(em diálogo com a Carla a propósito do artigo dela sobre a morte de Bin Laden)
A minha primeira sensação de perplexidade perante o texto da Carla deu-ma o título – “Vencidos”. De imediato se formou na minha cabeça a interrogação: “Vencidos, quem? A quem se referirá ela?” O título não me deu a entender uma sensação de glória vencedora – nem isso dela esperaria, um apoio à vanglória de matar dos EUA, sempre em nome da libertação duma suposta ou verdadeira tirania, mesmo quando esse direito de ingerência não é coisa que se defenda. Mas, também, nele não intuí qualquer espécie de compungimento perante a vítima, Bin Laden, neste caso.
Por isso, antes dos meus olhos terem começado a descer pela página, a minha perplexidade manteve-se, conhecendo eu como conheço as suas posições políticas, a sua inteligência e o modo agudo como consegue apreender aquilo que é mais humano dentro de nós e que tão bem sabe passar ao papel.
Depois, li-a a falar da Ilíada sobre a honra no campo de batalha, o respeito pelo adversário, pelo vencido. E, aí, percebi. Percebi o que queria dizer e não posso estar mais de acordo com ela: seja qual for o vencido, há que dar-lhe a dignidade final que ele, muitas vezes, não deu a outros que, por sua vez derrotou.
Mas essa digna postura dos adversários na Guerra de Tróia terá existido mesmo ou só estava na cabeça de Homero? Bom, mesmo que tudo assim se tenha passado, nas de hoje certamente que não se passa
Os seres humanos evoluíram muito cientificamente. Criaram toda a parafernália de equipamentos de morte, a maior parte dos quais não lhes permite sequer verem-se para se destruírem mutuamente, julgando, assim, terem evoluído para um estadio superior… Só isto daria todo um outro debate sobre a ciência e a responsabilidade dos cientistas que ficará para outra altura.
Mas, voltando ao texto da Carla, a palavra “vencidos” continuava às voltas na minha cabeça. Quem são os vencidos? Claro está que a questão que não conseguia resolver não se referia a seres humanos enquanto indivíduos. Esses são vencidos em cada hora, em cada minuto, em cada segundo, por todo o mundo e com uma crueldade em nada diferente da que este acto militar usou.
Por isso, a minha atormentada pergunta só podia ter a ver com vencidos políticos.
Porque não é preciso ser-se de esquerda para se sentir uma tremenda revolta ao assistir a actos de guerra desta natureza sem a menor preocupação com os que vivem junto do alvo visado, crianças ou não. É só preciso ser-se sensível, o que já não vai sendo pouco nos tempos que correm. E, infelizmente, a nossa sensibilidade, pouco conta para a erradicação do mal humano. Temos que nos socorrer daquilo a que se convencionou chamar política. É, pois, aqui que ser de direita ou de esquerda tem que fazer a diferença.
Mas o problema destes vencidos, os vencidos políticos, é mais complicado e por isso a palavra da Carla deu tantas voltas na minha cabeça.
Esqueçamos, agora, os EUA, porque todos nós, os que somos de esquerda, mesmo com as nossas divergências, temos, quanto à ambição de expansão imperial que continuam a manifestar, e quanto às configurações que ela assume, uma convergência de opiniões. Eu, pelo menos, acredito nisso.
A questão dos vencidos, suscitada pelo assassinato de Bin Laden, refere-se, no meu espírito, à questão do mundo muçulmano porque essa é uma das grandes, das maiores reflexões que temos que fazer se queremos entender o mundo onde vivemos e se tivermos vontade de actuar sobre ele. E a maior parte do mundo muçulmano, mesmo considerando as suas eventuais ideias de expansão, não tem nada a ver com as formas de actuar da AlQaeda.
Os povos muçulmanos não se sentem vencidos. Atacados sim, revoltados, muito, mas acabámos de ver como continuam combativos perante os poderes que os oprimem nos vários países. A sua História não parou. Sofre, apenas, os avanços e recuos da História de todos os povos e de todos os tempos.
Mas aqui não incluo os fanatismos que só têm a ver com os recuos, nunca com os avanços.
Humanamente, a não ser em quantidade, tanto me aflige ver os tais “efeitos colaterais” dos bombardeamentos das grandes potências, como convencer jovens a fazerem explodir-se ou mulheres a serem desfiguradas com ácido, etc., etc.
Claro que Bin Laden e a família foram vencidos humanamente. Claro que me horroriza ver crianças aos bocados. É evidente que a guerra do Iraque, o enforcamento de Sadam Hossein, a Guerra de Gaza, tudo isso me horroriza, como me horrorizou ver vídeos em que pessoas foram decapitadas como carneiros no matadouro, por muito malvados, muito agentes da CIA que fossem. Humanamente é tudo, igualmente, horrível.
Ninguém que seja capaz de praticar actos desta natureza, dum lado ou do outro, pode aspirar a ser construtor duma sociedade nova, livre da canga do mal que tem assolado a humanidade.
Por isso mantive o silêncio. Porque ou falamos e denunciamos, todos os dias, todas as mortes e atrocidades de que temos conhecimento, ou não vale a pena só falar nas que foram praticadas com mais espectacularidade.
E, como isso é impraticável, em termos de saúde mental, só nos resta a luta política.
Daí o meu silêncio. Daí aquela palavra – vencidos – ter andado às voltas na minha cabeça. E, ainda, andar.
Por dirigir , ao tempo, uma empresa que financiava eventos de "fashion", moda, passagem de modelos, fui convidado para um "bar livre" numa das discotecas mais conhecidas de Lisboa. E, lá fui, com alguma curiosidade, para tentar perceber o que alimenta aquilo.
As pessoas são as que conhecemos das revistas, jornais e televisões, as habituais que vivem das fotos "casuais", da entrevista mil vezes repetida, entrevistam-se umas às outras, é chamado o "operador da televisão" para filmar "um grupo expontâneo", esconde-se o e quem não interessa ou não é conhecido, e assim por diante, uma vida virtual, sem ponta de vida e alegria.
Lembro-me de dois casos que acompanhei durante a noite já que não podia segui-los todos. Um era um rapaz ao tempo muito conhecido por haver ganho um concurso popular e profundamente estúpido. O pobre do rapaz que depois da efémera fama, andou por hospitais psiqiátricos e que agora voltou a tratar das galinhas era, físicamente, pequeno e magríssimo, tímido, não falava com ninguém nem ninguém lhe dava qualquer importância. Uma tragédia anunciada, via-se claramente que o rapaz não aguentaria a pressão da vida a que aspirava e que o melhor mesmo seria voltar para a sua terra natal.
Outro caso, era de uma miúda que não teria mais de vinte anos, líndissima, cheia de poses de quem tirou cursos de modelo, pé à frente, braços caídos, ombros descaídos "à Angelina Jolie", mostando sempre o melhor perfil. Procurava febrilmente fotógrafos, enfim, andava ali como um passarinho para a primeira "pitão" que reparasse nela. E, foi certinho, lá apareceu um figurão, com um fotógrafo a tiracolo e logo ali arranjou uma sessão fotográfica, com a miúda a ter os seus quinze minutos de fama. Lá para as 2/3 horas da manhã, com os copos e amparada pelo "figurão" vi -a sair para entrar numa grande bomba e o resto adivinha-se.
Há quem ofereça o céu e a terra para ir para a cama com um(a) jovenzinho(a) destes, lindo(a)s e ingénuo(a)s, cegos pela ambição, vão muito além do que suportam, e depois não são capazes de viverem com o que foram obrigados a fazer. A seguir vem o alcool, as drogas e, com muito azar à mistura, a revolta num quarto de hotel longe da terrinha. A tragédia anunciada que desta vez tomou dimensão inusitada, concretizou-se no pior lugar. Longe da família, num país onde há prisão perpétua, onde é necessário muito dinheiro (muito mais do que cá) para ter um advogado decente, o pobre do rapaz desgraçou a vida dele atrás de um sonho que só se anuncia para muito poucos.
O assassinado é um ser humano e, como tal, lamento muito sinceramente, a sua morte brutal. Também a ele aconteceu o que normalmente acontece a quem vive "no fio da navalha", mas não posso deixar de dizer que lamento muito mais a desgraça do rapaz. Também cada um de nós em certa faze da nossa vida, nos vinte anos, as circunstâncias nos empurraram para situações que a família ou os amigos, ou a escola, nos ajudaram a evitar.
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