Sábado, 14 de Agosto de 2010

14 de Agosto



Carlos Loures


Há 615 anos teve lugar a Batalha de Aljubarrota. Foi um rude golpe para as pretensões castelhanas de se apoderarem deste pequeno reino que, a oeste da Península desafiava o seu poder militar. Na Espanha actual fala-se pouco de Aljubarrota. As enciclopédias dedicam-lhe pequenos verbetes e os livros escolares uma ou duas linhas. E no entanto, foi uma dura derrota que atingiu profundamente o reino do Trastâmara João I – quase todas as grandes famílias castelhanas perderam filhos na batalha. O luto e a tristeza foram de grande dimensão. Mas queria falar de um outro acontecimento ocorrido neste dia 14 de Agosto , mas em 1936 – o massacre de Badajoz.

Desencadeada a insurreição contra a II República espanhola, de 17 para 18 de Julho desse ano, as colunas do Exército de África, constituídas essencialmente por legionários e por tropa moura (da Legión Extranjera), sob o comando do tenente- coronel Yagüe, avançaram rapidamente até Badajoz, onde se lhes deparou uma feroz resistência por parte do Exército da República, duros combates e bombardeamentos sucessivos feitos pelos junkers alemães, a cidade foi tomada pelas forças ditas «nacionalistas». Como sempre acontecia, adivinhava-se que Badajoz ia pagar com juros o empenho que pusera na sua defesa. A batalha de Badajoz desenrolou-se no dia 14 de Agosto. O massacre de Badajoz estendeu-se pelos dias 15 e 16.

Os jornalistas que vinham com as colunas de Yagüe na sua avançada, foram proibidos de entrar. No entanto, vindos de Portugal pela fronteira do Caia, os jornalistas portugueses Mário Neves e Norberto Lopes, do Diário de Lisboa e alguns repórteres franceses conseguiram entrar na cidade no dia quinze de Agosto. Foi através dos trabalhos destes jornalistas, e pelo que escreveu Jay Allen, correspondente do Chicago Tribune, chegado a Badajoz nove dias depois, que o mundo pôde conhecer a dimensão da tragédia e o terror que acompanhava a avançada das tropas franquistas.

Mário Neves (1912-1999) foi um grande jornalista que, após a Revolução desempenhou vários cargos políticos. Tornou-se particularmente conhecido por, durante a conferência de imprensa que em Maio de 1958 Humberto Delgado realizou no Café Chave d'Ouro, em Lisboa, ter feito ao general a famosa pergunta: «Se for eleito que faz a Salazar», obtendo a famosa resposta: «Obviamente, demito-o!» Quando a guerra civil eclodiu, era redactor do Diário de Lisboa e foi nesse jornal que deu a conhecer o que se estava a passar naquelas primeiras semanas do conflito. Norberto Lopes (1900-1989) era outro jornalista de eleição,que tive o prazer de conhecer, por motivos profissionais, tendo em consequência descoberto que éramos vizinhos, pois vivíamos perto – ele em São Pedro do Estoril, eu na Parede. Frequentávamos a mesma praia, a da Azarujinha, onde ele se sentava numa cadeira desmontável e eu ficava estendido na areia escutando os relatos de aventuras por ele vividas – o massacre de Badajoz era um deles.

Logo que entraram na cidade os legionários começaram a fuzilar todos os homens que apresentassem indícios de ter usado uma arma. Em Le mur, Jean-Paul Sartre conta a história de um homem cujo casaco estava coçado no ombro, o que para os legionários significava que a correia de uma espingarda produzira o desgaste do tecido. O homem negou sempre, dizendo ser cobrador de um carro eléctrico. Foi fuzilado com os outros, não deixando antes da descarga do pelotão de, como os outros, erguer o punho e morrer saudando a República.

Depois destes primeiros fuzilamentos, o número de prisioneiros crescia e, dado o seu elevado número, foram sendo concentrados na praça de touros e mortos em grupos por rajadas de metralhadora. O fosso das velhas muralhas e as portas do cemitério, foram também cenário de execuções sumárias.

No dia dezasseis, uma coluna de fumo branco que se elevava a um quilómetro e meio da cidade atraiu a atenção do jornalista português Mário Neves. As pessoas a quem perguntou disseram-lhe que naquela zona se situava o cemitério. No dia seguinte, Mário Neves encontrou-se casualmente com um padre e foi graças a este sacerdote que descobriu a origem da misteriosa coluna de fumo: era dos cadáveres! Amontoavam-nos no cemitério, regavam-nos com gasolina e deitavam-lhes fogo. O próprio padre o levou ao cemitério para que o pudesse ver com seus próprios olhos. A impressão foi tão forte que Mário Neves começou o despacho telefónico desse dia assim: «Vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a firme promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui.» Voltou, porém, quarenta e seis anos depois para ser entrevistado pela cadeia inglesa Granada TV, que preparava a série intitulada The Spanish Civil War . É um trecho dessa entrevista que podemos ver abaixo.


14 de Agosto de 1385 – Castela sofria um rude golpe nas suas pretensões de hegemonia e era derrotada em Aljubarrota; 14 de Agosto de 1936, a violência da reacção à proclamação da II República e às tendências federalistas que logo se esboçaram, pondo em risco a concepção de uma Espanha una e forte, católica e conservadora, provocava o terror, semava a morte em Badajoz, anunciando o que iria suceder durante as quatro décadas seguintes.Uma longa noite caía sobre a Península.


publicado por Carlos Loures às 12:00
link | favorito

.Páginas

Página inicial
Editorial

.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

Carta aberta

.Dia de Lisboa - 24 horas inteiramente dedicadas à cidade de Lisboa

Dia de Lisboa

.Contacte-nos

estrolabio(at)gmail.com

.últ. comentários

Transcrevi este artigo n'A Viagem dos Argonautas, ...
Sou natural duma aldeia muito perto de sta Maria d...
tudo treta...nem cristovao,nem europeu nenhum desc...
Boa tarde Marcos CruzQuantos números foram editado...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Eles são um conjunto sofisticado e irrestrito de h...
Esse grupo de gurus cibernéticos ajudou minha famí...

.Livros


sugestão: revista arqa #84/85

.arquivos

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

.links