Há 615 anos teve lugar a Batalha de Aljubarrota. Foi um rude golpe para as pretensões castelhanas de se apoderarem deste pequeno reino que, a oeste da Península desafiava o seu poder militar. Na Espanha actual fala-se pouco de Aljubarrota. As enciclopédias dedicam-lhe pequenos verbetes e os livros escolares uma ou duas linhas. E no entanto, foi uma dura derrota que atingiu profundamente o reino do Trastâmara João I – quase todas as grandes famílias castelhanas perderam filhos na batalha. O luto e a tristeza foram de grande dimensão. Mas queria falar de um outro acontecimento ocorrido neste dia 14 de Agosto , mas em 1936 – o massacre de Badajoz.
Desencadeada a insurreição contra a II República espanhola, de 17 para 18 de Julho desse ano, as colunas do Exército de África, constituídas essencialmente por legionários e por tropa moura (da Legión Extranjera), sob o comando do tenente- coronel Yagüe, avançaram rapidamente até Badajoz, onde se lhes deparou uma feroz resistência por parte do Exército da República, duros combates e bombardeamentos sucessivos feitos pelos junkers alemães, a cidade foi tomada pelas forças ditas «nacionalistas». Como sempre acontecia, adivinhava-se que Badajoz ia pagar com juros o empenho que pusera na sua defesa. A batalha de Badajoz desenrolou-se no dia 14 de Agosto. O massacre de Badajoz estendeu-se pelos dias 15 e 16.
Os jornalistas que vinham com as colunas de Yagüe na sua avançada, foram proibidos de entrar. No entanto, vindos de Portugal pela fronteira do Caia, os jornalistas portugueses Mário Neves e Norberto Lopes, do Diário de Lisboa e alguns repórteres franceses conseguiram entrar na cidade no dia quinze de Agosto. Foi através dos trabalhos destes jornalistas, e pelo que escreveu Jay Allen, correspondente do Chicago Tribune, chegado a Badajoz nove dias depois, que o mundo pôde conhecer a dimensão da tragédia e o terror que acompanhava a avançada das tropas franquistas. Mário Neves (1912-1999) foi um grande jornalista que, após a Revolução desempenhou vários cargos políticos. Tornou-se particularmente conhecido por, durante a conferência de imprensa que em Maio de 1958 Humberto Delgado realizou no Café Chave d'Ouro, em Lisboa, ter feito ao general a famosa pergunta: «Se for eleito que faz a Salazar», obtendo a famosa resposta: «Obviamente, demito-o!» Quando a guerra civil eclodiu, era redactor do Diário de Lisboa e foi nesse jornal que deu a conhecer o que se estava a passar naquelas primeiras semanas do conflito. Norberto Lopes (1900-1989) era outro jornalista de eleição,que tive o prazer de conhecer, por motivos profissionais, tendo em consequência descoberto que éramos vizinhos, pois vivíamos perto – ele em São Pedro do Estoril, eu na Parede. Frequentávamos a mesma praia, a da Azarujinha, onde ele se sentava numa cadeira desmontável e eu ficava estendido na areia escutando os relatos de aventuras por ele vividas – o massacre de Badajoz era um deles.
Logo que entraram na cidade os legionários começaram a fuzilar todos os homens que apresentassem indícios de ter usado uma arma. Em Le mur, Jean-Paul Sartre conta a história de um homem cujo casaco estava coçado no ombro, o que para os legionários significava que a correia de uma espingarda produzira o desgaste do tecido. O homem negou sempre, dizendo ser cobrador de um carro eléctrico. Foi fuzilado com os outros, não deixando antes da descarga do pelotão de, como os outros, erguer o punho e morrer saudando a República.
Depois destes primeiros fuzilamentos, o número de prisioneiros crescia e, dado o seu elevado número, foram sendo concentrados na praça de touros e mortos em grupos por rajadas de metralhadora. O fosso das velhas muralhas e as portas do cemitério, foram também cenário de execuções sumárias.
No dia dezasseis, uma coluna de fumo branco que se elevava a um quilómetro e meio da cidade atraiu a atenção do jornalista português Mário Neves. As pessoas a quem perguntou disseram-lhe que naquela zona se situava o cemitério. No dia seguinte, Mário Neves encontrou-se casualmente com um padre e foi graças a este sacerdote que descobriu a origem da misteriosa coluna de fumo: era dos cadáveres! Amontoavam-nos no cemitério, regavam-nos com gasolina e deitavam-lhes fogo. O próprio padre o levou ao cemitério para que o pudesse ver com seus próprios olhos. A impressão foi tão forte que Mário Neves começou o despacho telefónico desse dia assim: «Vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a firme promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui.» Voltou, porém, quarenta e seis anos depois para ser entrevistado pela cadeia inglesa Granada TV, que preparava a série intitulada The Spanish Civil War . É um trecho dessa entrevista que podemos ver abaixo.
14 de Agosto de 1385 – Castela sofria um rude golpe nas suas pretensões de hegemonia e era derrotada em Aljubarrota; 14 de Agosto de 1936, a violência da reacção à proclamação da II República e às tendências federalistas que logo se esboçaram, pondo em risco a concepção de uma Espanha una e forte, católica e conservadora, provocava o terror, semava a morte em Badajoz, anunciando o que iria suceder durante as quatro décadas seguintes.Uma longa noite caía sobre a Península.