Carlos LouresA Colónia do Sacramento, de que aqui falei ontem, fundada por Portugal e perdida para a coroa espanhola em 1777, voltou à nossa posse em 1817, quando D. João VI incorporou toda a região do actual Uruguai no Brasil. A região anexada recebeu o nome de "Província Cisplatina"- prefixo cis - do mesmo lado - e platina de Rio da Prata: portanto, do mesmo lado do Rio da Prata. Durante um século, Sacramento fora por diversas vezes ganha e perdida nas lutas com as tropas espanholas ou nas guerras diplomáticas, até que o Tratado de Santo Ildefonso, assinado em 1777, a fixou como possessão espanhola. Como sabemos, em Novembro de 1807, D. João VI, ameaçado pela invasão napoleónica, transferiu a Corte para o Brasil. No Congresso de Viena, em 1815, o Brasil foi integrada como Reino, constituindo o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Por outro lado, a ida da Corte para o Rio de Janeiro, levou o rei a preocupar-se com o engrandecimento daquela gigantesca possessão portuguesa.
Em 1815, a Casa de Bourbon fora banida do trono de Espanha pelas forças napoleónicas. D. João VI temeu que os espanhóis o imitassem, e que na região circundante do rio da Prata nascesse um reino poderoso. Por isso, em 1816, a "Divisão dos Voluntários Reais", sob o comando do general Carlos Frederico Lécor, invadiu região oriental, tomou Maldonado e ocupou Montevideu em 1817. Carlos Frederico Lécor, barão de Laguna (1764-1836) foi um militar e nobre português, mas que, como tantos outros, serviu o Brasil após a independência.
O Vice-Reino do Rio da Prata, que podia ser a base do tal «reino poderoso» temido por D. João VI, fora criado em 1776. Compreendia os territórios da actual Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai (este último dentro do território conhecido na época como Banda Oriental do Uruguai). Foi criado principalmente como aquilo que hoje designaríamos como zona-tampão, defendendo o império espanhol da cupidez britânica e portuguesa.
O plano português não foi mal recebido no vice-reinado em plena revolução independentista, mas falhou por oposição de Lord Strangford, embaixador britânico junto da Corte portuguesa, pois à Grã-Bretanha convinha a fragmentação das colónias espanholas em pequenos países formalmente independentes. Considerando o sistema de comércio vigente nas colónias da América, outro mastodonte como o Brasil, seria favorável a Espanha, mas inconveniente para os interesse económicos britânicos. Pelas mesmas razões, apoiar a expansão dos territórios portugueses nas região, também não interessava à Grã-Bretanha. E embora as guerras fossem entre Portugal e Espanha, era pelos interesses da Grã-Bretanha que se morria de um lado ou de outro. O costume.
Com a protecção do Governo de Sua Majestade, começara, anos atrás, a gesta da libertação da América Latina. Simón Bolívar ( 1783 —1830), o «Libertador», conquistava Caracas em 6 de agosto e proclamava a Segunda República Venezuelana. Bogotá, na Colômbia caiu em 1814. Em 1816 a Argentina proclamava a sua independência. No território da banda Oriental, desde 1810, o patriota uruguaio José Gervasio Artigas (1764 —1850) dera também início a um movimento independentista que enfrentou os portugueses até 1820 e depois os brasileiros que, proclamada a sua independência em 1822 mantiveram no entanto a colónia. De notar que, embora a história oficial brasileira nunca o diga, os primeiros brasileiros eram portugueses que viram na independência uma oportunidade de passar a outro patamar de riqueza e prestígio. A começar pelo imperador. Não estranhemos, pois, que a política externa brasileira não tenha mudado.
Integrando-se neste movimento geral de libertação das colónias espanholas, Artigas juntou-se aos insurrectos, sendo nomeado tenente-coronel pela junta de Buenos Aires. Derrotou os espanhóis na batalha de San José, em 1811, obrigando-os a refugiar-se em Montevideu. Venceu-os também na batalha de Las Piedras e sitiou a cidade. José Artigas, considerado o pai da pátria uruguaia, presidiu ao primeiro governo nacional sendo, no entanto, em 1820 forçado a refugiar-se no Paraguai.
Em 1811, as forças portuguesas haviam ajudado os espanhóis, sitiados em Montevideu, a repelir Artigas e a combater os rebeldes argentinos. Derrotado pelas forças portuguesas na batalha de Catalán, em 1817, Artigas durante três anos remeteu-se à guerrilha. Não podendo mais resistir, após a derrota na Batalha de Tacuarembó em 1820, asilou-se no Paraguai, onde morreu trinta anos depois, sem voltar ao seu país. Com a Independência do Brasil (1822), a Colónia passou a integrar os domínios do novo país até à Independência da República Oriental do Uruguai, em 1828.
Teve então lugar uma prolongada guerra (seis anos) entre o Brasil e a Argentina (que se designava por Províncias Unidas), reivindicando ambos o países a posse do território da Cisplatina. A Grã-Bretanha, a superpotência da época prosseguindo a sua estratégia de fragmentação do império espanhol, obrigou os dois jovens países a assinar um tratado de paz pelo qual reconheciam a independência do novo Estado. Foi em 28 de agosto de 1828 que foi assinado o Tratado do Rio de Janeiro, ratificado em 4 de Outubro do mesmo ano, consagrando a independência do Uruguai. Uma das condições ditadas pelos ingleses era a de o novo estado nunca se unir ao Brasil ou à Argentina.
Comentando o Tratado, um alto responsável britânico, disse: «Pusemos algodão entre dois vidros». Pois foi. E os interesses britânicos ficaram assim bem defendidos.
Ilustracões, de cima para baixo: Tropas portuguesas marchando para a Província Cisplatina; José Gervasio Artigas; a Província Cisplatina e o Brasil.