Domingo, 1 de Maio de 2011

4 - Primeiro de Maio - DIA INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES

Afonso Duarte (1884-1958)

 

Elegia do cavador

 Quadro de Graça Morais

Deus do céu venha a meu rogo

Que a enxada já mal se ferra:

Grita o sol dardos de fogo

E eu ando farto da terra!

Há nuvens negras a prumo

sobre os meus ombros, ó dor!

São minha carne a pôr fumo,

São bagas do meu suor.

Vejo daqui a subir

Fumeiros da minha casa…

Outros que passam a rir

Custam-me os nervos em brasa.

Serei eu escravo dum crime

que a Deus fizesse algum homem?

De corpo feito num vime,

Minhas lágrimas consomem.

Deu-me Deus a vida cara,

P´rás nuvens se vai meu ganho:

Custam-me os olhos da cara

Donas das terras que amanho.

 

(Sete Poemas Líricos, 1929)

 

 

 Cavador ( 1913 ) Jardim Guerra Junqueiro (Jardim da Estrela), escultura de 

Augusto da Costa Motta (tio) (1862-1930)
 
 

Guerra Junqueiro (1850-1923)

 

O cavador


Dezembro, noite, canta o galo...
Rouco na treva canta o galo...
– Oh, dor! oh, dor! –
Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...
– Oh, dor! oh, dor! –
Bate-lhe à porta, é teu vassalo,
Que traga a enxada, é teu vassalo,
Miséria negra, o cavador!


O vento ulula... Tremem ninhos...
Na noite aziaga tremem ninhos...
– Oh, dor! oh, dor! –
A neve cai, fria d’arminhos...
Na escuridão, fria d’arminhos...
– Oh, dor! oh, dor! –
Passa maldito nos caminhos,
D’enxada ao ombro nos caminhos,
Fantasma negro, o cavador!


Vem roxa a estrela d'alvorada...
Vem morta a estrela d'alvorada –
– Oh, dor! oh, dor! –
Montanhas nuas sob a geada!...
Hirtas, de bronze, sob a geada!...
– Oh, dor! oh, dor! –
Torvo, inclinado sobre a enxada,
Rasga as montanhas com a enxada,
Fantasma negro, o cavador!


Cavou, cavou desde que é dia...
Cavou, cavou... Bateu meio-dia...
– Oh, dor! oh, dor! –
De pé na encosta erma e bravia,
Triste na encosta erma e bravia,
– Oh, dor! oh, dor! –
Largando a enxada, «Ave-Maria!...»
Reza em silêncio... «Ave-Maria!...»
Fantasma negro, o cavador!

Cavou, cavou na serra agreste,
D'alva à noitinha, em serra agreste...
– Oh, dor! oh, dor! –
E um caldo em prémio tu lhe deste,
Meu Deus!... seis filhos tu lhe deste...
– Oh, dor! oh, dor! –
Batem trindades... «Pai Celeste!...
Bendito sejas, Pai Celeste!...»
Reza, fantasma, o cavador!

Cavou cem montes... que é do trigo?
Gerou seis bocas... que é do trigo?!
– Oh, dor! oh, dor! –
Bateu a Fome ao seu postigo...
Bateu a Morte ao seu postigo...
– Oh, dor! oh, dor! –
«Que a paz de Deus seja comigo!...
Que a paz de Deus seja comigo!...»
Disse, expirando, o cavador!

 

 

 

 

 

(Os Simples, 1892)

 

Luís Cília canta-nos, com música de sua autoria, os versos de Guerra Junqueiro:

 

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 02:00
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