentração numa cidade dos órgãos de poder e das estruturas e infra-estruturas de governação. Na Corte.
Carlos Vtransformou Madrid, uma pequena vila no centro geográfico da Península, numa grande capital. Em todo o caso, saudosistas da grandeza espanhola, lamentam que Filipe II não tenha instalado a capital em Lisboa (na época a maior cidade da Península, só acompanhada de perto por Sevilha e Barcelona). Ter-se-ia, segundo ele, com essa manobra, consolidado a unidade ibérica. Ainda bem que Filipe II não teve tal ideia.
Parece-me que este conceito de capital é arcaico. Nos dias de hoje não se justifica concentrar todos os centros de poder numa única cidade. Por esse mundo fora há exemplos de descentralização que podíamos seguir. Nos Países Baixos, embora a Constituição determine que a capital é na cidade de Amesterdão, quer o Governo, quer o chefe de e o supremo tribunal de justiça estão na Haia. No Chile, embora a capital oficial seja na cidade de Santiago, o Congresso Nacional está sediado em Valparaíso. A África do Sul tem uma capital administrativa, que é Pretória, uma capital legislativa – a Cidade do Cabo, e em Bloemfontein está sediada a capital judicial. Para não estragar este pacífico artigo sobre Economia (?), não falo de Jerusalém que Israel diz ser a capital do estado judaico e que os palestinianos consideram também como sua capital.
Sou de Lisboa, gosto da minha cidade, mas não me parece que retirar-lhe a capitalidade fosse prejudicial para os lisboetas. Construir uma cidade no centro geodésico de Portugal seria uma excelente ideia. Fica perto de Vila de Rei. Mas não deveria chamar-se Vila de Rei, nem Cidade de Rei – afinal somos uma República desde há cem anos! Um bom nome, seguindo o exemplo do Brasil, seria chamar-lhe Portugália. A venda dos direitos de naming à empresa cervejeira renderia bom capital. Por outro lado, a construção de uma nova cidade, acessibilidades (aeroporto, auto-estradas, TGV...), etc. , além de aumentar a oferta de emprego, daria um bom impulso ao sector das Obras Públicas, um sector estratégico da nossa Economia. Bingo!
Na onda do "socialismo de mercado" criou-se uma classe de pessoas burguesas, (chamemos-lhe assim) que o partido comunista chama a si, no sentido de a controlar, decapitando-a, de certa forma como no capitalismo se cooptam as pessoas com mais mérito das classes populares.
As empresas privadas são levadas, mais do que à procura desenfreada do lucro, ao desenvolvimento da economia e da tecnologia nacional. Podemos dizer que mesmo as empresas privadas estão subordinadas ao "socialismo de mercado". Poderão os comunistas de todo o mundo estar descansados?
A verdade é que os US e, de certo modo, os países ocidentais, estavam a preparar-se, no pós URSS, a tomar definitivamente a dianteira nos aspectos tecnológicos. Para a China, estaria reservada a produção de produtos e serviços de baixo valor acrescentado, o que determinaria uma dependência contínua em relação à metropole capitalista.
A China percebeu a tempo que não há uma verdadeira independencia política sem indepedencia económica o que, abre caminho à democratização das relações económicas internacionais e ao favorecimento da emancipação política e económica dos países do terceiro Mundo.
O século das humilhações que vai de 1840 a 1949, desde a primeira guerra do ópio à conquista do poder pelo PCC, coincindiu, historicamente,com o século da mais profunda depravação moral do ocidente: guerras do ópio com a devastação de Pequim, as práticas esclavagistas, as humilhações...
Como disse, ainda estando lá, a China fervilha de poder e desenvolvimento, isso é claro na modernidade das suas cidades (deitam abaixo bairros inteiros e constroem belos edificios), as pessoas jovens estão ocidentalizadas, no fisico e no vestir, deixaram de ser pequenos e submissos para serem grandes e ambiciosos.
Foi uma experiência apaixonante a que liguei a visita à Expo Xangai onde estavam representados a maioria do países do mundo.
Só num outro artigo me será possível "comentar" o artigo do Carlos Loures e os comentários que suscitou. Começarei, no entanto, pelo lamento da Augusta Clara sobre os poucos participantes em certos debates. Creio que a estrutura dos blogues dificulta, ela própria, estes debates: cada "página" é tão depressa "ocupada" que, em poucas horas de uso blogueiro, atingimos o recado fatal: "mensagens antigas". Ora, quantas vezes não chego, sequer, a saber se um comentário meu teve continuidade, porque me impaciento com o tempo improdutivo que já gastei, após navegar por uma, duas, ou mais dezenas de páginas, sem encontrar vestígios do artigo comentado?
Apesar de não ser tão participante como gostaria, estou certo de que diversos comentários que já coloquei no blogue, contendo ideias, argumentos, raciocínios que (valessem o valessem) seriam adequados, por exemplo, a "este" debate, não foram lidos, por terem chegado "fora de prazo", pela maior parte, senão por todos os meus companheiros de bloguice.
Vou repeti-los, de cada vez que essa adequação se renova? É claro que não: corro o risco de me plagiar a mim próprio e de maçar quem, eventualmente, os tenha já lido.
Não sei como se resolve este problema ou se é resolúvel (cheira-me que nem por isso...), mas algumas vezes, quando avalio que já foi ultrapassado "o tempo limite", simplesmente não me disponho a entrar num debate que, entretanto, estou quase certo de que já faleceu... de velhice temporã. Enfim, desta vez arrisco mesmo, seguindo a ordem "artigo, comentários", para não me perder.
I - A propósito do artigo do Carlos e da sua redução da acção manipuladora à televisão, reproduzo um texto suscitado por uma intervenção do Adão Cruz (com um pequeno acrescento):
- Nada de novo à face da terra: os povos são ignorantes porque as classes dominantes tudo fazem para que assim aconteça. Mesmo quando fingem o contrário, através dos seus lacaios, que assumem, à vez, a gestão do Estado.
Marx dixit (não exactamente assim) e, século e meio depois, continua a ter razão.
Na manutenção do "status quo", têm a cumplicidade dos grandes meios de comunicação, particularmente a TV, mas também as rádios e os jornais, as revistas económicas ou cor-de-rosa...
Nem vale a pena repisar a evidência dos programas televisivos imbecis, incluindo as longas horas futeboleiras.
Os novos jornalistas saem, em esmagadora maioria, cada vez mais robotizados dos "cursos superiores" que lhes inventaram e onde só aprendem alguma coisa, a muito custo, os raríssimos que, efectivamente, querem exercer a profissão a sério. Pois se o canudo é certo, mesmo para quem não sabe exprimir-se capazmente na língua pátria (alguns até terão como professor o "escritor" Rodrigues dos Santos...)! O que não é nada certo é que esses raríssimos venham a ser escolhidos para desempenhar a profissão: direcções e chefias medíocres e disciplinadas sabem garantir o quanto baste de qualidade que lhes dê "estatuto", sem causar incómodos.
Alguns "media" arvoram uns (poucos!) colaboradores da esquerda a sério, para compor o ramalhete da "democracia". Mas há muitos modos de os esconder. P.e.: esse comuna do António Vilarigues vem desvelando, no "Público", umas verdades incómodas, como a previsão dos perigos da "bolha imobiliária" por economistas do PC, desde 1997! Seria de esperar que os Medinas Carreiras, Pachecos Pereiras e outros que tais contrariassem os seus argumentos, pois o rai' do comuna "não pode ter razão". Mas... reina o silêncio nas hostes carreiristas! Porquê? Porque responder-lhe, ou a outro análogo, seria chamar a atenção dos leitores para o que escreve(m)!
E isto multiplica-se, com inúmeras variações, face a qualquer intervenção que perturbe a superfície inerte e fétida do pântano.
Não chamaria "estupidez" aos resultados desta acção na "gente comum": a inteligência desenvolve-se com o seu uso, com a aquisição de conhecimentos que ao povo são negados pela acção atenta e vigilante de sucessivos "ministros da educação", pela construção individual (impossível em tão precárias condições) de uma "grelha crítica" que possibilite a multiplicidade das ferramentas a utilizar na apreciação dos fenómenos políticos e sociais. E não há milagres: no pântano, as flores são raras... -
II - Só mais algumas observações, neste primeiro arrazoado:
- Não sei o que é o "socialismo real" (embora a expressão seja muito usada, como outras de significado igualmente nebuloso ou nulo). Vi algumas aproximações muito circunscritas, mas onde talvez exista algo de mais parecido é em Cuba (por muitos engulhos que cause aos grandes defensores das "liberdades", que não devem esquecer-se daquele embargo económico mui democrata, iniciado por Eisenhower e alargado por aquele rapaz Kennedy - tão simpático! -, da invasão da Baía dos Porcos e mais alguns empurrões, igualmente democoisos, que levaram os cubanos a procurar a ajuda de que os fizeram, depois, réus; hei-de "postar" um poema, muito jeitoso e a propósito, do Jorge de Sena).
Não vejo razão para o Socialismo, como objectivo a alcançar e sem adjectivos, se esfumar.
- Sou absolutamente contra o "terrorismo", que tem como principal objectivo intimidar populações civis, atingindo indiscriminadamente uma esmagadora maioria de inocentes: não há nenhuma razão que justifique este tipo de práticas que, de resto, mostram apenas que os seus autores e defensores são iguaizinhos aos opressores que dizem combater, até no pormenor de os "mandantes" nunca fazerem o que mandam os outros fazer - não estou a ver o Bin-Laden a aprender a pilotar aviões comerciais... Admito, naturalmente, a resistência armada, em acções de guerra ou guerrilha, em que estejam em causa objectivos unicamente militares. E não tenho telhados de vidro: a ARA, braço armado do PCP, antes do 25 de Abril, sempre agiu de acordo com estes princípios.
- "Esta" globalização, tal como sempre foi conduzida, pelos mesmos senhores do costume, corresponde à que foi prevista teoricamente por aquele chato do Karl Marx (mais um Carlos...) no Manifesto do Partido Comunista, de... 1848: «A necessidade de um mercado em constante expansão para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se fixar em toda a parte, estabelecer-se em toda a parte, criar ligações em toda a parte.»; e «A burguesia, pela sua exploração do mercado mundial, deu uma forma cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países.»
Apesar de me andar a apetecer mais ler poetas e romancistas, se quiserem mais, é só pedir. O malandro deste Karl não é bem o que os "bonzos" que por aí pululam querem vender...
- Os monstros criados pelo capitalismo não se ficam pelos apontados pelo Carlos (Loures!...). Há outros: o desemprego, a insegurança laboral, a acentuada degradação das leis do trabalho, proporcionando condições que já davam para romances como os do Zola ou do Dickens, trabalho escravo (que já existe, bem ao pé de nós: eu tive um escravo da ZON cá em casa, que trabalhou e não foi pago), tudo em nome de um emaranhado de leis económicas a que é preciso "obedecer" (se calhar vêm na Bíblia...) e que são tão verdadeiras como a minha avó ser o Marx (o Groucho).
- Ó Carlos (Loures...): violadores, pedófilos e outros "tarados" é que não me parece que tenham alguma coisa a ver com o capitalismo! Suspeito que são mesmo produto da "evolução natural". Historicamente, sabe-se que a "valorização" de mulheres e crianças (com agravantes do género das sociedades de castas, escravatura, privilégios ditatoriais de "patres familias",...) andou sempre próxima do zero, com raríssimas excepções. E não consta que o "direito de pernada", atribuído aos senhores feudais, tenha sido ideia de algum capitalista "avant-la-lettre".
Decorrendo em Viana do Castelo o I Congresso do Estado do Teatro em Portugal, lembro a peça “O Rinoceronte”, de Eugène Ionesco (1912-1994). Datada de 1959, vi-a em Lisboa em 1960 representada pela companhia do Luís de Lima. É uma peça do criador do chamado “Teatro do Absurdo”, onde diálogos aparentemente sem nexo (como em “A Cantora careca”), configuram o substrato de uma civilização que vai assumindo aspectos totalmente desconexos, absurdos, por assim dizer. Escrita há meio-século , "O Rinoceronte", continua actual.
Numa cidade até então sossegada, um rinoceronte trota ameaçadoramente pelas as ruas. Na cidade, discute-se a natureza do fenómeno – o que é e como apareceu ali o furioso paquiderme? E, à medida que a peça se desenrola, o comportamento das personagens vai-se alterando, o absurdo de um rinoceronte percorrer a cidade vai sendo aceite como normal. As pessoas vão alterando o comportamento e algumas vão transformando-se em rinocerontes. No final do II acto, com todos à sua volta já metamorfoseados, a personagem central grita: -“Eu sou o último homem. Eu não me rendo!” A história de Ionesco referia-se à eclosão do nazismo, ao colaboracionismo que numa França ocupada pelas tropas hitlerianas levava as pessoas, uma a uma, a ir aceitando como normal a anormalidade que se instalava no quotidiano – as denúncias, as torturas, os campos de concentração, os fuzilamentos… Hoje poderá, com eficácia, representar a rendição dos cidadãos á anormalidade que alastra pelas sociedades ditas democráticas. Como nos rituais de acasalamento de algumas espécies, mantém-se a coreografia, mas perdeu-se o objectivo central da ritualidade. Temos instituições democráticas, mas quem resolve tudo é quem detém o poder económico – que poder decisório resta aos cidadãos a não ser o de periodicamente votar? De votar em quem o poder determina. A experiência está por fazer, mas não tenho dúvida de que, se alguma vez a maioria elegesse quem não obedecesse às regras instituídas, a «normalidade» seria restabelecida através de um golpe militar ou mesmo da intervenção de forças estrangeiras. Assim, como em “O Rinoceronte” de Ionesco, os cidadãos rendem-se ao absurdo. A anormalidade da corrupção, da marginalidade, da droga, passa a ser normal (Deixou de se falar no flagelo da droga. A droga, um dos pilares da economia mundial, passou a ser coisa normal). A televisão converteu-se num poder que sobreleva o poder político. Manipulada por quem manda, é a principal difusora do pensamento único, da filtragem do «politicamente correcto» que nos impede de tratar alguns bois pelo nome.
As duas últimas décadas foram férteis em modificações: o socialismo real, como alternativa ao capitalismo, esfumou-se; o islamismo emergiu como mais uma ameaça a juntar-se à da guerra nuclear e, finalmente, uma nova crise do capitalismo, transformaram o mundo em que vivemos em algo de impensável, mesmo para os futurologistas de há duas décadas atrás. - Um nosso companheiro discorda da inclusão do terrorismo islamista na lista de ameaças que os habitantes do planeta enfrentam e discorda, sobretudo, que ele seja comparado à guerra nuclear. Ao incluir esse tipo de acção política na parafernália de instrumentos de terror que o capitalismo criou, não faço qualquer juízo de valor sobre as motivações filosóficas, religiosas e políticas que estão por detrás da via terrorista usada por alguns movimentos islâmicos. E, com tudo o que possam conter de reprovável – eu reprovo – são mais uma consequência da violência capitalista (tal como a ameaça nuclear, afinal). a expansão das novas tecnologias – internet, telemóvel, CDs e DVDs, a controversa integração europeia, o fenómeno da globalização, positivo em princípio, mas com muitos efeitos perversos, não esquecendo a falência do não-alinhamento. Por um lado, ao colapsar um dos blocos, a dicotomia OTAN-VARSÓVIA deixou de fazer sentido. Por outro, os pressupostos de Bandung, em Abril de 1955, foram desmentidos pela prática política de alguns países signatários. Como a Indonésia e a Índia, por exemplo, que, fundadores do movimento, violaram repetidamente o seu compromisso neutralista.
Vivemos num mundo diferente, que, exceptuando um ou outro avanço e melhoria (por exemplo, no que se refere à condição feminina, deram-se passos importantes no sentido de acertar a realidade pela legislação), podemos considerar pior, mais degradado, sobretudo em termos éticos. Pode dizer-se que vivemos numa versão empobrecida da democracia onde monstros do passado, tal como a miséria e a repressão, sobrevivem. Como disse Saramago, «não progredimos, retrocedemos». E completou: «E cada vez se irá tornando mais absurdo falar de democracia se teimarmos no equívoco de a identificar unicamente com as suas expressões quantitativas e mecânicas que se chamam partidos, parlamentos e governos, sem atender ao seu conteúdo real e à utilização distorcida e abusiva que na maioria dos casos se vem fazendo do voto que os justificou e colocou no lugar que ocupam.» - (José Saramago, O Caderno, Lisboa, Março de 2009).
E, neste particular da repressão, nem sequer estou a falar de Guantánamo e das torturas infligidas aos alegados terroristas islâmicos, onde a criatividade norte-americana mais não fez do que ressuscitar velhos métodos da Inquisição. Por exemplo, a touca que se aplicava a judeus e a judaizantes, aparece ali com o nome de waterboarding. O que, ao assumir uma designação que nos leva a pensar num qualquer desporto radical, branqueia, de certo modo, a monstruosidade do procedimento. A touca consistia em enfiar na boca do preso, até à traqueia, um lenço de mulher, despejando depois água, empapando o pano e produzindo uma sensação de afogamento. Muitos dos pacientes não resistiam. Ossos do ofício! Mas, como se vê, da touca ao waterboarding, com quinhentos anos de permeio e todas as inerentes aquisições científicas, tecnológicas, filosóficas, o progresso não foi grande.
Numa sociedade em que a Liberdade vai sendo devorada pelas «liberdades» (trocar a liberdade em liberdades é a moeda corrente do libertino», disse Mário Cesariny de Vasconcelos em Autoridade e Liberdade São Uma e a Mesma Coisa), a repressão é exercida pela permanente ameaça da marginalidade. O lado negro, ou seja, os monstros criados pela sociedade capitalista, pela exclusão social, pela xenofobia, pela intolerância religiosa, aí estão sob a forma de carjacking, na versão moderada, e de assassínio em massa, passando por assaltos, limpezas étnicas, sequestros, violações… Terroristas, islâmicos ou não, marginais vindos dos subterrâneos que subjazem sob as resplandecentes catedrais do consumo, tarados de todas as espécies, incluindo violadores e pedófilos, aí temos ao dispor um vasto e aterrador bestiário. Fugindo destes monstros criados pela sociedade capitalista, vamos refugiar-nos onde? Obviamente, nos braços salvadores do capitalismo.
É com um cenário dantesco como fundo, que os parlamentos dos chamados «regimes democráticos» continuam a proceder como se tudo decorresse normalmente, um pouco como os dois jogadores de xadrez de que nos fala Fernando Pessoa, pela voz de Ricardo Reis, que continuavam a jogar «o seu jogo contínuo» enquanto a cidade ardia, as crianças eram assassinadas, as mulheres violadas... O sistema parlamentar é anacrónico e disfuncional, tal como o são os sindicatos e os partidos. Na era da informática, continuamos a usar instrumentos políticos que nos vêm da Revolução Francesa e do tempo da máquina a vapor.
E neste labirinto de anacronismos e de aberrações, onde fica a Democracia? Percorrendo este dédalo criado pelos cérebros doentes que nos dirigem desde há muito tempo, será a Democracia que nos espera? Não creio que os nossos filhos, os nossos netos estejam a caminhar para a Democracia. Levados nas asas do consumismo, o caminho que percorrem, com a ilusão de quem está a desbravar uma selva virgem, irão dar não ao prado resplandecente do Eden, mas sim ao velho sótão onde se arrumam todos os detritos que a História tem vindo a acumular.
Não estou a falar de aprofundar o estudo da democracia que temos e que se perde na espiral descendente de corrupção, clientelas, contas em offshores, em exibições mediáticas, em tudo o que constitui o circo a que diariamente assistimos. Esta «democracia» não justifica o esforço de ser aprofundada. Falo de reinventar uma Democracia com que sonhamos há séculos, mas que não temos. Porque a democracia tem de ser permanentemente reinventada. Enquanto não somos deuses, voltando a usar a expressão de Jean-Jacques Rousseau, teremos de percorrer, com a imaginação e a audácia de quem necessita de inventar o futuro, o caminho até uma Democracia luminosa, autêntica e que esteja, de facto, ao nosso alcance.
Fernando Sobral apresenta na Sábado este livro de Anatole Kaletsky que coloca a questão de estarmos ou não perante o fim do capitalismo depois desta crise que abalou o mundo.
A sua opinião é que o capitalismo corre para uma quarta variante da economia de mercado desde os tempos da revolução industrial. A primeira fase mediou entre a época do governo mínimo e do laissez faire e o crash de Wall Street em 1929, seguida de uma segunda vaga marcada pelas teses de Keynes e Beveridge, onde se assistiu a um reforço do Estado. A terceira vaga coincidiu com a falência deste modelo, que foi substituído pelo Estado mínimo dos tempos de Reagan e Thatcher e onde se disseminou o capitalismo digital sem fronteiras.
Esta fase dos fundamentalistas do mercado chegou ao fim e vai ser substituído por um capitalismo que aceita que tanto o mercado como o Estado erram.
O capitalismo mostra uma grande capacidade de adaptação e é isso que estamos a ver com as medidas que foram tomadas com o objectivo de reverter a crise, com um sector financeiro que tenta a todo o custo voltar ao passado recente como se nada tivesse acontecido.
Mas há fenómenos por explicar como seja o facto de países como o Brasil, China, Singapura, India que têm um Estado mais interventivo na economia se terem defendido melhor da crise global. Outra questão preocupante é o facto de a retoma estar em curso mas o emprego não arranca, o que mostra que há outra adaptação do mercado ainda não visível.
Henry Paulson, o secretário de Estado da economia de Bush foi o principal culpado da crise, agarrado ao mercado não deixou que o estado interviesse, permitindo a falência do Lehman Brothers e o arrastamento de todo o sistema global.
Há ainda muitas dúvidas e muitas explicações não totalmente compreendidas, mas nada será como dantes.
Após os livros, as citações mais importantes de Saramago, para melhor conhecermos o homem e o escritor.
Capitalismo
O capitalismo que se anuncia como panaceia , um processo de salvação da Humanidade, não promete nada, não faz promessas; anuncia, isso sim, que está tudo ao alcance das pessoas (...) Por isso, como não promete, não decepciona. A tragédia do socialismo é precisamente essa : não cumprindo o que prometera de facto, decepciona muito mais!
Comunismo
Comunismo é um estado de espirito. (...) acontece que sou uma espécie de comunista hormonal ... não posso deixar de o ser. Pode dizer-me: depois de tudo o que aconteceu ... e parece-me mal que tenha acontecido e condeno quem o fez. Mais recentemente converti isto na declaração; o comunismo é um estado de espirito...
Democracia
A democracia ocupou o lugar de Deus.(...) o poder real não está nos palácios do governo, está sim nos conselhos de administração das multinacionais que decidem a nossa vida.
Crise
Algumas pessoas da classe média, que há poucos anos eram solidárias, ajudavam os outros em situação dificil, um pouco por todo o mundo, encontram-se agora numa situação em que têm de ser ajudadas. (...) os responsáveis andam aí em limusinas, receberam compensações astronómicas depois de terem levado as empresas à falência.
Dinheiro
É dificil imaginar uma sociedade sem dinheiro, embora se vá tornando cada vez mais invisivel com esta proliferação de cartões de crédito. O cartão de crédito é mais que uma liquidação de uma conta, é uma afirmação de poder social.
Impostos
Sou mais honesto a pagar os meus impostos que muitos dos ricaços que estão por aí, que os sonegam, que os escondem e os levam para praísos fiscais.