Sábado, 22 de Maio de 2010
Carlos Leça da Veiga
A dependência nacional portuguesa é uma realidade
Portugal, face ao exterior, está, ou não, a viver numa situação de dependência política e económica?
A presença portuguesa na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é, ou não, uma imposição política e militar dos Estados Unidos da América do Norte (EUAN)?
A integração de Portugal nas Comunidades Económicas Europeias (CEE) e, depois, na União Europeia (UE) foi, ou não, um acto de submissão económica e política a um projecto federalista europeu hegemonizado por uma parceria franco-germânica e com vista a tentar acrescentar, ao conjunto destes dois estados, algum poder estratégico face aos EUAN e às economias emergentes?
Num caso e noutro, os portugueses não foram consultados antes, porém, foi-lhes dito e repetido que, ou estavam a ajudar a salvar a civilização ocidental e a suster o inimigo de Leste ou, então, que estavam a contribuir activamente para construir um estado europeu de natureza federal capaz de eternizar as características socioeconómicas neoliberais de aquisição recente e, também, como insistem sem vestígios de pudor, antes sim, com falsidade absoluta, a dar origem a um verdadeiro paradigma da democracia. Que verdades por detrás de tanta idealização, senão, apenas, simples confabulações para melhor ludibriar.
A questão de saber-se se um estado está, ou não, nessa situação de dependência, indo-se ao ponto de poder depreender-se se, na verdade, vive numa condição capaz de remetê-lo para a categoria de país colonizado, tem de ser observada por intermédio daquelas suas formas de ligação a quaisquer estados, ou a organizações internacionais, cujos poderes estatuídos, ou as suas capacidades efectivas de imiscuição, permitam estabelecer, com a evidência bastante, uma relação política que, dalgum modo, com maior ou menor visibilidade mas, sempre, por imposição unilateral, limite o exercício completo da autonomia e da soberania do estado em causa quer decorra, entre as partes, um relacionamento bilateral ou o envolvimento opere em ambiente multilateral.
Um estado está colonizado quando as suas decisões políticas, por sistema, são decorrentes de qualquer imposição duma vontade alheia. Se a interdependência dos Estados é uma aquisição notável para a harmonia e o desenvolvimento das relações internacionais e, também, um contributo potencialmente favorável à busca e à manutenção dum clima de Paz mundial, quaisquer formas de hegemonização ou de imiscuição por parte de qualquer Estado, ou dum grupo de Estados, sobre outro, ou outros, tem de ser vivamente condenada inclusive apresente-se, ela mesma, revestida de quaisquer formalismos de aparência democrática.
A Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (AGONU) – uma vez recusada, em definitivo, a anomalia ditatorial do veto no Conselho de Segurança – deve ser reconhecida como a única organização internacional com capacidade de, por deliberação maioritária da sua Assembleia-Geral, poder fazer sentir poder político sobre qualquer Estado. O respeito estrito pelas Soberanias Nacionais – as Nacionalidades devem ser livres de ascender a Estados independentes – tem de obrigar, sem evasivas, a que a prática política corrente nas relações internacionais não deva fugir à regra fundamental de todos os seus entendimentos não deverem ser forjados, nem deverem ser subscritos à margem da AGONU.
Nos dias que correm já não é possível entender-se o fenómeno da colonização dum estado sobre outro tão-somente pelo pressuposto evidente de haver uma manifestação de dominação política mais ou menos expressiva e alicerçada, ou na ocupação territorial do segundo ou duma forte ameaça – uma chantagem – de, a todo o momento, isso poder acontecer. Não podem deixar de considerar-se como demonstrações de colonização a asfixia económica; a imposição de determinações uni ou multilaterais mesmo que proclamadas como legais; a tentativa (já acontecida na Europa) da aplicação a vários Estados duma lei fundamental não sufragada pelo universo eleitoral; a obrigatoriedade duma política multilateral de conluios internacionais; a fixação de inimizades internacionais ou a obrigação da prática de actos militares conforme invocação dum interesse multilateral e, ainda, muito importante, uma declarada distorção cultural – uma aculturação – consequente à invasão massiva e seleccionada duma desinformação alienante. Quaisquer destas circunstâncias constituem-se bastantes para poder afirmar-se que há, de facto, um estatuto de colonização ou de submissão. H. Marcuse, no seu «Homem Unidimensional», exemplifica-o ao afirmar que “a dominação pelo mercado e pelo consumo que, na sua aparência niveladora, não cessa de paliar a condição dos dominados, extermina «in ovo» toda a possibilidade de oposição”.
O Pacto de Varsóvia, de memória triste, teorizou sobre o que chamou de “soberanias limitadas” para que a URSS melhor estribasse a brutalidade das suas prepotências sobre os estados do Leste europeu os quais, como aconteceu, conseguiu reduzir ao estatuto de suas verdadeiras colónias. A OTAN, mais antiga que a sua comparsa de Leste e, não haja dúvida, não menos exigente é, um instrumento militar ao serviço dos interesses dos EUAN que foi criado, bem sabido, sob o pretexto falacioso, vindo ao mundo nos anos quarenta do século passado, duma suposta agressão soviética (tão suposta como, mais tarde, o foram as armas de destruição maciça do Iraque) que colocou sob as suas diatribes políticas todo o Oeste europeu, nele incluído Portugal, uma circunstância que, então, só deu rejúbilo ao imperante salazarismo.
(Continua)