Domingo, 18 de Julho de 2010

Incursão no Barrocal Algarvio

António Gomes Marques


De férias na minha Lagos de encanto, houve que fazer uma paragem na ida à praia, optando por uma viagem até Alte. Proposta feita, proposta aceite pela família, o que torna as coisas mais fáceis… e mais agradáveis.



Porquê Alte? A razão da escolha esteve relacionada com um «email» que, salvo erro, o meu primo Augusto me enviou com um anexo de fotografias de Alte. Gostei do que vi e, pensando nas férias que em breve faria em Lagos, logo pensei em me deslocar até àquela aldeia entrincheirada na Serra do Caldeirão.

A aldeia fica a cerca de 30 km de Loulé e muito próxima de Salir. Infelizmente, embora seja tradição portuguesa, as indicações nas estradas deixa muito a desejar e, ao sair da auto-estrada em direcção a S. Bartolomeu de Messines, passada esta localidade, virei à direita (se calhar para contrariar a minha tendência) em vez de virar à esquerda (tenho de seguir o que penso: virar à esquerda é sempre mais correcto). Mais à frente virei para S. Bartolomeu de Messines mas, como já tinha passado por esta localidade, escolhi outra estrada, encontrando mais à frente uma ciganita que me confirmou a minha boa opção: «O Sr. siga em frente, vai encontrar uma tabuleta a indicar-lhe a estrada para Alte». Encontrei, não o caminho para Alte, mas uma estrada digna de um todo-o-terreno, ficando o alcatrão para trás. «Não pode ser, pelas fotografias e pela discrição que li, há estrada alcatroada até Alte», disse para a minha mulher. «Não tens o GPS?» Tenho, de facto, um GPS que ficou na Portela de Sacavém, em casa, trazendo-o comigo quando, muitas vezes, não faz falta.
Fiz inversão de marcha e enfiei numa outra estrada, cujo alcatrão logo terminou e de novo entrei «em prova de todo o terreno». Avistei uma casa isolada, no meio da serra e vi que alguém se encontrava a cortar umas sebes. Parei o carro à entrada do desvio para a casa e o Sr., vendo-me sair do carro e dirigir-me para ele, parou o seu trabalho e encaminhou-se para mim. Cumprimentei-o e logo me perguntou: «Do you speak English?». Lá lhe disse que me safava razoavelmente com o inglês e, então, ouvi-o dizer-me que ia em sentido contrário se o meu destino era Alte e, a continuar, correria o risco de dar cabo do carro, indicando-me então o caminho correcto para o destino que eu procurava, o qual, na Amorosa, pude reconfirmar. Mais umas dezenas de quilómetros e lá subi até Alte. Era chegada a hora de almoço.

Restaurantes à vista logo tivemos e depois pudemos confirmar que em Alte não faltam, assim como vários cafés; no entanto, a indicação do hotel e do respectivo restaurante mostrava que teríamos de subir ainda alguns bons metros e, portanto, a possível vista da paisagem, incluindo o mar ao longe, despertaram a nossa curiosidade e fomos até lá para confirmar ou não o que presumíamos. Presumimos bem e ficámos para almoçar!

Em poucos minutos a esplanada do restaurante ficou cheia de estrangeiros, a maioria jovens, que viajavam em três jipes de uma agência de turismo algarvia, esplanada essa onde eu me recusei a almoçar, preferindo o interior, com ar condicionado (fiquei definitivamente farto de esplanadas de hotéis em Assuão, lembras-te Carlos Loures?, onde eu era o único a querer ir para o restaurante interior do Sheraton, tendo o Arsénio ficado calado. Mas foi bem feito, as moscas cobriram por completo o teu hambúrguer e o da Helena, a Célia, a Ester e o Arsénio iam comendo com uma mão e enxotando as moscas com a outra, enquanto eu comia calmamente o meu bife! Claro, as moscas tiveram respeitinho por mim, embora eu esteja mais inclinado a pensar que, evidentemente, as ditas tiveram foi medo de mim. Ah!, Ah!, Ah!).



Comemos uma mista de peixe grelhado, com um branco de qualidade a acompanhar e, mais uma vez, confirmámos que tinha valido a pena subir mais umas dezenas de metros. Enquanto almoçávamos, íamos admirando as colinas à nossa frente, com o reconfortante mar da costa algarvia ao fundo. Terminado o almoço, fomos visitar a aldeia.

Alte é sede de freguesia, com cerca de 97 km2, na extremidade noroeste do concelho a que pertence, Loulé, com a serra do Caldeirão erguendo-se a Norte. É uma aldeia essencialmente agrícola, servida de água cristalina pela Ribeira de Alte, alimentada pelas nascentes da Fonte Grande e Fonte Pequena, com um parque de árvores frondosas, com bancos e mesas de pedra para quem ali quiser merendar, com a água que adivinhamos fresca e que se faz ouvir, obrigando-nos a olhá-la, zona esta ainda enfeitada por painéis de azulejos com poemas do seu poeta de eleição, Cândido Guerreiro, que nos faz viver uma inesperada tranquilidade, apenas agradavelmente perturbada pelo característico som dos patos na ribeira, onde dantes se encontravam as lavadeiras e que também servia para curtir o esparto, gramínea cujos caules eram (e são hoje ainda, mas não ali) utilizados para fabricar esteiras e cordas.

Sendo considerada por muitos a aldeia mais típica do Algarve, Alte tem ainda uma outra designação que pudemos verificar ser bem apropriada: Alte Aldeia Cultural.


Ao rico património histórico – Igreja Matriz do séc. XIII e Capela de S. Luís -, devemos juntar o Pólo Museológico do Esparto, onde poderão ver-se os utensílios utilizados na transformação do esparto em cordas e esteiras, e o Pólo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte, onde, para além da biblioteca do poeta, pudemos ver uma exposição permanente de objectos e fotografias ligados à vida de Cândido Guerreiro, tendo retido na memória dois livros oferecidos ao poeta, um com uma dedicatória de António Botto e o outro com uma dedicatória de José Carlos Ary dos Santos.

Bem andou a autarquia ao investir na recuperação e manutenção dos traços, que dizem originais, de Alte.

Mas as surpresas não terminam aqui.

Quando acabámos de estacionar o carro para nos dirigirmos ao Pólo Museológico de Cândido Guerreiro e Condes de Alte, perguntámos a um Sr. se aquele já estaria aberto, mas ao perguntar referimos Museu e não Pólo, ao que ele de imediato nos respondeu, apontando para a sua casa, que o Museu era ali mesmo, informando-nos que o Pólo abriria às 15,00 horas. Convidou-nos a entrar, satisfazendo a nossa curiosidade dizendo-nos que o seu Museu Regional era «um museu de tudo quanto existe» e que até já tinha tido a visita do Sr. Dr. José Hermano Saraiva. De facto, lá estava o recorte de um jornal que noticiou tal visita, enriquecendo o Museu com mais uma peça «do que existe». Ficámos espantados; ao lado da «primeira máquina» para fazer café, pudemos encontrar outras mais recentes, desde eléctricas até às chamadas cafeteiras italianas, e máquinas de costura, uma delas de uma sua antepassada (avó da sua avó, julgo ter-lhe ouvido), que tinha custado 4 réis. Logo a seguir se podem admirar vários potes e mós caseiras e variadíssimos pratos. «Este, informava o Sr. José Saturnino da Palma, é um cavalinho original; estes outros já não o são».

Não vamos descrever todos os objectos que encontrámos. Imaginem tudo o que existe, como, por exemplo, vários tipos de lavatórios e o indispensável penico, toalhas bordadas de vários tamanhos, alguns exemplares de costelos, com que também na minha aldeia da Beira Litoral, Chã de Alvares, se apanhavam os pássaros, exemplares das primeiras garrafas de determinada marca de sumo, garrafas de cerveja, vários exemplares de sapatos e botas feitos pelo Sr. José Saturnino da Palma, o ex-sapateiro e agora dono do Museu Regional de Alte, sem esquecer a fotografia, em jovem e bonita, da sua falecida esposa, hoje também uma peça museológica.




Acreditem, só para ver o Museu Regional, a Aldeia Cultural de Alte merece uma visita!

publicado por Carlos Loures às 21:30
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