Segunda-feira, 5 de Julho de 2010

Acabar com o trabalho – maneira de acabar com o desemprego

Carlos Loures


Há uns anos atrás, estava em Barcelona e, convidado por um colega catalão, tive ocasião de assistir no Centre d'Estudis i Recursos Culturals a uma intervenção do ensaísta e geneticista francês Albert Jacquard (1925) integrada numa jornada de debate interdisciplinar sobre o desenvolvimento territorial a partir das relações entre educação, acção meio-ambiental e cultural. Ouvira já falar de Jacquard,. Na minha profissão tudo nos passa pelas mãos, milhares de nomes, de conceitos, de A a Z, pois organizar enciclopédias a tal obriga. O que, embora nos dê o ar de idiots savants, não significa que saibamos tudo isso. Era o que faltava.

Confesso que Jacquard para mim pouco mais era do que um nome. A partir desse dia, deixou de ser assim. Este texto resulta das notas que tomei e que reforcei com a leitura da entrevista que, no dia seguinte, Jacquard deu, salvo erro, ao La Vanguardia e onde pude colher elementos que me tinham escapado na véspera. Não tenho a pretensão de reproduzir textualmente o que o sábio disse, mas sim de resumir o sentido daquilo que disse. Remeto-vos para a leitura dos seus livros, alguns dos quais estão traduzidos em português.

Começou a sua intervenção com uma citação de Paul Valéry - «Le temps du monde fini commence» (1). Agora que fomos à Lua, pudemos ver como a Terra é pequena, disse depois. Em contrapartida, a população não pára de crescer. Dentro de um século seremos dez mil milhões. Temos de reflectir como poderão essas pessoas viver neste pequeno planeta e, para isso, temos de ser lúcidos. A ciência trar-nos-á essa lucidez, pois permite compreender como se fabrica um indivíduo a partir do património genético.

Temos de saber ver a nova realidade do mundo. Somos quatro vezes mais do que éramos no princípio do século XX. Se procedermos sem reflectir, desembocaremos na destruição da humanidade ou, em alternativa, na supressão de toda a liberdade. Temos de administrar criteriosamente os recursos do planeta, não podemos ter tantos filhos. Numa Terra pequena tem de se limitar a natalidade.

Quanto ao envelhecimento da população, isso, segundo Jacquard, não é um mal. A velhice traz mais experiência. Veja-se, cada vez há menos trabalho porque há mais robots. Quando houver mais pessoas com mais de 65 anos do que jovens, terá de haver uma adaptação a essa realidade. O objectivo da vida humana não é trabalhar, mas sim desenvolver-se e isso pode fazer-se em qualquer idade. Isto é uma utopia, mas estamos condenados à utopia, afirmou. Os utópicos mais fantasiosos são os que vêm o mundo daqui a cem anos como uma projecção do actual. Ao contrário, os mais realistas são o que o vêm diferente. E uma vez que assim será, mais vale imaginá-lo.

Sobre o preocupante problema do crescente desemprego, Jacquard fez uma afirmação surpreendente - O ideal é que não haja trabalho. O problema do desemprego será resolvido quando ninguém trabalhar. Hoje, para produzir alimentos ou viaturas, precisa-se de cem vezes menos trabalho do que há um século. Devíamos ter cem vezes mais tempo livre. Não soubemos aumentar os tempos livres. E os tempos livres são o tempo que se dedica à cultura.

Jacquard fez parte durante quatro anos do Comité Nacional de Ética onde discutiu a questão da manipulação genética a qual, na sua opinião, foi até agora benéfica. Permitiu avançar na investigação sobre o ADN e começar a curar mais eficazmente certas doenças. Pode também desembocar em aplicações perigosas. Deve proibir-se essas aplicações, sem bloquear a investigação. A clonagem humana, por exemplo, embora tecnicamente possível, é uma abominação. Um êxito técnico ou científico pode constituir uma catástrofe humana.

Enfim, segundo Jacquard, não estamos inevitavelmente condenados ao caos e à catástrofe. A superpopulação, a escassez de recursos do planeta e temas mais imediatos como o desemprego, têm solução. O nosso futuro depende daquilo que fizermos hoje. Um dos aspectos que me seduziu na argumentação do ensaísta francês, mais do que este optimismo, foi a sua consistente defesa de uma sociedade futura menos voltada para o consumo e mais evoluída culturalmente, com uma consciência colectiva que ultrapasse interesses pessoais, de classe, de género, etnia, de religião ou quaisquer outros. Mais pobre materialmente e mais rica humanisticamente., regredindo do ponto de vista da posse de bens individuais e evoluindo no sentimento de pertença a uma comunidade de milhares de milhões de pessoas. Mais voltada para o ser do que para o ter. A sua teoria de um «decrescimento sustentável», baseia-se na tomada de consciência de que o crescimento descontrolado das economias conduzirá, com o aumento exponencial da população, ao caos social e ao extremar das desigualdades, dado que os recursos do planeta são limitados, finitos..

_____________________

(1)- Toute la terre habitable a été de nos jours reconnue, relevée, partagée entre des nations. L’ère des terrains vagues, des territoires libres, des lieux qui ne sont à personne, donc l’ère de libre expansion est close. Plus un roc qui ne porte un drapeau; plus de vides sur la carte, plus de région hors des douanes et hors des lois, plus une tribu dont les affaires n’engendrent quelque dossier et ne dépendent, par les maléfices de l’écriture, de divers humanistes lointains dans leurs bureaux. Le temps du monde fini commence. Le recensement général des ressources, la statistique de la main-d’œuvre, le développement des organes de relation se poursuivent. Quoi de plus remarquable et de plus important que cet inventaire, cette distribution et cet enchaînement des parties du globe ? Leurs effets sont déjà immenses. Une solidarité toute nouvelle, excessive et instantanée, entre les régions et les événements est la conséquence déjà très sensible de ce grand fait. Nous devons désormais rapporter tous les phénomènes politiques à cette condition universelle récente, chacun d’eux représentant une obéissance ou une résistance aux effets de ce bornage définitif et de cette dépendance de plus en plus étroite des agissements humains. Les habitudes, les ambitions, les affections contractées au cours de l’histoire antérieure ne cessent point d’exister, - mais insensiblement transportées dans un milieu de structure très différente, elles y perdent leur sens et deviennent causes d’efforts infructueux et d’erreurs. »






[Paul Valéry, Regards sur le monde actuel, 1945]
publicado por Carlos Loures às 12:00
link | favorito

.Páginas

Página inicial
Editorial

.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

Carta aberta

.Dia de Lisboa - 24 horas inteiramente dedicadas à cidade de Lisboa

Dia de Lisboa

.Contacte-nos

estrolabio(at)gmail.com

.últ. comentários

Transcrevi este artigo n'A Viagem dos Argonautas, ...
Sou natural duma aldeia muito perto de sta Maria d...
tudo treta...nem cristovao,nem europeu nenhum desc...
Boa tarde Marcos CruzQuantos números foram editado...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Eles são um conjunto sofisticado e irrestrito de h...
Esse grupo de gurus cibernéticos ajudou minha famí...

.Livros


sugestão: revista arqa #84/85

.arquivos

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

.links