Alguém duvida que a mera forma como se caminha pelas ruas constitui, por si só, todo um manifesto de uma situação vital? A saúde, a harmonia familiar, os sobressaltos económicos, o estado dessa coisa etérea a que alguns chamam espírito, tudo se revela nas passadas. E, por isso mesmo, os desapossados da sorte, aqueles que, por qualquer que seja a razão, se encontram diminuídos face aos outros, facilmente se distinguem.
Andam devagar, consumidos pela depressão ou pela crise renal, raramente levantam os olhos do chão, a não ser para espreitar a custo o mundo que avança apressado. Ou para reconhecer um semelhante, que se deteve no outro lado da rua, e com ele trocar um olhar cúmplice.
Tendo ficado limitada recentemente, e por razões que pouco interesse têm, a uns passinhos de gueixa, dei por mim num novo mundo, onde a pressa de pouco vale. Abranda-se o passo, olha-se para os lados a cada paragem, descobrem-se as fendas que se vão abrindo nos prédios da baixa, espreita-se para dentro do tasco que vai cumprindo a sua função social inestimável, reconhecem-se traços novos nos rostos olhados diariamente: o velho doente dos pulmões que passa o dia a cravar cigarros, a lojista avinagrada que não gosta que as crianças encostem o rosto ao vidro da montra, o guardião da sala de bilhar, que cumpre a função com a seriedade de quem defende um palácio.
Ah, a irmandade que se descobre entre os que vão abrandando, que vivem atormentados pela sufeca, que sofrem de reumatismo, que vêem o mundo a andar à roda e têm de se encostar nas bordas. Trôpegos e lentos, vêem o mundo através de uma lente de ampliar.
Lição aprendida, agora que retomei o passo estugado, procuro pretextos para abrandar.
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