coordenação de Pedro Godinho
Síntese do reintegracionismo contemporâneo (27)
por Carlos Durão
(continuação)
Júlio César Barreto Rocha: “O que desejo relevar é o fato de que a língua portuguesa, como já se sabe de longuíssima data, não é propriamente portuguesa; ou seja, a língua falada em Portugal, queira-se ou não, veio de fora de suas fronteiras de hoje, e é anterior aos Cancioneiros galego-portugueses, anterior ao Estado português: nasceu numa terra que constitui o que ontem era a Gallaecia e ainda hoje é a Galiza, uma Comunidade Autônoma. Logo, o idioma aqui gerado e desenvolvido deve ser chamado de "galego". [...] Durante quase um milênio foi muito interessante para Portugal ignorar a existência da Galiza, pois isto mantinha o mito de que a língua dita portuguesa fora gerada e era originária exclusivamente de seu território, de seus habitantes, que englobavam os primeiros lusitanos. O ocultamento deste fato histórico se deve fundamentalmente a dois grupos de fatores. Por um lado, os "séculos obscuros" e o esmagamento político da Galiza, aliados à modéstia galega, e à natural soberbia da Pátria de Camões --que com os chamados "grandes descobrimentos" conduziu os estudiosos ao erro de encobrir outros fatos importantes do passado, submetendo a História à Sociolingüística. E, por outro lado, deveu-se esta situação à difícil convivência entre os impérios espanhol e português, que tinham no território da Galiza o ponto nevrálgico de seu relacionamento. Dois impérios globais em confronto necessitaram desta mentira secular. [...] Cabe destacar também que quando se fala no período de "formação da língua portuguesa", fala-se na verdade da língua galega formada, mas que, como qualquer língua, está em constante deriva, evoluindo em alguns traços, incorporando as necessidades lingüísticas dos falantes. Ressaltar o português em oposição ao galego-português antigo é, em grande parte, cumprir uma determinação política imposta pela antiga disputa territorial. A língua, em sua essência, permaneceu indomada, embora esmagada a modalidade escrita do tronco principal galego; fato jamais negado pelos estudiosos de todas as pátrias [...] A presença das vogais mais escandidas no galego atual, que possui menos força ao Sul, em Portugal (cujos falantes obscurecem as ocorrências destes sons, como em "m'nino" ou em "p'ssoa"), permanece mais integral no território brasileiro, cuja população, em sua quase absoluta totalidade, encontra parâmetro distintivo do falante português justamente nesta vocalização mais "perfeita" nossa, por assim dizer, igualando-se ao falante galego --que inegavelmente mantém também mais acesa esta "característica celta". A língua falada na Galiza, que é a real Pátria da Língua, que instituiu o sistema vocálico e a musicalidade do galego, faz-se presente no Brasil. Portugal, deixando-se influenciar pela fala moçárabe (como querem alguns), de certa maneira "capou" a musicalidade galega [...] Portanto, ainda no território da Galiza integral se formaram variantes futuramente tidas como distinções "portuguesas". Podemos dizer, então, que, quando falamos de "português", trata-se da "variante portuguesa" (ou meridional) da "língua galega", porquanto esta já existia antes de a grande e brava nação lusa se constituir em Reino independente; logo, o idioma que se fez mais ao Norte, e deslocou-se posteriormente para o Sul é ineludivelmente o galego./ A língua portuguesa de hoje não é mais que uma variante sulista da língua galega de antanho; um co-dialeto, é certo, mas que também poderíamos chamar de galego-português infra-Douro, o qual, mesmo no território de Portugal, possui distinção com a variante de entre Minho e Douro [...] Afinal, o que conhecemos hoje como "língua portuguesa" é assim considerado não apenas porque o povo galego foi esmagado politicamente pelo centralismo espanhol, mas complementariamente e sobretudo porque o povo português conquistou espaço na comunidade planetária, tanto literária como politicamente [...] Seja como for, a simples discussão, a crua polêmica acerca do nome da língua comum, não é um exercício vão: é benéfica por si só: leva à consciência de existir um fio de unificação lingüístico-cultural, que vem de longe; que procede dos celtas e se reúne com os índios tupis na América, por exemplo, ou com os bantos, na África.[...] Dizer galego, dizer português, dizer "portugalego" ou brasileiro é questão de somenos, mas de necessária discussão entre nós.[...]/ Os portugueses não deixam de ser velhos amigos do povo brasileiro. No entanto, cabe resgatar os amigos galegos, que são amigos ainda mais originários (e não trazem consigo o travo da opressão imperialista), pelo fato de serem os geradores da língua nossa, hoje pertencente a muitos povos do mundo por igual --não importando que rótulo tenha, pelas razões maiores de Estado que advenham da dinâmica dos interesses dos Países e de seus cidadãos.” (1999, 58: 281-283-285-287-290) “Nós, que pronunciamos ou ouvimos pronunciar em algumas zonas do Brasil, normalmente, o artigo indefinido feminino à maneira galega, não entendemos a princípio o porquê de existir grafia diferenciada: “unha” (da normativa admitida oficialmente) ou “umha” (opção presente nesse Estudo Crítico...). Uns e outros grafam de forma diferencialista, acreditamos, para exibir distinção nacional...” (2000, I: 829). J. Henrique P. Rodrigues: “podemos considerar a norma Agal como um dos grandes alcances intelectuais da história cultural galega e podemos valorizar o seu percurso como brilhante [...] Na actualidade, e sempre aceitando a existência de um continuum nos usos gráficos,[...] podemos afimar que, basicamente, são (sic) usadas duas normas reintegracionistas: uma norma que poderíamos denominar “reintegracionista avançada” e outra que poderíamos denominar “reintegracionista clássica”. A fronteira simbólica entre essas duas estaria marcada polo uso do til na formação dos plurais (nações) frente à forma tradicional em <-ns> (naçons), prévia ao ditame presente no relatório da Comissom Lingüística [...] Trata-se, fundamentalmente, de marcar os limites a respeito do luso-brasileiro para evitar transmitir (e muito mais provavelmente padecer) a sensação de entreguismo provocado pola exogeneidade da escrita. [...] O feito de existirem outros grupos sociais (integracionistas) a adoptarem formas de galego-português lusitano com função identitário-endogrupal impediu ao reintegracionismo, em boa medida, continuar a aproximação gráfica ao luso-brasileiro que demandava uma (sic) boa estratégia aproximativa.” (2001, 65/66: 19-20-26-47); “restituição do galego como língua de cultura [...] O aproveitamento nas escolas e por parte da população galega do corpus literário existente, gerado em diversas normativas e/ou caracterizado por uma extrema heterogeneidade, implicará num futuro, sem dúvida, a necessidade de realizar-se traduções de tipo intralingual padronizador, e para isso será preciso definir previamente de um ponto de vista teórico como deve ser realizada tal actividade” (2004, 77/78: 75-79).
Roberto López-Iglésias Samartim: “integrar nom é substituir. Os dous podem ser processos graduais mas o primeiro implica ao menos a possibilidade de existência dum modelo normativo autónomo para a língua da Galiza [...] enquanto que o segundo significa a adopçom dum padrom igual ao oficial em Portugal como norma estándar da língua da Galiza” (2005, 83/4: 37).
Ramom Reimunde: “essa normativa avançada é a reintegracionista (curiosamente a mais tradicional e antiga tamém). [...] Desta maneira, aliás, os nossos melhores autores e livros poderám ser conhecidos e comprendidos noutras zonas da área linguística galego-luso-ásio-afro-brasileira, saindo fora dos estreitos limites geográficos da naçom galega [...]” (1984: 62-63).
(continua)