
António Barreto " observador - mor dos jacarandás" já hoje assinala no Público que a avenida D. Carlos l, em Lisboa, exulta de cor, "tal como outros seus santuários, Largo de Santos, em Belém e no Parque Eduardo Vll".
"...ainda por cima, em tempos de mentira, reviravolta e ocultação, é bom perceber que há coisas eternas, cuja repetição sazonal nos dá a garantia de que a vida nos oferece permanência e lealdade"!
Vinda do Brasil, esta bonita árvore que pode alcançar grande envergadura, enche-se de côr roxa, e hoje é frequente encontrá-la em muitos pontos da cidade.
As suas flores são duráveis, perfumadas e grandes, de coloração azul ou arroxeada, em forma de trompete e arranjadas em inflorescências do tipo panícula. A floração estende-se por toda a primavera e início do verão .
Estão a desaparecer no seu habitat natural, Bolívia e Uruguai, mas felizmente que em Lisboa não faltam exemplares centenários e que são objecto de admiração e carinho!
Retrato da Lisboa Popular 1900António Barreto/Maria Filomena Mónica
Editorial Presença, 1983No princípio do século ainda a reportagem fotográfica não estava generalizada na imprensa e já a topografia era uma moda: vendiam-se inúmeros postais e os cidadãos iam tirar retrato aos ateliers. Por motivos diversos, a fotografia demorou algum tempo a entrar nos jornais e nas revistas. Nestes, reinavam ainda o desenho e a gravura, mas eram os seus últimos anos. Conhecem-se pouquíssimos exemplos, entre nós, no século XIX, de utilização da fotografia na imprensa diária ou semanal. Ao dobrar do século, ainda são as gravuras que testemunham da viagem do Rei ao Porto, do lançamento ao mar de um moderno vapor em Inglaterra, duma viagem de exploradores ao Norte de Moçambique, ou da última moda feminina chegada de Paris. A transformação é simultaneamente rápida e gradual: as primeiras fotografias vão-se infiltrando.
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Revista Inglesa
(Crónicas)Jaime Batalha ReisPublicações Dom Quixote, 1988
Com a publicação destas crónicas, agora reunidas em volume, a que Jaime Batalha Reis, seu autor, deu o nome genérico de Revista Inglesa pretendemos contribuir com mais um dado para o conjunto de conhecidas obras de escritores oitocentistas portugueses que se propuseram transmitir-nos, quase no final do século passado, a «fisionomia» da Inglaterra vitoriana e de seus habitantes.
Quando aludimos a escritores oitocentistas queremos referir-nos, em especial, ao Eça das Crónicas de Londres e Cartas de Inglaterra, ao Ramalho do John Bull e ao Oliveira Martins da Inglaterra de Hoje.
Convém, no entanto, adiantar que são bastante diferentes os pontos de vista em que uns e outros se colocaram. Ramalho Ortigão e Oliveira Martins descreveram-nos a Grã-Bretanha e os que nela viviam como viajantes que, de passagem, apreciam os fenómenos sociais,
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Carlos LouresContra ventos e marés, em Dezembro de 1961, saí da RTP, onde tinha o chamado «lugar de futuro» e fui para a Fundação Calouste Gulbenkian, encarregar-me de uma biblioteca itinerante – a palavra «itinerante» soava mal e, na perspectiva da família, abandonara um «lugar de futuro» para ir para uma espécie de trabalho de saltimbanco. Tinha 24 anos, casara meses antes, o primeiro filho (uma filha) vinha a caminho e todas estas circunstâncias agravavam a opinião que faziam da minha decisão. Só a minha mulher me apoiou.
Mas, má ou boa, era uma decisão e estava tomada. Fizera o estágio em fins de tarde, numa biblioteca dos arredores de Lisboa, fui aprovado e no dia 27 de Dezembro de 1961, uma sexta-feira, trabalhei até ao fim do dia na RTP, e despedi-me dos colegas. No sábado 28, manhã cedo, apresentei-me na sede da Gulbenkian.
Parti de Lisboa ao fim da manhã com o António Barahona da Fonseca e a Luiza Neto Jorge, na altura casados. Ele ia ocupar o lugar de Encarregado de Biblioteca da Gulbenkian numa cidade a Norte, Bragança, salvo erro. Viemos no carro da biblioteca itinerante dele, conduzido pelo respectivo motorista. O carro-biblioteca que me era destinado e que estava em Vila Real desde o dia 22, ardera completamente com o de Lisboa, antes da inauguração cuja data seria cumprida. A Gulbenkian encomendara já outro carro à Citroën.
De notar que entre os Encarregados de Biblioteca dos primeiros anos houve escritores como Alexandre O’Neill, Herberto Helder, António José Forte, Saldanha da Gama, Afonso Cautela, José Ferreira Monte, o já referido Barahona da Fonseca e tantos outros. O próprio director do Serviço, Branquinho da Fonseca trabalhara na biblioteca itinerante do Museu Castro Guimarães, de Cascais, e fora essa a razão porque Azeredo Perdigão o convidou para o cargo.
Foi uma viagem agradável, mas interrompida no primeiro dia por um nevoeiro cerrado e depois por um forte nevão que nos obrigou a dormir em Castro Daire. O carro estava em rodagem – os 450 km que na época nos separavam da capital demoraram mais de 12 horas a percorrer. No domingo, chegámos cedo a Vila Real. Almoçámos, eles seguiram e eu fiquei numa cidade que não conhecia, mas que logo me fascinou. Resolvidos os assuntos mais urgentes - arranjar quarto e ver as instalações da biblioteca - passeei ao entardecer pelo burgo, aspirando, misturado com o ar frio, o delicioso odor da lenha queimada nas lareiras e fogões. Um citadino fascinado pela ruralidade que entrava por Vila Real dentro.
Nessa mesma noite, escrevi a minha mulher fazendo-lhe o relatório - «A cidade é muito bonita e agradável, os cafés são bons (este era para mim, habitante de cafés, um requisito muito importante para que uma cidade fosse aceitável!) e há um cinema com três ou quatro sessões semanais. O frio suporta-se muito bem». Explorei minuciosamente a cidade que não era tão grande como agora. Depois de uma criteriosa vistoria aos cafés do centro, adoptei a Pastelaria Gomes como gabinete de trabalho.
Passava ali as manhãs, lendo e escrevendo e as noites até a porta ser encerrada. Quando na noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro de 1962, indiferente aos festejos que havia pela cidade, ao vir a pé para o local onde dormia, na Rua Nova, deparei na Avenida Carvalho Araújo, particularmente no perímetro do Governo Civil, com um forte dispositivo policial – guardas armados, uns com Mausers outros com pistolas-metralhadoras, equipados com os seus sinistros capacetes pretos.
Só no dia seguinte pela manhã tive a explicação ao comprar o Jornal de Notícias – Delgado entrara em Portugal clandestinamente para comandar uma revolta que deveria eclodir no Regimento de Infantaria 3, em Beja. Como se sabe, o malogro dessa iniciativa levou à prisão de dezenas de militares e civis. Um deles, o então capitão Varela Gomes, que ficou gravemente ferido. Quando em 1965 fui preso pela PIDE, passada a fase da dos interrogatórios, no recreio do Reduto Norte, passei pela janela do seu cárcere que ficava rente ao pátio e fiz-lhe um dissimulado gesto de saudação a que ele correspondeu. Anos mais tarde, trabalhámos ambos no mesmo grupo editorial e, embora sem grande convívio, mantivemos uma boa relação.
No dia 2 de Janeiro, encontrei a Tipografia Minerva, que funcionava no Seminário, e fui lá pedir orçamento para a execução gráfica do meu livro Arcano Solar. O empregado que me atendeu, disse-me que teria de falar com o Sr. Padre António Cabral e a que horas ele lá estaria. E foi desse modo que conheci António Cabral . E depois, apresentados por ele, o Ascenso Gomes. o Eduardo Guerra Carneiro (o Amarelinho, como lhe chamava o Ascenso), Gonçalinho de Oliveira, e tantos outros.
O António Cabral, sendo um grande poeta, era ao mesmo tempo um homem com um grande sentido prático e, decorridas poucas conversas, à mesa da Gomes, na Toca da Raposa ou simplesmente deambulando pela cidade, propôs-me que colaborasse na concretização do número duplo da revista quer com textos meus, quer utilizando o facto de eu conhecer numerosos escritores como o Manuel de Castro, Maria Rosa Colaço, o Fèlix Cucurull (convidei muitos outros, entre eles o Luiz Pacheco – por preguiça ou por atraso na entrega, nem todos corresponderam à minha solicitação).
No decurso da organização da revista, fizemos, no carro do António Cabral, diversas viagens ao Porto, onde contactávamos com gente das
Notícias do Bloqueio, a maior parte da qual eu já conhecia, pois em 1959 ali estivera promovendo a «Pirâmide», amigos como o Egito Gonçalves, o Rebordão Navarro, o Papiniano Carlos, o Luís Veiga Leitão e Jaime Isidoro da galeria Dominguez Alvarez Numa dessas incursões, estivemos no ateliê do Nuno Barreto. Noutra ou na mesma, já não me recordo, falámos com o Nadir Afonso.
A chegada de António Barreto e de Eurico Figueiredo, ambos ligados ao movimento do Setentrião e acabados de sair da prisão de Caxias (tinham sido presos na sequência das comemorações do Dia do Estudante), foi um acontecimento. Demos várias voltas à Avenida Carvalho Araújo, contando-nos eles o que lhes tinha acontecido. Pela primeira vez ouvi falar nas «gavetas» de Caxias e nos «curros» do Aljube, da tortura do sono...
Mas como a experiência é a madre de todas as cousas, passados três anos eu estava a aprender por minha conta todas esses saberes, voltando depois para um segundo semestre lectivo em 1968. A crise de 1962, surgida da luta que começara em 1958 com o terramoto Delgado, só terminaria em 25 de Abril de 1974.
(Continua)