Sexta-feira, 1 de Julho de 2011
enviado por julio Marques Mota
“Não é uma crise, é uma fraude”
Um texto de Attac
“Não é uma crise, é uma fraude”, dizem indigndos os espanhóis. Esta quarta-feira, o Parlamento grego acaba de adoptar um novo plano de austeridade, símbolo da inverosímel fraude que se está actualmente a realizar na Europa.
Apesar da ineficácia mais que provada das medidas de austeridade para melhorar a situação das finanças gregas, o Parlamento é obrigado a aprovar um novo programa de austeridade , com reduções de salários e uma reforma fiscal que vai fortemente atingir a classes média e as pessoas de menores rendimentos;
Apesar da injustiça profunda destas medidas que visam fazer com que o povo grego pague sem estar a pôr em causa as políticas fiscais desastrosas que foram efectuadas pelos precedentes governos, os desequilíbrios inerentes ao bom funcionamento da zona euro ou ainda os enormes lucros realizados pelos bancos e outros especuladores à conta das finanças públicas gregas;
Apesar da resistência do povo grego, que se levantou dignamente e ocupa desde há quase três semanas a principal praça de Atenas - onde se situa o Parlamento - para contestar, de maneira pacífica e democrática, estas escolhas impostas apesar da sua falta de bom senso ;
Apesar de tudo isto , os deputados gregos escolheram submeterem-se à chantagem da União Europeia e do FMI, que aceitam em troca deste plano de austeridade que se atribua “uma ajuda” de cerca de cem mil milhões de euros à Grécia - sem a qual o governo se reencontrar-ia incapaz de financiar o seu funcionamento (incluidos os serviços públicos, hospitais, etc.). Este pretenso plano de “ salvamento” é feito mais para os bancos franceses e alemães do que para a Grécia: “O CAC 40 acentua os seus lucros, confiando na Grécia” pode ler sobre o sítio do jornal Point.fr.
Representa realmente uma vasta operação de socialização das perdas: um estudo do jornal Les Echos mostra que “graças” a estes planos, “a parte da dívida grega nas mãos dos contribuintes estrangeiros passará de 26% para 64% em 2014. Tudo isto significa que a exposição de cada família da zona euro vai passar de 535 euros actualmente para cerca de 1.450 euros”. Ora todos os economistas estão de acordo em afirmar que a Grécia não poderá reembolsar a integralidade das suas dívidas.
Opondo-se de forma selvagem a qualquer reestruturação, Sarkozy joga uma corrida contra-relógio a favor dos bancos franceses; Quando a Grécia não for capaz de pagar , serão as finanças públicas dos outros países europeus que estarão na primeira linha… E os povos europeus pagarão a factura através de novas medidas de austeridade.
“Privatizar os lucros, socializar as perdas”, esta lógica parece mais do que nunca de uma extrema actualidade: com a nova governança económica, promovida pelos governos europeus e pela Comissão e votada pelo Parlamento Europeu , as finanças públicas serão postas sob tutela, e à imagem da Grécia, será a austeridade permanente para os povos que garantirá os benefícios dos bancos.
É essencial que os povos europeus se mobilizem para levar ao completo malogro esta “estratégia do choque” à escala europeia. À imagem do povo grego, é necessário não somente se “indignar”, mas mostrar-se “determinado” a pôr um fim ao diktat dos bancos e dos mercados financeiros, começando por impôr uma auditoria democrática das dívidas públicas. Em França nomeadamente, as mobilizações devem redobrar de intensidade: o que se decide na Grécia hoje é a capacidade dos povos na Europa de sairem da armadilha na qual nos coloca a finança que está em causa.
Na quinta-feira 30 de Junho, no dia seguinte ao da mobilização sem precedentes do povo grego, e enquanto que os movimentos sociais e os sindicatos britânicos organizam uma greve geral contra os cortes maciços nos orçamentos públicos, Attac apela a que as pessoas se reunam as 18h em frente da embaixada da Grécia para um apoio às mobilizações que se desenrolam na Europa, na Grécia, no Reino Unido, na Espanha, para afirmar que os seus combates são mais do que nunca os nossos combates também.
3. Goldman Sachs assume oficialmente a direcção do BCE
Attac, França,
Paris, 29 de Junho de 2011
Goldman Sachs assume oficialmente a direcção do BCE
Mario Draghi, antigo Presidente de Goldman Sachs para a Europa, assume hoje a presidência do Banco Central Europeu. Era Presidente da Goldman Sdachs na altura em que o banco de negócios americano , nos anos 2000, ajudava a Grécia a maquilhar as suas contas públicas. O seu papel vai ser agora o de preservar os interesses dos bancos na actual crise europeia.
Podiamo-nos até agora interrogar sobre as razões que levavam o BCE e Jean-Claude Trichet a opôrem-se de maneira mesmo violenta - incluindo face à chanceler alemã - a toda e qualquer ideia de reestruturação da dívida grega.
Esta atitude parecia incompreensível dado que todos os analistas, incluindo os economistas dos bancos, estavam de acordo em considerarem que a Grécia não poderá assegurar o serviço da sua dívida nas actuais condições contratuais. Um reescalonamento, ou mesmo uma anulação parcial parece ser inevitável de acordo com a opinião geral. Querer atrasar esta solução faz apenas agravar os estragos económicos e sociais provocados pelos planos de uma austeridade brutal e impopulares impostos aos Gregos.
A nomeação de Draghi clarifica por conseguinte as coisas. O BCE defende não o interesse dos cidadãos e de contribuintes europeus, mas sim o interesse dos bancos. Um estudo britânico citado ontem por Les Echos tem o mérito de quantificar claramente o processo em curso. Este estudo indica que graças “aos planos de salvamento” da Grécia e ao “ mecanismo europeu de estabilidade” instaurado pelo BCE, pelo FMI e pela União Europeia, “ a parte de dívida grega nas mãos dos contribuintes estrangeiros passará de 26% para 64% em 2014. Isto significa que a exposição de cada lar da zona euro vai passar de 535 euros actualmente para 1.450 euros”.
“O salvamento” da Grécia é pois de facto uma gigantesca operação de socialização das perdas do sistema bancário. Trata-se de transferir o essencial da dívida grega - mas também espanhola e irlandesa - das mãos dos banqueiros para a mão dos contribuintes. Será em seguida possível fazer assumir os custos da inevitável reestruturação destas dívidas pelos orçamentos públicos europeus.
Como o afirmam os Indignados espanhóis, “não é uma crise, é uma fraude! ». O Parlamento Europeu votou ontem “o pacote da governança” que reforma o pacto de estabilidade, reforçando os constrangimentos sobre os orçamentos nacionais e as sanções contra os países em infracção. O Conselho Europeu reunido hoje e amanhã vai terminar o seu trabalho. E não é a próxima nomeação de Christine Lagarde à frente do FMI que reduzirá a influência dos bancos sobre as instituições financeiras internacionais, bem pelo contrário.
Felizmente as resistências sociais e de cidadãos vão em crescendo em toda a Europa. Governar para os povos ou para a finança? A resposta é hoje clara: vai ser necessário que os povos europeus se dêem as mãos para construirem juntos uma outra Europa.
publicado por Luis Moreira às 17:00
editado por João Machado às 16:15
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Sexta-feira, 3 de Dezembro de 2010
Marc Roche(Londres, correspondant)
Ont-elles été bien contrôlées ?
L'UE a-t-elle trop longtemps fermé les yeux ?
ous les récits consacrés il y a quelques années au Tigre celtique, comme avait été baptisée l'Irlande en raison de ses taux de croissance à l'asiatique, commençaient invariablement par un séduisant paradoxe. Celui de la métamorphose des terres à nu des tourbières en un skyline de tours de verre et d'acier en mouvement perpétuel.
Les élites bancaires se sont trouvées au coeur de la transformation d'une nation rurale et bigote en un prodigieux laboratoire du secteur tertiaire. Mais comme l'atteste la déconfiture économique de l'île d'Emeraude, les « affaires » ont fini par rattraper un monde financier de mèche avec les promoteurs immobiliers et les milieux politiques. Un triangle toxique...
« Méfiez-vous des grosses banques de petits pays qui, privées demarché local digne de ce nom, se sentent tout naturellement obligées de croître au-delà de leur base de départ en prenant des risques... » : comme l'indique un opérateur de la City, le naufrage irlandais incarne jusqu'à la caricature la folle course à la taille des banques locales.
Le miracle de l'Eire Comme en Belgique, en Islande ou en Ecosse, le secteur financier irlandais est organisé en oligopole. Trois grandes banques de détail (Bank of Ireland, Allied Irish Banks et l'Anglo Irish Bank), ainsi que deux caisses hypothécaires se partagent l'essentiel d'un marché domestique de 4,4 millions d'âmes.
Que faire de cet argent qui afflue subitement dans les coffres à la fin des années 1990, conséquence de l'élévation du niveau de vie et d'une santé économique de cheval ? Une politique fiscale audacieuse, en particulier l'impôt bas sur les sociétés qui attire les entreprises étrangères, une place financière en plein essor spécialisée dans l'administration des hedge funds et une main-d'oeuvre formée et bon marché alimentent le miracle de l'Eire.
Pour les banques à la recherche de placements hautement rémunérateurs pour cette manne, la solution est évidente : investir massivement dans l'immobilier, surtout commercial et de bureaux. Les établissements dublinois financent les yeux fermés promoteurs et entreprises du BTP. Parallèlement, les ménages, certains pas toujours solvables, se voient offrir des prêts hypothécaires à 100 %, voire au-delà, sans même qu'un bulletin de salaire leur soit réclamé.
A la tête des banques, une nouvelle
génération de dirigeants mégalomanes a remplacé les banquiers prudents à l'ancienne. Trop petite pour eux, l'Irlande : il leur faut le Royaume-Uni, l'Amérique, l'Asie ! On ouvre des succursales luxueuses dans tous les recoins du globe. Tant que le versement de gros dividendes est assuré, les actionnaires ne trouvent rien à redire aux anomalies des bilans, aux primes de fin d'année mirifiques, au train de vie fastueux des seigneurs de l'argent.
Par ailleurs, à l'intérieur des banques, le népotisme est la règle. Les principes de bonne gestion sont allégrement bafoués. La caste au sommet emprunte au nez et à la barbe des commissaires aux comptes des dizaines de millions d'euros pour financer l'achat de manoirs, yachts ou voitures de sport.
Clientélisme, renvoi d'ascenseur et magouilles Comment expliquer de tels dérapages, dignes d'une république bananière ? Tout d'abord, dans ce mouchoir de poche où tous les décideurs se connaissent, la nomenklatura financière vit en complète symbiose avec le monde politique et les industriels de la truelle.
Depuis l'indépendance, en 1921, la vie publique est dominée par deux grands partis, le Fianna Fail et le Fine Gael, qui se situent... au centre. Sur les questions économiques, il n'existe aucune divergence de fond. Le clientélisme, le renvoi d'ascenseur et les magouilles sont la norme. Parlementaires, financiers et magnats de la construction fréquentent les mêmes clubs de golf ou les cercles hippiques et s'entendent comme larrons en foire.
Ce lien ombilical explique que, à l'automne 2008, Brian Goggin, de la Bank of Ireland, et Eugene Sheehy, d'Allied Irish Banks, parviennent à imposer au nouveau ministre des finances, Brian Lenihan, d'offrir une protection à 100 % des dépôts bancaires comme des prêts vérolés. Cette décision ne fera qu'empirer les choses.
A ce jour, malgré les malversations avérées, aucun banquier n'a été mis sous les verrous. Les promoteurs au coeur du scandale ont pu émigrer en toute impunité. D'autres ont transféré à leur épouse la propriété des biens mal acquis pour mettre ceux-ci à l'abri d'éventuelles saisies. « Ce pays reste clanique, quasi mafieux. Le pouvoir est patrimonial », s'indigne un observateur, effaré par l'inertie de la justice et de la police. En clair, aux yeux des banquiers, si le système financier a capoté, c'est la faute à la crise de confiance, aux bâtisseurs requins, aux investisseurs cupides... Pas la leur.
Des contrôleurs peu expérimentés Deuxième ingrédient de la tragédie qui se joue aujourd'hui : la faiblesse du régulateur. Trois contrôleurs peu expérimentés ont été chargés pendant longtemps de la surveillance des deux principales banques de l'île. Appendice de la banque centrale, l'organisme de tutelle n'a fait aucun effort pour pousser ses ouailles à limiter les risques. De plus, la peur de faire fuir les investisseurs étrangers en quête de stabilité et d'avantages fiscaux a poussé le Trésor à assouplir encore davantage les règles.
Ensuite, face à l'attrait des gros salaires de la place financière ou des géants de l'électronique, la fonction publique tire la langue pour recruter les meilleurs éléments. C'est pourquoi le gouvernement a pris pour argent comptant la sous-évaluation par sa banque conseil, Merrill Lynch, choisie en raison de ses origines irlandaises, du « trou » bancaire à financer. Par la suite, aucun suivi de l'utilisation des 50 milliards d'euros injectés par Dublin depuis 2008 dans le secteur financier n'a été assuré.
Les Irlandais ont aujourd'hui la gueule de bois et s'interrogent. Pour sortir de l'ornière, leurs banques, de facto en faillite et nationalisées, doivent dare-dare se délester au rabais de leurs actifs périphériques ou étrangers. La priorité est désormais de se recentrer sur le marché intérieur détrôné, au cours de la dernière décennie, par l'expansion à l'étranger, la ruée sur l'immobilier ou les petits génies des marchés et des produits miracles.
Comme le disait Byron de l'Italie, les banques irlandaises ne sont plus que la « triste mère d'un empire mort »...
(Le Monde - Article paru dans l'édition du 26.11.10)
Terça-feira, 30 de Novembro de 2010
José Reis*0. Palavras iniciaisAntes de quaisquer outras palavras quero deter-me no significado da realização de encontros como este e saudar os seus organizadores. São três as “marcas genéticas” que me parece que aqui se nos apresentam e que eu quero elogiar. A primeira é que se tem uma visão larga e exacta do que é o debate económico. O debate económico é um debate de ideias, é um debate para gerar cultura. É certamente por isso que aqui se conjugam, de forma exemplar, economia e análise económica com cinema. Se bem entendo a motivação dos meus colegas, trata-se, pois, de sugerir que também aprendemos economia na medida em que desenvolvamos cultura económica. A segunda marca que rodeia uma iniciativa como esta é que os avanços do conhecimento, nos dias de hoje, precisam que reconheçamos que nos rodeia uma inquietação profunda – e que é preciso partir dela mas encontrarmos respostas satisfatórias. Não é portanto por mera opção estética que os filmes e os temas tratam do que tratam – de pessoas na sua individualidade difícil, de relações sociais assimétricas, de problemas que nos interrogam com veemência. Por isso, em terceiro lugar, esta iniciativa é um contributo claro para o pluralismo e para a valorização do conhecimento crítico
1. A financeirização da economia internacional e os caminhos da especulaçãoSão conhecidas as circunstâncias tumultuosas dos tempos correntes: a entrega do financiamento e do crédito internacionais aos mercados liberalizados e à especulação desencadeou uma crise financeira e esta transformou-se rapidamente numa crise económica profunda e certamente prolongada, mal a turbulência se manifestou num sistema bancário desregrado.
Em termos muito gerais, vale, no entanto, a pena relembrar que, de forma mais profunda, estivemos e estamos perante dois fenómenos incontornáveis. Um deles consistiu no facto de a função social do crédito e do financiamento se ter desconectado radicalmente da economia e dos objectivos de geração de riqueza e de promoção das capacidades individuais e colectivas, em favor de uma autonomização descontrolada da intermediação financeira e da especulação. O que devia ser instrumental tornou-se fonte das normas e assumiu capacidade de mando.
O segundo fenómeno – porventura o mais profundo – resultou da própria desconexão da economia relativamente à sociedade. A economia deveria ser entendida como um sistema de provisão e uso de bens e serviços e como um processo de geração de bem-estar e de melhoria das capacidades humanas, tanto individuais como colectivas. E, assim sendo, a economia e a sociedade terão de ser concebidas como duas realidades articuladas. Quer dizer, a economia não pode ser alheia ao conjunto plural de indivíduos e organizações e aos padrões culturais e institucionais que eles estabelecem, bem como aos compromissos e objectivos que resultam do conflito e dos acordos que as comunidades humanas vão gerando. Mas bem sabemos que esta relação se inverteu à medida que tendeu a prevalecer uma noção normativa e redutora da economia, em que esta se impõe à sociedade, em vez de com ela se relacionar positivamente.
Este duplo processo de “desligamento” originou situações generalizadas de insustentabilidade, que agora não se limitam ao domínio financeiro, visto que dizem respeito aos próprios domínios económicos e sociais, para já não referir os ambientais. O que parece claro é que o quadro de circulação e disponibilização de capitais escapou quer a formas de regulação ajustadas, quer à presença prudente de um conjunto plural de mecanismos de alocação de recursos, com a enorme fragilização da esfera pública. Pelo contrário, caminhou-se para uma solução única, totalizante e, seguramente, totalitária – a dos mercados sem fim. O resultado mais evidente foi uma multiplicação de situações turbulentas, que desencadearam irracionalidades, fomentaram desigualdades, consolidaram periferias e reforçaram assimetrias. Como seria, aliás, lógico esperar-se, em vista da “desconstrução” social e económica a que comecei por aludir.
Esta crise é, pois, o culminar destes processos e apresenta-se, por isso, como um poderoso factor de insustentabilidade social e política.
2. Os limites da União Económica e Monetária reveladosO quadro europeu não foi alheio a este contexto e as estas tendências. A União Económica e Monetária pressupôs que bastava assegurar a convergência nominal das economias que a viessem a integrar e que isso era um caminho certo para a convergência real que esbatesse e tornasse pouco importante as relações assimétricas do tipo centro-periferia que pré-existiam à intenção da moeda única. No novo quadro de integração monetária, a disciplina imposta pelos critérios nominais de convergência bastariam para que não houvesse turbulência nem desestabilização. As economias ajustariam as respectivas competitividades e, por essa via, limitariam a sua propensão para gerar desequilíbrios no plano internacional. O crédito e o financiamento não representariam problema que os mercados não resolvessem quer pela disponibilidade que gerariam, quer pela sanção de custo que imporiam. Não seria, portanto, à esfera pública que competiria gerir tal assunto, antes pelo contrário. A esta caberia manter a ortodoxia monetária. Os Estatutos do BCE deram bem conta disso, ao atribuir-se finalidades nobres de controlo monetário, assegurando um enviesamento deflacionário, e compromissos apenas subsidiários ou marginais em matéria de crescimento económico.
A realidade, no entanto, foi às avessas. A lógica centro-perifera das relações dentro da União tornou-se muito evidente, com os problemas de competitividade das economias mais pobres a tornarem-se gritantes. Viu-se depressa que estes eram problemas que a integração monetária não resolvera nem previra e, dizem alguns, agravara dramaticamente. Apesar de ser um problema de monta, este não era, no entanto, um problema que uma Europa solidária, positiva, ambiciosa no plano da coesão social e como valores claros que guiassem o seu futuro não pudesse resolver. De facto, a integração dos países, das grandes federações (caso dos EUA) e mesmo de alguns quadros transnacionais (como o que a “velha” Europa dos fundadores utópicos e dos continuadores generosos pretendia ser) fez-se na base da integração das periferias e da sua transformação estrutural. Isso supõe transferências de capitais e igualmente uma perspectiva global de convergência social e de reorganização produtiva, alterando as especializações e fomentando as bases estruturais que determinam a competitividade.
Essa Europa esfumou-se no mesmo tempo histórico em que a União Económica e Monetária se ia afirmando como quadro normativo mas não como instrumento de desenvolvimento das economias. A “nova” Europa é, ao contrário do sonho, um espaço de incidência de interesses e lógicas nacionais, governada de forma hierárquica pelo centro, isto é, pelas economias que a UEM beneficia, com as periferias a serem entendidas não como os parceiros de um projecto comum que se supunha que tinha sido lançado pela ambição da moeda única, mas antes como sujeitos menores e infractores sistemáticos e incorrigíveis que importaria sancionar.
A base factual para dar este quadro como coisa provada não era difícil de encontrar. De facto, as economias periféricas europeias, com as dificuldades competitivas que tinham – e que algumas, como a Irlanda, foram capazes de disfarçar através de soluções não sustentáveis – revelaram cedo os seus défices e nem sequer se tratou de os entender como custos a suportar transitoriamente, em vista de objectivos de médio prazo de desenvolvimento e de uma mais profunda integração europeia. Os défices passaram a definir o principio e o fim da conversa. É certo que durante algum tempo ainda foram vistos como problemas benignos, enquanto os interesses dos financiadores se sentiam compensados pelos serviços da dívida, isto é por uma remuneração segura e confortável dos seus capitais. Mas rapidamente a situação se tornou tumultuosa. E assim estamos perante uma União que perdeu o seu sentido fundador e que se revela essencialmente como um ser incapaz de se organizar e desenvolver de forma conjunta e solidária. A União Monetária e Financeira, nas suas miopias e nas suas fragilidades contribuiu muito para isso. Poderá contribuir também para uma nova resposta aos problemas?
3. É possível pensar em novos termos? As bases da Europa e dos seus projectos são, antes de tudo, políticas. É também a partir de uma economia política da construção europeia que os problemas de hoje podem encontrar soluções. E essas soluções existem. Parece-me indiscutível que é a refundação política da Europa, de uma Europa capaz de assumir a globalidade do seu espaço social, político e económico, que pode ser a base de alternativas credíveis. O que não discuto aqui é a probabilidade de tais soluções se concretizarem em momento adequado...
Contudo, é possível pensar em novos termos, inclusive para saber como é que o Euro e a União Económica e Monetária se devem governar. No início tem de estar o papel que se atribui ao Banco Central Europeu. Deve ele ser uma entidade capaz de intervir no mercado primário da dívida soberana? Isto é, deve haver capacidade de intervenção pública no financiamento de défices dos países, fazendo como que tal função não esteja apenas entregue aos mercados e à especulação? Deve evitar-se, como se tornou claro nesta crise, que o BCE financie a taxas de juro baixas os bancos, e apenas os bancos, que financiam a custos elevados os países, deixando estes sujeitos a todas as pressões? Com a ironia de que as garantias dos empréstimos do BCE são os próprios títulos da dívida dos países financiados... Parece evidente que a resposta à pergunta inicial só pode ser positiva, isto é, o BCE deve intervir no mercado primário da dívida soberana.
Mas é também claro que a União deve importar-se tanto com os défices das balanças correntes como com os excedentes. É aí que, no quadro intra-europeu, se encontra uma medida dos problemas estruturas que carecem de política económica – de uma política económica europeia. Dessa política há-de fazer parte a política orçamental e essa há-de ter também uma base europeia (“federal”, se se lhe quiser chamar assim) que a distancie claramente da actual situação, em que o orçamento comunitário não é mais do que 1% do PIB comunitário. Limitar-se a cuidar dos interesses das economias exportadoras (ou, noutro plano, dos bancos alemães) é uma negação profunda da Europa e a mais radical demissão de um compromisso com o desenvolvimento da integração europeia. Da integração real, claro.
4. A criação de riqueza e o pensamento económico contemporâneoHá mais dois tópicos que me parecem estritamente associados às reflexões anteriores. O primeiro refere-se à necessidade imperiosa de regressarmos a uma compreensão apurada do que é a economia, a sua matriz constitutiva e as suas finalidades. Disse anteriormente que a economia deve ser entendida como um sistema de provisão e uso de bens e serviços e como um processo de geração de bem-estar e de melhoria das capacidades humanas, tanto individuais como colectivas. A economia não é, portanto, um jogo simples e livre (libertino) de afirmação de interesses, de interpretação de motivações ou de difusão errática de incentivos ou sanções. Quem centra a economia em lógicas individualistas, em relações competitivas de natureza interesseira ou egoísta pode dar-se bem com definições muito estritas dos sistemas económicos e da disciplina que se foca numa concepção maximizadora e normativa de racionalidade individual e na redução do conjunto dos mecanismos sociais de alocação de recursos e de coordenação económica a um único deles – o do jogo dos mercados.
No entanto, quando se postula que a economia é um sistema social de provisão e uso que tem a criação de riqueza e a capacitação individual e colectiva como sua finalidade essencial, então o quadro de problemas que se associa à economia há-de ser diferente. Por isso, parece-me claro que o problema da criação e distribuição de riqueza tem de regressar à primeira linha de prioridades da economia e da organização económica. É de estratégias de crescimento que se trata. Estratégias significam opções voluntaristas, concertação de acções e de meios, presença central do interesse colectivo.
Uma coisa me parece certa. Nos dias de hoje, nem os puros mecanismos de mercado (“os mercados”, essa entidade obscura e quase divina que ouvimos repetidamente ser invocada no dia a dia da discussão em Portugal) nem o sistema internacional são suficientes para relançar o crescimento e o bem-estar. Sobre a apropriação especulativa e financeira da chamada lógica do mercado estamos entendidos. E, quanto ao sistema económico internacional, quanto ao contexto em que o comércio internacional foi um poderoso factor de crescimento de economias nacionais de feição exportadora, parece razoável dizer-se, como alguns o fazem com veemência, que também conhecemos os limites da persistência de elevados défices comerciais externos por parte de grandes economias.
Quer isto dizer que me parece acertado colocar na agenda, sobretudo para economias periféricas, o regresso a política industriais activas. Estas políticas hão-de resultar do propósito de repor o crescimento nos lugares cimeiros das prioridades. E hão-de, sobretudo, consistir em meios pelos quais se regresse a transformação produtiva das economias, dando lugar a uma lógica de investimento que origine produções não-tradicionais susceptível de valorização internacional.
Parece-me claro que inquietações desta natureza sugerem inquietações de idêntica natureza quanto ao conhecimento económico que mais facilmente se tem difundido e reproduzido nas últimas décadas. Sou dos que acham que a teoria económica dominante foi um dos responsáveis activos pela crise, designadamente pela teoria dos mercados que propalou. Quer isto dizer que a crise comporta um convite irrecusável ao regresso ao pluralismo das concepções económicas, o que certamente há-de estar associado a visões prudentes sobre a organização económica e os mecanismos de que dispomos para promover a coordenação dos agentes. Uma parte desse convite não pode ser ignorado por uma faculdade de economia – refiro-me à maneira como ensinamos economia e como sugerimos aos estudantes formas de aprendizagem robustas, inteligentes e capazes de produzirem benefícios sociais relevantes.
Ora, acho eu, iniciativas como esta são já um contributo inestimável para estes últimos propósitos e por isso felicito de novo os organizadores.
*Director e Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Investigador do Centro de Estudos Sociais
Segunda-feira, 18 de Outubro de 2010
Carlos MesquitaA Igreja de Sto. António de Campolide tem um bom publicitário de batina, aproveitou o momento dos cortes orçamentais para exigir
obras no templo ao ministério das Finanças. Vieram fiéis, alguns de fora, compraram uns luzidios
capacetes brancos e montaram a cena para as televisões. O espectáculo resultou, contaram a história ficou a reivindicação. Iniciativa criativa da Igreja, que percebe e usa o tempo da mediatização. Pertence à Igreja a melhor campanha de publicidade de sempre, o Natal, e o mais reconhecido logótipo, a Cruz, que deixa o símbolo do Sandeman envolto numa capa negra.
Mas desta vez tem de ir para a bicha dos pedintes, antes estão os polícias, os magistrados, os professores, os autarcas, os banqueiros, a classe média e todos os boys e ladies que dependem do Estado. Desta vez o orçamento é de descascar pessegueiro, ninguém fica completamente de fora, se não cortam nos vencimentos pagam no cabaz de compras, na energia, nas alcavalas de mais impostos e taxas. Parece democrático, (mesmo com casos como o do MAI de ter inscrito mais despesa com os governos civis) mas não é. Quando atinge rendimentos baixos, no limite em que vale a pena sair de casa para ir trabalhar, já não há razões financeiras que justifiquem a austeridade.
O orçamento de Estado, como se sabe, não é um orçamento, é uma campanha de marketing que pretende convencer quem nos empresta dinheiro, a não nos cortar o crédito. É apenas isso.
As medidas correspondem a cortes de efeito imediato, o mais importante, as outras com resultados estruturais não são possíveis elaborar neste curto espaço de tempo; nem se sabe se haverá algum dia, vontade política para as conceber, ou algum consenso na nossa sociedade que o permita.
O tempo escasseia, daqui a um ano o francês Trichet abandona a liderança do BCE, o mais provável é ser substituído pelo governador actual do Bundesbank, Axel Weber, que defende que o banco central não compre as obrigações emitidas pelos Estados europeus. Refiro isto, porque numa altura em que se anda a ver as implicações do orçamento, numa família com rendimento x e 2 filhos e renda de casa e comida para o cachorro e etc.; a politica monetária europeia vai muito provavelmente sofrer uma inflexão que tornará os países do euro com dificuldades financeiras em párias da União. Com o alemão Weber que defende (como a maioria dos alemães) que o BCE comprando a divida dos Estados encoraja a indisciplina nas finanças públicas e que entende que o único papel do Banco é manter o controle de inflação, teremos subida dos juros que provocarão um desastre pior que qualquer orçamento.
Os nossos economistas têm dito que não é possível política restritiva e ao mesmo tempo apostar no crescimento económico, Daniel Beça após a proposta de orçamento escreveu no Expresso que o que anda a ensinar na faculdade talvez esteja errado. Paul Krugman que já vi aqui muito citado, explicou em Abril que a dívida dos EU após a guerra que era 113% do PIB nunca foi paga, foi reduzindo por aumento do PIB durante décadas, caindo em percentagem até 33% em 1981. Ele diz que isso é impossível na Grécia por causa do Euro. Será o mesmo aqui, com a opção recessiva e cortes no investimento que poderia gerar crescimento económico.
Na minha terra há uma discoteca chamada “Àmissa-bar”. Vão à missa!
Segunda-feira, 13 de Setembro de 2010
Carlos Mesquita
A situação da economia e das finanças deste país deve ser observada tendo em conta os desejos dos portugueses. Afinal o que querem os portugueses? Diz-se que os eleitores não sabem votar, elegem sempre um dos dois partidos do bloco central, a “falsa alternância”. Há razões para isso. Sabe-se que os portugueses que definem quem é o governo, são a média burguesia; que domina a comunicação social, a superstrutura e os sistemas intermédios de poder e influência. Esse sector da população, onde estão as chamadas corporações, absorveu todo o sindicalismo activo (a Intersindical foi fundada por 24 sindicatos, onde andam?) e contam para a defesa dos seus interesses, com todos os deputados da nação, todos os partidos do sistema. As nuances das várias tendências mais ou menos sociais-democratas que se digladiam na nossa vida política correspondem a opções conjunturais ou oportunistas. Para o governo vota-se no PS ou no PSD, nos outros partidos vota-se para lhes dar ou tirar a maioria, é a realidade sociopolítica do país. Nenhum partido para além dos do bloco central deu a entender que quer governar em alternativa ao PS e ao PSD; o CDS irá com qualquer um em situação de maior estabilidade económica, os de esquerda ficam a influenciar de fora, a crescer e a mingar conforme as conjunturas, pelo menos enquanto as linhas do Bloco de Esquerda que entendem dever ir para um governo de coligação forem minoritárias. Nesta realidade em que a média burguesia está representada em todo o espectro partidário é-lhes fácil puxar o baraço mais para a esquerda ou mais para o “mercado” conforme os seus interesses imediatos.
É significativa a variação das últimas sondagens onde após a subida em flecha do PSD, voltou a descer quando foi conhecida alguma da política restritiva que propõe. Os partidos estão nivelados e não é crível que algum tenha a maioria, a situação actual é conveniente no curto prazo, atrasa a implementação inevitável de medidas anti-populares. Por mais que digam que é preciso dizer a verdade aos portugueses sobre situação do país ela é insuportável. O presidente do BCE defendeu a suspensão dos direitos de voto dos países com défices excessivos, o FDP partido parceiro do governo de Angela Merkel diz que a Alemanha deve vetar ajudas a países como Portugal, o Estado português pagou 5,9% pela emissão dos últimos títulos de dívida; entretanto no primeiro semestre Portugal bate recorde europeu de venda de automóveis novos (+57,7%) e no mesmo período foram vendidos 3 milhões de telemóveis.
Entram de ajudas, diariamente, cerca de 60 milhões de euros, os portugueses sabem que mais tarde ou mais cedo vão ter de pagar as dívidas, mas enquanto o pau vai e vem folgam as costas. O Orçamento definirá a posição dos partidos, por agora anda-se a discutir minudências como as limitações das deduções fiscais. Toda a gente sabe que são necessários remédios que correspondam à desvalorização da moeda, falar em cortar a despesa sem definir onde e quanto é só conversa. Vamos assistir a uma guerra sem quartel entre cada sector da sociedade, tentando não ser abrangido pelas limitações e cortes orçamentais. No fundo, contar votos em vez de resolver os desequilíbrios.