António Gomes Marques «rente ao cair da folha», uma exposição de Adão Cruz
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No regresso de uma viagem em serviço ao Porto, fiz um pequeno desvio para ver a exposição de pintura do Adão Cruz, na Galeria Zeller, em Espinho, desvio que me deu oportunidade de, por fim, ver ao vivo alguns quadros do pintor, dado que apenas conhecia reproduções em livros que têm vindo a ser editados, para além das fotografias divulgadas no «estrolabio».
Não poderia ter ocupado melhor aquele tempo. Gostei muito do que vi.
Quando vejo uma exposição de pintura, vou sempre a pensar qual dos quadros gostaria de ver pendurado nas paredes da minha casa. Nesta exposição senti que escolheria vários.
Há quem diga que a pintura é para uma elite cultural, dado que o comum dos mortais não tem capacidade para apreciar arte tão maravilhosa, do que discordo profundamente. Criem condições para que as pessoas tenham acesso a estas manifestações, levem os estudantes a visitas periódicas a museus e a exposições, tornem-nas mesmo obrigatórias no ensino secundário, ou seja, criem-se hábitos e depois veremos o resultado.
Ao ver esta exposição de Adão Cruz fui pensando em tudo isto, mas o que me faltava compreender era a razão desta pintura.
Na impossibilidade de adquirir pelo menos um dos quadros, e eleger um não me seria fácil, - a crise também não facilita e esperemos que não venha a haver alguém, um dia, a dizer que, afinal, o Medina Carreira era um optimista! - resolvi então comprar um dos livros, «Um gesto de silêncio», que reproduz muitos dos quadros expostos que tinha acabado de ver. Folheando o
livro, cheguei ao texto que o finaliza, de Eva Cruz, irmã do pintor, ficando a saber que, para além de nascer e crescer «na pequena aldeia das Figueiras do Concelho de Vale de Cambra», foi nesta vila (cidade desde Maio de 1993) que começou a exercer medicina. Escreve a sua irmã: «No fim do estágio, um grupo de amigos montou-lhe o seu primeiro consultório pessoal, a partir do qual se dedicou de alma e coração ao sofrimento de todo o povo de Vale de Cambra e concelhos limítrofes, numa altura em que a Medicina dava um salto científico e qualitativo entre o empirismo do passado e a medicina moderna.» Era isto que me faltava saber e julgo não me enganar nas conclusões a que cheguei.
Na pintura de Adão Cruz sinto as vivências do médico, testemunha privilegiada do sofrimento daquele povo, mas também do poeta que ama a natureza, cheia da beleza colorida que rodeava as gentes da zona. Adão Cruz foi testemunha do sofrimento do seu povo e, na sua pintura, sinto que sofreu em profunda solidariedade com os seus conterrâneos.
Lembro os tempos das grandes polémicas à volta dos conceitos de naturalismo, realismo, abstraccionismo, objectivismo, subjectivismo e vários outros ismos, que em vez de nos esclarecerem mais nos perturbavam a espontânea apreciação do que aos nossos olhos os artistas apresentavam para que pudéssemos, livremente, sem preconceitos, fruir da arte que produziam. Pessoalmente, valeu-me o convívio e a leitura de autores como Fernando Lopes Graça e Mário Dionísio, de Costa Ferreira, Rogério Paulo e Luís Francisco Rebello, para apenas citar os que, na minha juventude, mais me terão ensinado a ver e a usufruir da arte que ia sendo produzida no Portugal fascista de então. E valeu-me também uma outra grande corrente – o Movimento do Neo-Realismo. Claro que depois o curso de Filosofia ajudou a arrumar tudo isto. Será que arrumei?
Dou claramente preferência a uma arte que me ajude a ter uma visão dialéctica da realidade que me rodeia, que me faça acreditar que essa realidade pode ser transformada pela acção do homem, que me leve a continuar a ter esperança que tal transformação possa contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, para uma sociedade onde seja possível a igualdade de oportunidades para todos, uma sociedade solidária. A pintura de Adão Cruz está pois dentro da arte da minha preferência. Mas não confundamos a Arte com a imagem da realidade, para ter essa imagem não necessito da Arte. Da Arte necessito para me ajudar a compreender essa realidade que a Natureza me dá, para me ajudar a ver o que estará por detrás dessa imagem, para me ajudar a construir um diálogo dialéctico com o Mundo em que vivo, que me ajude a compreender o caminhar do Homem ao longo dos séculos.
Relembremos Mário Dionísio: «Não há nova arte possível fora do “desenvolvimento natural” das aquisições que a humanidade alcançou nos últimos séculos, incluindo os anos mais recentes. Tal desenvolvimento não se processa por mero acaso ou pela simpática deliberação dos artistas isoladamente considerados. Não é função de um decreto nem de um acto de fé. Pode-se interferir no seu processo, mas não é possível levá-lo pela mão. Ele nutre-se do diálogo ininterrupto – mesmo quando arredio e caprichoso – amorosamente travado entre a paleta e o mundo. Depende das relações interactuantes que permanentemente se estabelecem entre os fenómenos da sociedade e a capacidade de resposta e transfiguração dos artistas, entre a vontade dos grupos humanos e a atitude de concordância ou de rebeldia dos artistas que lhe dão voz ou a combatem, da riqueza da criação dos artistas e do comportamento dos homens perante essa riqueza. É função do que é mais geral na sociedade e do que é mais particular no indivíduo. Todas as partes estão em jogo.» (in«a paleta e o mundo», vol. 1, Publ. Europa-América, 2.ª edição, Novembro de 1973).
Esta frutuosa inquietação que esta exposição criou em mim fez-me revisitar não só a obra de Mário Dionísio, mas também a obra do meu querido e saudoso amigo Manuel da Fonseca (e deste não foi por eu estar envolvido nas comemorações do centenário do seu nascimento); fez-me também ir à procura da poesia de Adão Cruz, que não consigo encontrar nas principais livrarias de Lisboa, fez-me comprar um outro dos seus álbuns: «Hora a hora rente ao tempo», uma edição da Campo das Letras de Setembro de 2007. No texto que Adão Cruz escreve a abrir esta edição, pode ler-se, a determinado momento: «A Arte é um produto de ideias mas também um veículo de ideias. Quando deixa de ser transparente como veículo de ideias, quando não é mais do que configurações, cores e sons, transforma-se numa técnica de
entretenimento superficial dos sentidos. Quando se diz apenas produto de ideias, menosprezando o poder de relação, confina-se ao processo neuronal que a gerou e que pode ser relativamente pobre. A Arte é aquilo que vive atrás da aparência das coisas. Para que a obra adquira grandeza, os processos formais devem ser ofuscados pelo seu próprio efeito.» E, mais à frente, continua: «A Arte é sempre uma prática de meditação, uma tomada de consciência, a livre expansão de nós mesmos, inteligência viva, diálogo e libertação das forças vitais dentro de uma disciplina ética. Dito de outra maneira, a Arte é sempre impacto, desconcerto de espírito e agente de transcendência das formas físicas e de mudança das formas de ver e pensar.»
As transcrições foram longas, mas foram-me necessárias.
Há pessoas que escrevem livros, de imediato publicados, que não necessitam de publicidade e, logo à partida, têm a garantia de venda de milhares de exemplares. Há escritores, uns bons e outros excelentes, que se vêem e desejam para encontrar editor e cujas obras, quando editadas, se vão arrastando ao longo do tempo numa venda lenta e que, muito de vez em quando, lá esgotam a edição. O fenómeno não é apenas português. Claro que também acontece que estes escritores, se têm a sorte de as livrarias lhes darem visibilidade, conseguem passar a ser conhecidos e, naturalmente, a ser procurados; no entanto, com raríssimas excepções, o número de exemplares de cada edição dificilmente ultrapassa os 3000 exemplares. Mas são estes escritores que merecem que deles falemos, que gritemos ao Mundo: «Olhem para aquele livro, leiam-no, discutam-no, pensam-no!»
É dum desses escritores que vos quero falar. Não é conhecido do público, não atingiu ainda a excelência e poderá nunca a atingir se não o lermos e, assim, o levarmos a desistir.
Foi no dia 26 de Novembro de 2007 que o António Norberto Cunha me procurou trazendo um livro debaixo do braço, o que nada teria de extraordinário não fosse ele o autor. Tratava-se de «O Triângulo de Dezembro e outras ficções», livro de contos, livro que estendeu para mim, dizendo: «É para ti!» Com alguma emoção, abri de imediato para lhe pedir a dedicatória, da qual o Norberto não se tinha esquecido e que não resisto a transcrever:
A
António Gomes Marques
velho companheiro de per-
cursos e ideais e grande
amigo, com um frater-
nal abraço.
26/11/07
Norberto Cunha
Dois ou três dias depois iniciei a sua leitura, finda a qual me coloquei frente ao computador, não resistindo a escrever o texto que abaixo vos deixo (e que continuava inédito), texto esse que vos dirá a razão por que não podia deixar de o produzir, e a que chamei:
CARTA A UM ESCRITOR
Meu Caro Norberto
Já são passados mais de 2 anos sobre a resposta que me deste à inevitável pergunta que se faz a um amigo que não vemos há algum tempo: «Tenho desfrutado da companhia dos netos e do prazer da escrita». Perguntei-te de seguida o que tens escrito, pensando eu que me irias falar da «nossa» Filosofia que tanto tem ocupado as nossas vidas e tu, confesso, voltaste a surpreender-me: «Tenho escrito uns contos, pensando mesmo em publicar um livro».
Um livro, óptimo, e logo de contos, que eu sempre considerei o mais difícil na ficção. E foi este o tema que se seguiu na nossa conversa. Perguntaste-me então se eu estaria na disposição de ler alguns e, depois, dar a minha opinião. Claro que a resposta teria de ser sim.
Fui um leitor atento, mas demasiado exigente. Acredita que foi por amizade, dado temer que não passasses de mais um ficcionista no meio de muitos, o que para um amigo meu seria pouco. Tinhas escolhido a via mais difícil para fazer literatura – escrever contos. Mas, na verdade, pode ser-se muito bom contista sem atingir a mestria de um Anton Tchekhov, o melhor de todos na minha modesta opinião.
Vi, de imediato, que tinhas cuidado com a narração e que sabes perfeitamente que a literatura tem de ser construtiva e não demonstrativa, mas deixei para o futuro uma apreciação mais definitiva sobre a tua qualidade de contista. Foi, mais ou menos, o que te disse depois de lidos os 3 contos que me enviaste, havendo um deles que não me agradou, embora te tivesse dito que deverias pegar nas suas personagens, construir-lhes uma vida, sem preocupações do número de páginas para, assim, ganhares experiência para vires a ser o ficcionista que estavas a pretender ser.
Mais tarde, disseste-me que o livro estava pronto e que gostarias que eu fizesse, naturalmente com outros, a sua apresentação pública. Convite honroso que não pude aceitar por, nas datas prováveis, não estar no país. Foi pena não ter podido testemunhar este momento importante da tua vida, igualmente importante para os amigos!
Entretanto, chegou-me o livro, «O Triângulo de Dezembro e outras ficções», generosamente oferecido por ti, cuja leitura iniciei cheio de curiosidade uns dias mais tarde, logo que terminadas outras leituras (não consigo ler um só livro de cada vez).
Nos contos gosto, naturalmente, de histórias curtas que sejam capazes de sintetizar um romance em meia dúzia de páginas, ou menos, que me falem de pessoas vivas, verosímeis, que levam a nossa imaginação a procurar a solução do mistério que o autor tão bem nos sabe apresentar. Por isso, gosto dos contos de Manuel da Fonseca, do Carver, da Flannnery O’Connor, do Juan Rulfo, do Italo Calvino, como também de Ilya Ehrenburg (esqueçamos um pouco o seu estalinismo), do Guy de Maupassant, da «Servidão e Grandeza dos Franceses », de Aragon, do Miguel Torga e de muitos, muitos outros, sem esquecer o maior – Anton Tchekhov.
E gosto dos teus contos, perfeitamente enquadrados quase todos eles na minha concepção do que é um conto. Apareceram-me como narrados de dentro do universo que procuras retratar, sentindo-se muitas vezes a tua adesão ao mundo que mostras, numa linguagem simples para o leitor, bem mais difícil para o autor. Mostras dominar já bastante bem, para além da linguagem, a técnica do conto, a criação do mistério a partir de uma realidade que o leitor pode (deve) conhecer.
Por fim, não posso deixar de referir que continuaste a surpreender-me. Falo do conto «A Bandeira Moçárabe», que tomo como homenagem à terra que te viu nascer, Faro, conto esse prenhe de erudição.
Poderias ter escolhido a época pré-histórica ou a época romana, bem assinaladas por traços bem materiais; optaste pela época da ocupação islâmica, iniciada no séc. VIII, mostrando um conhecimento profundo do viver quotidiano da época que retratas e que resulta numa lição erudita que me encantou. Bem hajas!
E pronto, meu caro António Norberto, esta carta já vai longa e é tempo de a terminar.
O mês de Fevereiro tem sido bem interessante para quem queira ter um olhar sobre o PS de José Sócrates (um Partido Socialista será outra coisa). Fiquemo-nos pelo Jornal i e atentemos:
No dia 8 de Fevereiro é publicada, naquele jornal, uma entrevista com Henrique Neto, sob o título «Seguro deve avançar contra Sócrates» e, como me parece óbvio, Seguro não avança, está à espera que o poder lhe caia nas mãos, o que significa que, caso isso viesse a acontecer, a democraticidade interna sofreria algumas alterações no início até que o aparelho, essa entidade que não consta nos Estatutos, recuperasse o espaço e tudo voltasse ao mesmo, apenas com a diferença das personalidades António José Seguro/José Sócrates. O mesmo poderia escrever-se sobre António Costa.
Voltemos à entrevista. Diz H. Neto: «A partir de António Guterres começou um processo muito forte de centralização e os grupos que tomam conta do partido são cada vez mais pequenos. É sabido que José Sócrates foi escolhido numa reunião entre oito ou nove pessoas.» Temos outras afirmações importantes de HN, como, comparando com os clubes de futebol: «…, há mais reacções populares do que nos partidos políticos».
Há, de facto, uma maioria de militantes, como refere HN, que vota pela manutenção do actual Secretário-Geral com receio de perder o poder. Que poder e de quem, pergunto eu? É também por isso que o entrevistado defende eleições primárias dentro do PS, de acordo, aliás, com o que defende a Esquerda Socialista, de que faço parte, assim como HN.
Em toda a entrevista houve algo que incomodou sobremaneira Almeida Santos, quando HN diz: «… nas reuniões da comissão nacional, por exemplo, o presidente do partido, Almeida Santos, controla tudo. Só dá a palavra verdadeiramente a quem quer, corta a palavra, diz que não há tempo…» e, mais à frente: «Sim, o Almeida Santos tem culpas enormes na falta de democraticidade interna do partido». HN faz estas afirmações com base, nomeadamente, no que diz um membro da comissão nacional, eleito pela Esquerda Socialista, o qual, na edição do mesmo jornal do dia seguinte, 9 de Fevereiro, sob o título «Dirigente do PS acusa partido de apagar críticos das actas», confirma as afirmações de HN. Pode ler-se naquela edição: «Rómulo Machado escreveu recentemente ao secretariado do PS a queixar-se da forma como são elaboradas as actas e já informou o presidente do partido, Almeida Santos, sobre o mesmo assunto. “Uma coisa é as actas não reflectirem exactamente o que se diz. Outra coisa é verificar que as intervenções críticas estão a ser completamente manipuladas”, diz.»
Almeida Santos não resiste e responde com «Carta aberta ao militante do meu partido Henrique Neto», na edição do mesmo jornal de 10 de Fevereiro, onde, e é o mais importante da carta, escreve a dado momento: «Desta vez, porém, o Henrique Neto, para discordar mentiu. E isso é que é grave!»
Não resisto a registar que Almeida Santos escreve «Desta vez, …», o que nos pode levar a concluir que Henrique Neto das outras vezes falou verdade e, então, caro leitor, leia a entrevista que, não há muito tempo, HN concedeu ao Jornal de Negócios. Mas a troca de palavras continua, agora com uma carta aberta de resposta de HN, onde mostra claramente quem é o mentiroso, razão por que, é a minha leitura, Almeida Santos não responde aos desafios lançados por Henrique Neto.
Isto faz-nos perguntar: que faz correr Almeida Santos? Que interesses está ele a defender? Os do povo português não são, com toda a certeza; os do PS também não. Fica a pergunta.
Ou será que o interesse de Almeida San
tos se limita a ser coerente com o seu Secretário-Geral? Ser número 3 de um partido que tem Mário Soares e Salgado Zenha é algo de prestigiante, ser número 2 de um partido que tem José Sócrates como número 1 é bem pouco de louvar, para alguém como Almeida Santos. Ou será que Almeida Santos, afinal, não é quem eu pensava que era?
Então, impõe-se uma outra questão: será que Almeida Santos não pode deixar de ser coerente com José Sócrates? Contrariamente ao que eu pensava, Almeida Santos, profissional da política, faz jus ao que Alfredo Barroso no mesmo Jornal i, apoiando-se em «Robert Michels, um dos maiores autores clássicos especializados no estudo dos partidos políticos em democracia», escreve na edição de 15 de Fevereiro: «Graças ao conhecimento das questões essenciais e à sua experiência política, essa classe profissional acaba por se tornar indispensável. A sua “ciência” dos mecanismos internos (o chamado “aparelho”) e a habilidade para utilizar as regras do jogo (que conhece e manipula como ninguém) preservam-na de ser derrubada por súbitas inversões de maioria.» Ou seja, Almeida Santos é uma outra espécie de José Lello, muito mais inteligente e culto, claro!
O carácter de José Sócrates pode avaliar-se pelas palavras que utilizou quando exultou com o défice orçamental de Janeiro próximo passado, claramente demonstrativas do que é o seu conceito de falar verdade ao país. A «boa» notícia de que o défice caiu 100 milhões de euros, esquece que a receita, à custa da maior carga fiscal da Europa, subiu 367 milhões de euros. Leia-se o que escreveu Camilo Lourenço na 4.ª feira, 23 de Fevereiro, na sua habitual coluna no Jornal de Negócios. Ou, então, o que Paulo Trigo Pereira escreve no seu Comentário no Jornal Público do mesmo dia, intitulado “A procissão ainda vai no adro”: «Assim, pode-se concluir que o objectivo da consolidação para 2011 é reduzir o défice em 3135 milhões de euros, que o contributo do subsector Estado para esta redução é de 2732,5 milhões e que 94,2 por cento dela provirá de um aumento das receitas (ou seja, apenas 5,8 por cento deriva de diminuição da despesa). Isto significa que o OE 2011 considerou a incapacidade de o Governo reduzir a despesa do Estado, pelo que a melhoria do seu saldo provém essencialmente do aumento da receita, sobretudo fiscal.», o que confirma que, de facto, como escreve este Professor, «No Estado, o esforço de consolidação está a ser feito, sobretudo, e de forma clara, pela receita fiscal que aumentou 15,1 por cento, mas a despesa do Estado não diminuiu.»
Para concluir, diremos que no Partido Socialista é o momento de reflexão para os seus militantes. Aproxima-se o momento de escolher entre um futuro com valores socialistas e, portanto, de esperança e um futuro negro, com a direita liberal, liderada por José Sócrates, a fazer-se passar por socialista e defensor do estado social, com o ultra-liberal PSD a governar por muitos anos, mas não com os dinheiros de que beneficiou Cavaco Silva e com os quais não soube construir um país com futuro.
Há cerca de três anos, o Armando Caldas convidou-me a assistir a mais um espectáculo, por si dirigido, do «Intervalo – Grupo de Teatro», a que chamou «Uma Noite de Cabaret», a partir de textos de Ionesco e de Karl Valentin. Foi uma reconstituição de um espectáculo de «cabaret», também chamado de café-concerto ou café-teatro, espectáculo este que nos motiva a falarmos destes autores, enquadrando-os na História do Teatro, da qual, inquestionavelmente, fazem parte.
Por volta de 1900, Romain Rolland iniciou uma série de artigos na «Revue d’Art Dramatique», artigos que o autor viria a reunir em volume em 1903, a que deu o título de «Le Théâtre du peuple», livro esse que o autor definiu como «um documento histórico que reflecte as ideias artísticas e as esperanças de uma geração» e nos quais procurou «… destacar dois factos: - Em primeiro lugar, a súbita importância que o povo tomou na arte (ou melhor, a importância dada ao povo; porque o povo, como de costume, não fala e todos falam por ele). – Em segundo lugar, a extraordinária diversidade de opiniões que se abrigam sob a designação geral de arte popular.» R. Rolland conta ainda, na Introdução àquele livro: «Graças ao (…) inteligente promotor, Adrien Bernheim, realizaram-se, nos bairros populares de Paris, representações clássicas pelos actores dos grandes teatros subvencionados. Acto contínuo, Bernheim e os seus amigos exclamaram: “O teatro do Povo está fundado!” - Eis uma bela invenção! Baptiza-se o teatro burguês de teatro popular, e é quanto basta! Desta sorte, nada mudará, e numa sociedade que eternamente se transforma, apenas a arte permanecerá imóvel, condenada eternamente a um ideal caduco, a um teatro cujo pensamento, estilo e desempenho já nada têm de vivo!» (V. Luís Francisco Rebello: Teatro Moderno – caminhos e figuras, 2.ª edição, 1964).
A denúncia de R. Rolland não levou à existência de um teatro para o povo, apesar do seu empenho. Ora, nessa época, havia os cabarets ou café-concertos e outros lugares como tabernas, cervejarias e botequins, em que o essencial dos seus programas começou por ser constituído por canções, onde alguns actores de variedades passaram a ir também cantar ou representar pequenos textos de comédia e alguns mágicos a apresentar também os seus números, lugares estes que se tornam muito populares e, naturalmente, locais de frequência para as classes mais desfavorecidas, transformando-se numa moda e, consequentemente, começam muitos destes locais a atrair a burguesia e os homens de negócios, expulsando, naturalmente, os mais humildes. Os que resistem tornam-se, pelo contrário, locais de resistência, mesmo na Alemanha nazi, onde acabam por se distinguir Karl Valentin e Marlene Dietrich, entre outros, e onde o Cabaret berlinense se tinha transformado num fenómeno artístico, social e político.
Karl Valentin, nome artístico de Valentin Ludwig Fey, nasceu em 4 de Junho de 1882 nos subúrbios de Munique. Iniciou-se no mundo do trabalho como marceneiro. Cerca de três anos após a morte do pai, vendeu em 1906 a carpintaria que havia herdado e organizou uma digressão, com o pseudónimo de Charles Fey, com uma orquestra de vinte instrumentos, a que chama «orquestra viva», accionados unicamente por ele graças a um mecanismo que inventou, mas sem qualquer sucesso. Começa por se tornar conhecido como cantor popular nas cervejarias de Munique, instaladas em caves. Insiste em números cómicos, acabando por encontrar um público e o sucesso com o seu primeiro monólogo, O Aquário, em 1907.
Recentemente, recebi um «e-mail» do meu amigo Norberto Ávila, que conheci na Divisão de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura há cerca de 33/34 anos, sendo eu então Presidente da Direcção da APTA - Associação Portuguesa do Teatro de Amadores, ao qual respondi, pela mesma via, com um comentário. Eis o conteúdo de um e outro:
---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Norberto Ávila Data: 8 de maio de 2010 17:08 Assunto: Norberto Ávila / ALGUM TEATRO Para: agomesmarques@gmail.com
– Se lhe parece que os teatros deste País (Nacionais, Municipais, Independentes ou Amadores que sejam) deveriam, mais frequentemente, incluir nos seus repertórios obras de autores portugueses,
– se reconhece que, em tempos difíceis, é menos recomendável o recurso a direitos de autor estrangeiros,
– se considera que Norberto Ávila é um dos autores teatrais que merecem ser mais representados em Portugal (depois de 50 anos de trabalho dramatúrgico e uma ampla carreira internacional),
– se concorda que a ficção teatral poderá ser de tão agradável leitura quanto a ficção narrativa,
– participe na divulgação da seguinte notícia:
De: António Gomes Marques [mailto:agomesmarques@gmail.com] Enviada: domingo, 9 de Maio de 2010 22:22 Para: oficinadescrita@gmail.com Assunto: Norberto Ávila / ALGUM TEATRO
Meu Caro Norberto
Vi com muita alegria a publicação da tua obra teatral pela Imprensa Nacional; infelizmente, a editora, pelo preço que fixa, não parece muito interessada na venda dos mesmos. Eu próprio, que não posso dizer que vivo mal, tive de esperar pela Feira do Livro para adquirir um ou dois volumes (na próxima semana) da tua obra teatral, embora já tenha alguns dos livros que foste publicando, como sabes, podendo mesmo dizer que, enquanto Presidente da Direcção da Associação Portuguesa do Teatro de Amadores promovi a publicação da tua obra mais representada em Portugal e no Estrangeiro, As Histórias de Hakim, em Fevereiro de 1978, quando as editoras não se mostravam dispostas a publicar teatro, como hoje também não se mostram. É o país que temos e tu conhece-lo bem.
Este «e-mail» vai para uma quantidade enorme de amigos, lembrando-lhes que há um Teatro Português. Quanto às Companhias de Teatro, o problema é outro, ou melhor, os problemas são muitos. Quando a regra de atribuição de subsídios às Companhias se altera de modo a servir uma determinada pessoa, quando há um «lobby» que todos nós, os que ao teatro estão atentos, conhecemos, a esperança de ver mais teatro português vai desaparecendo. Por outro lado, é muito mais fácil ir ver algumas peças ao estrangeiro e depois encená-las em Portugal do que pegar numa peça que ainda ninguém encenou e apresentá-la ao público.
Não vou escrever mais, conheces-me e podes contar comigo para sessões de divulgação dos livros agora publicados, há associações abertas a esta colaboração.
Recebe o abraço amigo do
Gomes Marques
PS - Em Dezembro passado, estive de novo na tua Angra do Heroísmo e gostei muito de voltar, depois de cerca de 15 anos ou mais.
Mas quem é este autor?
NORBERTO ÁVILA nasceu numa das mais lindas cidades de Portugal, Angra do Heroísmo, Ilha Terceira - Açores, a 9 de Setembro de 1936. A sua paixão pelo teatro levou -o a frequentar, de 1963 a 1965, a Universidade do Teatro das Nações, em Paris. Criou e dirigiu a revista Teatro em Movimento (Lisboa, 1973-75). Chefiou a Divisão de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura por um período de 4 anos, cargo que abandonou em 1978, trocando uma vida estável, com ordenado garantido pela aventura da escrita, a que, a partir de então, se tem dedicado com verdadeira paixão e grande qualidade, escrita essa mais dedicada ao teatro do que à prosa e à poesia.
A sua produção é notável, com cerca de 30 peças de teatro, a parte mais significativa da sua obra, 3 romances e um livro de poesia.
Traduziu obras de Jan Kott (o polémico Shakespeare, nosso contemporâneo, uma edição da velha Portugália Editora, em 1968), Shakespeare, Tennessee Williams, Arthur Miller, Audiberti, Husson, Schiller, Kinoshita, Valle-Inclán, Fassbinder, Blanco-Amor, Zorrilla e L. Wouters.
Estendeu também a sua actividade à Televisão (Canal 1 da RTP), dirigindo uma série de programas quinzenais - Fila 1 - retratando a actividade tetaral em Portugal, na década de 80 do século passado.
Curiosamente, lembrando o velho ditado «santos da casa não fazem milagres», a obra teatral de Norberto Ávila é mais representada no estrangeiro, em países como Alemanha, Áustria, Bélgica, Coreia do Sul, Croácia, Eslovénia, Espanha, França, Holanda, Itália, República Checa, Roménia, Sérvia e Suíça., do que em Portugal. «As Histórias de Hakim», peça infantil editada pela APTA em 1978, é talvez ainda a peça de Norberto Ávila mais representada nos 4 cantos do Mundo, com traduções em alemão, francês e espanhol, e que, curiosamente, teve a sua primeira representação no velho Teatro Monumental (já desaparecido), na temporada de 1969-1970,.
Parece-nos oportuna esta edição da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, desejando nós que agora, já que não temos companhias de teatro e encenadores com coragem, os leitores se debrucem sobre este excelente autor, merecedor do reconhecimento dos portugueses.
Não posso finalizar esta minha comunicação sem falar de algo que me é muito caro: o Teatro de Amadores, servindo-me de partes do que já, em tempos, escrevi sobre esta matéria.
Falar de Teatro de Amadores (e não Teatro Amador), ou seja, dos que por amor fazem teatro, pode remeter para a área da animação sociocultural e/ou para a da divulgação cultural descentralizada.
Tempo houve em que o Teatro de Amadores tinha o respeito do País, dos meios intelectuais, do público em geral e dos meios de comunicação social. Depois do 25 de Abril conquistou mesmo o respeito do poder político, de quem obteve ajudas financeiras e alguns meios técnicos. Também os partidos políticos, sabedores de que as actividades desenvolvidas pelos Grupos de Teatro de Amadores dão o seu contributo nas transformações qualitativas ao nível do consciente, tentaram dominar a sua organização, APTA – Associação Portuguesa do Teatro de Amadores, sem qualquer êxito. O movimento tornou-se forte. Fizeram-se Festivais de Teatro de Amadores que sempre tiveram o apoio dos vários públicos, de algumas Câmaras Municipais, de uns tantos Governos Civis, como o de Viana do Castelo, da Fundação Calouste Gulbenkian e também da Secretaria de Estado da Cultura, embora não tanto como o movimento então merecia. Fizeram-se cursos dirigidos por grandes encenadores europeus, nomeadamente em Portugal: Santarém, Covilhã, Areia Branca, este último com a colaboração do Ministério da Cultura da ex-RDA. Participou-se em Festivais Internacionais e em vários cursos fora do País. Lembro, por exemplo, a participação do Grupo de Teatro de Amadores Combate do Cartaxo, no Festival Mundial de Teatro de Amadores no Mónaco, com o «Sonho do Palhaço», proporcionador de muitas manifestações de contentamento de várias delegações de diferentes países e, não posso deixar de o mencionar, até pelo contraste, das palavras extremamente simpáticas que me foram ditas pela Princesa do Mónaco, a tão conhecida Grace Kelly, que previamente me havia confirmado a sua presença no espectáculo, para o que nunca necessitou de emissários. Foi aliás uma presença constante nos espectáculos do Festival, o mesmo não podendo dizer-se do seu marido, apenas presente quando os espectáculos aconteciam na Sala Garnier, no mesmo edifício do célebre Casino do Mónaco. Em Portugal, o único governante que vimos acompanhar o Teatro de Amadores com interesse foi o António Reis.
Na era cavaquista, cujos malefícios para o país a História há-de um dia registar, os apoios governamentais já não foram os mesmos, mas, verdade seja dita, a culpa não foi apenas do poder político. A estrutura montada, com as Associações Regionais, poderia resistir. No entanto, alguns dos grupos mais fortes e mais implantados tiveram a ilusão da profissionalização, a comunicação, televisão e imprensa escrita e falada, ajudou e os grupos foram ficando cada vez mais isolados. Hoje continuam a existir muitos grupos de teatro de amadores, mas não existe o movimento do teatro de amadores. Algumas Câmaras Municipais, não em todos os concelhos onde os grupos existem, vão apoiando e a imaginação dos seus elementos faz o resto.
O historiador José Mattoso, numa importante entrevista à revista Ler de Setembro/2010, diz, em determinado momento: Uma das coisas curiosas e surpreendentes foi descobrir que aos fins-de-semana é frequente encontrar (…) pessoas que formam grupos para fazerem percursos pedestres ou que criam pequenos grupos de teatro. São grupos que muitas vezes não sabem uns dos outros. Eu interpreto isso como uma geração espontânea de sinais positivos, cujo resultado global é impossível de imaginar. Creio que as transformações sociais se dão por agregação de pequenos fenómenos. Até ao momento em que se chega a um ponto crítico. Se a agregação atinge uma determinada percentagem, que é impossível de prever à partida, dá-se uma alteração profunda. E mais à frente, diz ainda José Mattoso: são esses pequenos grupos que têm uma atitude positiva diante do futuro e do mundo. Naturalmente é nisso que ponho a minha esperança cheia de interrogações. É esperança, não é expectativa. Era isso que eu gostava que se fortalecesse.
Compete-nos a nós ajudar a concretizar esta esperança do historiador. Organizar uma nova associação do teatro de amadores é dar também um importante contributo para a necessária alteração profunda de que nos fala José Mattoso.
Agora, há que colher as lições com a história recente do teatro de amadores e torná-lo de novo num movimento forte. O INATEL poderia ser, no momento, a organização que poderia dar um dos maiores impulsos para que as potencialidades que existem se transformassem e o desejado movimento ressurgisse.
Para além dos próprios grupos, as Escolas e os seus Professores, as Associações de Pais e as Autarquias, as Associações Ecologistas e as Associações Recreativas/Desportivas deverão também ser chamadas a dar o seu contributo.
Quantos dramas se vivem no seio das famílias e das comunidades que se poderiam evitar se aos jovens fossem dadas condições para desenvolverem uma actividade tão enriquecedora como é a do teatro de amadores?
O teatro profissional, se ambiciona implantar-se em todo o País não pode continuar a ignorar os grupos de teatro de amadores.
É verdade que as dificuldades de relacionamento entre os amadores de teatro e os profissionais são um facto de sempre, sobretudo quando alguns dos componentes das estruturas profissionais não passam de amadores que fazem teatro, ou seja, não passam de «sapateiros a tocar rabecão». Os amadores de teatro necessitam de espaços para apresentarem os seus espectáculos e, neste campo, os profissionais de teatro, gerindo bem os espaços de que dispõem, poderão conseguir uma aproximação que a todos será proveitosa, não só por manter tais espaços abertos às populações, mas também por o teatro de amadores poder desempenhar com mais facilidade um dos seus papéis que é o de atrair públicos para a frequência do teatro, para a criação do hábito de ir ao teatro e, ainda e muito importante, pode também proporcionar o contacto entre todos os intervenientes: entidades referidas, populações que vivem nas áreas abrangidas, tornando possível a discussão e a solução de problemas que a todos interessam. Se os profissionais de teatro disponibilizarem os seus espaços e se, com a humildade dos inteligentes, derem também um contributo para a solução de alguns problemas técnicos que os amadores de teatro vivem, estará dado um passo importante para a confiança se implantar. Outra das razões, que os amadores de teatro dificilmente confessam, tem a ver com as concepções estéticas de alguns espectáculos profissionais que os confundem e, consequentemente, os intimidam (claro que não estamos a falar de todos os amadores de teatro, mas de uma percentagem razoável que vive espalhada pelo País). É de lembrar também que, muitas vezes, os amadores de teatro se sentem lesados por verificarem que também os profissionais, instalados ou não na sua região, se dirigem às mesmas entidades públicas na solicitação de apoios, sobretudo financeiros. Se o que atrás se diz se verificar, esta questão perderá grande parte da sua importância.
Completando algo que atrás já aflorei, os amadores de teatro são fundamentais na conquista de públicos, dado que cada vez mais as portas das escolas se lhes abrem e também por haver uma enorme percentagem de portugueses que viu teatro graças à actividade desenvolvida pelos amadores. Os profissionais devem meditar neste aspecto e não podem esquecer que os amadores se vêm tornando cada vez mais exigentes, mesmo no campo estético, por cada vez mais os grupos de teatro de amadores serem constituídos por pessoas com um grau cultural bem mais elevado do que há alguns anos, graças ao seu esforço pessoal, à sua cada vez maior formação escolar, inclusive universitária, mas também devido aos cursos de formação virados para o teatro, em Portugal e no estrangeiro.
A arrogância de muitos amadores de teatro no contacto com os profissionais tem mais a ver com a intimidação que acima se refere e também por sentirem que, de um modo geral e no que ao teatro diz respeito, sabem muito pouco em comparação com os profissionais; a arrogância dos profissionais no contacto com os amadores é, geralmente e culturalmente falando, fruto de uma grande ignorância.
Quer os profissionais quer os amadores de teatro têm de assumir as suas diferenças. Se é verdade que os amadores têm de ter consciência que não podem competir tecnicamente com os profissionais, é bom que os profissionais não esqueçam que, como nos ensina Manfred Wekwerth, muitas vezes os amadores «representam frequentemente o que observam com mais frescura». Os amadores de teatro devem procurar dar largas à sua espontaneidade e não procurar imitar os profissionais. Os profissionais, como lembra o autor citado, representam muitas vezes com os gestos de sempre: «há gestos para o amor, para a alegria, a indignação dos gestos a toda a prova transmitidos por uma longa tradição, ...».
Outra das questões fundamentais tem a ver com o prazer de representar. É verdade que muitos dos amadores de teatro encontram nesta actividade a sua forma de intervir na comunidade a que pertencem, mas não é menos verdade que o prazer de fazer teatro está sempre presente. Passar-se-á sempre o mesmo com os profissionais?
Devo falar agora um pouco de formação. Sabe-se que há várias escolas de formação para o teatro, Escolas Superiores oficiais, integradas nos Politécnicos de Lisboa e do Porto, e outras, sendo a mais antiga a Escola Superior de Teatro e Cinema, como herdeira do antigo Conservatório Nacional, com novas instalações há uns anos na Amadora. Para além dessas escolas oficiais, onde se ministram cursos para actores, cursos de realização plástica do espectáculo, cursos de produção e de dramaturgia, há várias outras escolas para a actividade teatral no país, públicas e privadas. Disseram-me que, só no Porto, há pelo menos quatro escolas, de umas e outras.
Pelo que sei da actividade teatral em Portugal, considero que a escolha dos jovens que ao teatro queiram dedicar-se não deixa de ser de um grande risco. Também outro risco constitui a forma financeira que o Estado encontrou para estas escolas, que é proporcional ao número de alunos, levando a que se formem turmas com muito mais alunos do que os que seriam recomendáveis para um ensino de qualidade. Digam depois que a culpa é dos professores, esquecendo esta forma perversa que o Estado encontra para resolver o problema do financiamento.
Terminado o curso, que espera o jovem formado? O mais natural é o desemprego ou a escolha de um emprego remunerado com o ordenado mínimo nacional em qualquer outra actividade. Uma grande percentagem dos que no teatro consigam colocação também não poderá esperar auferir mais do que esse ordenado mínimo.
E que tipo de ensino se ministra nessas escolas?
Admito que haverá escolas onde predominam programas teóricos, outras onde o ensino seja sobretudo prático e outras, como me parece desejável, onde haverá um equilíbrio entre teoria e prática.
Não conhecendo os programas que compõem cada um dos cursos, tendo em conta o papel do teatro na sociedade, não esquecendo que estamos em Portugal e que é do nosso país que tenho vindo a tratar, penso ser de todo indispensável que aos alunos destas escolas seja facultado um ensino que não esqueça os aspectos filosóficos, incluindo aqui os estéticos, os aspectos psicológicos, sociológicos, pedagógicos e também económicos. Deverão ser-lhes ministrados conhecimentos que alarguem as suas competências de modo a poderem ocupar outro tipo de vagas no mercado de trabalho: investigador, professor, documentalista, bibliotecário e até conselheiro literário, embora as editoras portuguesas não sejam muito abertas a criar vagas para tal profissão. Também, julgo eu, se justifica perguntar se, nas escolas de gestão, há a preocupação de tratar da formação em gestão das artes do espectáculo.
Obviamente, o que seria desejável é que estas escolas se preocupassem, em exclusivo, em formar pessoas para a actividade teatral, como actores, encenadores, cenógrafos, dramaturgos, mas tem de se ter presente a realidade do nosso país e criar condições para que os jovens consigam construir uma vida com o curso que ali tiveram oportunidade de concluir.
Tendo em conta as escolas existentes, também aqui o Estado deveria ter outro tipo de intervenção, perfeitamente justificado até pelo dinheiro que aplica nas várias escolas oficiais para esta actividade. O que deveria ser um investimento, transforma-se num gasto para os depauperados cofres desse mesmo Estado, gasto este pago com os impostos sacados aos contribuintes portugueses, sobretudo àqueles que trabalham por conta de outrem, sem qualquer hipótese de fuga ao fisco como muita gente rica, a começar pelos grandes investidores na bolsa, que até chegam a escapar ao pagamento de impostos de forma legal (ver, a este propósito, o meu artigo, em http://estrolabio.blogspot.com, «Eles, os poucos de sempre, comem tudo e nós, os restantes,…pagamos!», ali publicado em Agosto deste ano).
Por que não, nos apoios complementares às estruturas teatrais, criar a hipótese de beneficiar, por um período determinado, uma estrutura por cada jovem saído daquelas escolas com o seu curso concluído e que ali fizesse o seu estágio ou obtivesse o seu primeiro emprego?
Por que não criar, nos dois Teatros Nacionais, uma possibilidade de apoio a estes jovens para ali darem início a uma profissão para que se mostraram dotados? Poderiam os Teatros Nacionais, com apoios específicos para tal fim, criar pequenas estruturas onde estes jovens pudessem mostrar as suas capacidades, estruturas essas que poderiam ser constituídas apenas por esses jovens e, sempre que necessário, com o contributo de outros encenadores, actores e técnicos dos contratados pelos Teatros Nacionais. Também poderiam essas estruturas ser, logo à partida, reforçadas com este contributo para uma troca de experiências em que uns, os jovens, e outros, os mais experientes na profissão, teriam, com certeza, muito a aprender.
Há ainda uma outra interrogação que não posso deixar sem referência.
Qual a razão por que se autorizaram tantas escolas, públicas e privadas? No que respeita às escolas privadas, pode-se considerá-las como um negócio em que alguém apostou com capitais próprios e que se sujeita a perdê-los, mas quando se fala de escolas públicas já a análise pode ir mais longe, responsabilizando os vários governos que as legalizaram, dando mais um exemplo de má aplicação dos dinheiros públicos que são de todos nós. Não passam de escolas que vão formando centenas de jovens para o desemprego.
Não é chegado o momento de responsabilizar os políticos que tomam decisões asnáticas, que não tenham em conta a verdadeira realidade do país?
VII
Do que se diz no capítulo anterior logo se pode inferir que tipo de segurança no trabalho existe para quem do teatro quer fazer profissão e que, cheio de esperança, ingressou numa das escolas existentes no país.
Que dizer então dos profissionais de teatro em Portugal? Profissionais que nem direito têm a uma carteira profissional. Por muito triste que seja dizê-lo, a situação dos profissionais de teatro no tempo do fascismo estava mais acautelada, embora isto não signifique que estes profissionais tivessem alguma coisa a ganhar com o regresso àquele tempo. Permite, no entanto, apontar a incúria dos vários governos do pós-25 de Abril, alguns dos quais formados por partidos que se reclamam do socialismo.
Ouve-se dizer que os actores de teatro têm agora a oportunidade de ganhar muito dinheiro na televisão. Para além de não ganharem os dinheiros que se pensa, é bom lembrar que se trata de um trabalho precário, para além de muitas telenovelas terem elencos constituídos por gente jovem que, nessas telenovelas, vai ganhando prática de representação e que, salvo raríssimas excepções, não tem condições técnicas para a sua inclusão em qualquer elenco teatral. Lembro também que muitas das telenovelas que passam na televisão nem sequer são produzidas em Portugal.
As pessoas que do teatro fazem profissão, actores e outros, são contratados a recibos verdes, muitos deles não auferindo mais do que o ordenado mínimo nacional, durante o tempo em que têm trabalho, pois nenhuma estrutura está em condições de assegurar a todos trabalho durante todo o ano. Deste ordenado, as companhias retêm o IRS, vivendo estes profissionais do que resta. Deveriam pagar também para a Segurança Social, mas quantos o fazem? Claro que, enquanto jovens, muitos não pensam nesta questão, mas é altura de lembrar, sem querer ser dramático, que nós, humanos, somos seres para a morte, mesmo que acreditemos, o que não é o meu caso, que há uma outra vida, plena de felicidade, para além da morte.
Ao falar do Teatro Português e do Teatro em Portugal indispensável se torna falar dos textos (ou será que devemos dizer «pré-textos»?).
Quando se aborda este tema, logo se perceberá a razão por que faço esta distinção: Teatro Português – Teatro em Portugal. De facto, a larga maioria dos textos representados nos palcos portugueses ou nos espaços onde se dão as representações não são de autores portugueses.
Será que haverá muitas pessoas no nosso país que a si mesmas tenham posto esta questão? Há já muito tempo, coloquei-a a um homem do teatro português e a resposta que obtive deixou-me a pensar, de tal maneira que ainda hoje tendo a dar-lhe razão, embora a isso, por enquanto, não tenha chegado. Eis o que me foi dito: «Oh, António, encenar autores portugueses levanta um problema complicado, é muito difícil ver primeiro as suas peças lá fora!» Deixo a pergunta a todos vós: será que aquele homem de teatro tinha razão? É evidente que aquela afirmação peca por exagero e hoje já vai havendo companhias a apresentar peças de autores portugueses e encenadas por portugueses; poucas, é certo, mas já vai acontecendo. Mas não resisto a deixar a provocação, que me dá um certo gozo. Ainda outra provocação, esta bem mais apropriada. Não caberia ao Ministério da Cultura criar condições para que as estruturas apoiadas fossem levadas a incluir na sua programação textos de autores portugueses? Note-se que recuso a imposição, mas há «mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau», como costuma dizer o povo português.
No n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei que venho referindo, que trata de apoios complementares, diz-se:
O Ministro da Cultura fixa anualmente, sob proposta do IA, uma verba para apoios complementares à actividade artística principal nas áreas definidas no n.º 1 do artigo 1.º, aos criadores singulares para a edição e formação artística, e às entidades de criação para a edição, formação artística e reequipamento.
Ou seja, quase podemos dizer que só falta na legislação privilegiar como apoio complementar o levar à cena de textos de autores portugueses ou até, o que não me chocaria, textos de autores de língua portuguesa. Nenhuma estrutura teatral ficaria obrigada a encenar estes textos, mas tinham assim mais uma opção de ver aumentado o apoio do Ministério da Cultura.
Sei que alguns perguntarão. «Mas onde estão esses textos?» É chegado o momento de voltar a Almeida Garrett, que escreveu o que hoje ainda, infelizmente, se justifica escrever:
Os leitores e os espectadores de hoje querem pasto mais forte, menos condimentado e mais substancial; é povo, quer verdade. Dai-lhe a verdade do passado no romance e no drama histórico – no drama e na novela da actualidade oferecei-lhe o espelho em que se mire a si e ao seu tempo, a sociedade que lhe está por cima, abaixo, ao seu nível – e o povo há-de aplaudir, porque entende: é preciso entender para apreciar e gostar.
Procurai pois bem nos textos publicados, que são até muitos, e nos textos que esperam, ao menos, publicação e verão que encontrarão alguns textos com as características de que fala Garrett e muitas razões para levar alguns à cena. A prática daí resultante contribuirá também para melhores textos, mais ricos tecnicamente, e, no fim, todos ficaremos a ganhar, a começar pelo Teatro Português. E, quanto a mim, não haveria mais necessidade de invocar a actualidade de Almeida Garrett se se fizesse o que aqui preconizo.
É um facto que a larga maioria dos textos levados à cena no nosso país é de origem estrangeira. É um direito que assiste às estruturas e, graças a esse trabalho, têm-se visto alguns bons espectáculos servidos por textos de autores contemporâneos, alguns dos quais ainda jovens; no entanto, gostaria de ver os grandes textos do teatro mundial a ser representados com mais assiduidade em Portugal. Claro, bem sei, alguns desses grandes textos exigem encenações dispendiosas e grandes actores, mas, caramba, não será possível representar, por exemplo, Shakespeare sem grandes cenários? É evidente que tal exigiria excelentes actores e não menos excelentes encenadores, assim como bons técnicos, nomeadamente bons técnicos de luzes. Não será possível juntar uns e outros na cena portuguesa? Claro que sim, que os há, tornando-se apenas necessário que haja menos capelinhas e mais cooperação.
Sobre o teatro lírico não tenho muito para dizer, culpa minha, dado não o acompanhar com tanta atenção como à restante actividade teatral portuguesa. No entanto, com a nomeação de Mário Vieira de Carvalho para Secretário de Estado da Cultura, fiquei mais esperançoso e, naturalmente, mais atento.
Apesar de um pouco distanciado, sempre foi minha convicção de que os interesses instalados nesta área teatral necessitavam de quem fosse capaz de os enfrentar e de definir um rumo, menos elitista do que aquele que os referidos interesses sempre impuseram, nascendo em mim alguma expectativa aquando da nomeação daquele musicólogo.
Não serei, pelas razões já apontadas, o melhor dos críticos; no entanto, com as alterações que Mário Vieira de Carvalho conseguiu imprimir, naturalmente com o apoio da então Ministra Isabel Pires de Lima, julgo estar em condições de poder dizer que alguns indicadores justificaram aquela expectativa. O Teatro Nacional de S. Carlos conquistou novos públicos graças ao trabalho do novo Director Artístico, Christoph Dammann, não me parecendo que a qualidade artística tenha diminuído, conhecendo-se apenas reacções negativas dos melómanos que com o TNSC tinham uma «relação centenária», como a actual Ministra da Cultura referiu, representativos daqueles interesses de que acima falo, naturalmente preocupados com a possibilidade de os novos públicos conquistados não terem possibilidade de usar os mesmos perfumes. Vou referir apenas alguns dos números relacionados com a actividade daquele Director Artístico do Teatro Nacional de S. Carlos, que permitem alguma reflexão:
Temporada 2006/2007 n.º total de espectadores: 31.402
Temporada 2007/2008 n.º total de espectadores: 47.036
Temporada 2008/2009 n.º total de espectadores: 74.348
Outro número fundamental para melhor se ajuizar acerca das alterações conseguidas é relativo ao orçamento, o qual diminuiu, entre 2007 e 2009, 1,6 milhões de euros, recordando que o orçamento do TNSC foi, em euros, de 5,8 milhões em 2007, de 4,8 milhões em 2008 e de 4,2 milhões em 2009.
Com a nova política definida pela actual Ministra da Cultura para o teatro lírico, quanto é que o Estado vai passar a pagar por cada espectador?
Com o novo Director Artístico, Martin André (contra o qual nada me move e não é ele que agora critico, o que posso vir a fazer mais tarde, embora não o deseje), espero que o trabalho positivo que aquele teatro lírico vinha desenvolvendo não tenha retrocessos. Talvez a Ministra não dure o tempo suficiente para destruir uma obra positiva que naquele teatro se vinha implantando.
O Decreto-Lei n.º 225/2006, de 13 de Novembro, articulado com a Portaria n.º 1321/2006, de 23 de Novembro, «estabelece o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado, através do Ministério da Cultura, a entidades ou pessoas singulares que exercem actividades de carácter profissional de criação ou de programação nas áreas da arquitectura e do design, das artes digitais, das artes plásticas, da dança, da fotografia, da música, do teatro e das áreas transdisciplinares», como pode ler-se no Artigo 1.º do citado Decreto-Lei.
Dos objectivos, definidos no Artigo 3.º, destaco o que se diz nas alíneas:
a) Assegurar o acesso público aos diversos domínios da actividade artística, concorrendo para a promoção da qualidade de vida, da cidadania e da qualificação das populações;
b) Descentralizar e dinamizar a oferta cultural, corrigindo as assimetrias regionais, e promover a actividade artística como instrumento de desenvolvimento económico e de qualificação, inclusão e coesão sociais;
Ao analisar-se a distribuição das verbas destinadas a tais apoios, apenas no que ao Teatro respeita, verifica-se de imediato que as grandes fatias são distribuídas a estruturas sediadas em Lisboa e Porto, com realce para a capital. Se as estas verbas juntarmos os orçamentos dos Teatros Nacionais de Lisboa e Porto, então a diferença, para o que resta dos dinheiros públicos para o território nacional, começa a ser escandalosa a política de distribuição. Se o critério que seguirmos para este nosso juízo for a divisão em Grande Lisboa, Grande Porto e restante país, então o resultado obtido torna-se inqualificável, sobretudo quando os objectivos fixados são os que transcrevemos do Artigo 3.º do Decreto-Lei.
uero com isto dizer que as estruturas daquelas duas cidades recebem dinheiro a mais? De modo nenhum. A verdade é que o dinheiro para a cultura é insignificante e os vários Governos no pós-25 de Abril são muito criativos a produzir legislação e muito pouco interessados, se pensarmos apenas na prática, no real desenvolvimento cultural do país. Para que não haja comparações indevidas, é bom não esquecer que é só este período do pós-25 de Abril que estou a analisar.
Claro que a distribuição dos dinheiros pelas várias estruturas também é demonstrativa de vários compadrios, de grandes injustiças e, podemos mesmo dizer, que algumas dessas estruturas estão a receber apoios que a legislação, se aplicada com rigor, talvez não permita.
Deixo esta questão para outro momento, não só por não estarem aqui representadas todas as estruturas que recebem apoio, muito ou pouco que seja, e também por não querer provocar uma discussão que dificilmente acabaria durante este Congresso e que poderia até gerar conflitos insanáveis.
IV
Voltando à questão principal, que é a incapacidade do Ministério da Cultura para descentralizar, dinamizar a oferta cultural e corrigir as assimetrias regionais, é bom lembrar o preâmbulo do referido Decreto-Lei quando se propõe, com a legislação em vigor, valorizar a rede de cine-teatros e outros equipamentos culturais, que inclua a residência permanente ou periódica de entidades de criação artística, assim como promover a fixação de entidades de criação e produção artísticas no interior. Escreve-se ali também que se visa favorecer a articulação entre o apoio às artes e outras políticas sectoriais.
Analisando o que realmente acontece no país, logo se poderá concluir que de boas intenções está o inferno cheio.
Não conheço toda a rede de cine-teatros existente no país, referida naquele preâmbulo, mas admito que em tais espaços predomina o chamado teatro à italiana, até por a maioria desses espaços me parecer ser constituída por recuperações de antigos cine-teatros. Em Portugal, também há poucos arquitectos virados para a criação de outro tipo de espaços, mas ainda estão a tempo de aprender com o que fez Nuno Teotónio Pereira em Algés, onde criou o célebre 1.º Acto.
A técnica e as tecnologias admitem novas possibilidades e, ao conceber-se um espaço teatral, hoje, há que pensar em dar a mesma importância à acústica, à luz, ao movimento e à óptica e não esquecer que a cena exige, ou pode exigir, uma outra dimensão e a imaginação dos criadores não pode ver-se limitada por um palco à italiana.
Estarei a ser muito exigente? Haverá criadores, alguns entre nós neste momento, que dirão: «quem me dera ter sempre um palco à italiana!». No entanto, insisto, ninguém me tira da cabeça que com o dinheiro que se tem gasto em alguns destes teatros se poderia ter feito bem melhor. Os Recreios da Amadora é um bom exemplo, assim como me parece que com o dinheiro gasto na recuperação do Teatro Nacional D. Maria II se poderia ter feito trabalho de melhor qualidade, mais adequado à prática teatral e a um total aproveitamento das salas se tivesse havido a humildade de ouvir as pessoas que do teatro fazem profissão.
O que se quer hoje é um espaço em transformação que possa modificar-se segundo as necessidades do momento (a história da Igreja mostra como deve fazer-se: veja-se as transformações que a arquitectura das igrejas tem sofrido, servindo as necessidades e o espírito do tempo – Brasília, Macedo de Cavaleiros, ...). Não se pretendem espaços de betão gigantesco, mas também não se pretendem espaços reduzidos que não permitam a apresentação de bons espectáculos. Lembro-me bem das dificuldades para meter no palco dos Recreios da Amadora o «Tio Vânia», espectáculo estreado na Malaposta, pelo Centro Dramático Intermunicipal Almeida Garrett.
Outro aspecto a ter em conta é o conforto do espectador, e deste conforto o mais importante tem a ver com a possibilidade de apresentar o melhor espectáculo possível. Se o espaço para a cena é, evidentemente, fundamental em qualquer espaço teatral, é indispensável ter outros locais de trabalho: área administrativa, área de ensaios, oficinas, camarins, gabinete para o(s) Director(es), etc. E, pergunto: não deveria também o conforto oferecido ao espectador ser levado em conta aquando da atribuição dos apoios às várias estruturas?
I Começo por fazer uma declaração: não vivo do teatro, nem espero vir a viver! E continuo com uma pergunta que, várias vezes, tenho feito a mim mesmo: seria mais feliz se do teatro vivesse? Não sei a resposta certa, mas uma certeza eu tenho: em Portugal, a trabalhar no teatro, dificilmente viveria como vivo.
Gosto de fazer o que tenho feito ao longo de várias décadas para ganhar a vida, como é uso dizer-se, mas talvez gostasse mais de fazer teatro!
Concluindo esta questão, presto a minha homenagem àqueles que ao teatro se têm dedicado no nosso país, fazendo disso profissão e que, naturalmente, tiveram mais coragem do que eu para prescindirem de algumas facilidades que outra profissão melhor remunerada lhes poderia proporcionar.
Uma outra questão, que é para mim fundamental, tem a ver com a razão que originou a minha paixão pelo teatro e que só consigo justificar com o facto de o teatro conter todos os meios de expressão artística, sejam musicais, pictóricos, plásticos e até arquitectónicos. Com tais meios de expressão, o teatro torna-se uma arte total, capaz de representar uma universalidade de temas que têm a ver com o homem e com o mundo.
Haverá quem pense o teatro, essencialmente, como a arte do actor, o que, hoje, não me custa a aceitar. Se tivesse oportunidade de ser encenador, julgo que procuraria fazer um teatro em que predominaria a luz branca e o preto das cortinas, evidenciando sobretudo a representação do actor, para a qual procuraria chamar a atenção do espectador. Mas deixemos o sonho, que necessitaria de uma outra explicação que não cabe agora aqui.
Há ainda, para além de muitos outros, dois aspectos fundamentais que me apaixonam: o teatro é fruto de um trabalho colectivo, até mesmo com um encenador autoritário, e é uma arte que não dispensa o público. Distingue-se particularmente do cinema, pela renovação constante de espectáculo para espectáculo, ou seja, no teatro não há dois espectáculos iguais, mais diferente ainda se assistirmos a um mesmo texto em épocas diferentes, se esse mesmo texto for interpretado por diferentes encenadores e diferentes actores (isto também pode acontecer no cinema), é um espectáculo em que basta a mudança dos públicos que a ele assiste para se estar perante um espectáculo renovado. É um espectáculo que, para se concretizar, exige uma rigorosa investigação e posterior experimentação, até pela consciência que se deve ter de que se trata de uma arte em que a sua necessária unidade está permanentemente ameaçada.
II
Como intitulei esta comunicação de «Teatro em Portugal / Teatro Português», vou agora falar do fazer teatro em Portugal.
Dizia Almeida Garrett: «Teatro: Livro dos que não têm livros». No Portugal de hoje, em várias zonas do país, particularmente no interior do país, poder-se-ia continuar a utilizar tal expressão; no entanto, penso que se está na situação de poder dizer-se que os portugueses aí residentes têm acesso a quaisquer tipos de livros, sendo hoje mais fácil encontrar um livro numa biblioteca municipal do que assistir a um espectáculo de teatro, o que me parece dar uma ideia do que é o teatro em Portugal.
Antes e depois do 25 de Abril, durante 10/15 anos após esta data, foi o teatro de amadores que colmatou esta falta de teatro em muitos dos concelhos do país, estando o teatro profissional, sobretudo por razões económicas, confinado a algumas das maiores cidades do país, não tendo valor estatístico, por tão poucas, as companhias que tentaram remar contra a maré e as autarquias, salvo raríssimas excepções, também não se mostraram muito interessadas em levar o teatro ao povo. «… é povo, quer verdade», escreveu Garrett, o que para alguns políticos do nosso país não deixa de ser assustador. E será talvez o momento de voltarmos aos ensinamentos de Almeida Garrett, particularmente ao que ele escreveu na Memória ao Conservatório Real.
Poderia continuar a citar Almeida Garrett com a certeza de que não há melhores palavras para explicitar o drama que continua a viver o teatro em Portugal, quando são passados quase 156 anos sobre a sua morte (9/Dez/1854). Ainda há bem pouco tempo pude verificar como as suas propostas incomodaram muita gente responsável pela administração de um projecto intermunicipal em que participei.
Ora, a arte efémera que é o espectáculo de teatro obriga a que as produções sejam particularmente cuidadas, já que o espectáculo de teatro se alimenta do instante e vive do entusiasmo sempre novo. Para isso, os criadores conseguiram no apoio político municipal e sobretudo estatal o suporte económico para implantar os seus variados projectos, todos discutíveis, excelentes uns, bons outros e também alguns medíocres. A seguir ao 25 de Abril pensou-se «agora é que é!», tudo levando a crer que se tinham juntado as vontades indispensáveis para que o sonho se tornasse realidade.
É o momento para perguntar: que realidade temos nós, portugueses, vivido no que ao teatro respeita?
Em alguns dos programas para as legislativas, os dois principais partidos propunham-se atingir a meta de 1% do Orçamento de Estado para a cultura, o que era o retomar de uma meta antiga fixada pelo PS, mas nunca conseguida. Na verdade, houve um Governo PS que, em 2002, atingiu os 0,7%, mas, por exemplo, em 2005, os 0,6% aprovados representavam, em termos absolutos, um montante para a cultura inferior ao de 2001: 285 milhões de euros contra 294 e, agora, ao que parece, não chega a 0,35%. Quando há que fazer cortes, logo os vários Governos se têm lembrado de cortar no orçamento previsto para a Cultura, quer nas despesas de funcionamento, quer nas verbas previstas para o investimento. A vergonha do que recentemente se passou no Ministério da Cultura, com a justificação da crise que vivemos, que vale para tudo, é bem elucidativa do que pensam os governantes portugueses sobre o necessário desenvolvimento cultural do país, apesar da confissão de José Sócrates, após o fim da última legislatura, quando disse que um dos seus erros havia sido o não ter investido mais na cultura (as palavras não terão sido estas, mas o sentido foi este).
É minha convicção que a cultura é um dos itens fundamentais do desenvolvimento de qualquer país, mas desse a cultura votos e outro galo cantaria. É o momento de lembrar a esses liberais ansiosos por ocupar o poder, sempre a atirar-nos números para cima, que o sector da cultura, em Portugal, representa já 2,8% do PIB, prova clara do seu dinamismo e das potencialidades que mostra para o futuro. O próprio crescimento do emprego nas actividades culturais deveria fazer-nos pensar, sobretudo aos governantes. Este dinamismo não acontece apenas em Portugal, acontece também na União Europeia, como acontecerá noutros continentes, o que me parece demonstrar que não se trata de um fenómeno conjuntural.
O desenvolvimento cultural de um país é também sinónimo de desenvolvimento de qualificações, de que o nosso país tão carecido anda. Basta atentar nas qualificações que eram exigidas para a maioria dos empregos que se tem vindo a perder e nas qualificações que se exigem para os empregos que se vão criando e logo se concluirá pela necessidade de tal desenvolvimento cultural.
Claro que o Estado, através de todos os Governos, lá vai dando algum dinheiro para a cultura, nomeadamente para apoio ao teatro.
Que é insuficiente, todo o mundo o diz, mas interessa saber como esse pouco é distribuído.
Considero também que a tarefa dos vários titulares do Ministério da Cultura não é fácil e, das conversas que tive com alguns deles, disso fiquei consciente.
A cultura, pelo menos no nosso país, é propensa à criação de vários lóbis e o teatro não foge ao que já parece ser uma regra, péssima regra que contribui ainda mais para a incorrecta distribuição dos poucos dinheiros para os vários apoios.
*- Comunicação ao I Congresso sobre o Estado do Teatro em Portugal
Vamos lendo a imprensa e, muitas vezes, são as notícias que menos espaços ocupam que mais importantes são para a vida dos cidadãos que pagam impostos e para aqueles que, pelos baixos rendimentos que auferem, destes estão isentos.
Vejam a notícia seguinte:
Lisboa, 14 Out. (Lusa) - O líder da bancada social democrata na Assembleia Municipal de Lisboa manifestou hoje alguma "desconfiança" quanto ao novo mapa das freguesias proposto no estudo encomendo pela câmara, alegando que o PSD sai "largamente prejudicado".
"O estudo encomendado pela autarquia tem alguns problemas que têm de ser corrigidos. Mas o mais grave é que esta divisão que é sugerida nos deixou de pé atrás relativamente à boa fé deste projecto", afirmou António Prôa.
"Feitas as contas, transpondo os resultados eleitorais de 2009 para a nova divisão, tanto quanto é possível fazer, já que há casos difíceis de medir, o PS sai largamente beneficiado e o PSD largamente prejudicado", acrescentou.
Perguntarão os nossos leitores: A que propósito vem isto?
De facto, sabendo-se que sou militante do PS, poderá alguém entender que estou a atacar um outro partido, quando o que pretendo é chamar a atenção para os políticos que temos. A preocupação não é fazer uma boa divisão administrativa de Lisboa, que dela está bem carenciada; a preocupação dos representantes do PSD, neste caso, foi verificar que a proposta os viria a prejudicar, ou seja, se aprovada a divisão proposta o PSD pensa que as próximas eleições autárquicas lhe retirariam a hipótese de ganhar uma grande parte das freguesias da capital. Não importa fazer uma boa divisão, para o PSD uma boa divisão administrativa de Lisboa será aquela que lhe proporcione o maior número de freguesias sob o seu domínio.
Claro que a posição que para o PSD é válida para Lisboa também será válida para o resto do país.
Perguntarão agora os nossos leitores: E se fosse o PS a estar na posição do PSD, não assumiria a mesma posição?
Como calcularão, gostaria muito de poder afirmar que o partido de que sou militante tomaria a posição que melhor servisse Lisboa, mas, infelizmente, não me atrevo a tanto. Em todo o caso, acrescento que António Costa me merece confiança, direi mesmo que, de entre os políticos no activo, me parece ser aquele que melhor serviria Portugal como Primeiro-Ministro, e não é apenas por amizade que o digo.
Outros pensarão diferente de mim e se encontrarem alguém que melhor desempenho possa ter naquele lugar, ficarei muito grato a bem de Portugal e dos Portugueses (mas não «A Bem da Nação»). Substituir Sócrates é uma prioridade que não é de agora, mas colocar no seu lugar um qualquer Passos Coelho seria uma decisão que muito cara sairia a todos os portugueses.
Cheguei já há uns dias da ilha do Corvo, aonde fui recolher uma brilhante Insígnia Autonómica de Reconhecimento, com que a Assembleia Legislativa e o Governo Regional dos Açores acharam por bem incentivar a minha criatividade literária. E eu era apenas um entre três dezenas. Começaram por ser distinguidas (a título muito póstumo, claro) duas figuras ilustres de açorianos: Manuel de Arriaga e Teófilo Braga, precisamente os dois primeiros presidentes da República.
Cheguei há dias, dizia eu, mas, como os vários assuntos que havia deixado pendentes não se resolveram por si, houve que conceder-lhes a principal atenção. E só agora pude dar uma vista de olhos mais demorada ao novo blogue Estrolábio, de que és um colaborador esclarecido e apaixonado, como outros o serão noutros domínios que não o Teatro. Pois a designação de Estrolábio (à míngua da ulilização da palavra agora corrente) acaba por resultar num estímulo à imaginação. E se o arcaico parentesco com Astrolábio facilmente remete para determinar a altura a que um astro se encontra acima da linha do horizonte (e tomemos por astros as personalidades marcantes e os seus actos), lábio endereça para a oralidade do pensamento e estro, por sua vez, traz-nos à mente o génio inventivo, o entusiasmo, a inspiração. Óptimo, portanto.
Voltando agora ao texto que te dignaste escrever a meu respeito e a propósito de ALGUM TEATRO (20 peças em 4 volumes, de recente publicação pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda), seja-me permitido um breve e despretensioso comentário. Enquanto, na 2.ª edição (APTA, 1978 – com direitos de publicação oferecidos pelo autor, se bem te recordas) As Histórias de Hakim é ainda uma peça destinada a um público prioritariamente infantil, já a partir da 3.ª edição (a expensas do Autor, 1982), ela se apresenta muito mais como uma peça para jovens, até mesmo para adultos. Tanto assim que a grande maioria dos teatros da Europa que a representam (e já andam por uma centena) o fazem à noite.
Pensando bem, apenas prevalece dentre as minhas obras uma peça para crianças: A Ilha do Rei Sono (cuja única edição portuguesa data de 1977, Plátano Editora.) Escrita em Paris, por encomenda da Companhia de Françoise Lepeuve, que a estreou no I Festival de Nanterre (1955). Publicada por duas editoras alemãs: Verlag der Autoren (Frankfurt) e Henschel Verlag (Berlim). Representada pelo Teatro do Gerifalto (Lisboa, 1968) e pelo Schauspielhaus de Wuppertal (Alemanha, 1983); transmitida por várias estações de rádio de língua alemã. Traduzida também em servo-croata.
E é tudo (e já é muito) por agora. Bom trabalho no Estrolábio, cuja carreira quero acompanhar com alguma regularidade.
António Gomes Marques, nasceu em 1945 em Chã de Alvares, concelho de Góis, Coimbra. Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, foi co-fundador e principal responsável durante anos dos Grupos de Teatro, da Biblioteca e de Cinema dos Serviços Sociais da Caixa Geral de Depósitos. Durante cinco anos, foi presidente da direcção da APTA - Associação Portuguesa do Teatro de Amadores, sendo responsável pela organização de Festivais Nacionais de Teatro de Amadores.
Nomeado pelo Secretário de Estado da Cultura, Dr. António Reis, para representar Portugal no Festival do Trabalho da ex-RDA, em 1978, foi também delegado português ao Congresso da AITA/IATA - Associação Internacional do Teatro de Amadores e Festival Mundial de Teatro de Amadores, realizados em Blagoevgrad-Bulgária, em 1979. Participou noutras reuniões internacionais sobre teatro, sendo delegado português ao Congresso da AITA/IATA - Associação Internacional do Teatro de Amadores e ao Festival Mundial de Teatro de Amadores, realizados no Principado do Mónaco em 1981.
Integrou a equipa técnica da Companhia de Teatro Amascultura, com sede no Centro Cultural da Malaposta, ficando responsável pela Documentação, ali permanecendo desde o início de actividade da Associação, em 1988, até 1995. Representou a Amascultura, na "Homenagem a Carlos de Oliveira - 50 anos de literatura", organizada em conjunto com a Comissão Instaladora do Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira. É membro da Direcção da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo.
Traduziu numerosas obras, sobretudo de carácter didáctico, e colaborou com textos seus em enciclopédias, nomeadamente na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. É autor de Da Chefia à Liderança - Um Caminho para a Mudança
Em Outubro de 2009, por fim, foi lançado o livro «Teatro Moderno de Lisboa (1961-1965) Um Marco na História do Teatro Português», livro este que se muito deve ao seu organizador, Tito Lívio, não teria sido possível sem o contributo da grande Senhora do Teatro Português, Carmen Dolores.
O ano de 1961 é recordado na História Política de Portugal pelo assalto de Henrique Galvão ao navio Santa Maria, pelo início da guerra colonial, pelo frustrado golpe de estado do general Botelho Moniz, pela invasão das colónias portuguesas da Índia e também, de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro de 1962, pelo fracassado assalto ao quartel de Beja, como bem lembra Luís Francisco Rebello, no prefácio que escreveu para esta edição. A estes acontecimentos, teremos de juntar um outro facto de enorme importância para a História do Teatro Português e da Cultura em Portugal – a fundação do Teatro Moderno de Lisboa.
Da edição faz parte um pequeno testemunho da minha autoria, que de seguida dou a conhecer:
…e assim nasceu uma paixão pelo Teatro
Corria o ano de 1961 e eu, no romantismo dos meus 15 anos, vivia entre o liceu e o Cine - Clube de Torres Vedras. Era a paixão do Cinema, mas era também o nascer da consciência de que um futuro melhor poderia depender da minha praxis, termo este de que, na altura, desconhecia o significado, mas não tinha dúvidas qual o lado da barricada por que devia optar. A vida tem-me ensinado que a natureza humana não se caracteriza com este simplismo, que há factos que vivemos que são determinantes para o nosso futuro e, para ir direito ao assunto, a minha experiência com o Teatro Moderno de Lisboa é um desses factos, tendo contribuído, nomeadamente, para passar a ter mais dúvidas em vez de tantas certezas, naturais num jovem de 15 anos. Vejamos como aconteceu:
O Cine – Clube de Torres Vedras era uma associação activa e com um forte apoio da população da então Vila, o que trazia à sua Direcção mais responsabilidades, activismo esse de conteúdo bem político e, naturalmente, de clara oposição ao regime salazarista. Para além de dar a conhecer algumas preciosidades da cinematografia mundial, que a feroz censura ia deixando passar com algumas graves mutilações, havia a preocupação de organizar outro tipo de sessões, como colóquios, projecção de filmes para crianças, etc., sessões essas que juntavam, geralmente, mais de mil pessoas. Um desses colóquios foi com o Rogério Paulo, contacto habitual da Direcção da associação e de todos os que ali davam o seu contributo e que viria a proporcionar o início de uma forte amizade que nos uniu até ao seu prematuro desaparecimento. Esse colóquio foi precedido da projecção de um célebre filme sobre o TNP, de Jean Vilar, de que mantenho bem vivas as imagens de Gérard Philipe na personagem do Príncipe de Hombourg, de Heinrich von Kleist, e de Maria Casarès, na personagem de Lady Macbeth, imagens estas que criaram em mim uma apetência pelo Teatro, arte esta que, até aí, mais não era para mim do que a récita que precedia o baile de finalistas do liceu. A este colóquio seguiu-se a ida a Torres Vedras do Teatro Moderno de Lisboa, em colaboração com o Cine – Clube e de novo em diálogo com Rogério Paulo, com o primeiro espectáculo desta sociedade de actores: «O Tinteiro», farsa de Carlos Muñiz, em que Armando Cortez, numa interpretação sublime, vivia o drama de Crock, o empregado de escritório que nos mostra o mundo laboral que o (nos) oprime e que constituía um profundo libelo contra os subservientes burocratas para quem as ordens superiores estão acima de qualquer outro tipo de consideração moral, constituindo para mim, este espectáculo, o passo decisivo para relegar o cinema para um patamar inferior, embora muito importante, nas minhas apetências culturais e ...e assim nasceu uma paixão pelo Teatro!
E foi esta paixão que me levou também à amizade com Costa Ferreira, com Luís Francisco Rebello e com Bernardo Santareno, Rui Mendes, Irene Cruz, João Lourenço, Morais e Castro, Armando Caldas, José Peixoto, Maria Emília Correia, e tantos outros; que me levaria à criação, com outros companheiros de profissão, de «Os Hipopótamos – Grupo de Teatro dos Trabalhadores da CGD»; à criação, com outros militantes do teatro, da APTA – Associação Portuguesa do Teatro de Amadores (na clandestinidade) e à Presidência da sua Direcção durante quase 6 anos após 1976.
O Teatro, graças ao Teatro Moderno de Lisboa, passou a ser para mim a primeira das artes, a que dialoga com todas as outras; a arte que me mostra que a verdade é uma busca constante, de verdade em verdade, sem me impor uma; que me mostrou e mostra que a vida se constrói no respeito por valores, pelo outro e pela diferença; que me ajudou a compreender que a actividade humana tem que ser tomada como actividade objectiva no sentido em que não é apenas capaz de intervir no real como também de transformá-lo. É por esta transformação que também o Teatro, hoje, me ajuda a lutar.