Numa tarde de sábado, em Abril de 1988 (é a data que pus no final do poema – Abril/68) estava sentado numa esplanada de uma praia da linha de Cascais. Lembro-me que fazia uma temperatura elevada para a época e bebia cerveja enquanto observava as pessoas que colhiam os últimos raios de sol daquele belo dia. Sentia-me bem. Depois comprei o Diário de Lisboa, que ainda se publicava e publicou por mais um ano ou dois, folheei-o, li as notícias e lá se foi a sensação de beleza e de tranquilidade…
Ah, meu amigo, o que é o coração do homem!
(Goethe)
Sim, na verdade
o coração do homem é assim,
espalha-se no vento,
escreve gritos na paisagem,
viaja no silêncio, enfim,
é assim –
é veleiro e astronave
em permanente viagem,
o coração do homem.
Coração, é um modo de dizer,
é uma expressão nada científica,
por sinal, que serve para definir
o local, o território misterioso
onde habitam o amor, o afecto,
o ódio, o medo e a coragem.
Onde mora também
A capacidade de sentir
os oceanos que golpeiam
o peito da humanidade.
Dizemos coração,
talvez por ser mais simples situar
num simples órgão
tudo aquilo que em nós transcende
o bisonho animal
que nos domina e vigia.
Por exemplo,
é Abril e é sábado,
estou aqui na esplanada da praia,
a cerveja está fresca,
a temperatura é amena,
o mar é azul, as pessoas são bonitas,
o céu é um lago de serenidade.
Tudo é tranquilo e belo.
Porém, compro o jornal da tarde
e a tranquilidade
quebra-se logo,
como um vidro frágil agredido
pela fúria selvagem
de um martelo à solta.
O meu coração viaja até à Palestina,
à África Austral, à América Latina,
onde a ânsia animal de dominar,
destrói a vida,
oculta o Sol,
impede o amor…
O meu coração,
muito habituado a caminhar,
abandona o corpo sentado na esplanada,
a cerveja, o mar azul,
o céu sereno, as gaivotas;
viaja até onde a morte é lei,
o passado e o futuro
se defrontam em áridas colinas
revolvidas por obuses.
Se queres que te diga,
A tarde deixou de ser tranquila
e primaveril,
a cerveja sabe-me a sangue
e no sangue passa-me a circular
vitríolo.
Nesta tarde de Abril,
em que tudo estava a correr
tão bem,
antes que me esqueça,
pergunto-me:
terá sido a cerveja
que me caiu na fraqueza,
ou terá sido o coração
que me subiu à cabeça?
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