Sílvio CastroAlexandre Herculano é a primeira grande figura literária inteiramente formada e integrada no Movimento romântico. O seu romantismo é total, pois envolve o autor em todas as suas manifestações e criações. Em Herculano, desde a mocidade, a expressão romântica tem a capacidade de traduzir tanto a mais recôndita, ainda que sempre muito ponderada, subjetividade lírica, quanto a mais ousada participação pública.
Filho dos tempos de grandes turbamentos porque passa a vida nacional, a estes dedica a mais profunda participação cívica e neles se incorpora para uma sempre atenta defesa das liberdades individuais e públicas.
Envolvido desde a mocidade nas lutas sociais de seu país, cedo realiza a experiência de um exílio que se faz mais difícil pelas limitadas condições materiais vindas das origens do muito moço Herculano. Inicialmente refugia-se na Inglaterra, mas ali não encontra o melhor correspondente aos seus sonhos de crescimento geral. Na França, logo em seguida procurada, ao contrário encontrará o refúgio positivamente desejado. Em contacto com a cultura francesa em plena efervecência romântica, Herculano saberá edificar a sua própria estrutura.
De retorno a Portugal, retoma as atividades políticas com o mesmo entusiasmo que o conduzira ao exílio. Será o rápido período no que a moderna personalidade liberal de Herculano se confrontará com as maiores dificuldades da ação política submetida a um tempo de perseverante instabilidade pública. Diante da forte personalidade polêmica do autor da História de Portugal mais profundamente integrada na melhor dimensão do pensamento liberal, o conflito com a política da instabilidade se radicaliza. Em seguida, o polemista democrático presente sempre nas atividades jornalísticas de Herculano arrefece em favor da vida privada rica de uma grande produção literária. Então, às primeiras experiências líricas já tradutoras de um poeta de alta dimensão criadora, sucede a fase maior da personalidade literária do poeta de
A Harpa dos Crentes, a do romancista.
Os romances históricos de Alexandre Herculano são os maiores depositários da sua capacidade de levar o romantismo a uma participação social de rara modernidade. Neles se eleva constantemente aquela personalidade que servirá de modelo à intelectualidade portuguesa, com derivações também para aquela brasileira.
Ao lado do romancista, o historiador Alexandre Herculano exprime então um Liberalismo que, partindo de uma aparente predominante posição conservadora, atinge pontos revolucionários capazes de iluminar as mais ousadas perspectivas ideológicas, atingindo mesmo aquelas do nascente espírito socialista português. Desde então, o criador do Eurico praticamente se faz mentor do espírito progressista nacional, envolvendo personalidades como Antero de Quental, Teófilo Braga e outras. Exemplo da importância do renovador do romance histórico de origem escottiana entre os intelectuais de seu tempo, mostra-se a troca de correspondência entre Oliveira Martins e Bulhão Pato nos dias precedentes à morte de Herculano. No dia 11 de Setembro de 1877, Oliveira Martins escreve ao seu confrade: “Chego ao Porto e vejo as notícias desoladoras da saúde do nosso Mestre. Estive para partir para Santarem, mas reflectindo, pensei que nenhum bem iria ahi fazer, e só porventura dar encommodo, em ocasião tão afflitiva. Tu que sabes quanto eu venero e estimo o nosso Homem podes imaginar a anciedade em que estou.” Bulhão Pato anuncia a Oliveira Martins a morte de Herculano: “Morreu o nosso querido Mestre. Deixe-o hontem às 5 da tarde, quando começou o delírio. Não pude mais! Nem agora posso. Estou aniquilado, conheces-me e sabes que te digo de verdade. Perdeste um grande amigo, posso affirmal-o. Era mais de que um talento, era um justo.“