Aquest espai està dedicat a tots els amics d'Estrolabio i, de manera molt especial, als qui segueixen el nostre bloc des de les terres de parla catalana. Aquí parlarem de cultura lusòfona i de cultura catalana, i de les qüestions i els problemes que ens afecten als uns i els altres.
Tanto do meu estado me acho incerto
Luis de Camões
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, justamente choro e rio,
O mundo todo abarco e nada aperto. 1
É tudo quanto sinto, um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Céu voando; 2
Numa hora acho mil anos, e é jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.
Se me pergunta alguém por que assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora. 3
És tanta la incertesa en què ara em veig
És tanta la incertesa en què ara em veig,
que en viva ardor, gelat de fred, tremolo;
sense cap causa, alhora ric i ploro;
e tot lo món abraç e no estrenc res. 1
Tot el que sento és un desconcert;
de l'ànima em surt foc, un riu dels ulls;
ara cerco conhort, ara no en vull,
ara desvariejo, ara tinc seny.
Fermat en terra, pujo al cel volant; 2
una hora em són mil anys, i és de manera
que ni en mil anys una hora no m'és bona.
Si em demanen raó del meu estat,
responc que no ho sé pas; però he de creure
que és sols perquè us he vist, a Vós, Senyora. 3
Luís de Camões
Trad.: Josep A. Vidal
Si el lector ho vol, després de deixar-se seduir per la musicalitat, la sensualitat i la bellesa dels versos de Camões (1524-1580), pot parar esment a aquests versos (1, 2) i entretenir-se breument en alguna precisió erudita per, després, poder fer volar la imaginació i eixamplar la seva mirada cap a espais més oberts que els que es tanquen en l'estretor –física i mental– dels mapes polítics.
Coneixia Camões, quan va escriure aquests versos, la "Cançó d'opòsits" del poeta valencià Jordi de Sant Jordi?... Vegem-ne un fragment (http://www.rialc.unina.it/164.17.htm):
Tots jorns aprench e desaprench ensemps,
e visch e muyr, e fau d’enuig plaser,
axi mateix fau de l’avol bon temps,
e vey sens ulls e say menys de saber,
e no strench res e tot lo mon abras, 1
vol sobre·l cel e no·m movi de terra, 2
e ço que·m fuig incessantment acas
e·m fuig aço que·m segueix e m’afferra.
Jordi de Sant Jordi, nascut al País Valencià probablement el 1399 o el 1400, fou cambrer reial en la cort d'Alfons el Magnànim. Fet presoner per les tropes de Francesco Sforza l'any 1423, va escriure el poema "Lo presoner" (que podem sentir cantat per Raimon en una versió de extraordinària musicalitat http://www.goear.com/listen/aae00b3/desert-damics-raimon-jordi-de-sant-jordi), un cant elegíac que constitueix la part més coneguda de la seva obra, en la qual destaca el poema "Estramps" (http://www.escriptors.cat/autors/jdsjordi/poemes.html). Va morir l'any 1424.
No hi ha probablement cap document que permeti acreditar que Camões hagués llegit Jordi de Sant Jordi. I naturalment tampoc no n'hi ha que permetin afirmar el contrari. Però, el més probable és que l'un i l'altre haguessin llegit Petrarca, i, pel que fa als versos que comentem del poeta portuguès i del poeta català, el sonet CXXXIV del "Canzoniere" (http://www.liberliber.it/biblioteca/p/petrarca/canzoniere/pdf/canzon_p.pdf):
Pace non trovo, et non ò da far guerra;
e temo, et spero; et ardo, et son un ghiaccio;
et volo sopra 'l cielo, et giaccio in terra; 2
et nulla stringo, et tutto 'l mondo abbraccio. 1
Tal m'à in pregion, che non m'apre né serra,
né per suo mi riten né scioglie il laccio;
et non m'ancide Amore, et non mi sferra,
né mi vuol vivo, né mi trae d'impaccio.
Veggio senza occhi, et non ò lingua et grido;
et bramo di perir, et cheggio aita;
et ò in odio me stesso, et amo altrui.
Pascomi di dolor, piangendo rido;
egualmente mi spiace morte et vita:
in questo stato son, donna, per voi. 3
Francesco Petrarca
Esta história começa em 1981. Até ali eu não ouvira falar de Rui Veloso mas o meu irmão comprou Ar de rock. Que, durante meses, fui descobrindo. Seduziram-me os ambientes, as ficções, as palavras de Carlos Tê – e, claro, a maneira como Rui Veloso oferece tudo isto. A música. A voz.
Muitos anos e aventuras mais tarde, comecei a dar aulas em França. Os alunos eram quase todos filhos de emigrantes porém, de Portugal, a maioria conhecera apenas a aldeia onde os pais haviam nascido. Busquei o que podia dar-lhes a ouvir. Experimentei José Afonso; riram-se da voz fininha. Experimentei Sérgio Godinho; também não gostaram.
Sublinhei um dia que os índios, os indianos, os gregos da antiguidade, cada povo explica, à sua maneira, o aparecimento do primeiro ser humano, pedi-lhes que procurassem o nosso mito da criação e, na aula seguinte, mo contassem. Embora tivessem frequentado a catequese, nunca haviam lido o Antigo Testamento, por conseguinte lançaram, de maneira confusa, Adão, Eva e a maçã. Prevendo isto eu levara as primeiras páginas do Génesis e, a partir daí, estabelecemos as bases: um Criador; a obra à imagem do Criador: primeiro o homem, depois a mulher, criada para o acompanhar; o espaço – o Jardim – onde podiam comer o fruto de todas as árvores, excepto a do conhecimento do bem e do mal; o elemento perturbador: a serpente; a transgressão da mulher; o castigo: expulsão do Jardim; as consequências: o conhecimento e portanto o pecado; a sujeição ao tempo, logo, à vida e à morte, ao sexo e ao amor; a condenação do homem ao trabalho (Hás-de comer o pão com o suor do rosto) e da mulher tanto à maternidade (Terás os filhos com dor) como ao domínio masculino: (Buscarás com paixão a quem ficarás sujeita). Depois disto ouvimos A origem do mal de Carlos Tê e Rui Veloso.
Encontrei Adão e Eva no Palácio de Cristal
Ainda o mundo era puro e sem pecado original
Foram ver o Marco Paulo que já andava a cantar
Depois foram de mão dada mas nada de namorar.
Fizemos um quadro com as constantes e as inovações desta versão do mito. Debatemos o assunto. E tirámos conclusões. Grande sucesso. Grande surpresa. Então aquela música era portuguesa?!
Dali em diante não me privei de levar Carlos Tê e Rui Veloso para as aulas. Mas cumpria dosear com habilidade e escolher o momento propício. São Miguel ( Auto da Pimenta, 1991) serviu de introdução aos Descobrimentos.
A oeste de Finisterra ficam as ilhas perdidas
Disse-me um corso galego que um dia as viu e perdeu
As velhas cartografias também o dizem assim
Como ter fortuna de as achar no mar oceano sem fim?
A primeira estrofe de Carlos Tê sublinha a falta de referências fiáveis, por serem vagas tanto as velhas cartografias quanto as informações de navegadores: o corso galego, se não fabulava, vira e perdera as ilhas por falta de apetrechos científicos. E, por outro lado, o mar oceano sem fim representava uma pavorosa imensidão. Para a descoberta restava portanto a possibilidade ínfima, à qual o homem do século XV chamaria milagre; no entanto o navegador – talvez Diogo de Silves – não se limita a rezar e, empurrado pela curiosidade, sai da rota habitual. Por isso descobre as ilhas.
Dois meses mais tarde, depois de lermos Mar português de Fernando Pessoa, alguns versos de Luís de Camões, vários capítulos de Fernão Mendes Pinto, de ouvirmos uma ou duas canções de Fausto (Por este rio acima), voltámos a Carlos Tê e Rui Veloso com a canção Lançado (Auto da Pimenta).
Cometi crime de amor, à morte fui condenado
Mas antes do cadafalso a um capitão fui chamado
Que partia para a Guiné e me prometeu perdão
Se fosse numa galé e aceitasse a missão
De à sorte ser lançado na má terra do gentio
Sozinho e abandonado durante meses a fio.
No ano seguinte estudámos A ilha (Guardador de Margens, 1983), poema construído através de uma metáfora recorrente: o espaço urbano onde o navegador circula é o mar no qual descobre uma ilha... uma pequena maravilha. Isto é: uma rapariga tão solitária como ele.
Fiz-me ao mar com lua cheia
A esse mar de ruas e cafés
Com vagas de olhos a rolar
Que não me viam no convés
Tão cegas no seu vogar.
Este poema mostra que os Descobrimentos perduram no imaginário português contemporâneo. Incluí-o uma ou outra vez na lista de textos que os alunos deviam apresentar na prova oral do último ano do liceu. E muitas alunas obtiveram com ele notas excepcionais. Algumas vezes, quando me escrevem, ainda exclamam: ah, professora, o Rui Veloso!
Não há estrelas no céu (Mingos e Samurais, 1990) era outro grande sucesso. Tanto rapazes como raparigas achavam na letra e na voz a expressão do seu mal-estar de adolescentes, levavam o texto para a oral e obtinham excelentes notas. E Porto Sentido (Rui Veloso, 1986) também não obtinha menos êxito em aulas e exames.
Depois eu mudei de liceu. E tudo mudou – excepto a recepção do Rui Veloso. Até ali eu escolhera os textos por razões de linguística, de estética e de cultura portuguesa. Porém, na minha nova profissão, com alunos a lançarem-me cadeiras à cabeça, comecei também a proteger-me com Carlos Tê. e Rui Veloso. Trazia sempre na pasta vários cedês (que aliás foram, mais de uma vez, roubados), tal como duas ou três letras... E, se outra actividade não era possível, estudávamos Carlos Tê. e Rui Veloso. Tentávamos aprender (ou rever) a expressão no passado? Punha no aparelho Paixão (Mingos e Samurais) ou Todo o Tempo do Mundo (Avenidas, 1998). Eles ouviam, sublinhavam, com cores distintas, nas letras, os pretéritos perfeitos e imperfeitos. E traduziam o texto. E cantavam em coro. No mínimo, enquanto ouviam e cantavam: sossegavam. Eu caía na cadeira. E o meu ritmo cardíaco acalmava-se. (Que idade tem o Rui Veloso? Inquiriam alunas minhas gentis, apaixonadas por aquela voz.)
Devo a Carlos Tê. e Rui Veloso o prodígio de continuar viva.
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