João Machado
Este ano comemora-se o centenário do nascimento de vários vultos do neo-realismo. Umas terão mais destaque, como Alves Redol e Manuel da Fonseca, outras menos, como Políbio Gomes dos Santos e Afonso Ribeiro. Estas comemorações revestem-se da maior importância para a cultura portuguesa, e não apenas para os admiradores do neo-realismo. Convém recordar a propósito que o neo-realismo, na literatura, e na arte em geral, se afirmou como a expressão do primado do conteúdo sobre a forma, em oposição a outras correntes tidas como tendencialmente inócuas.
Sem querer, para já, entrar mais fundo nesta questão, há que recordar que este conflito entre forma e conteúdo vem na continuação de um diálogo permanente entre a vontade de fazer sentir, de dar a conhecer a outrem (aos leitores, aos espectadores, aos ouvintes) problemas, situações, sentimentos, e a procura da melhor maneira, da maneira mais agradável ou mais eficaz de o fazer. A reacção ocorrida no século XVII contra os estilos chamados de cultista ou culto, e de conceptista inscreve-se neste diálogo, por vezes francamente conflituoso. O professor Hernâni Cidade (1887-1975), no prefácio à colecção de poesias do século XVII, oriundas principalmente da “Fénix Renascida”, intitulada A Poesia Lírica Cultista e Conceptista, editada por Textos Literários, diz que o cultismo e o conceptismo são duas expressões de um conceito de poesia fundamentalmente idêntico, integrado no estilo da época barroca, que a reduz a uma actividade puramente lúdica. Mas na altura já havia quem discordasse deste conceito. Exemplo será a poesia, de que a seguir se transcreve uma parte, incluída naquela colecção, que terá sido composta por Diogo Camacho (Pegureiro do Parnaso):
Que o verso culto e claro
Sempre o julgava Apolo por mais raro;
Mas, porém, que não fosse
Tão claro que ficasse de água doce.
Não vês (dizia a Ninfa
Ao som da corrente e clara linfa)
Que o mundo é mais formoso
Quando se mostra o Sol mais luminoso?
Não vês que não deseja alguém a fonte,
Quando os enxurros tem que vêm do monte?
Porém, depois que clara, limpa e pura
Por entre as flores do jardim murmura,
Não há boca tão bela,
Que não queira molhar os lábios nela.
Quem quer fazer escura uma poesia
Tem mais amor à noite do que ao dia.
São lastimosas mágoas
Turbar as fontes e beber das águas.
Seja o conceito fundo,
Mas que possa entendê-lo todo o mundo;
Que não perde a beldade
O Sol, por ter mais luz e claridade.
Por escárnio somente ou zombaria
Se pode escurecer qualquer poesia.
. Ligações
. A Mesa pola Normalización Lingüística
. Biblioteca do IES Xoán Montes
. encyclo
. cnrtl dictionnaires modernes
. Le Monde
. sullarte
. Jornal de Letras, Artes e Ideias
. Ricardo Carvalho Calero - Página web comemorações do centenário
. Portal de cultura contemporânea africana
. rae
. treccani
. unesco
. Resistir
. BLOGUES
. Aventar
. DÁ FALA
. hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
. ProfBlog
. Sararau