A história que vos vou contar podia sair-me das mãos numa rajada, mas eu não nasci para ir directo aos assuntos. Percebi isso quando perdi a virgindade. Foi estranho. Os meus amigos tinham-me pressionado tanto a invadir a minha namorada que, na hora h, parecia que o meu pénis ia às finanças. Claro que ejaculei precocemente. O que vale é que não culpei o acto em si, culpei-o em mim, isto é, compreendi que sem sol não se faz praia, que cada prazer pede o seu clima. Com essa namorada, porém, o destino estava escrito. Como Deus, quando fecha uma porta, abre uma janela, o mesmo destino quis que, antes de conhecer a minha terceira namorada (e não a segunda porque à segunda nem as mamas lhe apalpei, apesar de ter andado dois meses com ela), eu descobrisse um sítio mágico, hoje dir-se-ia um spot, numa zona rochosa da praia de Cabedelo, para lá do Hotel Casa Branca, quem vem do Porto. Era um calhau talhado pela bravura do mar em forma de sofá ou chaise longue, um presente romântico do grande arquitecto para a minha pequena pessoa, como a lembrar-me de que nem tudo estava perdido. Reconheci logo ali um potencial extraordinário. E, assim que pude, numa noite cravejada de estrelas, levei lá a rapariga que, entretanto, me entrara pelos olhos. A conversa, a brisa costeira, a aura de altar impossível, com um véu lunar a sair-nos dos pés, na incerteza da água, para um horizonte também ele indefinido, mistificaram o beijo que acabaríamos por dar, certos de que haveria de ser o primeiro de muitos, como foi, e certos de que haveríamos de ser os últimos um do outro, como não fomos, nem sequer naquele sofá.
Se é verdade que os casos de amor deixam sempre marca, a rocha ergonómica nunca se viu beliscada - também, quem é que ia beliscar uma rocha… - na sua infalibilidade como acendalha da mais crepitante das ilusões. Pelo tempo fora, tive ali a boca de cena perfeita para o ritual iniciático da paixão, uma espécie de zona (pouco) franca entre o divã e o confessionário, onde me encontrava sempre com cada nova mais-que-tudo, como num casting mútuo, de olhos apontados ao filme mais estrelado, a passar desde o princípio das noites na tela infinita. Um dia, ao cabo de muitos anos, dei-me conta de que a marginal de Gaia estava a ser substancialmente alterada, para que o usufruto de toda a linha de praia ganhasse qualidade, quer na perspectiva de quem passa, de carro ou a pé, pois a proposta era melhorar as estradas e construir um percurso pedonal de madeira até Espinho, quer na de quem fica, uma vez que iria ser ampliada a oferta de bares e esplanadas. Eu, claro que afastei essas promessas como quem abre as cortinas do quarto à espera de que o dia não esteja chuvoso e fui, disparado, procurar o calhau, mas, depois de umas voltas para trás e para a frente, não vislumbrei sequer o meu ponto de referência, que era uma curva, uma curva que já era, pelos vistos. Fiz uma espécie de varrimento emocional, que é como quem diz um apelo à memória afectiva para vestir a pele de detective, e corri as áreas rochosas, saltando de pedra em pedra, sem, contudo, descortinar o paradeiro do sofá. Se, por um lado, se me afigurava impossível, criminoso até, alguém ter removido dali o ex-libris costeiro do Grande Porto, por outro eu era obrigado a reconhecer que mais ninguém, além de mim, lhe atribuía esse estatuto, donde a minha frustração tinha uma raiz essencialmente egoísta. Voltei lá depois disso, em ocasiões dispersas, só para confirmar o desaparecimento, e ainda hoje, devo confessar, há um cantinho de mim que não se dá por convencido. Mas é mera teimosia. Afinal, a mulher com quem vivo, o amor da minha vida, nunca se sentou naquele sofá. Foi a primeira e única, como se, fechando a porta dos enganos, Deus me tivesse aberto, enfim, a janela da verdade. Por isso, acho que está na hora de pôr uma pedra sobre o assunto.
Bem sei que não conhecem la língua portuguesa, mas os vossos pais podem-vos explicar em inglês ou en neerlandês. O escrevo na língua impossível para vós, porque há obras do ser humano que impressionam os nossos sentimentos.
Esta imagem que vós apresento, foi esculpida em mármore pelo escultor francês Auguste Rodin (1840-1917), esculpida em 1883. Foi exibida na exposição internacional de Paris, em 1989, época em que se inaugurou A Torre Eiffel, cheia de luzes para a exposição. Em 1879, Thomas Edison tinha criado a iluminação eléctrica, base não apenas para a exposição, bem como para substituir os faróis a gás que iluminavam as ruas à noite. Foi a base do sucesso de exposição Internacional de Paris de 1889. AExposição de Paris de 1889, centrava-se na “Torre de Gustav Eiffel” com300 m., de altura, pesando mais de 7.000 toneladas e tendo mais de um milhão de rebites. Tinha duas longas galerias devotadas às Belas-Artes e às artes decorativas, por detrás ficava o imponente “Palácio das Máquinas”. Este último, projectado por Ferdinand Dutert e construído por M. Contamin, excedia em tamanho qualquer vão coberto construído até á data, com as suas 20 treliças principais, cobrindo um comprimento de380 m., e cada uma vencendo144 m., de vão livre. As treliças trianguladas, formavam arcos apontados sendo articuladas na sua base por eixos. Os visitantes circulavam num comboio interior em vagões abertos e sentados em cadeiras, sendo treliças um conceito arquitectónico que significa sistema de vigas cruzadas usado no tracejamento das pontes.
Pretendo, neste ensaio, salientar que os sentimentos de amor e rebeldia são semelhantes. Baseio-me na vida de Emiliano Zapata, para redigir um texto que possa demostrar que amor e rebelião são resultado da mesma fonte: a procura da liberdade e da igualdade. Emiliano Zapata é apenas um exemplo do que desejo tratar
Sabemos que amor e rebeldia são sentimentos que não precisam definição. É evidente que corria em procura dos meus santos padroeiros, para basear a minha hipótese. Mas, parece-me que não é preciso. Os sentimentos existem, com alegria ou com dor.
Sentimento que induz à aproximação, à protecção ou à conservação da pessoa pela qual se sente afeição ou atracçãoatração; grande afeição ou afinidade forte por outra pessoa. Parece-me que esta é uma boa ideia para definir amor, esse sentimento intenso que sentimos por outra pessoa que orienta o nosso comportamento e faz-nos sentir a necessidade de acalmar e acolher sob as nossas asas a pessoa que desperta sentimentos positivos dentro da relação. É esse pensar que quem sofre, é por a outra pessoa estar irritada, ou porque a paixão acabou e já não se suporta o peso que cai sobre nós se nos comprometemos em carinho. Amar é uma amabilidade, um estar sempre ao dispor e saber calar o que nos doe para não ferir o outro. Caso não seja possível, é melhor calar ou ganhar uma certa distância até arrefecer o sentimento de raiva que a pessoa dita amada, acorda em nós.
Há vários tipos de amor, como tenho definido em diversos textos. O mais primordial ou primitivo é o do filho pela mãe: é quem alimenta, quem acarinha e quem agasalha, até ao dia da nossa autonomia de adulto. Há o amor ao amigo, esse compincha que nos entrega confiança e lealdade. Aos filhos, que dependem de nós e connosco aprendem a controlar as vinhas da ira, essa frase que intitula o livro de John Steinbeck, de 1940. Vinhas da ira provocadas pelos baixos preços do trabalho, bem como pelas falsas acusações de roubar para subsistir. Por outro lado há o amor à Pátria, como, aliás, temos tido lições ao longo destes últimos meses, nessa corrida política de quem faz mais, quem atraiçoa, quem defende. Não apenas dentro de Portugal, bem pior fora da nossa Pátria, com um Khadafi que mata como entende, ou o ditador, Mubarak, do Egipto quem, tendo morto e atraiçoado tantos, nem lhe é permitido sair do país, até que seja feita justiça em tribunal nacional.
Era uma vez uma menina que nascera num qualquer ponto da terra. Franzina e pobre possuía uns cabelos e uma boca que riam quando brincavam no Jardim da Infância. Mas o que ela tinha de maravilhoso e surpreendente eram os olhos, uns olhos loiros como espigas de trigo maduras. Nesses olhos guardava-se o céu, o mar e a terra, a música dos pastores, o canto dos poetas, as vozes das cidades. Brilhava neles a claridade do sol que aquece a saudade dos velhos, as sombras silenciosas que ajudam a repousar do tempo, os leves ruídos da natureza que seduzem o respirar da alma. Olhos em permanente sorriso para os barcos acostados à beira dos cais, para o fascínio dos anúncios luminosos, para a ingenuidade pura dos lagos com repuxos e cisnes. Era linda a menina! Atrás do arquito de madeira ou em jogos de pé-coxinho atravessava os campos e os mares, as montanhas e as cidades.
O murmúrio débil da infância rasgava os horizontes para além e construía um universo de esperanças famintas de amor, espelhadas no fundo daqueles olhos loiros que sabiam acariciar as flores e os buracos de prata pregados no azul do céu. A menina era o símbolo maior e a esperança mais cara! Falava-se de fome e o povo erguia a menina com mão trémulas. Falava-se de amor e desenhava-se carinho e ternura pela menina no rosto dos homens. Falava-se do futuro e as mãos rasgavam-se em trabalho na ânsia de conquistar um mundo novo para aqueles olhos loiros. Falava-se de guerra e procurava-se desesperadamente a menina para invocação da paz. E por isso todos diziam querê-la e amá-la. E por isso ela lhes sorria com uma pureza constante e total. Mas os homens não compreendiam as abstracções da infância. Interrogavam-se no reflexo dos olhos loiros sem conseguirem traduzir a mensagem de paz, amor e felicidade que neles se encontrava escrita. Enredavam-se na imponência gratuita das suas lutas, na tragédia grotesca dos seus gestos e das suas palavras adultas caminhando angustiados e sós sem arcos de madeira, berlindes ou bolas de trapo. Viam a cor das madrugadas, o verde das florestas, a pequenez do planeta girando na imensidão do universo. Escutavam as vozes do mar, o coaxar das rãs, o choro das crianças perturbando a inocência da vida. Sentiam a leveza do vento, o clamor da alma, o cântico das deusas do pensamento. Tudo isso perdiam na engrenagem dos seus passos ambiciosos, calculistas, violentos e cruéis. Os pastores deixaram de tocar a melodia do riso cristalino e os poetas esqueceram que continuavam existindo nos olhos da menina.
Um dia... No mundo onde se fabricam moinhos de papel e balões coloridos a menina dos olhos loiros morreu enrodilhada numa mole de gente que erguia bandeiras de protesto; enregelada numa barraca de lata; tísica de fome num campo de refugiados; apanhada pelos estilhaços de um acto terrorista... Morreu e foi amortalhada no cimo da Torre de Babel logo abaixo do céu. E todos os homens e todas as mulheres a foram ver, e todos os homens e todas as mulheres a foram chorar, e todos os homens e todas as mulheres foram-lhe oferecer as flores que haviam existidos puras no Jardim da Infância. Os galos deixaram de cantar, a terra ficou fria e escura e as flores da mortalha transformaram-se em urtigas. Um vento de desgraça roubou das mãos dos homens a canção do amanhã que sempre estivera escrita nos olhos loiros da menina.
Nota – Este conto foi publicado em 1964 no caderno 59 da colecção Imbondeiro. Nesta versão definitiva, feita em 2005, as alterações são de carácter formal e actualização de algumas imagens literárias.
PS: Poema escrito aos 16 anos na minha primeira grande paixão não correspondida, tal como todas as outras...
Lá na escola comercial onde andava, tive um professor de português e francês que tinha uma relação comigo de amor-ódio. Ele achava que eu não estudava nada e que tinha todos os defeitos, menos um. Tirava dezassete a português, nota que ele não dava a mais ninguém.
Eu andava perdido pela Maria Luísa que namorava com todos, menos comigo. E vinguei-me num concurso de poesia. A turma da Luísa ( cuja professora era a mulher do meu professor) tinha executado uma bela imagem de Nossa Senhora e, então, a ideia do concurso era fazer um poema sobre a imagem.
E, eu ganhei. Aí vai:
Encontramo-nos
tu bela, simples, humilde
eu altivo, mau, vaidoso
afastamo-nos
tu bela, simples, humilde
eu modesto, bom sem vaidade !
E, vai daí, com os olhos a lacrimejarem, o Dr. Alberto Fialho Júnior, vá de gritar aos quatro ventos que aquela era uma das mais belas descrições de "amor", que era mesmo isso, o "amor" tornava-nos melhores e, no mesmo passo, vá de explicar porque é que eram tão diferentes o "amor" e a "paixão". O primeiro "dá", o segundo "tira". Quem tem amor quer que a pessoa objecto do seu amor seja o mais feliz possível, quem está apaixonado só pensa nele mesmo, para nada lhe interessando o bem estar do ser objecto da sua paixão.
O único senão é que a Luísa só olhou para mim já eu era pai...
Pietá, de Michelangelo ( Miguel Ângelo) di Ludovico Buonarroti. É a mais bela obra que alguma vez vi. E, já visitei, os mais famosos museus do mundo, extasiado perante obras primas de todos os tempos e de todas as correntes artísticas. Tive sorte desta vez, porque estava acompanhado por um professor de história que passa as férias em Portugal, em Serpa e em Mértola a trabalhar em arqueologia e que, perante a minha evidente comoção, me segredou. " o corpo de Jesus ainda está quente..."
Claro que percebi tudo. É mesmo essa emoção que aquela obra nos transmite, foi "criada" no exacto momento em que Cristo dá o último suspiro. O seu corpo ainda está quente e sua mãe ainda tem esperança que a vida não o abandone.
Tinha visto e sentido esta mesma emoção muitos anos antes, num pobre casebre, uma mãe protegia o filho ainda e sempre...
Coitado de mim, saiu-me isto:
Era
talvez a vida
que a mosca importuna
trazia
quando rápida ao acenar do lenço
da pobre mãe que sofria
fugia..
e eu
já estivera com ele
naquela posição
só que me animava a vida
que ele não tinha agora no caixão
Tão hirto e tão frio!
PS: poema escrito aos 16 anos quando um amigo meu morreu. Esta é a imagem da mãe que me atormentou por tanto tempo.
Jamie (Jake Gyllenhaal) vive a vida com um optimismo contagiante. São os anos 90 e, nos Estados Unidos, parece que qualquer um pode enriquecer de qualquer forma. Por isso, ao contrário do que a família deseja - que siga os passos do pai na medicina -, Jamie prefere tentar a vida como vendedor. Primeiro de electrodomésticos e depois como delegado de informação médica pela Pfizer, convencendo os médicos a prescreverem Zoloft em vez do famoso Prozac. E, pelo caminho, vai conquistando tudo o que é mulher à sua volta.
Até se cruzar com Maggie (Anne Hathaway), uma jovem que cultiva a sua independência e liberdade de espírito. A atracção entre os dois é inevitável. E quando Jamie falha sexualmente com Maggie, terá a revelação da sua vida: o Viagra, acabadinho de chegar ao mercado e que promete resolver a sua vida sexual e também a profissional. Mas nem tudo será perfeito: assim que sente a relação a tornar-se mais séria, Maggie, a enfrentar o processo degenerativo da doença de Parkinson, decide afastar-se. A partir da autobiografia de Jamie Reidy, "Hard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman", é dirigido por Edward Zwick ("Estado de Sítio", "O Último Samurai"). Gyllenhaal e Hathaway foram ambos nomeados para o Globo de Ouro pelos seus papéis. [cinecartaz.publico.pt]
Uma comédia com um enredo mais que visto, mas que se (re)vê muito bem. Dois jovens e talentosos actores. Anne Hathaway ( como eu sofro...) acelera o coração a qualquer um com ou sem viagra!
São Valentim, arrisca um olhar maroto aos namorados que se riem do nada, enquanto abana o ramo de crisálidas roxas, chamando a atenção à
cachopa que sem jeito mostra num repente a brancura das suas generosas coxas ...
São flores de meio-dia que vivem um tempo inteiro mais que o amor, arrisca S. Valentim enquanto faz figas para que a cachopa diga sim..
Suspira, enquanto gotas de suor , benzidas, lembram S. Valentim que tudo lhe é permitido menos o amor...
S. Valentim namora, dá-se à brincadeira mas não lhe é permitido arranjar companheira...
O vento faz ondular o mar e o trigo mas nem num nem noutro S. Valentim encontra abrigo...
Quem fez de ti, tal prisioneiro, dás o nome ao dia e não encontras companheiro...
S. Valentim aos molhos por causa de ti choram os meus olhos...
Não te chegam as alegrias da paixão, mas saberás se o amor cabe, redondo, no teu coração?
S. Valentim, S. Valentim, por causa de ti este namoro não tem fim...
Encontro-me na frescura do seu aroma, escondo-me na cor do seu jardim, mas perco-me em dia de S. Valentim...
Que força é essa S. Valentim que por mais que sofras parece não ter fim...
Ainda agora aqui cheguei e deste S. Valentim já me fartei...
Tocam os sinos na minha aldeia, é dia de S. Valentim, trocam-se flores, prendas e juras de amor, porque regas tu estas plantas que se vão transformar em lágrimas de dor?
S. Valentim, S. Valentim, por causa de ti o meu amor disse sim...
Quanto a mim, esta é a mais bela das Cartas a Um Jovem Poeta
Rainer Maria Rilke Cartas a Um Jovem Poeta
CARTA VII
Meu caro senhor Kappus:
Longo tempo passou sobre a sua última carta. Não me queira mal. Trabalho, incómodos e preocupações quotidianas impediram-me de lhe escrever. Além disso, desejava que a minha resposta fosse o eco de dias calmos e bons. (A ante-primavera, com os seus desagradáveis altos e baixos, fez-se aqui fortemente sentir). Hoje estou um pouco melhor e aqui me tem, meu caro senhor, a saudá-lo e a dizer-lhe o melhor que puder (faço-o de todo o coração) várias coisas a propósito da sua última carta.
Como vê, copiei o seu soneto porque o achei belo e simples, feito em moldes que lhe permitem mover-se com uma serena compostura. De todos os versos seus que conheço são os melhores. Ofereço-lhe esta cópia por saber como é importante e cheio de ensinamentos vermos o nosso próprio trabalho em letra estranha. Leia estes versos como se fossem de outro e então sentirá, bem no seu íntimo, a que ponto são seus.
Foi para mim uma alegria reler várias vezes esse soneto e a sua carta. Agradeço-lhe ambos. Não se deixe perturbar na sua solidão pelo facto de sentir veleidades de a abandonar. Utilizadas com calma e reflexão, essas tentações devem mesmo ajudá-lo como instrumento susceptível de alargar a sua solidão a um país ainda mais rico e mais vasto. Os homens têm, para todas as coisas, soluções fáceis e convencionais, as mais fáceis das soluções fáceis. Contudo, é evidente que se deve preferir sempre o difícil: tudo o que vive lá cabe. Cada ser se desenvolve e se defende a seu modo e tira de si próprio, a todo o custo e contra todos os obstáculos, essa forma única que é a sua. Sabemos muito poucas coisas, mas a certeza de que devemos sempre preferir o difícil não nos deve nunca abandonar. É bom estar só, porque a solidão é difícil. Se uma coisa é difícil, razão mais forte para a desejar. Amar também é bom porque o amor é difícil. O amor de um ser humano por outro é talvez a experiência mais difícil para cada um de nós, o mais alto testemunho de nós próprios, a obra suprema em face da qual todas as outras são apenas preparações. É por isso que os seres muito novos, novos em tudo, não sabem amar e precisam de aprender. Com todas as forças do seu ser, concentradas no coração que bate ansioso e solitário, aprendem a amar. Toda a aprendizagem é um tempo de clausura. Assim, para o que ama, durante muito tempo e até ao largo da vida, o amor é apenas solidão, solidão cada vez mais intensa e mais profunda. O amor não consiste nisto de um ser se entregar, se unir a outro logo que se dá o encontro. (Que seria a união de dois seres ainda imprecisos, inacabados, dependentes?). O amor é a ocasião única de amadurecer, de tomar forma, de nos tornarmos um mundo para o ser amado. É uma alta exigência, uma ambição sem limites, que faz daquele que ama um eleito solicitado pelos mais vastos horizontes. Quando o amor surge, os novos apenas deviam ver nele o dever de se trabalharem a si próprios. A faculdade de nos perdermos noutro ser, de nos darmos a outro ser, todas as formas de união, ainda não são para eles. Primeiro, é preciso amealhar muito tempo, acumular um tesoiro.
Nisto consiste o erro tão frequente e tão grave dos novos: precipitam-se quando o amor os atinge, porque faz parte da sua natureza não saberem esperar. Entregam-se quando a sua alma é apenas esboço, inquietação, desordem. Mas quê? Que pode fazer a vida desta confusão de materiais desperdiçados a que chamam «a sua felicidade»? E que futuro podem esperar? Cada um se perde a si próprio por amor do outro, e perde também o outro e todos aqueles que ainda poderiam vir... E cada um perde o «sentido do largo» e os meios de o atingir, cada um troca os vaivéns das coisas do silêncio, cheios de promessas, pela confusão estéril, de que só pode sair fastio, indigência e desilusão. Só lhes resta refugiarem-se numa dessas múltiplas convenções que existem em toda a parte como abrigos ao longo de um caminho perigoso. Nenhuma região humana é tão rica em convenções como esta. Lanchas, bóias, cintos de salvação...— a sociedade, neste caso, oferece todos os meios de libertação. Inclinados a ver no amor apenas um prazer, os homens tornaram-lhe o acesso fácil, barato, sem riscos, como um divertimento de feira. Quantos seres jovens há que não sabem amar, que se limitam a entregar-se, como acontece correntemente (e decerto a maioria limitar-se-á sempre a isto), e vergam depois sob o peso do seu erro! Pelos seus próprios recursos, procuram tornar possível e fecunda a situação em que caíram. A sua natureza diz-lhes que as coisas do amor, menos ainda do que outras, também importantes, não podem ser resolvidas segundo tais ou tais princípios que servem para todos os casos. Sentem perfeitamente que é um assunto para ser resolvido de ser para ser e que cada caso necessita de uma resposta única, estritamente pessoal. Mas, se já se confundiram na precipitação da posse, se já perderam toda a personalidade, como poderão encontrar em si próprios o caminho para fugir a este abismo em que soçobrou a sua solidão? Um e outro procedem cegamente. Empregam toda a sua boa vontade em dispensar convenções, como o casamento, para cair em convenções, menos vistosas, é certo, mas igualmente mortais. É que, ao seu alcance, só há convenções. Tudo o que resulta destas uniões turvas, cuja confusão vem da precipitação, só pode ser convencional. O próprio rompimento seria um gesto convencional, impessoal, fortuito, débil e ineficaz. Nunca, nem na morte, que é difícil, nem no amor, que também é difícil, aquele para quem a vida é uma coisa grave terá a ajuda de qualquer luz, de
“Não se pode escrever com a caneta e com a mão, mas com ideia e com imaginação”
(João dos Santos)
Na Instituição onde trabalho – Casa da Praia – dá-se grande importância às actividades de livre expressão, como forma de fazer emergir os sentires, as experiências, os saberes e as motivações das crianças, ligando-as a outras formas de expressão (desenhada, dramatizada, gravada ou escrita).
Inicialmente reflexo de simples relatos ou descrição elementar de situações, as histórias das crianças vão-se tornando, progressivamente, mais complexas e criativas. Valorizadas através do seu registo, transformando as “histórias” ditas em escritas a criança apercebe-se que aquele registo tem um significado.
A imaginação de histórias pelas crianças surge, assim, de uma forma natural, permitindo a projecção de conflitos, medos e fantasias.
Eis um exemplo:
A. foi um menino que nos chegou com 8 anos. Não conseguia ficar sentado numa cadeira, atirava-se para trás, gritando frases desconexas. Não vou contar toda a sua história. Mas ele, da mãe só se lembrava que tinha ao cabelo amarelo, mas desculpava-a dizendo: “ ela não me abandonou num sítio qualquer, foi à porta do meu avô”. Foi todo um trabalho de “reconstrução” que chegou a bom termo. A. foi capaz de imaginar as seguintes histórias:
As aventuras do galo Chico
I - “A CAPOEIRA”
Eu e o meu tio resolvemos fazer uma capoeira para um galo uma galinha cocós. O galo é o Chico e a galinha é a Chica. Foi o meu tio que lhes deu os nomes.
Fomos buscar palettes à montanha. As palettes eram muito pesadas e tivemos que as trazer às costas. Eu tirei os pregos e os dois pregámos as tábuas.
A capoeira ficou pronta e bem segura. Metemos rede à volta e até pusemos palhinha para os ovos.
Mas a galinha desapareceu. Ou foi morta pelo gato, ou deu-lhe um ataque, não sei o que se terá passado !
Agora o galo não quer ir para a capoeira. Anda sempre por lá, sobe para o pé da rola, esgaravata na areia a fazer “cá cá cá” e não entra na capoeira nem por nada !
II - “O CHICO FOI PAI !”
O galo Chico tem uma nova mulher. É uma cocó e demos-lhe o nome de Chica da Silva.
A Chica da Silva é mais pequenina que o Chico e não tem penas às cores. É toda branca. Ela é mais ajuizada do que o Chico, não faz disparates como ele.
O Chico e a Chica foram pais na 4ª feira. Eram 4 ovos, mas só nasceu um pintainho. Era amarelinho, tinha poucas penas e piava muito – “pi, pi, pi”.
Mas o pintainho só durou uma noite. De manhã, quando nós nos levantámos, estava todo mortinho.
Agora, a Chica já não tem um filhinho para tomar conta. Anda por lá, normalmente, sempre atrás do galo Chico, como fazia antes de ter ovos para chocar.
III - “O CHICO IA ARDENDO !”
No fim de semana, o Chico portou-se mal outra vez...
Levou a galinha para dentro de casa e a galinha desatou a pôs ovos em cima da minha cama.
O problema é que ela não pôs só ovos, também fez cocó no edredon...
Quando o meu tio viu aquilo, passou-se dos carretos... Deixou fugir a galinha, mas apanhou o Chico. Meteu-lhe gasolina no pescoço e disse-lhe:
- Agora é que vais arder, agora é que vais arder... E vais mesmo para a panela !
Só que, mais uma vez, o Chico escapou. O meu tio nem teve tempo de acender o isqueiro... O Chico fugiu para debaixo da mesa e conseguiu pisgar-se lá para fora !
Durante o resto do dia, escondeu-se tão bem, que ninguém lhe pôs a vista em cima. Só voltou a aparecer quando o meu tio já estava mais calmo.
Chico é mesmo um galo muito esperto...
A – 11 anos
A.cresceu, fez um curso profissional, fomos tendo visitas e notícias. Até que um dia fui confrontada, numa reunião na comunidade, com a informação da sua morte. A. conduzia camiões entre Portugal e o estrangeiro. Tinha uma namorada, projectos. Um deles era comprar uma moto. O que fez. E que o levou à morte. Aqui bem perto de minha casa. Alguém de sua família marca o acontecimento com coroas de flores. Sistematicamente, e sem desistência.
Investimos tanto em tantas crianças e nem sempre conseguimos com que tenham sucesso pessoal e social … E este menino, depois homem, ficou pelo caminho de uma forma tão abrupta. Todos os dias os lindos olhos azuis de A. me olham, de dentro da minha memória, vindos do tempo em que ele já conseguia sorrir e fazer-nos rir com as histórias do galo Chico.
“Não se pode escrever com a caneta e com a mão, mas com ideia e com imaginação” (João dos Santos)
Eu seguia rua abaixo, pelo lado esquerdo de Sá da Bandeira. À minha frente ia um casal, ela de meia idade, gordinha, ele mais velho, hemiplégico, de bengala na mão direita, arrastando a perna esquerda, pendendo sempre para a direita, trajectória que a mulher ia corrigindo com um pequeno toque na mão dele. Se assim não fosse, as sequelas do seu AVC, à semelhança de um GPS, obrigavam-no a tombar para fora do passeio.
Lá mais ao fundo, frente ao Pingo Doce, o homem, como se uma mola o puxasse sempre para aquele lado, faz, com toda a facilidade um rodopio de noventa graus para a direita, ficando em linha recta com a porta do supermercado. A mulher olha para a direita e para a esquerda (look right and look left, à londrina) e atravessa a rua, tendo o cuidado de pegar na mão do marido, pois de outra forma, com a sua pendência para a direita, ele iria desembocar dez ou vinte metros acima.
Já dentro do Pingo Doce, resolvi seguir os passos daquele par amoroso, ao mesmo tempo que ia dando uma olhadela às prateleiras que me interessavam. A dada altura verifiquei que o homem parou, olhando insistentemente para o sítio onde estavam as carnes de porco. A mulher puxou-o mas ele resistiu. Apoiou-se na prateleira, encostou a bengala, e com a mão direita pegou numa embalagem contendo uma orelha de porco. Imediatamente a mulher gordinha o dissuadiu dizendo-lhe:
- nem penses, vou-te comprar uns grelinhos que via ali e que têm um aspecto do carago!
- Que se fodam os grelos, respondeu ele de forma bem entendível, apesar da fala meia entaramelada.
Só tive tempo de dar meia volta e tapar a boca com a mão, a fim de abafar uma explosiva gargalhada, que eu não saberia explicar aos circundantes.
Fosse eu uma sapa sensata, cumpridora do pouco que se espera de uma criatura da minha espécie, e jamais me atreveria a dirigir-me a Vossa Majestade.
Saiba, porém, Vossa Alteza que tentei certa vez chamar-vos a atenção, quando, a caminho da fonte de S. Bento, passou a real comitiva junto ao meu pequeno charco. Mas a passarada andava inquieta nesse dia, com uma invasão de gaivotas dadas à ladroagem, acabadas de chegar do litoral, e o ruído era tanto que Vossa Alteza não pôde ouvir o meu humilde coaxar. Afastastes-vos com passos rápidos, e com tamanha pressa, que das vossas reais botas saltaram uns salpicos de lama, que me acertaram em cheio.
Sou, como todas os seres que conheço, vossa súbdita. Habito no charco abrigado entre o olival e a fonte, e desde o qual, para minha fortuna, se avista o vosso palácio. Habituei-me a ver-vos percorrer o pátio de entrada, assomar à varanda do vosso quarto, sair cavalgando pela manhã, e de tanto assim vos ver, formoso e intrépido, enamorei-me de Vossa Majestade.
Bem sei, Alteza, que vós sois humano e eu anfíbia, e que nunca se viu uma união assim desde que o mundo é mundo. Sei que a muitos da vossa espécie repugnam os meus semelhantes, mas por certo não esquecerá Vossa Alteza que somos nós a afastar dos vossos jardins os malévolos moscardos ou os calculistas gafanhotos.
Diz-se que no vosso palácio abundam os quadros vindos de países longínquos, os ornamentos de ouro, os ricos tecidos, e as mulheres com vestidos de seda vaporosa e ombros nus, e que com elas dançais noites sem fim, e que todas por vós se apaixonam, afinal.
Não serei formosa, como essas damas que ornamentam os vossos bailes, admito até que possa repugnar-vos a minha pele verde e rugosa, a longa língua peçonhenta, ou o meu papo inflado. Tenho visto que aos humanos causa repulsa ver-me caçar o meu alimento e que vêem com nojo como estendo, sem que o corpo me estremeça, a língua elástica, e com ela paraliso num abraço mortífero qualquer insecto que me pareça apetitoso. Mas tampouco me parecem bonitas de ver as vossas caçadas - um alvoroço de gritos, tropel de cavalos e tiros - e menos bonitas ainda as figuras dos caçadores (entre os quais Vossa Majestade), quando, ao fim da manhã, regressam com os cintos carregados dos cadáveres dos meus irmãos do bosque. Pouco custará, afinal, a cada um se ambos desviarmos o olhar das imperfeições do outro, não vos parece?
Alteza, se eu pudesse mostrar-vos as noites de Verão, quando o charco se aquieta, e as águas estagnadas reflectem a cintilação das estrelas… Se vos sentásseis a meu lado, eu cantaria toda a noite, e até deixaria passar incólume algum mosquito que se atrasasse do passeio, para vos poupar o enojo. Nas manhãs de Primavera, poderíamos atravessar sem pressas o souto, aspirando o ar ainda húmido da alvorada, e eu, instalada no vosso ombro protector, deixar-me-ia levar por Vossa Senhoria. Na dança dos nenúfares, exibiria para vós toda a minha graciosidade, saltitando, com harmonia mas sem descurar a destreza e a audácia, de nenúfar em nenúfar, arriscando, a cada salto, o brio de uma sapa ante o seu enamorado.
E vós, Majestade, levar-me-íeis, enfiada no bolso maior da vossa casaca, a ver os grandes tesouros das terras reais, e decerto nos deteríamos frente ao maior de todos, a ala das íris no vosso jardim. E, quem sabe aí, à sombra do seu intenso azul, poderíeis olhar-me nos olhos e ver que há mais, bem mais em cada criatura do que a máscara que lhe tocou envergar.
Tenho, para oferecer-vos, o meu amor, que pouco vos pede, e este meu acanhado mundo, que vos pertence por inteiro e no qual reinais.
Conto que a vossa magnanimidade saberá perdoar a ousadia desta missiva e que o vosso coração ditará a resposta que aguardo com ânsia.
Não é simples definir a palavra amor. Ainda mais, se estamos apaixonados por ela.
Por ser um sentimento, é capaz de não precisar definição. Os sentimentos vivem em nós, multiplicam-se em nós, fuzilam-nos sem morrer e fazem de nós seres felizes, especialmente se tratam da nossa saúde, não no sentido calão de ironia, mas na realidade tomam conta de nós e ficam tristes se vêm que nos próprios, aparentemente, não cuidamos estes corpos doentes e envelhecidos, que, não entanto, ainda têm a força de trabalhar com ímpeto e gracejo. Amar uma mulher hoje em dia, e que o amor permaneça ao longo do tempo, com a fiel companheira da nossa cronologia, que apenas tem um homem, esse que a ama e mais nenhum, que eu saiba. Não há pior felonia do que as mulheres que amamos, por causa da sua libido, andem também com outros, esse amor que em todos os meus textos, denomino amor de meia hora, que não exprime sentimentos nem apoio. Se assim for, seria uma prostituta e era mais fácil pagar às senhoras de rua que amar a nossa apaixonada. Porque amar, esse sentimento gratuito que aparece se nos esperar o surgimento de uma intimidade que tudo o suporta, apoio em todo, acompanha e, com justa razão, chamam a nossa atenção para comportamentos mais conveniente para nós. Amar uma mulher, é a glória, como o maná que caiu de céu para acompanhar ao povo Israelita atravessar o imensamente quente deserto de Sinai, protegidos por una nuvem durante o dia, alimentados pelo maná. Maná (Bíblia) - A comida de origem divina relatada no antigo testamento da Bíblia.
A fidelidade é o maior prazer do mundo, esse mútuo acompanhamento dentro do nosso quotidiano. Não é em vão que Sigmund Freud, escreveu em 1820: Além do principio do prazer, que pode ser lido em francês em http://classiques.uqac.ca/classiques/freud_sigmund/essais_de_psychanalyse/Essai_1_au_dela/au_dela_prin_plaisir.html , texto no qual de forma sintética da minha parte define o sentimento de entrega mútua ou ter amor a; gostar muito de alguém, estar apaixonado.
Porque especifico uma mulher, quando declino o verbo amar? Porque hoje em dia há várias formas de se apaixonar: ou por pessoas do mesmo sexo, como a lei permite, ou uma paixão não correspondida pela pessoa de quem gostamos.
Eu imponho apenas uma condição: eu amo a mulher que me ama e se entrega completamento a mim, por causa da sedução que os homens sabemos usar, não pela sedução que elas tentam impingir em nós. Parece-me que quem deve dizer que ama é o homem, sendo a mulher um ser humano recatado que espera com paciência e em silêncio, que o macho que ama, diga alguma coisa.
Usei a palavra macho propositadamente. Moramos numa sociedade que é patriarcal e as mulheres têm que se defender do sentimento machista que manda em elas. Princípio que tenho respeitado e até lutado, por sermos pessoas iguais em sentimentos, mas com formas de se apaixonar e demonstrar esse amor, de forma diferente. No meu entender, a mulher beija depois o homem ataca primeiro, com doçura, presentes e piropos, por causa de ser a mulher a primeira em atrair ao homem.
Outras vezes, acontece que, sem darmos por isso, abrasamo-nos com respeito e de forma espontânea. Para que esse sentimento permaneça vivo, só se fala dos acontecimentos do dia-a-dia e demonstra-se a ternura que sentimos por ela, que, no melhor dos casos, entendemos que acontece quando há paixão, saúde e uma cronologia certa, sem receber reptos dela que não merecemos. Sentimentos que se aplicam também a seres humanos do mesmo sexo, com uma ética impecável.
Eu amo essa mulher. Haja deus, como dizem as pessoas de fé, que ela me ame também. Porque amar é não controlar e entender as desfecha da outra pessoa, respeitando o seu comportamento.
Eu amo uma mulher especial. Espero ser amado por ela e serem os meus sentimentos respeitados e entendidos.
Amo-te, rapariga, nestes últimos anos da minha vida.
Nesta manhã de Domingo acordei Maria Silva, a lembrar-me da lista de todos os nomes perdidos nas celas, aprisionados por terem outros nomes. Hoje acordei Maria, mulher do povo, desconhecida, sem precisar de mais um nome de novo. Hoje sou Maria, como a Madalena que beijou-te sem medo, despudorada amante sem nome, Maria de novo. Hoje acordei Maria e rezei por eles, de morte matada, cristãos, ateus, budistas, mulçumanos, poetas, pintores, operários, negros, judeus, homens, Maria de novo.
Hoje acordei sem ar, sem nome algum para contar, história que quero enterrar. Maria como a flor amarela que sorria enquanto morria.
Se o pecado existisse eu teria pecado cegamente em busca do amor em cada pedaço de mim. Ah, se o castigo inventado fosse a eterna busca, eu teria vivido debaixo da pena máxima de encontrar em cada segundo, o amor que se adivinha e parte... Nunca prometemos amor eterno, nem quando ele me levou a ver o miradouro atrás do prédio de esquina. Durante o caminho lia a vontade dos outros pintadas a vermelho: “Amo Inês” ou “quem inventou o amor passou por aqui e se perdeu”
Nos outros dias em que passeei sozinha deixava que meu olhar se perdesse pelo horizonte. O muro que nos protegia da queda certa, desaparecia e eu sonhava que tudo era possível – bastava saber o que se queria. Fossem meus braços asas, fosse meu corpo imagem da minha vontade – matéria que se modela a cada sentir. Fui a ave caçadora em cada viagem só para matar a fome de ti. Fui o eterno sopro fraco no regresso. Lembrança de ti.
Quando voltava para casa, meu cão fugia pela ladeira fora. Longe foi o tempo em que eu corria e gritava: “VOLTA!”
Noutros dias inventei o amor a três. Ele que ama ela, ela que ama ele, e eu que amo a ideia de amar alguém. Nesse amor trocámos as mãos. Odor intenso do sexo que se adivinhou e não aconteceu. Nesses dias eu sorria e lembrava-me de ti rindo da vida. O cão volta sempre ao dono, mesmo que o cantinho onde mora seja sombrio. Se ele soubesse como fazer, gritaria:
“SALTA! Inventa o mar, mergulha nele essa fome nunca saciada. SALTA! Navega até te perderes.
Depois VOLTA! VOLTA, que a casa agora é branca e o teu sorriso violeta.”
Na minha rua, mesmo na esquina, existe um prédio. Nas traseiras dele um caminho para o miradouro.
Quem está enamorado senta-se num banco de pedra e espera que o sol fique laranja até dizer adeus.
Se hoje não chover subo ao miradouro.
(A imagem - «The false mirror», René Magritte (1928).