Domingo, 3 de Julho de 2011
Fui buscar este poema aos Sonetos Completos de Antero Quental (1842 - 1891), da Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, edição de 2002. À Editora Ulisseia e a Ana Maria Almeida Martins, autora da magnífica introdução que acompanha a obra, VerbArte apresenta os seus melhores cumprimentos.
Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,
Minguar, fundir-se sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre.
Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.
Sábado, 11 de Dezembro de 2010
Os Teatros de LisboaJúlio César Machado
Editorial Notícias, 1991
Os Teatros de Lisboa é uma saborosa crónica de Lisboa de meados do século XIX.
Júlio César Machado e Rafael Bordalo Pinheiro construíram um quase caleidoscópio de protagonistas, todos eles gente que se move nos três universos principais do drama e da ópera na capital, Teatro de S. Carlos, Teatro D. Maria II e Teatro da Trindade.
Eis, pois, uma sociedade alucinada ao correr da pena de um dos maiores, mais amáveis
e bem-humorados folhetinistas portugueses, Júlio César Machado.
E com ele emparceirando, um dos grandes cartoonistas deste país de fadistas e lágrimas ao canto do olho, Rafael Bordalo Pinheiro.
Este livro é o elogio da combinação do texto com a imagem, o espelhar da festa pública do possível esplendor do Teatro Português!
JOSÉ VIALE MOUTINHO
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Temas de Cultura Portuguesa – I Joel SerrãoLivros Horizonte, 1983Este volume, que mantém a estrutura geral de Temas de Cultura Portuguesa II, dado a lume em 1964 e há bastantes anos esgotado, é constituído do seguinte modo: pelos escritos desse volume, com excepção do Prefácio e de Nota breve sobre o pensamento filosófico português actual que foram retirados; por alguns estudos inicialmente publicados em Temas de Cultura Portuguesa I, a saber: Perfil Esfumado de Mário de Sá Carneiro; Escolásticas que a si mesmas se ignoram; A génese portuense de Análise da Crença Cristã (1874); Do prospectivismo de Sampaio Bruno e Em torno do problema da Filosofia Portuguesa.
Além do mais, passam, a fazer parte deste volume os escritos que de seguida se indicam: Estrutura social, ideologias e sistema de ensino; Introdução histórica ao volume Sistema de Ensino em Portugal. Lisboa, 1981;…
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Temas de Cultura Portuguesa – II Joel SerrãoLivros Horizonte, 1989Nos seus condicionalismos de origem, este livro trata, sucessivamente, de um esboço muito geral da História de Portugal desde os cantares de amigo até às tarefas nacionais que o 25 de Abril de 1974 a todos nós impôs; da dialéctica da liberdade e da justiça tal ela se conformou, entre nós, na época contemporânea; da emergência da poesia em Antero e em Pessoa; do admirável esforço filosófico de Vieira de Almeida, meu Mestre “secreto”, que, ao invés do que, apressadamente, se poderia ajuizar, não foi em vão que pensou e “soltou” os ventos que pôde; e, por fim, de lágrimas efectivamente vertidas na morte de um Amigo e colega de geração cujos propósitos de vida consistiram em compreender e transformar Portugal –, Joaquim Barradas de Carvalho.
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Sexta-feira, 19 de Novembro de 2010
Sílvio CastroA rebelião dos jovens estudantes conimbrenses de 1865, guiados pelo gênio de Antero de Quental, é um marco da modernidade portuguesa que supera os limites de um tradicionalismo prepotente e que, em politica, denuncia a decadência da revolução liberal e anuncia aquela socialista.
Não se trata tão somente de uma reação de jovens poetas e literatos estudantes da mais importante das Universidades portuguesas contra Antonio Feliciano de Castilho e o seu reconhecido poder político-cultural, mas como proclamação epocal.
São diversos os setores que a rebelião toca e modifica. O primeiro pode ser referido diretamente à Universidade e à sua linha político-didática. Coimbra sempre se mostrara uma sede universitária movida pelo autoritarismo de seus estatutos, aplicados pela radicalismo constante de sua classe docente. No movimento de 1865 tais valores são componentes substanciais contra os quais combate o comportamento geral dos estudantes, com à frente Antero de Quental e Teófilo Braga, ainda que não ocupem o primeiro plano absoluto da discussão geral.
Em estreita correlação com a ação de rebelião aos radicalismos institucionais e didáticos da Universidade, os ativistas de 65 se exprimem igualmente contra a predominância do espírito burguês sentida nas expressões sócio-cultural e política de Portugal. Ainda que imbuídos de um inicial, mas evidente espírito positivista, os rebeldes de Coimbra são igualmente herdeiros do espírito romântico mais revolucionário. Mesmo sendo o positivismo nascente uma tendência à afirmação da burguesia na complexa divisão das classes sociais, isto não impedia aos aos jovens revolucionários conimbrenses de proclamarem dialeticamente uma atitude anti-burguesa no quadro da realidade nacional. Atitude de profunda natureza cultural que propunha principalmente uma nova moral para os comportamentos individuais. A nova moral se confrontava e negava os valores convencionais da ainda limitada, mas potente burguesia emergente, valores que abrangiam um largo espaço, da economia, à política, à religião.
Outro fator que determina a Questão coimbrã se refere à problemática do dito “gosto burguês“, do gosto convencional. Naturalmente a ação de natureza cultural que guia os jovens de 65 transforma a contestação de ordem moral, para aquela outra estético-cultural do “gosto” em geral.
Neste exato ponto se ajusta a ação direta contra a personalidade e o poder político-cultural de Castilho. A Questão nasce diretamente de dois polos: o primeiro é a apresentação que Antonio Feliciano de Castilho faz para as poesias de Pinheiro Chagas do volume Poema da Mocidade, apresentado pelo lider conservador como a máxima voz da moderna poesia portuguesa a opor-se contra os desvarios de jovens poetas, como Antero de Quental; o segundo polo é o famoso panfleto de Quental, Bom Senso e Bom Gosto, Carta ao Ex.mo Sr. Antonio Feliciano de Castilho. Nele Antero de Quental proclama a sua incontida indignação:
“V. Ex.a fez-se chefe desta cruzada tão desgraçada e tão mesquinha. Não
posso senão dar-lhe os pêsames por tão triste papel. Mas se eu, como homem, desprezo e esqueço, como escritor é que não posso calar-me; porque atacar a independência do pensamento, a liberdade os espíritos, é não só ofender o que há de mais santo nos indivíduos, mas é ainda levantar mão roubadora contra o património sagrado da humanidade – o futuro.“
Começava assim um novo tempo não só para a literatura portuguesa, mas igualmente para a cultura política do País, novo tempo culminado em 1910 com a proclamação da República que teria como seu primeiro Presidente provisório um dos mais focosos rebeldes de 1865, Teófilo Braga.
Quarta-feira, 17 de Novembro de 2010
(Conclusão)
Augusta Clara de MatosCasino Lisbonense, onde se realizaram as "Conferências Democráticas"
A política centralizadora da monarquia absoluta que tolhera liberdades anteriormente existentes;Antero tinha razão ao fustigar assim a igreja porque a influência jesuítica não se restringiu ao meio religioso mas dominou, também, o ambiente político.
Ouçamos o que ele disse: “Essa funesta influência da direcção católica não é menos visível no mundo político. Como é que o absolutismo espiritual podia deixar de reagir sobre o espírito do poder civil? O exemplo do despotismo vinha de tão alto! Os reis eram tão religiosos! Eram por excelência os ‘reis católicos, fidelíssimos’. (…) A teocracia dava a mão ao despotismo”.
Até ao século XVI o poder da monarquia era equilibrado pela vida política local: os municípios, as instituições populares, as comunas, ao mesmo tempo que os privilégios da nobreza e do clero atenuavam o peso da coroa. Para assuntos de suma importância reuniam-se as Cortes. “A liberdade era então o estado normal da Península”.
A partir daí, a monarquia absoluta sufocou o poder local.
A reis como D. João III “fanático e de ruim condição”, D. João V, D. Afonso VI, “devassos uns, outros desordeiros, outros ignorantes e vis (…) A tais homens, sem garantias, sem inspecção confiaram as nações cegamente os seus destinos! (…) Se D. Sebastião não fosse absoluto, não teria ido enterrar em Alcácer Quibir a nação portuguesa, as últimas esperanças da pátria”.
Anulou-se a classe dos pequenos proprietários, governava-se para a nobreza, criaram-se grandes propriedades e impediu-se “o desenvolvimento da burguesia, a classe moderna por excelência, civilizadora e iniciadora, já na indústria, já nas ciências, já no comércio”.
As monarquias absolutas habituaram o povo a servir, à inércia, esperando o que lhe vinha de cima, transformado em prisioneiro, sem iniciativa, sem evoluir, preso à tacanhez dos costumes, sem liberdade. (…) quando mais tarde lhe deram a liberdade, não a compreendeu; ainda hoje não a compreende, nem sabe usar dela. As revoluções podem chamar por ele, sacudi-lo com força: continua dormindo sempre o seu sono secular!”
Isto foi afirmado em pleno século XIX. Mais de um século depois estará esta afirmação assim tão desactualizada?
Nos países que cresciam, os que tinham aderido à Reforma do catolicismo, assistiu-se à “elevação da classe média, instrumento do progresso nas sociedades modernas, e directora dos reis, até ao dia em que os destronou”
A economia baseada na riqueza acumulada à custa dos territórios descobertos e conquistados em África e no próprio Brasil. Aquilo que sempre celebrámos como a nossa glória máxima enquanto país, os Descobrimentos, foi apontado por Antero de Quental como um dos motivos para a nossa progressiva decadência. “Embalaram-nos com essas histórias: atacá-las é quase um sacrilégio”, afirmou ele.
Acrescenta, no entanto: “A moralidade subjectiva desse movimento é indiscutível perante a história: são do domínio da poesia, e sê-lo-ão sempre acontecimentos que puderam inspirar a grande alma de Camões. A desgraça é que esse espírito guerreiro estava deslocado nos tempos modernos: as nações modernas estão condenadas a não fazerem poesia, mas ciência”.
Um pouco exagerada esta última afirmação de Antero de Quental. Mas entende-se o sentido em que a fez: as coroas depositaram a educação nas mãos dos jesuítas “cujos métodos de ensino, ao mesmo tempo brutais e requintados, esterilizam as inteligências, dirigindo-se à memória, com o fim de matarem o pensamento inventivo, e alcançam alhear o espírito peninsular do grande movimento da ciência moderna essencialmente livre e criadora”.
E, na esteira desse grande pecado jesuítico, Portugal só, pouco a pouco vai saindo desse atraso científico em que tem vivido desde então. Em pleno século XX, os governantes portugueses, manifestamente sem a clarividência de Antero, continuavam a manter que não podíamos investir em investigação fundamental – sem a qual sempre dependeremos, até mesmo nas aplicações, dos países que a ela se dedicaram - por sermos um país pobre.
Contentámo-nos, de facto, com as riquezas trazidas dos territórios de além-mar e descurámos o desenvolvimento da indústria. E esse erro estratégico levou ao empobrecimento do país à medida que o ouro do Brasil e os outros bens se foram esgotando. Para já não falar no modo como o fausto da corte e dos que a rodeavam se foram apropriando do espólio dessa rapina.
O que aconteceu nos países que cresciam foi precisamente o desenvolvimento da “indústria, finalmente, verdadeiro fundamento do mundo actual, que veio dar às Nações uma concepção nova do Direito, substituindo o trabalho à força, e o comércio à guerra de conquista”.
No entanto, a evolução de Portugal até ao século XVI tinha sido bem diferente e vale a pena ler a descrição : “No reinado de D. Fernando era Portugal um dos países que mais exportavam. A Castela, a Galiza, a Flandres, a Alemanha forneciam-se quase exclusivamente de azeite português. (…) No século XV vinham os navios venezianos a Lisboa e aos portos do Algarve, trazendo as mercadorias do Oriente, e levando em troca cereais, peixe salgado e frutas secas, que espalhavam pela Dalmácia e por toda a Itália.(…) As classes populares desenvolviam-se pela abundância e o trabalho, a população crescia. No tempo de D. João II chegara a população a muito perto de três milhões de habitantes…Basta comparar este algarismo com o da população em 1640, que escassamente excedia um milhão, para se conhecer que uma grande decadência se operou durante este intervalo!”.
Foram muitos os que deixaram as suas actividades para se tornarem soldados nas conquistas de além-mar. A população abandonou os campos, vindo para as cidades na mira das riquezas trazidas nas naus, mas o resultado foi o contrário e a miséria citadina aumentou e a agricultura degradou-se. A partir daí tudo só podia evoluir para pior: grassa a fome e a mendicidade aumenta. Camões, o grande poeta da epopeia, mendigando na velhice, é a triste imagem do estado a que a nação chegara.
A situação invertera-se de tal modo que, de exportadores de produtos agrícolas, e sem indústria, passámos a importar tudo: sedas, veludos e massas de Itália, vidro da Alemanha, panos de França, cereais, lãs e tecidos da Inglaterra e da Holanda. Tudo à custa do ouro da rapina e em favor da opulência da nobreza e da coroa. Até o ouro acabar. E o resto já todos sabemos.
EpílogoEça de Queiroz na época das Conferências
De facto, não há como fugir ao tema religioso no resumo desta Conferência porque Antero de Quental, embora não isentando o poder político das responsabilidades nefastas para a queda da posição preponderante que Portugal tinha no mundo, atribui à igreja católica, nas mãos dos jesuítas, uma grande responsabilidade, a montante, por todo este desastre.
“Essa transformação da alma peninsular fez-se em tão íntimas profundidades , que tem escapado às maiores revoluções (…) Há em todos nós, por mais modernos que queiramos ser, (…) um beato, um fanático ou um jesuíta! Esse moribundo que se ergue dentro de nós é o inimigo, é o passado. É preciso enterrá-lo por uma vez, e com ele o espírito sinistro do catolicismo de Trento”.
E, ainda, uma última frase de Antero: “A nossa fatalidade é a nossa História”.
De muito mais consta a conferência de Antero de Quental, uma peça literária imprescindível para compreendermos o Portugal de hoje e repensarmos o futuro.
Por agora, fiquemos por aqui.
Um mês depois, a Sala das Conferências democráticas foi encerrada, o que deu origem a um ao protesto assinado em 26 de Junho de 1871 pelo próprio Antero de Quental e por Adolfo Coelho, Jaime Batalha Reis, Salomão Saragga e Eça de Queiroz.
O texto rezava assim:
PROTESTOContra o Encerramento da Sala das Conferências DemocráticasEm nome da liberdade de pensamento, da liberdade de palavra, da liberdade de reunião, bases de todo o direito público, únicas garantias da justiça social, protestamos, ainda mais contristados que indignados, contra a portaria que mandou arbitrariamente fechar a sala das conferências democráticas. Apelamos para a opinião pública, para a consciência liberal do país, reservando-nos a plena liberdade de respondermos a este acto de brutal violência como nos mandar a nossa consciência de homens e de cidadãos.
Terça-feira, 16 de Novembro de 2010
Augusta Clara de Matos O que pretendeu Antero de Quental com o seu discurso proferido no dia 27 de Maio de 1871, na 1ª. Sessão das Conferências Democráticas, realizadas no Casino Lisbonense? Nada mais, nada menos do que explicar o atraso registado pelos dois países da Península Ibérica, Portugal e Espanha desde o século XVII. Numa altura em que não só Portugal e Espanha, mas toda a Europa vive uma crise profunda dos seus valores e o projecto político e cultural da União Europeia cada vez se nos afigura mais adulterado, faz sentido relembrarmos essas causas de decadência que Antero apontou no século XIX e reflectir como certos atavismos podem infiltrar-se no tempo e corroer realidades aparentemente bastante diferentes.
Desenho de Raquel Santos - "As Conferências do Casino""
A confirmar esta suspeita, respiguemos algumas frases do Programa das Conferências Democráticas:
“Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como deve regenerar-se a organização social. (…) investigar como a sociedade é, e como ela deve ser; (…) e, por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as correntes do século.
Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações.
(…) Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas pessoas que, ainda que não partilhem das nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que pretendem ter uma acção – embora mínima – nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos.”
A conferência de Antero de Quental, dentro do programa das Conferências Democráticas, só nos pode servir hoje de grande inspiração para as reflexões que temos de fazer sobre a sociedade portuguesa.
Antero apresentava três causas principais para essa decadência:
• A submissão da igreja católica portuguesa ao poder de Roma, integrada na Contra-Reforma, de acordo com as decisões do concílio de Trento;
Embora não fosse este ponto o que me interessasse particularmente referir, não posso deixar de o fazer porque Antero de Quental desenvolveu substancialmente as mudanças por que passou a mentalidade religiosa na Península e as consequências que essas mudanças tiveram em todos os outros domínios da sociedade.
A submissão das igrejas locais à Igreja de Roma trouxe consequências catastróficas, entre as quais se realça a perseguição aos judeus e aos árabes que, embora muito na sombra, como afirma Antero, viviam como “raças inteligentes, industriosas, a quem a indústria e o pensamento peninsulares tanto deveram, e cuja expulsão tem quase as proporções de uma calamidade nacional”. Simultaneamente acentuou-se a degradação dos costumes com a substituição da aceitação do dogma religioso, geradora do sentimento do dever que nessa aceitação se baseava, pela sua imposição.
Nos países que cresciam “a liberdade moral, conquistada” provocou o “resultado imenso e capital que trouxe a Reforma aos povos que a seguiram”. O seu desenvolvimento a níveis elevados não tinha sido previsto por Lutero nem pelos seus correligionários.
Muitos representantes das igrejas nacionais dos países latinos lutaram por uma reforma sincera, chegando a desejar uma conciliação com os protestantes. Destacavam-se três pontos fundamentais nessa reivindicação:
“1º. – Independência dos bispos, autonomia das igrejas nacionais, inauguração dum parlamentarismo religioso pela convocação amiudada de concílios, esses estados gerais do cristianismo, superiores ao Papa e árbitros supremos do mundo espiritual;
2º. – O casamento para os padres, isto é, a secularização progressiva do clero, a volta às leis da humanidade duma classe votada durante quase mil anos a um duro ascetismo, então talvez necessário, mas já no século XVI absurdo, perigoso, desmoralizador;
3º. – Restrições à pluralidade dos benefícios eclesiásticos, abuso odioso, tendente a introduzir na Igreja um verdadeiro feudalismo com todo o seu poder e desregramento.”
Mas a Igreja de Roma não cedeu, preferiu reforçar a ortodoxia e iludindo a luta por estas reformas, convocou um concílio, sim…o de Trento que – “Estamos em Itália, meus senhores, no país de Machiavell!”, diria Antero – “Dum instrumento de paz e progresso faz uma arma de guerra e dominação; confisca o grande impulso reformador e fá-lo convergir em proveito do ultramontanismo”.
Como o fez, escuso-me de pormenorizar aqui, mas garanto que vale a pena espreitar a descrição de Antero de Quental. A reforma estava perdida, “o concílio só serviu contra ela para a sofismar e anular”.
Ontem como hoje, e em qualquer sector da sociedade, aí está em evidência o mecanismo de recuperação pelos poderes instituídos de todas as ideias de mudança que lhes ameacem o domínio.
Não é ilegítimo associar a esta tirania a dissolução de costumes a que se assiste dentro da igreja católica dos nossos dias, com os escândalos ligados a questões financeiras ocorridas com capitais movimentados por instâncias do Vaticano e esse inominável crime que constitui a pedofilia no qual se encontram envolvidos padres e altos elementos do clero de vários países.
Bem apontava Antero a dissolução dos costumes. Aí está ela, a sua evidência não engana ninguém.
(Continua)
Sábado, 16 de Outubro de 2010
Cartas Inéditas de Eça de Queiroz
Beatriz BerriniO Jornal, 1987O presente volume inclui, em Apêndice, cartas de outros missivistas e, num caso, carta não dirigida a Batalha Reis, porém a Antero de Quental. No Espólio estão muitas outras cartas de Antero, de Emília de Castro Eça de Queiroz, de Ramalho Ortigão, Eduardo Prado, Domício da Gama etc., além, é claro, dos rascunhos do próprio Batalha Reis. Isto quer dizer que somente seleccionamos para esta publicação algumas cartas não da autoria de Eça, mas que, uma forma ou de outra, pareceram-nos trazer algum contributo para elucidação de incidentes relatados ou simplesmente mencionados na correspondência de Eça para Batalha Reis. O objectivo que se teve divulgando tais cartas, portanto, foi o de torná-las mais compreensíveis e o de permitir que fossem apreciadas de outro ângulo de visão. Atingem, tais missivas, um total de dez (Apêndice), mais os fragmentos de outras incluídos nas notas que acompanham esta edição.
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Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três SéculosAntero de QuentalEditorial Nova Ática, 2005
Meus Senhores:
A decadência dos povos da Península nos três últimos séculos é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história: pode até dizer-se que essa decadência, seguindo-se quase sem transição a um período de força gloriosa e de rica originalidade, é o único grande facto evidente e incontestável que nessa história aparece aos olhos do historiador filósofo. Como peninsular, sinto profundamente ter de afirmar, numa assembleia de peninsulares, esta desalentadora evidência. Mas, se não reconhecermos e confessarmos francamente os nossos erros passados, como poderemos aspirar a uma emenda sincera e definitiva? O pecador humilha-se diante do seu Deus, num sentido acto de contrição, e só assim é perdoado. Façamos nós também, diante do espírito de verdade, o acto de contrição pelos nossos pecados históricos, porque só assim nos poderemos emendar e regenerar.
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Cem Anos de Esperança
Isabel Soares (coordenação)
Lisboa, 1979Desde há mais de cem anos uma esperança abala a terra: o socialismo democrático. Tão velho como a revolta contra a opressão e a desigualdade – como lembrou Antero – o socialismo desenvolveu-se, como teoria, ao longo do século XIX e ganhou uma dimensão universal e de múltiplas facetas durante o nosso século. Nascido das próprias contradições do capitalismo – incapaz, como este se tem revelado, mesmo nas sociedades industriais avançadas, de resolver os problemas sociais fundamentais do homem – o socialismo corresponde hoje às aspirações de muitos milhões de seres humanos, a uma maior justiça social e igualdade e ao incontido desejo de construir uma sociedade livre, de progresso e, sobretudo, fraterna.
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Sexta-feira, 15 de Outubro de 2010
Cartas de Manuel Laranjeira
Relógio d’Água, 1990Foi Laranjeira quem me ensinou a ver a alma trágica de Portugal, não direi de todo o Portugal, mas do mais profundo, do maior. E foi ele quem me ensinou a ver não poucos recantos dos tenebrosos abismos da alma humana. Era um espírito sedento de luz, de verdade e justiça. Matou-o a vida. E ao matar-se, deu vida à morte.
O seu livro «Comigo (Versos de Um Solitário)» dá-nos toda a sua alma. O seu pensamento está aí demasiado concentrado Era preciso ouvi-lo falar. E como nas suas cartas fala, creio ser o epistolário o que melhor nos revela a grandeza da sua alma.
Iluminou a cabeça, que era poderosíssima a pensar, com a chama do seu próprio coração ardente. Poucos homens conheci que tenham juntado a uma inteligência tão clara e penetrante um sentimento tão profundo. Nele, como em Antero, a cabeça e o coração travaram renhida batalha.
MIGUEL DE UNAMUNO_________________
Cartas I[1852] – 1881Antero de QuentalEditorial Comunicação, 1989Antero de Quental é porventura a personalidade mais fascinante que alguma vez surgiu no panorama literário e cultural português um dos nossos raros heróis culturais, chamou-lhe Eduardo Lourenço.
Em 1858, recém-chegado de «uma ilha remota e imersa no seu plácido sono histórico», lidera a juventude universitária coimbrã em todos os conflitos que surgiram entre o conservadorismo académico e o espírito revolucionário estudantil.
Em 1864, aos 23 anos, a hegemonia pseudocultural de Lisboa é abalada com o seu folheto Bom Senso e Bom Gosto que transforma a polémica literária conhecida por Questão Coimbrã numa luta pela independência intelectual e liberdade de opinião.
Dotado de um carácter superior e de uma vigorosa personalidade, a admiração, o respeito e o ascendente que exerceu sobre os seus contemporâneos foram unanimemente…
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Cartas II1881 – 1891Antero de QuentalEditorial Comunicação, 1989Diante de nós vai desenrolar-se a evolução de toda uma vida onde o despojamento e a procura consciente da perfeição constituem a característica dominante. «Propus-me uma coisa muito difícil porque vou vendo que se parece muito com santidade», escreverá um dia a Germano Meireles.
Os acontecimentos importantes da sua vida, aqueles que o catapultaram para a ribalta das letras ou da política, têm nestas cartas tratamento muito desigual. Assistimos assim à pouca ou quase nenhuma importância que a Questão Coimbrã lhe mereceu, e ela foi, no que lhe diz respeito, uma violentíssima explosão de indisciplina criativa e revolucionária. Dir-se-ia que os folhetos Bom Senso e Bom Gosto e a Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais haviam esgotado todo o assunto que não seria digno de ser discutido na intimidade.
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Domingo, 29 de Agosto de 2010
Operárias e BurguesasMaria Alice Samara Esfera dos Livros, 2007 No final do século XIX, princípios do século XX, estas mulheres iniciaram uma dura e longa batalha pela sua emancipação e igualdade a nível social, político e cultural. Adelaide Cabete, médica, professora e uma incansável lutadora; Alice Pestana, sempre em defesa da educação feminina e da criança; Guiomar Torrezão, a operária das letras que fez dos jornais e das suas obras publicadas em livro as armas da sua luta; Domitila de Carvalho, a primeira mulher a entrar na porta férrea da Universidade de Coimbra; Regina Quintanilha, a primeira mulher a vestir uma toga; Angelina Vidal, que deu a sua voz pelos mais desfavorecidos; Maria Rapaz, que se fez passar por homem para conseguir melhores condições de vida, são algumas das vozes deste livro. Muitas destas ambições caíram por terra com o final da I República e com o advento do Estado Novo que procura remeter as mulheres para a esfera doméstica.
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As Origens da RepúblicaFlausino TorresPrelo, 1965 Não é preciso ser um genial observador para, de 1870 em diante, verificar que ou a monarquia muda de rumo imediatamente ou caminha apressadamente para o seu desaparecimento.
Não são só os republicanos que pensam desta forma; porque as primeiras forças republicanas estão nascendo nesse momento.
Mas os monárquicos, metidos ou não na organização política ou administrativa do tempo, se não afirmam expressamente que a monarquia vai morrer, atacam-na, contudo, de tal maneira que outra coisa não se pode esperar para o futuro.
Isto não quer dizer que alguns dos maiores escritores da época não continuem a trabalhar para a monarquia. Tendo até por vezes partido da república! Lembramos neste momento Oliveira Martins, Ramalho Ortigão e Antero de Quental. Qualquer deles passa para o serviço da monarquia.
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Quinta-feira, 19 de Agosto de 2010
Sílvio CastroA exaltação da utopia enquanto fator de existência informa praticamente toda a vida de Antero de Quental. Com uma conclusão aparentemente contraditória, o suicídio, a procurada solitária morte no banco do jardim público de Ponte Delgada, em 11 de Setembro de 1891. O mesmo suicídio que aterrorizou o religioso João de Deus, mas que não o impediu de dedicar ao mais jovem amigo o belíssimo epitáfio, “No túmulo de Antero”:
“Aqui jaz pó: eu não; eu sou quem fui,
- Raio animado dessa Luz celeste,
À qual a morte as almas restitue,
Restituindo à terra o pó que as veste.”
João de Deus constituiu para Antero uma referência primordial. Ainda que aparentemente entre os dois poetas as distinções sejam claramente visíveis, assim aconteceu. O mesmo Antero capaz da mais profunda participação com o lirismo condicionado preferencialmente pela reflexão filosófica, o mesmo Antero que diante da complexidade dos fenômentos sociais procurava através da experiência direta e prática as possíveis soluções para os mesmos, percorrendo o mundo a procura de novas possibilidades do agir coerente, esse mesmo Antero é aquele que admira irrestritamente o poeta de Flores de Campo e que dele partira seja para a conquista lírica, seja para uma visão específica da mensagem do liberalismo.
O Antero que elege João de Deus como fator de modernidade é o jovem estudante, mas já poeta consagrado, que desecadeia a rebelião contra a anti-modernidade predominante em Portugal, rebelião sintetisada na chamada Questão coimbrã, de 1865. Já então Antero de Quental se apresenta como exemplo de uma síntese rara de união entre poesia e política. Já desde então faz-se ver como verdadeiro lider social, condicionando toda uma geração de grandes intelectuais.
Os arrebates dos tons usados contra a hegemonia cultural de António Feliciano de Castilho está o mesmo Antero que mais adiante saberá conduzir mentes como as de Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis, Eça de Queirós e outras na participação civil com a difícil realidade portuguesa da segunda metade do século XIX.
A partir de então Antero de Quental como que se desdobra em dois: aquele que se debruça inteiro na complexidade da condição humana e aquele outro que procura soluções políticas de equilíbrio sob o difícil regime monárquico que apesar de tudo continua a guiar o país. Essa luta de equilíbrios aparentemente contraditórios fará com que os fundadores da ação organizada do socialismo em Portugal cheguem até mesmo a participar da política oficial do governo monárquico. Antero então se prodigaliza em manter a serenidade ativa dos seus companheiros, entre os quais surgiam as mais profundas discussões. A capacidade de levar a visão utópica de suas convicções às maiores consequências faz com que Antero possa mediar entre a praticidade comportamental civil de um Oliveira Martins e a irreverente, incontida ação de um Teófilo Braga, inimigo crônico do poder da monarquia e acertor infatigável dos ideais republicanos.
Antero de Quental então é a voz capaz do maior, quase inconcebível equilíbrio. O mesmo poeta que traduz os mais altos problemas da existencialidade individual sabe atingir o polo oposto da absoluta participação, quando a traduz liricamente em poemas como o “A um poeta”:
Surge et ambula!Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levitã à sombra dos altares
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!
São seus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
Tudo isso como que tem um fim na tragicidade daquele 11 de Setembro de 1891. Um dia fatal para toda uma geração que praticamente encontra seu ponto conclusivo no episódio solitário banco de um jardim público de Ponta Delgada.
O Romantismo social português: 7- Teófilo Braga
Sílvio Castro
A história civil e cultural de Teófilo Braga está sempre muito ligada àquela de Antero de Quental. Ambos filhos da mesma Ponta Delgada, se distinguem inicialmente pelas correspondentes origens familiares. Enquanto Antero nasce e cresce num ambiente de elevadas condições materiais e sociais, Teófilo é filho de pais pobres, e na pobreza cresce, o que o leva a sacrifícios desde a mais jovem idade. Porém, mesmo dentro das maiores dificuldades, assistido sempre pelos genitores que com sacrifícios conseguem fazer com que o filho encete a carreira dos estudos superiores.Assim, pode o moço Teófilo deixar o seu natio Açores para o curso de Direito na Universidade de Coimbra. Ali encontra, já gozando a fama de grande poeta, Antero de Quental, mais velho do que ele de apenas um ano, sendo Teófilo Braga de 1843.
À natural liderança anteriana, já forte em todo o ambiente acadêmico conimbrense,
adere o sempre decidido e firme espirito do futuro lider socialista e republicano. Essa adesão correspondia a uma grande admiração pelo poeta e pelo pensador, como desde então se apresentava o autor das Odes Modernas.
As lutas próprias da Questão coimbrã servirão para unir definitivamente os dois
açorianos. Porém, enquanto depois de concluídos os respectivos cursos acadêmicos Antero de Quental se dedica às mais internacionais experiências da Era nova que se avizinhava, Teófilo Braga tendia a batalhar inicialmente para colmar de modo especial os espaços materiais negativos de sua vida de moço pobre. Começa então um longo percurso de estudioso insone, guiado pelo desejo da conquista de todos os títulos que o elevassem sempre e mais nos planos social e financeiro. Dessa grande atividade nasce uma numerosa bibliografia de estudos, a começar pela tese Teoria da História da Literatura Portuguesa, publicada em 1881, com a qual, em 1872, conquista por concurso a cadeira de Literaturas Modernas do Curso Superior de Letras da Universidade de Coimbra; bibliografia continuada em títulos como a monumental História da Literatura Portuguesa, em 11 volumes (Porto, 1896-1907). Além desse ângulo de produção erudita, Teófilo Braga pratica igualmente a poesia, começada com a juvenil coletânea de Folhas Verdes, de 1860, e culminada com A Visão dos Tempos. Epopeia da Humanidade (1894-95).
Porém, ainda que preso por esses intentos, não deixa de ser em momento algum o
batalhador incansável pelas idéias novas. Então a sempre grande admiração sentida pela guia ideológica anteriana passa por significativas mudanças: de um certo modo menos diretas ao início, mas logo em seguida vivida não mais sempre no grupo geracional, mas em ativo isolamento. Ao espírito conciliador muitas vezes demonstrado por Antero de Quental na vida política, em particular a afirmação de uma linha predominantemente liberal capaz de colaborar com o regime, até mesmo em nível de governo, encontra clara oposição da parte de Teófilo. Entretanto, seguindo sempre e coerentemente um percurso em favor dos ideais republicanos, subordinados às lições socialistas, ele conduzirá as suas atividades dentro das ações próprias da Geração de 70. A trágica morte de seu mestre de sempre deixará Teófilo Braga ferido profundamente, como o demonstra o seu admirável ensaio escrito para o livro In Memorian de Antero.
Teófilo Braga se mostra desde sempre um socialista convicto e inabalável. Suas convicções nascem de profundos estudos de autores socialistas, em particular em confronto com a obra de Proudhon. Esses estudos levam o grande pensador e ensaísta que sempre foi Teófilo Braga a um dos seus mais significativos livros, O Socialismo, estudos de rara importância para a história das idéias políticas portuguesas, e que teve a sua edição prefaciada pelo polígrafo baiano Almáquio Diniz, primeiro tradutor do Manifesto Futurista marinettiano, tradução publicada na Bahia no mesmo ano da saída do manifesto fundador do Futurismo, 1909.
Dois são os episódios que marcam a acentuação da linha radicalizada de Teófilo Braga na direção eletiva absoluta pela República. No plano mais diretamente pessoal, a morte trágica de Antero de Quental, em 1891. Assim como esse episódio pode ser tomado como o momento conclusivo da ação dos componentes da Geração de 70, o mesmo serve para a definitiva afirmação da ação política de Teófilo Braga. No plano ideológico o movente direto é o episódio do Ultimato. Teófilo Braga se associa à luta contra o fraco regime monárquico abandonando qualquer e impossível adesão à liberdade do Liberalismo, para pugnar intensamente pela democrática e ampla liberdade socialista. Socialismo e República se fundem numa única convicção nas ações do patriota Teófilo Braga.
Hoje, quando todo o Portugal comemora e festeja o centenário da República, mais do que nunca é indispensável realçar a figura do inaugural Presidente Provisório republicano que em 1910, nos plenos ares burrascosos dos novos tempos, soube dedicar-se inteiramente ao bem de seu País. Capacidade por ele diretamente renovada quando a 29 de maio de 1915, pelo Dec.-D.G. n° 100, em substituição do Presidente Manuel de Arriaga que resignara do cargo, vem proclamado Presidente da República, com mandato até 5 de outubro do mesmo 1915, quando passa a direção do Estado ao novo Presidente, Bernardino Machado.
O Romantismo social português: 8 – Guerra Junqueiro
Sílvio Castro
Possivelmente Guerra Junqueira será o mais popular poeta do romantismo comparticipante do social em Portugal, não somente preso pelo seu público nacional, mas igualmente entre os brasileiros de seu tempo. No Brasil como que se ombreia com Castro Alves, o mais amado dos poetas românticos brasileiros; ambos, Junqueiro e Castro Alves guiados pela exuberante linguagem lírica de origem huguiana.
Guerra Junqueiro vive de certo modo à parte, mas intensamente, as experiências da Geração de 70. Nele poesia e consciência política se abraçam em forma absolutamente pessoal.
O lirismo do autor de Oração à Luz resulta de uma formação fortemente religiosa, cedo transformada em experiência pessoal intensa. A religiosidade juqueiriana se aproxima então da participação com a natureza, dela se reapropiando e fazendo de tudo uma própria metafísica.
As dimensões de uma religiosidade panteista original e a logo adquirida consciência política da realidade social, em que vive, fazem de Guerra Junqueiro um poeta especial. Surgem assim vozes aparentemente contraditórias, mas eficazes: cantos feitos de subjetividade profundamente religiosa e uma viva batalha contra o poder temporal da Igreja e as deformações produzidas pelo mesmo no ambiente social, sob uma semântica poética resultada da linguagem corrente e de forte espírito satírico, como no poema “O Baptismo”:
Batipzais: arrancais dum anjo um satanás.
Desinfectais Ariel banhando-o em aguarrás
De igreja e no latim que um malandro expectora.
Dizeis à noite – limpa a túnica da aurora,
E ao rouxinol dizeis: pede a bênção da c’ruja.
Dais os lírios em flor ao rol da roupa suja.
Representais a farsa estúpida e sombria
Dum cônego a lavar um astro numa pia,
Finalmente extrais da inocência o pecado,
Que é o mesmo que extrair duma rosa um cevado,
E tudo isto porquê?
- Porque na bíblia um mono
Devora uma maçã sem licença do dono!
A irreverência tenaz contra o poder temporal da igreja é apenas uma face do amplo lirismo junqueiriano. Igualmente forte e expressivo é o tom de sua luta contra a monarquia e o poder monárquico que condena Portugal ao mais absurdo subdesenvolvimento. O espírito civil do poeta se manifesta então numa linguagem poética de exaltação sentimental de sua Nação subjugada pela política retógrada. Nesse nacionalismo sentimental, em Junqueiro ocupa posição essencial a adesão aos destinos dos pobres, dos deserdados, dos simples. Como em poemas da dimensão de “o Cavador” –
“Dezembro, noite canta o galo…
Rouco na treva canta o galo...
- Oh, dor! oh, dor! –
Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...
Oh, dor! oh, dor!”
Ou nos comoventes versos de “Os pobrezinhos” –
“Pobres de pobres são pobrezinhos,
Almas sem lares, aves sem ninhos...
Passam em bandos, em alcateias,
Pelas herdades, pelas aldeias.
...........................................................”
Forte espírito liberal, Guerra Junqueiro se divide igualmente com a prática política, representando o Partido Progressista no parlarmento e lutando nas praças civis contra a opressão do poder monárquico aos fracos e oprimidos. Esta luta encontra o maior espaço depois do episódio do Ultimato. O nacionalista orgulhoso que sempre viveu em Guerra Junqueiro não poderia aceitar tamanhas ofensas à sua pátria –
“Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da Pátria a agonizar...
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...”
O Romantismo social português: 9 – Cesário Verde
Sílvio Castro
Cesário Verde, nascido em 1855 e morto em 1886, representa um singular fenômeno no quadro geral do romantismo português. Com ele a poesia de Portugal ganha improvisamente uma modernidade desconhecida. Seus poemas, mesmo participando de uma longa tradição, rompe com os tempos e se projeta muito além de uma época pessoal, ainda que sendo principalmente fruto dela.
Filho de uma rica família de comerciantes, desde muito cedo ligou a própria existência à atividade do pai, para nela criar e desenvolver uma personalidade quase anônima, mas que cedo se projeta como uma revolução. Nasce assim um intelectual e um criador lírico que, aparentemente integrado a um ambiente burguês insuperável, de natureza mercantil, dele jamais faz parte.
A poesia de Cesário nasce no silêncio da vida que realmente não é aquela sua aparente. Mas os poemas que ele vai criando na sua curta existência lentamente o projetam num novo mundo, fantástico ainda que imediatamente real e reconhecível. Nasce com esta poesia um novo sistema de linguagem, inicialmente em contraposição a qualquer possibilidade de receptividade, mas que cedo irá desvendar a própria força no forjar diálogos e sentimentos novos.
A língua poética do poeta revolucionário é feita com a aparente sintaxe da
comunicação comum, na qual o poeta intromete a genialidade criadora de novos ritmos e de morfemas que corroem qualquer forma de indiferença e incompreensão. Novos mundos são então projetados aos que desde logo sabem penetrar na complexidade de uma nova semântica poética, na qual a metalinguagem é presença copiosa.
Partindo da tradição romântica dos sentimentos mais pessoais e da participação
serena com a natureza, o poeta cedo alarga o seu cenário sentimental ao plano urbano. A partir daí, com o surgir de uma Lisboa inédita aos ritmos poéticos portugueses e ao gosto geral de uma época, a poesia de Cesário Verde se faz revolucionária. A aparente dicção prosaica se revela fonte de invenções e de liberdade. Com ela, a receptividade se faz conquista de liberdade partecipativa.
Tudo se origina das mais profundas raízes do poeta, alimentadas de forte universalismo e de uma mágica capacidade de criar mundos inicialmente encubertos aos olhos, prontos a serem vividos na perfeita receptividade.
O sentimento do mundo do poeta é universal, ainda que sempre ligado ao seu mundo
urbano. Este se faz renovador a cada canto de uma praça ou à descoberta da gente mais simples que caminha pelas ruas pedregosas:
“ Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
..............................................................................
Toca-se as grades, nas cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,
Bem raramente encerra uma mulher de “dom”!
..............................................................................
E os guardas, que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!”
O mais consciente hino tradutor de “O sentimento dum ocidental” português é significativamente dedicado ao poeta que comovia Portugal com os seus gritos pela liberdade e a favor dos simples, dos humildes, dos desgraçados: Guerra Junqueiro. Como acontece com o poeta de Os Simples, a complexa e revolucionária poética de Cesário Verde é ela igualmente um canto da liberdade sempre reconhecida. Com esse canto a poesia de língua portuguesa se projeta no futuro enquanto um tempo real e concreto.
A partir da poesia de Cesário Verde o romantismo cumpre um longo percurso, atingindo o mais amplo sentido social e desde então fazendo-se uma constante no processo de evolução dos tempos criativos. Com ela estavam abertas as portas de todos os realismos.
Quarta-feira, 18 de Agosto de 2010
Carlos LouresA ideia de uma Península Ibérica unida politicamente não é nova. Não falando nos episódios históricos remotos em que ora Portugal, ora Castela, se tentavam mutuamente devorar, através de artimanhas, como a política de casamentos entre descendentes das linhas dinásticas ou de acções militares, episódios que tiveram o seu auge quando, entre 1580 e 1640, três reis de Castela e Aragão juntaram à sua coroa dual a de Portugal, reportando-nos a tempos mais recentes, o ideal do Iberismo tem feito correr tinta e dado que falar. Vejamos.
Personalidades como Antero de Quental, Ana de Castro Osório, Latino Coelho, Sampaio Bruno, Teófilo Braga, entre os portugueses, manifestaram, de uma maneira ou de outra, a sua simpatia por essa união. Do lado castelhano, refere-se quase sempre o mesmo nome – Miguel de Unamuno, o grande escritor e pensador nascido no País Basco, mas indubitavelmente um homem da cultura castelhana, reitor da Universidade de Salamanca no conturbado ano de 1936 em que a Espanha iria mergulhar na maior tragédia da sua história.
O pioneiro desta ideia na sua versão contemporânea, tanto quanto julgo saber, foi um andaluz de Utrera – José Marchena y Ruíz de Cueto (1768-1821) – que no seu Aviso al pueblo español (1792), propôs uma federação ibérica e republicana. Outro pioneiro, foi o catalão Joan Prim i Prats (1814-1870), militar e político que propôs um modelo federal para Portugal e Espanha. Morto num atentado o general Prim i Prats, foi a sua concepção de organização do Estado adoptada na Primeira República, proclamada em 1873 (sem a componente portuguesa, claro).
Na Catalunha, a ideia colheu mais adeptos, destacando-se o grande poeta e filósofo Joan Maragall, o lusófilo Ignasi Ribera i Rovira, Francesc Pi i Margall , presidente da Primeira República Espanhola, em 1873. Mais recentemente ainda, portugueses como Miguel Torga, Fernando Lopes-Graça, António Lobo Antunes, Eduardo Lourenço, José Saramago, entre outros, têm manifestado a sua simpatia por essa união que, olhando para o mapa da Europa, faz sentido. Falamos de uma união política, para concretização da qual seria necessário articular instrumentos constitucionais, limar arestas culturais, varrer preconceitos e desconfianças mútuos.
Teófilo Braga chegou a planificar as bases de uma Federação Ibérica, dentro da qual a Espanha teria de aceitar condições sine qua non: passar a ser uma República, dividir-se em estados autónomos aos quais Portugal se juntaria. Lisboa seria a capital dessa Federação Ibérica. Ana de Castro Osório via a união a três – «Catalunha, Castela, Portugal…Quem pudesse dar-lhes a autonomia que ambicionam os catalães e sem a qual hão-de estar sempre vexados e com razão!» Esta ideia das três entidades – Portugal, Castela e Catalunha, esquecendo a Galiza e o País Basco, enformava quase todas as teses iberistas do princípio do século XX, incluindo as de Unamuno, Ribera i Rovira, Maragall, Antero e Teófilo Braga. A ideia prevalecente era a de uma Federação de estados autónomos em quase todos os aspectos, com centros de decisão comuns – a política externa, por exemplo. E a tinta começou a correr.
Em 1906, Joan Maragall, em artigo publicado no Diario de Barcelona, defendia o ideal do federalismo ibérico. Mais perto de nós, em 1963, o escritor catalão Agustì Calvet i Pasqual, que assinava os trabalhos jornalísticos como Gaziel, escrevia no La Vanguardia, também de Barcelona, que «Poucas vezes a insensatez humana terá estabelecido uma divisão mais falsa» (do que a das fronteiras peninsulares) «Nem a geografia, nem a etnografia nem a economia justificam esta brutal mutilação de um território único».
Reunião, em Coimbra, do Círculo de Cultura Íbero-Americano - da esquerda para a direita: Egito Gonçalves, Carlos Loures, Eduardo Guerra Carneiro e António Cabral. Fèlix Cucurull esteve na reunião de Sábado, partindo para Lisboa ao fim do dia. A foto foi tirada no Domingo de manhã.Nestes mesmos anos 60 do século passado em que Gaziel publicava o seu texto, um grupo de jovens ibéricos criou um Círculo de Cultura Íbero-Americano, com objectivos confessadamente culturais e inconfessadamente políticos. Fiz parte desse grupo. Éramos meia dúzia de portugueses, gente de Lisboa, do Porto e de Vila Real, alguns catalães e maiorquinos, um escritor castelhano de Ciudad Real, um ou outro sul-americano. Elemento comum: todos vivíamos sob ditaduras e o ansiarmos pela Democracia fazia-nos aceitar uma solução em que o ideal democrático estivesse envolvido. Fizemos reuniões, publicámos livros, estávamos a preparar um boletim multilingue, quando a PIDE acabou com a festa, prendendo um de nós, o que centralizava os contactos.
Em Barcelona, houve também pelo menos uma prisão, a de um escritor catalão que a nós estava ligado. Não digo nomes, pois não sei se os outros elementos do grupo querem, ou quereriam (alguns já não são vivos), que se saiba que foram iberistas. Eu assumo que o fui. Na época, as federações pareciam funcionar bem – Jugoslávia, Checoslováquia, União Soviética… - e se era bom para eles, com culturas, línguas e até com religiões diferentes, também não podia ser mau para nós. No entanto, a guerra que dilacerou a Jugoslávia e restaurou a independência das seis nações que a constituíam, demonstra-nos que as nacionalidades são como os cursos de água que, durante as inundações, recuperam os leitos ocupados pelo cimento, usurpados pela ganância dos construtores civis. Podem ser submetidas pela força militar ou pela artimanha diplomática mas, mais tarde ou mais cedo, o sentimento patriótico explode no peito daqueles cuja independência foi suprimida. Depois desta sumária descrição do que tem sido o Iberismo e da confissão de que já fui um iberista convicto, vem a parte dramática deste texto e que se refere a um iberismo mais recente.
Nestes casos, talvez seja melhor falarmos de iberismo integracionista.
(Continua)
Sábado, 7 de Agosto de 2010
Antero Tarquínio de Quental (1842-1891) - VIIPoeta e pensador português, natural de Ponta Delgada. Nascido a 18 de Abril de 1842, Antero recebeu uma esmerada educação religiosa, ao ponto de ter planeado tornar-se sacerdote, o que, a verificar-se, não seria caso único na família.
Diz-se, por exemplo, que, aos 12 anos já se extasiava com a poesia da Harpa do Crente, de Alexandre Herculano, uma poesia profundamente mística.
Aos 16 anos, porém, estava matriculado na Universidade de Coimbra, aonde chegavam as influências de vultos como Darwin, Proudhon, Marx, Michelet, Taine, Balzac, Flaubert, Zola, entre outros. Deste modo, não admira que, após a sua saída de S. Miguel, em carta autobiográfica, registe a seguinte confissão:
«Varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungente quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida.»
Como o próprio Antero referiu numa carta a Cândido de Figueiredo, datada de 3 de Maio de 1881, dez anos antes da sua morte, era oriundo de uma família com antecedentes literários, de que destacava o Padre Bartolomeu de Quental «cujos sermões ainda hoje podem ser lidos com alguma utilidade» e o seu avô, André Ponte de Quental, «poeta nada vulgar» e amigo íntimo de Bocage. Segundo a mesma carta, publicou poemas, artigos e ensaios, entre os dezasseis e os dezassete anos, nos periódicos Prelúdios Literários, O Académico e O Instituto.
No continente desde 1855, estudou direito em Coimbra, entre 1858 e 1864. Durante esse período envolveu-se na agitação académica, particularmente através da organização secreta «Sociedade do Raio», de que era presidente. Datam também deste período as suas manifestações de entusiasmo face aos movimentos sociais europeus, bem como a leitura dos grandes teóricos do socialismo e dos filósofos da época, nomeadamente Proudhon e Hegel, que muito terão influenciado o seu pensamento. Foi igualmente no clima de agitação universitária que escreveu alguns dos seus poemas (muitas das composições que integram as Primaveras Românticas, publicadas apenas em 1872) e as Odes Modernas, publicadas em 1865.
Após deixar Coimbra, realizou uma viagem de veleiro aos EUA e Canadá, em 1869, voltando para Lisboa, onde trabalhou em actividades publicitárias em benefício dos trabalhadores, colaborando na tentativa de organizar a I Federação Internacional de Partidos da Classe Trabalhadora em Portugal. Nessa época, influenciado pelas teorias socialistas de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) e acabou editando um pequeno jornal político.
Proudhon foi um escritor político francês, doutrinário do socialismo. Entre os escritores socialistas do século XIX, cabe a ele a originalidade de ser um escritor formado nas leituras de Hegel e da filosofia dialéctica. Mais do que um político e economista, Proudhon foi um moralista: com a paixão da justiça um tanto abstracta, fundada no respeito intransigente do indivíduo. Seguindo esta linha de raciocínio podemos constatar três exigências fulcrais no seu pensamento:
1ª- O direito do indivíduo ao trabalho
2ª- A igualdade das inteligências e o nivelamento da condição social do indivíduo.
3ª- O aniquilamento do Estado por parte do indivíduo como consequência lógica e necessária da revolução.
Só com o desaparecimento do Estado é que poderá surgir uma sociedade melhor, dando Proudhon mais relevância ao papel do indivíduo, alegando que a moral, a política e a economia se baseiam numa espécie de intuição, pela qual cada indivíduo se sente solidário com todos e está ligado à sociedade, que por sua vez tem como função garantir e aumentar a liberdade individual.
Segundo o próprio: "Negamos o governo do Estado, porque afirmamos a personalidade e a autonomia das massas." Todavia, essa sociedade cada vez mais complexa e sob o efeito das necessidades económicas, impediu Proudhon de conseguir boa aceitação junto do operariado.
Ainda em 1865, e reagindo a Castilho, despoletou-se a Questão Coimbrã, tão importante na evolução da cultura portuguesa, defendendo já a missão social da poesia por oposição ao lirismo ultra-romântico.
A Questão Coimbrã também se designou por Bom-Senso e Bom-Gosto. Os dois protagonistas são, por um lado, António Feliciano de Castilho e, por outro, Antero de Quental. Tudo começou com a proclamação de Castilho, no prefácio do poema de Pinheiro Chagas, Poema da Mocidade, de que o texto em questão tinha bastante nível e o seu autor um talento invejável. Na opinião de Antero, esta era apenas uma forma de louvar um dos seus jovens protegidos. Este facto levou Antero a lançar um opúsculo intitulado Bom-Senso e Bom-Gosto.
Estava montada a guerra literária que foi considerada como a polémica mais renhida de sempre em Portugal. O próprio Camilo se envolveu nesta polémica ao escrever Vaidades irritadas e irritantes, em que atacava, com sarcasmo, a nova geração literária. Em suma, pode-se dizer que esta polémica não foi mais do que um confronto entre os defensores do velho Romantismo, já a agonizar, e a juventude apologista do movimento literário que se seguiria, o Realismo.
Antero ascendeu, assim, a mentor da Geração de 70, pelo menos numa primeira fase. Entretanto, e após uma breve passagem pela terra natal, empregou-se como tipógrafo em Lisboa (1866), e depois em Paris, numa tentativa de contactar o mundo operário real.
De regresso a Lisboa, colaborou com José Fontana na elaboração de associações operárias e, ao mesmo tempo, dedicou-se à intervenção revolucionária escrevendo folhetos propagandísticos e artigos para a imprensa. Fundou, em 1872, a secção portuguesa da Associação Internacional dos Operários.
Ainda em 1865, publica Bom Senso e Bom Gosto, carta a Castilho, que teve várias edições em Coimbra e Lisboa, e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, em Lisboa.
A este período de combate, que perdurou até cerca de 1875, esteve também ligada a organização das Conferências do Casino, ciclo da responsabilidade do grupo do Cenáculo (que incluía Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Batalha Reis, entre outros), que Antero elevara a centro de reflexão política, social e cultural.
Nas conferências, leu um dos seus textos de análise histórica mais célebres – «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares» – que corresponde aos desejos de transformação do país que animavam a sua geração.
Em 1873, a morte do pai fê-lo regressar aos Açores, dotando-o de uma herança que lhe garantiu uma vida sem problemas económicos. Entretanto, atacado por uma doença estranha (identificada por alguns como psicose maníaco-depressiva), foi obrigado a moderar a sua actividade. Dirigiu ainda, com Batalha Reis, a Revista Ocidental (1875). Iniciou-se então um período de profundo pessimismo, que o levou a um sentimento da morte e da aniquilação pessoal (e universal), numa espécie de nirvana budista, como única forma de libertação face aos desespero de uma vida que via apenas como ilusão e vazio, e que os seus Sonetos Completos (reunidos em 1886) ilustram. Este período terminou por volta de 1880.
É, pois, este estado pungente de dúvida e de incerteza que irá determinar a sua poesia ao longo da sua vida, independentemente de alguns estudiosos, nomeadamente contemporâneos seus, como é o caso de Oliveira Martins, pretenderem definir diferentes períodos de produção literária.
Depois de ter afirmado, aquando da publicação das Odes Modernas, que «A Poesia moderna é a voz da Revolução», a sua obra poética ganha alcance em temas como a Justiça, a Fraternidade, o Amor, a Solidão, Deus, a Morte e o Nada, o que revela, à evidência, as suas verdadeiras preocupações.
A par dos que defendem a estratificação da sua obra de acordo com diferentes períodos da sua vida, há também quem afirme estarmos diante de um espírito em permanente convulsão, no qual já se sente fermentar a gestação duma heteronomia não declarada, que apenas viria a ganhar corpo, tal como a conhecemos, em Fernando Pessoa.
Não admira que o protagonista da célebre Questão Coimbrã, na generosidade da sua juventude e no espírito vanguardista das Odes Modernas, se dirigisse aos poetas do seu tempo, incitando-os ao combate em nome de valores como o Amor, a Fraternidade e a Justiça, que, no fundo, alimentavam o seu sonho de mudar o mundo: Tu que dormes, espírito sereno / [...] / [...] / Longe da luta e do fragor terreno, / / Acorda! É tempo! [...] / [...] / [...] / Um mundo novo espera só um aceno... / / Escuta! É a grande voz das multidões! / São teus irmãos, que se erguem! São canções... / Mas de guerra... e são vozes de rebate! / / Ergue-te, pois, soldado do Futuro,».
Num outro soneto, depois de falar «Dum Deus que luta, poderoso e inculto» e que se manifesta nas florestas, na serra, no espaço constelado, no mar, estabelece o contraste com o que se verifica nas «negras cidades», naquilo que me parece ser clara alusão às consequências da Revolução Industrial: «Mas nas negras cidades, onde solta / Se ergue, de sangue, a revolta, / Como incêndio que um vento bravo atiça, / /Há mais alta missão, mais alta glória: / O combater, à grande luz da história, / Os combates eternos da Justiça!».
Em meio a essas actividades, foi acometido por crescente descontentamento. Abandonou muitos projectos e rasgou antigas poesias. A seguir, desenvolveu séria doença na coluna para a qual os tratamentos traziam apenas alívio temporário. Durante período de calma intermitente, escreveu alguns de seus últimos e melhores sonetos.
Em 1881, retirou-se para Vila do Conde, assumindo a educação das filhas, entretanto órfãs, de Germano Meireles, um seu amigo, e vivendo em relativa calma até ao fim dessa década. Aceitou ainda, em 1890, a presidência da Junta Patriótica do Norte, um dos movimentos da reacção do ultimato inglês.
Aos seus problemas pessoais e à persistência da doença, somava-se a desilusão face ao estado do país. Em 1891 regressou a Ponta Delgada e, nesse mesmo ano, suicidou-se.
Sofrendo de intensa dor física, insónia e de pressão aguda, sentou-se em frente ao Convento do Senhor Santo Cristo dos Milagres, num banco de cimento onde estava gravada a imagem de uma âncora atravessada em diagonal pela palavra “ESPERANÇA”, e lá se suicidou, com dois tiros no peito.
A obra de Antero, que reflecte, quer uma evolução, quer a coexistência simultânea de várias facetas da sua personalidade e de um intenso drama interior, é fundamentalmente a de um pensador, de um doutrinário e conceptualizador.
Mesmo o sentimento erótico e amoroso, presente em poemas de juventude, acaba por se tornar fundamentalmente alegórico, reflectindo anseios e abstracções, mais do que uma emotividade pessoal do poeta.
Porém, a cruel realidade da vida desvanece tamanho altruísmo e o herói vacila, evidenciando um espírito cada vez menos sereno e comportando-se como barco à deriva em mar revolto e tempestuoso, em busca desesperada dum seguro porto de abrigo. Se, num soneto, por exemplo, faz a apologia da luz, num outro, embrulha-se na protecção da noite: «Amem a noite os magros crapulosos, / e os que sonham com virgens impossíveis, / E os que se inclinam, mudos e impassíveis, / À borda dos abismos silenciosos... / / [...] / / Eu amarei a santa madrugada, / E o meio-dia, em vida refervendo, / E a tarde rumorosa e repousada. / / Viva e trabalhe em plena luz: depois, / Seja-me dado ainda ver, morrendo, / O claro Sol, amigo dos heróis!».
«Noite, vão para ti meus pensamentos, / Quando olho e vejo, à luz cruel do dia, / Tanto estéril lutar, tanta agonia, / E inúteis tantos ásperos tormentos...».
É inegável que é já o reflexo do desalento que manifestará em muitos outros poemas, de que é exemplo paradigmático O Palácio da Ventura, um soneto em que podemos assistir a uma espécie de balanço introspectivo da sua vida: «Sonho que sou um cavaleiro andante / Por desertos, por sóis, por noite escura. / Paladino do amor, busco anelante / O palácio encantado da Ventura!»
Apesar das adversidades anunciadas, de forma eloquentemente metafórica, no segundo verso, este paladino do amor (universal), procura, ansiosamente, o palácio da Ventura, isto é, tudo o que possa simbolizar o seu sossego, a sua tranquilidade, no fundo, a felicidade a que todo o ser humano aspira por direito de nascença. Todavia, antevê-se já a frustração final deste cavaleiro. É que se trata de um cavaleiro que se não afirma como sendo, mas como sonhando que é, e, como se não bastasse, o quarto verso aponta para um objecto de busca que só ganha forma no mundo a que pertence, o mundo feérico e onírico, o mundo da fantasia.
«Mas já desmaio, exausto e vacilante, / Quebrada a espada já, rota a armadura... / E eis que súbito o avisto, fulgurante / Na sua pompa e aérea formosura!»
O desafio parece inumano, por isso não é de estranhar a tibieza manifestada nos dois primeiros versos desta segunda quadra. É apenas um momento mais de desalento, como tantos da sua vida. Entretanto, parece avistar, lá longe, o objecto da sua busca, uma espécie de luzinha no fundo do túnel, fazendo renascer a esperança. Mas, tal como acontece aos beduínos do deserto (elemento apontado já na primeira quadra), constata-se que tudo não vai passar duma mera miragem, fruto do seu ardente desejo, fruto duma ânsia desmedida: «Com grandes golpes bato à porta e brado: / Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... / Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais! / / Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...» E enquanto as portas se abrem, parecerá infindável esse momento de enorme expectativa: é fácil adivinhar a ansiedade do cavaleiro que quer ver banidos para sempre os seus desesperos, os seus sofrimentos, as suas angústias. «Mas dentro encontro só, cheio de dor, / Silêncio e escuridão – e nada mais!»
Não espanta, por isso, que um espírito, num estado de alma como este, procure, desesperadamente, a tranquilidade final e absoluta – absoluto que, no fundo, terá sido a grande causa de toda a sua angústia existencial: «E o homem porque vaga desolado / E em vão busca certeza que o conforte? / / Mas, na pompa de imenso funeral, / Muda, a noite, sinistra e triunfal, / Passa volvendo as horas vagarosas... / / É tudo, em torno de mim, dúvida e luto...».
Daqui ao refúgio na morte é apenas o tempo de um ai: «Se esta espada que empunho é coruscante, / (Responde o negro cavaleiro andante) / É porque esta é a espada da Verdade. / / Firo mas salvo... Prostro e desbarato, / Mas consolo... Subverto, mas resgato... / E, sendo a Morte, sou a liberdade.». A liberdade, sim, porque a morte liberta-o de todo o sofrimento: «Em mim, os Sofrimentos que não saram, / Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem. / As torrentes da Dor, que nunca param, / Como num mar em mim desaparecem.» Não surpreende, pois, que o poeta se lhe entregue: «Dormirei no teu seio inalterável, / Na comunhão da paz universal, / Morte libertadora e inviolável!».
No entanto, reminiscências da sua cultura judaico-cristã parecem trazer à superfície um certo complexo de culpa, que não de pecado: «Talvez seja pecado procurar-te, / Mas não sonhar contigo e adorar-te, / Não-ser, que és o Ser único absoluto.»
Esta é, talvez, a grande verdade a que chegou o espírito angustiado do poeta: a morte como único absoluto a que pode ascender a razão humana.
Num último golpe de desespero, lança-se nas mãos da sua derradeira e extrema pretensão, a de um Deus no qual gostaria de acreditar: «Na mão de Deus, na sua mão direita, / Descansou afinal meu coração. / [...] / Como criança, em lôbrega jornada, / Que a mãe leva no colo agasalhada / E atravessa, sorrindo vagamente, / / Selvas, mares, areias do deserto... / Dorme o teu sono, coração liberto, / Dorme na mão de Deus eternamente!».
Mas, ainda agora, o sono não é um sono profundo e tranquilo: [Deus] «Buscou quem o não quis; e a mim, que o chamo, / Há-de fugir-me, como a ingrato filho? / Ó Deus, meu pai e abrigo! Espero!... Eu creio!».
Será que crê? Se tal fosse verdade, desaparecer-lhe-iam todas as dúvidas que lhe alimentam as angústias, desapareceriam os pesadelos de seu sono intranquilo: «Só uma vez ousei interrogá-lo: / - “Quem és (lhe perguntei com grande abalo), / Fantasma a quem odeio e a quem amo?” / / – “Teus irmãos (respondeu), os vãos humanos, / Chamam-me Deus, há mais de dez mil anos... / Mas eu por mim não sei como me chamo...”.
Por mais que proclamasse a conversão, é de crer que nunca a terá alcançado, para infelicidade sua: «Entre os filhos dum século maldito / Tomei também lugar na ímpia mesa, / [...] / Mas um dia abalou-se-me a firmeza, / Deu-me rebate o coração contrito! / / Erma, cheia de tédio e de quebranto, / Rompendo os diques ao represo pranto, / Virou-se para Deus minha alma triste! / / Amortalhei na Fé o pensamento, / E achei a paz na inércia e esquecimento... / Só me falta saber se Deus existe!».
Como viver em paz um espírito assim?
Antero de Quental pôs termo à vida em 11 de Setembro de 1891.
Poeta da razão, da revolução, mas também do pessimismo, foi um sonetista exemplar.
Em prosa, onde revela grande poder oratório, levou a cabo o melhor da sua obra crítica e doutrinária, na análise da filosofia da história portuguesa (como em Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, ensaio publicado, em 1890, na «Revista de Portugal», de Eça de Queirós) e na crítica do positivismo então dominante, a que opunha a necessidade de uma consciência espiritual no mundo. A esta concepção está ligada a ideia de santidade que sempre o dominou — não no sentido religioso cristão, mas com expressão no seu espírito belicoso, numa epopeia da humanidade e da revolução, na sua fase combativa, e, em princípio e fim de vida, num apelo místico interior.
Pela sua estatura intelectual, pela mestria da sua técnica do soneto e pelo seu contributo para a história das ideias, é um dos nomes fundamentais da cultura portuguesa.
Tal como José Fontana, Antero de Quental é considerado um dos grandes inspiradores e fundador do Partido Socialista português.
Segunda-feira, 2 de Agosto de 2010
José Fontana (1840-1876) -II
Giuseppe Silo Domenico Fontana — dito José Fontana em português — filho de Maria Clara Bertrand Bonardelli e de Giovanni Battista Fontana, nasceu em Cablio (Suíça) a 28 de Outubro de 1840 e morreu em Lisboa a 2 de Setembro de 1876, tendo conservado sempre a nacionalidade suíça, como consta no registo do funeral, realizado no Cemitério Ocidental de Lisboa (Prazeres).
Com a profissão de encadernador e depois caixeiro de livraria, entrou para o serviço da Livraria Bertrand, da qual chegou a ser sócio.
Autodidacta, extraordinariamente culto, interessado nos problemas sociais da época, acompanhou a criação das primeiras associações operárias portuguesas e foi elemento decisivo para a criação do Partido Socialista em Portugal, no seguimento das resoluções do Congresso da Internacional Operária realizado em Haia e que preconizavam a criação de partidos operários nacionais.
Muito novo ainda abandonara o seu país e viera para Portugal. Em rapaz fizera tudo o que todos fazem: namoricara, comera, bebera... Depois, pouco a pouco, à sua vivacidade enérgica aliou-se aquele tom sombrio de reflexão, que o fizera tal qual o veremos mais tarde.
Atribui-se-lhe actividades revolucionárias na terra de origem, mas desconhece-se todavia a data da sua entrada em Portugal, para onde emigrou de forma a fugir às perseguições policiais de que por certo era alvo.
Em Portugal, começou por frequentar o Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, (CPMCL) aí propagandeando as teorias socialistas, nomeadamente as de Proudhon, tanto em voga na época.
Aquando da chegada a Lisboa dos delegados do Conselho Confederal Espanhol da Associação Internacional dos Trabalhadores, que se dirigiram ao CPMCL para contactarem os mais conscientes militantes desta agremiação, José Fontana destaca-se desde logo como figura de grande prestígio e audiência na massa operária do Centro Promotor.
Mas a fase federal-socializante do Centro encontra algumas resistências por parte dos republicanos, o que faz com que este se dissolva para dar lugar ao aparecimento de duas outras associações, ambas co-fundadas por José Fontana: Associação Protectora do Trabalho Nacional e, logo a seguir, aquela em que José Fontana mais se empenhou, a Fraternidade Operária, em Janeiro de 1872.
Por esta época, José Fontana liga-se a um grupo de intelectuais de que fazem parte, entre outros, Antero de Quental, Jaime Batalha Reis, Eça de Queirós, Adolfo Coelho, etc., que estão na origem das Conferências do Casino Lisbonense, das quais ele, Fontana, foi a alma no que tocou à agitação e propaganda.
As Conferências do Casino podem considerar-se um manifesto de geração. Denominam-se assim por terem tido lugar numa sala alugada do Casino Lisbonense e foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa no ano de 1871 pelo grupo do Cenáculo formado, por sua vez, pelas mesmas pessoas, mais ou menos, que constituem a Geração de 70.
Um grupo de jovens intelectuais do final do século XIX, liderado ideologicamente por Antero de Quental e José Fontana e do qual fizeram parte alguns dos maiores escritores da História da Literatura portuguesa, como Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Téofilo Braga e Guerra Junqueiro, formou o essencial da chamada geração de 70.
Iluminados por ideias inovadoras que beberam da cultura europeia, sobretudo da francesa, irão opor-se a um governo monárquico cada vez mais contestado nos finais do século. Racionalistas, herdeiros do positivismo de Comte, do idealismo de Hegel e do socialismo utópico de Proudhon e Saint-Simon, protagonizaram uma autêntica revolução cultural no nosso País, agitando consciências e poderes estabelecidos.
Os movimentos do Fontismo e da Regeneração acentuaram os desequilíbrios económicos crónicos da sociedade portuguesa. As dívidas ao estrangeiro contraídas para pagar as infra-estruturas, agravam a situação económica (no fim da Regeneração o País estava na falência); o falseamento das instituições, a astúcia dos políticos, a fraude e a corrupção do poder político; são os condimentos que contribuem para uma degradação acentuada do estado da Nação. Acresce ao panorama o predomínio da mentalidade rural sobre a urbana; a indústria moderna não se desenvolveu, a concorrência estrangeira derrubou a fraca indústria portuguesa e nos campos a situação era aflitiva, com o consequente aumento de emigração, sobretudo para o Brasil.
Nas Artes e nas Letras persistiu a falta de apoio que agravou as difíceis condições de vida dos Artistas. Os escritores precisavam da protecção do Estado, e este oferecia importantes cargos no Governo em troca do "controlo da pena" – e daqui surge a chamada "literatura oficial".
É contra todas estas condições (que contrastavam com o avanço no resto da Europa) que surge a Geração de 70, que, por volta de 1865, se insurge sobretudo contra o exagero caduco e balofo do gosto ultra-romântico, contra o monopólio de António Feliciano de Castilho.
Antero de Quental chamou à escola de Castilho a "Escola do Elogio Mútuo", já que os seus membros passavam o tempo a elogiar-se mutuamente, para prestígio do grupo. A Geração de 1870 defende uma maior abertura à cultura europeia, e uma reforma do País, sobretudo a nível cultural.
Denota-se no grupo a influência do socialismo utópico com laivos republicanos e uma influência francesa muito forte, de pendor anti-clerical.
São disso exemplo a Questão Coimbrã e as Conferências do Casino. Esta revolução cultural acabaria mesmo por culminar numa revolução política: a instauração da República, a 5 de Outubro de 1910.
A ideia destas palestras surgiu na casa da Rua dos Prazeres, onde na época reunia o Cenáculo. Pode definir-se o Cenáculo como um grupo de jovens escritores e intelectuais, denominados de vanguarda, que trazem de Coimbra para Lisboa a disposição boémia e tentam agitar a sociedade no que diz respeito a questões políticas e mesmo sociais, agitação esta que terá como ponto culminante as Conferências Democráticas do Casino, organizadas pelos artistas e literatos que fundam e frequentam este grupo.
Esta espécie de tertúlia, iniciada por fins de 1867, tem como seu primeiro local de reunião a casa de Batalha Reis, na Travessa do Guarda-Mor, n.º 19 hoje Rua do Grémio Lusitano, situada no cruzamento desta rua com a Rua dos Calafates, actualmente Rua Diário de Notícias, no Bairro Alto.
Por esta altura eram frequentadores desta tertúlia Salomão Saragga, José Fontana, Lobo de Moura, Mariano Machado, Manuel Machado e outros, nomeadamente Eça, Antero, Batalha Reis.
Quando Antero e Batalha Reis mudam de casa, passando a habitar uma sobreloja que dava para o Jardim de São Pedro de Alcântara as reuniões mudaram-se para a plataforma inferior desse jardim, onde Eça de Queirós os encontrou aquando do seu regresso da viagem ao Oriente para assistir à inauguração do Canal do Suez.
Mais tarde Antero e Batalha Reis mudam-se para a Rua da Cruz de Pau, n.º 20, 2º andar, ao Alto de Santa Catarina, permanecendo durante pouco tempo, mudando-se de novo para o 1º andar do n.º 63 da Rua dos Prazeres, até 1872, onde planeiam as famosas Conferências Democráticas do Casino.
Antero e Batalha Reis alugaram a sala do Casino Lisbonense, situado no Largo da Abegoaria, presentemente de Rafael Bordalo Pinheiro. No jornal "Revolução de Setembro" foi feita a propaganda a estas Conferências.
A 18 de Maio foi divulgado o manifesto, já anteriormente distribuído em prospectos, e que foi assinado pelos doze nomes que tinham intenções organizadoras destas Conferências Democráticas.
Nesse manifesto podia ler-se:
«Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como deve regenerar-se a organização social.
Sob cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e o porquê dos movimentos.
Pareceu que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias e a legitimidade desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela deve ser; como as Nações têm sido, e como as pode fazer hoje a liberdade; e, por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as correntes do século.
Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações.
Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos;
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;
Procurar adquirir consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;
Tal é o fim das Conferências Democráticas.
Têm elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.
Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que pretendem ter uma acção – embora mínima – nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos.
Lisboa, 16 de Maio de 1871»
Como já foi referido, José Fontana está na origem das Conferências do Casino Lisbonense, participando como principal animador no que reporta às lides da agitação e da propaganda em prol das mesmas.
É, contudo, no âmbito do movimento operário e socialista que José Fontana dedica a sua maior atenção.
Naturalmente que não sendo Portugal um país fortemente industrializado — não o é ainda hoje, como seria há 100 anos?! também nunca poderíamos ter um grande movimento sindical.
A pouco mais de um quarto de século do ano de 1900, exactamente em 1872, é quando tem lugar a criação da Federação Portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores (I Internacional). A A.l.T. tinha sido fundada 8 anos antes, em Londres, numa Conferência que reunira sindicalistas dos principais países da Europa e da América (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Suíça e Estados Unidos) e uma das decisões aí tomadas fora precisamente a de que em cada país se constituísse uma Federação ou uma Secção da A.I.T.
Graças ao esforço de homens como José Fontana, Antero de Quental, Azedo Gneco, Sousa Brandão, Nobre França e Batalha Reis foi possível dar esse primeiro passo de tão relevante importância na história do movimento sindical português.
Foram, de resto, estes mesmos homens que deram origem ao Partido Operário Socialista Português (POSP), fundado em 1875.
Fontana foi um activo promotor da resistência operária através de greves e coube-lhe a organização das primeiras manifestações do 1.º de Maio. Elaborou vários discursos inflamados em defesa dos seus ideais e redigiu vários folhetos de propaganda.
«A actividade o trabalho de Fontana na Fraternidade não tiveram rival. Aparecia subitamente numas poucas de reuniões na mesma noite, encontrando-se tão depressa em Alcântara como no Beato, em Santa Clara como no Poço do Bispo. Era um homem, um trabalhador às direitas!». - Recorda Luís Figueiredo, companheiro de luta.
A sua figura e capacidade oratória, tornam aos poucos carismáticas para o movimento operário e socialista português. O mesmo Luís de Figueiredo descreveu assim José Fontana: «[…] era daqueles que nunca se esquecem mais, uma vez encontrados na vida. Tinha um não sei quê de nobre e simpático que o inundava duma tonalidade doce e meiga, que o fazia atraente e vago. Quando ele falava, vagarosamente, espaçando as palavras e seguindo-as nos ares com o seu grande dedo comprido e descamado, recorrendo à parábola e pintando comovido as misérias dos operários, […] tomava um aspecto singular, como dum iluminado sonhador. Se tivesse nascido noutra época, Fontana seria, talvez, um asceta, um inspirado, tal é, pelo menos, a forma porque o reconstruo no meu cérebro, à distância de um bom par de anos».
Na luta contra as influências republicanas no seio do movimento socialista, José Fontana tomou para si o papel de dianteiro, ao denunciar os limites do republicanismo numa das assembleias operárias, em que se lutava pela autonomia do movimento socialista face ao arrastamento para que procuravam conduzi-lo: «Sou suíço, filho dessa República que apontais como modelo. Sou pois uma testemunha viva do que ela vale, e todos sabem que não sei enganar os que me escutam: pois bem, sob minha palavra de honra certifico à assembleia que na Suíça os operários sofrem tanto como em Portugal, que são tão desgraçados, tão miseráveis, tão tiranizados, como neste País monárquico, existe o grande tirano dos operários — o capital. Enquanto não houver igualdade económica, a igualdade política será uma mentira; enquanto o capital for senhor, o trabalho será escravo».
Militante da Federação da Associação Internacional dos Trabalhadores, manter-se-á afastado da corrente socialista encabeçada por Nobre França, prestando todavia, embora já doente, a sua caução à formação do Partido Operário Socialista Português e à Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa.
Irá compartilhar com Antero de Quental o papel de figura tutelar do socialismo português. Ao mesmo tempo que se desdobrava em intensa actividade «uma fatal doença que ainda muito novo se lhe alojara no corpo, caminhava também, aproveitando o cansaço daquele organismo para melhor o prostrar e vencer», diz Luís de Figueiredo referindo-se à sua morte. «Depois, num negro dia — o segundo do mês de Setembro de 1876 uma bala de revólver punha termo ao sofrimento de José Fontana.
Acabrunhado pela doença, inútil, quase morto, com a certeza irrevogável da sua condenação, Fontana foi um suicida, um tíbio, depois de ter sido um benemérito. Não foi um criminoso, nem um cobarde, porque tinha bem pago a sua dívida para com a sociedade e porque havia sido um valente e um herói».
Foi um incansável lutador pela causa do movimento operário e socialista, pronto a defender os direitos humanos das classes operárias. Atestam-no as cartas que dirigiu Karl Marx e a Frederich Engels para Londres e que se conservam hoje nos Arquivos do Instituto Internacional de História Social, em Amsterdão.
Não se preocupava com prestígio individual e, muito menos, com as vantagens que desse prestígio lhe pudessem vir. As suas preocupações centravam-se nos interesses colectivos. E, ao mesmo que defendia os direitos dos seus companheiros ensinava-os a terem consciência da sua condição de homens livres e dignos. Os seus escritos contêm estas noções de pedagogia política, de emancipação social e, por consequência, de liberdade.
As Conferências do Casino — aquelas célebres conferências que iniciaram o movimento democrático em Portugal — foram obra sua e de Antero de Quental.
No Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas eclipsava também Fontana os maiores oradores populares do seu tempo. Depois, o canhoneio da Comuna de Paris orientara-lhe as ideias, dando-lhes forma e definindo-lhes as aspirações. Fontana foi da plêiade brilhante dos que ousaram defender os incendiários de Paris, os petroleiros malditos e condenados. Era necessária coragem, talento, para o poder fazer!
Naqueles tempos a Havas mandava de lá (de Paris) uns telegramas fulminantes e terríveis, que faziam arrepiar os coiros aos paquidermes da ordem. Mulheres desgrenhadas, de rosto feroz e incendiado de cólera — umas megeras, espécie de bruxas malditas de alguns dos contos alemães, segundo diziam as gazetas indígenas — andaram por lá deitando petróleo pelas ventas. E, contudo, as francesas, as boas parisienses, essas endiabradas que me quebrariam a pena — tais elas são, as gaiatas! —, nunca tinham feito mais do que deitar por terra a fortuna de algum banqueiro baboso e apalermado, ou então cometem um desses actos de dedicação heróica que são o assombro da história.
À porta da Havanesa comentava-se isto tudo que Eça de Queirós tão bem desenhou. E olhava-se com susto para os comunistas da voga, uns leões que se davam ao chique de revolucionarismo retórico!
Imagine-se como não seria visto Fontana e os mais que tinham a coragem das convicções e a firmeza da consciência! Contudo, no Centro Promotor, Fontana despertara entusiasmo, agrupando-se à sua volta toda a mocidade lúcida daquela agremiação prestante.
Em 1872 estava iniciado na Maçonaria, figurando hoje entre os nomes ilustres da mesma.
Poucos deixaram obra escrita tão significativa. O Quarto Estado de Fontana merece uma referência à parte. Das conspirações de 1848, Fontana retira uma lição: a do valor da moderação e do reformismo. Fontana recusa claramente a tradição revolucionária. A tese central é a de que os operários só alcançariam benefícios quando fossem eles próprios a organizar a luta. Os progressos «postiços» não tinham garantias de estabilidade. Na opinião de Fontana, isto não significava que o movimento operário devesse excluir a colaboração de outras classes: significava que a luta teria de ser feita segundo os interesses da classe operária.
Para ele, as revoluções criavam o receio da desordem, facilitando assim o advento das ditaduras. Portugal deveria dar-se por feliz por não ter assistido ao «perigoso período de fermentação e utopia sectária» que correspondera a esses anos. Tinha por conseguinte a possibilidade de aprender com a Europa passando directamente à fase do associativismo sem conhecer o ciclo revolução-repressão. Maduros e sensatos, os operários não desejavam a revolução, mas antes «criar para si, dentro do mundo actual, condições mais favoráveis e ir assim correndo lentamente para a gradual transformação das imperfeitas instituições existentes». O fim, a emancipação dos trabalhadores, fornecia o meio a utilizar, as associações. Seria através destas e não com golpes e barricadas que os trabalhadores melhorariam a sua situação.
Fontana contesta a nascente civilização capitalista e o regime de salariato. Ao contrário de Marx, Fontana não olhava ambiguamente os progressos que a burguesia estava a dar ao mundo: olhava-os horrorizado. A nova sociedade era incompatível com o que ele queria. As suas teses correspondiam ao que pensavam os artesões ameaçados pela degradação dos ofícios: o progresso era uma catástrofe. Enquanto a linha do partido fosse esta, o sucesso do P. S. estava garantido.
José Fontana ainda trabalhou no Partido Socialista, mas a doença não permitiu que os seus esforços fossem de peso. Suicidou-se em 2 de Setembro de 1876 numa cave da Livraria Bertrand.
O seu funeral, civil como era de esperar, foi objecto de grandiosa manifestação. Cerca de 600 pessoas acompanharam o cortejo fúnebre, que saiu da Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa, até ao cemitério dos Prazeres, sendo aí esperado por 500 pessoas. O caixão, sem pano, levava em cima uma coroa de perpétuas, foi depositado no coval nº 4278, no meio da consternação geral. Na ocasião, Eduardo Maia e Azedo Gneco proferiram discursos alusivos à vida e obra de José Fontana.
Tinha 36 anos. Tal foi a vida de José Fontana, um dos fundadores do Partido Socialista em Portugal.
Segunda-feira, 24 de Maio de 2010
Carlos LouresNão queremos deixar de assinalar a passagem do centésimo aniversário da proclamação da República e, assim, vamos dedicar a esse importante acontecimento da nossa História contemporânea alguns textos. Cada um deles focará um acontecimento que, na nossa opinião, tenha contribuído para a queda do regime monárquico.
De notar, que estes despretensiosos flashes não pretendem substituir a abundante bibliografia que existe sobre o assunto. Na sua maior parte, obras concebidas por pessoas que dedicaram as suas vidas a investigar o período histórico que abordam. Estes textos, cuja informação foi muitas vezes colhida nessas obras de referência, procuram despertar o interesse pelos temas abordados e levar a ler alguns livros fundamentais. Não são monumentos, mas sim modestas tabuletas que a eles pretendem conduzir. Um dos textos futuros, o último, será dedicado à enumeração das principais obras que consultei. Eis então alguns dados.
Um dos primeiros defensores da instauração da República em Portugal foi o jornalista, escritor e político, José Félix Henriques Nogueira ( 1825-1858). Nos seus textos defendia o republicanismo e o socialismo. Expondo as suas teses sobre a instauração de um regime republicano, o municipalismo, o federalismo e o associativismo, escreveu artigos para jornais - Eco dos Operários (1851), Revolução de Setembro (1852), sendo fundador do Almanaque Democrático (1852-1855). Publicou a obra Estudos sobre a Reforma em Portugal (1852). Fundou em 1854, o jornal Progresso , que se ocupava de política e questões económicas. Natural de Torres Vedras, Henriques Nogueira morreu com apenas 33 anos. Defensor do associativismo, do cooperativismo e do iberismo, precursor da República e adepto do socialismo inspirado em homens como Charles Fourier, Louis Blanc ou Proudhon. É, por alguns historiadores considerado como um dos primeiros teóricos do ideal republicano.
Numa fase posterior e num patamar intelectual mais elevado, surge outra figura importante na construção de uma filosofia republicana - Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894). Oliveira Martins avaliou a vida política nacional e as suas insuficiências no ponto de vista da relação entre os políticos e a sociedade civil e sobretudo das limitações da opinião pública (no que tinha toda a razão). Foi, sem dúvida, mesmo quando não formalmente, o grande mestre do pensamento liberal português, na segunda metade do século XIX, interpretando o socialismo de Proudhon numa acepção autoritária. O seu pensamento teve grande influência na evolução da historiografia portuguesa.
Em 10 de Janeiro de 1875, no reinado de D. Luís, fundava-se o Partido Socialista Português (Partido Operário Socialista). José Fontana, Azedo Gneco, Antero de Quental, figuravam entre os seus fundadores. O Partido surgia na sequência das decisões do Congresso de Haia da AIT - Associação Internacional de Trabalhadores. Entre as medidas preconizadas, incluía-se a «abolição do Estado em todas as suas formas históricas» e a preparação para o advento da «República Social».
.Em 25 de Abril de 1876, foi criado em Lisboa o Centro Eleitoral Republicano Democrático, onde se juntavam diversas sensibilidades do ideal republicano. No seguimento deste processo, eleger-se-ia o Directório do Partido Republicano. Alguns historiadores consideram que este foi o primeiro passo para a constituição do Partido Republicano, formado em 7 de Setembro 1875. Resultando do Pacto da Granja, nele se fundiram o Partido Reformista e o Partido Histórico, movimentos que, desde 1871, encabeçavam a oposição ao governo regenerador de Fontes Pereira de Melo. O espírito que presidia a esta nova formação política era o da tradição «setembrista», designação para os ideais da Revolução de Setembro de 1836 – digamos que o setembrismo era constituído pela esquerda democrática do liberalismo triunfante da Guerra Civil.
Em 1878, nas eleições de Outubro, o Partido Republicano apresentou-se pela primeira vez ao eleitorado, conseguindo eleger o deputado Rodrigues de Freitas pelo círculo do Porto. Em 2 de Janeiro de 1879, mercê das divergências existentes no seio do Centro Republicano Democrático, foi criado o Centro Republicano Federal.
Porém, seria em 1880, durante as comemorações do tricentenário da morte de Camões, que as instituições republicanas e o movimento ganhariam grande impulso e implantação entre a população. Principalmente o cortejo cívico que atravessou a capital no meio de grande entusiasmo popular. A trasladação dos restos mortais de Camões e de Vasco da Gama para os Jerónimos, foram outro momento alto das comemorações, não esquecendo as luminárias.
A presença de republicanos na comissão organizadora – Teófilo Braga, Magalhães Lima, Batalha Reis, entre outros, e o envolvimento do próprio Partido Republicano na iniciativa, marca a passagem do republicanismo das salas de reuniões, para as ruas; da discussão entre gente bem pensante, saltou para o meio do povo onde o ideal foi apreendido nas suas linhas gerais, baseado em oratórias geralmente simplificadoras e demagógicas (80% da população era analfabeta).
Essa compreensão básica e linear da ideia republicana, vendo-a como solução para todos os problemas nacionais, motivou, proclamada a República, a desilusão traduzida em revoltas, motins e em golpes militares sucessivos, que acabaram por destruir a I República e conduzir à ditadura. Mas não nos antecipemos. Por hoje, quedamo-nos em 1880.