Terça-feira, 26 de Abril de 2011

Meses mais tarde...

Meses mais tarde...

 

...a direita, o capital e a CIA puseram fim à Revolução. Pela minha parte, nunca perdoarei àqueles que, como elementos do MFA, tinham feito o 25 de Abril e, em 25 de Novembro, o traíram e lhe desvirtuaram os objectivos, invertendo-lhe o rumo. Augusta Clara de Matos

 

 

 

 

 

 Mas, certamente, esqueceram uma semente nalgum canto de jardim

 

 

 

 

 

Que é feito do mês de Abril?  José Fanha (1951)

 

 

Que é feito do sol de Abril
que nos circulou pelas veias?
Que é feito das ruas cheias
quando o sol era um balão
e andava tudo ao contrário
as estátuas vinham ao chão
e o sonho era nosso horário?

Que é feito do mês do sonho
quando o sonho era concreto
e tinha forma de casas
portas abertas
e pão,
quando o sonho que sonhámos
era um filho colectivo
parido pela multidão!

 

                                   Que é feito do mês de Abril?

 

Foi então
num país
de repente sem fronteira
foi a feira
a desgarrada
foi o espanto dos abraços
na arquitectura sem margem
duma terra a conquistar.
Foi um país que acordou
com planícies no olhar
e a concertina a tocar
dentro do peito.
                                      Que é feito do mês de Abril?

 

Que é feito do mês de Abril?
Soldados a quem dissemos
amigos eh! pá irmãos
operários que descobriram
um espaço para além das mãos
e as mulheres trabalhadeiras
que rasgaram seus vestidos
para as bandeiras de alegria
com que Abril foi envolvido.

 

                                        Que é feito do mês de Abril?

 

Foi um país impaciente
que de pé se quis em flor
foi o riso das guitarras
cansadas de choro e dor
foi a alegria fabril
foi a força da razão.

 

                                   Não esqueças o mês de Abril!
                                   Não esqueças que és multidão!

 

 

 

 

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Augusta Clara às 19:00
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Segunda-feira, 21 de Março de 2011

O triunfo dos derrotados – por Carlos Loures

 

Lendo o discurso que, no passado dia 15 de Março, o presidente da República pronunciou na cerimónia de homenagem aos combatentes por ocasião da passagem do 50º aniversário da Guerra Colonial, acto realizado no Forte do bom Sucesso, e passando por alto o estilo cinzento, não pude deixar de notar que sempre se referiu ao conflito como «guerra do Ultramar» e que deixou um conselho para a «geração à rasca»: Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do País com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar».

 

E pensei como é incómodo, após uma revolução em que teoricamente banimos o Estado Corporativo, o fantasma do salazarismo nos surja pela boca do mais alto magistrado da República. Mas , pensando bem, nada tem de estranho – a genealogia do P.S.D. passa pela União Nacional e pela Acção Nacional Popular – Os fundadores, Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão, Miller Guerra, Mota Amaral, eram homens do regime salazarista – queriam modernizar o Estado Novo, reformá-lo a partir do interior, adequá-lo á nova realidade europeia onde os autoritarismos davam mau aspecto.

 

 A designação que o partido que continuou a UN/ANP após o 25 de Abril, adoptou era aceitável – Partido Popular Democrático, pois “popular” e “democrático” são adjectivos tão usados da extrema-direita à extrema-esquerda que perderam todo o sentido, Aquela com que foi rebaptizada - Partido Social-Democrata só pode nascer de duas coisas – ignorância ou má-fé (desejo deliberado de enganar) – e não acredito que tenha sido por ignorância.

 

Sabe-se que a social democracia, definida em poucas palavras, é a ideologia marxista que propugna a transição do capitalismo para o socialismo através de uma evolução gradual do sistema, por oposição aos que defendem a imprescindibilidade de uma revolução para que tal transformação se produza. A Internacional Socialista elegeu a social-democracia como forma ideal de atingir a sociedade socialista, privilegiando a acção política em detrimento da tese do marxismo ortodoxo que confiava em que a degradação do capitalismo conduziria à Revolução Socialista, liderada pelo proletariado.

 

Em suma, teoricamente, o Partido Socialista é social-democrata. De facto, no PS há ainda uma elite de defensores da social-democracia. Porém, como sabemos, o partido está dominado por uma clique sem ideologia que usa a palavra socialismo de forma litúrgica, vazia de qualquer sentido verdadeiramente social-democrata. A última coisa que essa gente quer, seja através de Marx ou Lenine, ou do «revisionismo burguês» de Bernstein e Kautsky, é o advento do socialismo. Mas considerar que gente vinda do salazarismo pode ser designada por social-democrata é para rir (ou para chorar).

 

Ter um presidente da República Portuguesa como Aníbal Cavaco Silva, que nem sequer esconde a matriz ultra-conservadora do seu pensamento é uma consequência da promiscuidade que reina na classe política. Podendo acontecer que em próximas eleições legislativas, antecipadas ou não, este partido que vem na sequência da União Nacional e da Acção Nacional Popular, forme governo.

 

Salazar e Caetano podiam perfeitamente ter concedido a «democracia» ao povo português. Podiam perder algumas eleições, mas acabariam por chegar ao poder. Uma parte relevante das oposições não queria igualdade, justiça social, abolição de privilégios e tudo o que caracteriza uma sociedade socialista. Apenas queriam o direito de livre expressão. Sem polícia política, sem organizações patrioteiras, sem o mau aspecto que tudo isso dá, aí os temos espalhados pelo leque partidário.

 

Mais uma vez, alguma coisa mudou para que tudo ficasse na mesma.

 

 

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 13:00
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Quarta-feira, 16 de Março de 2011

Falsa partida – foi há 37 anos - por Carlos Loures

  

 

 

Naquele princípio de 1974, as reuniões dos oposicionistas multiplicavam-se. E não eram já as reuniões sociais de que tenho falado, com bolos caseiros, uísque de Sacavém e canções do Yves Montand ou do Zeca. Desde a reunião  de Torres Vedras em 1973 em que se verificara a cisão do MDP-CDE, que as reuniões assumiam um carácter mais objectivo. A esquerda, onde confluíam os embriões de partidos como o MES, a LCI, o PRP, a  UDP, sentia que era preciso dar um golpe decisivo na ditadura.

 

Através de um jornalista amigo que, no quadro das suas funções, assistia às reuniões do MFA, e depois nos fazia o relato da evolução, fomos seguindo o caminho que as coisas estavam a tomar. Naquele princípio de 1974, as reuniões que fazíamos na Parede, eram animadas pelas informações que o tal jornalista ia trazendo. Sabíamos que, mais tarde ou mais cedo, a tropa sairia para a rua..Naquele sábado pela manhã, quando começámos a ouvir as notícias na rádio e na televisão, pensámos que era o “tal” movimento que andávamos a seguir há meses. A facilidade com que a tentativa foi neutralizada, causou uma grande desilusão. Só na reunião da semana seguinte ficámos tranquilos – o “tal” movimento não fora ainda desencadeado. O que se passara então no dia 16 de Março de 1974?

 

Muito se tem dito sobre o assunto. Numa das versões, terá sido uma tentativa de os seguidores do general Spínola assumirem o controlo do  MFA, impedindo os capitães de o liderarem e evitando radicalismos com que não concordavam. Noutra teria sido, pelo contrário, uma manobra para afastar os spinolistas. Na base desta tentativa de golpe terá, no entanto, estado a exoneração dos generais Costa Gomes e António de Spínola, ocorrida na sequência do episódio da “Brigada do Reumático», que terá levado o capitão Virgílio Varela, do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, a informar que, caso a Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas não reagisse a essa atitude do governo marcelista, ele sairia sozinho com a sua unidade.

 

Essa intenção seria concretizada na madrugada seguinte, quando os capitães do RI5, tomam o comando do Quartel e decidem avançar sobre Lisboa, sob o comando do capitão Armando Ramos. São, no entanto, a única unidade a sair, numa acção descoordenada e condenada ao fracasso, na sequência da qual são presos cerca de duzentos militares. Dias depois, na sua última Conversa em Família, Marcelo Caetano classificaria os acontecimentos das Caldas da Rainha como uma "irreflexão e talvez ingenuidade de alguns oficiais".


O documento que transcrevo é a nota oficial, publicada na imprensa, na qual o regime anuncia a sua vitória sobre a falhada tentativa de golpe: «Na madrugada de sexta-feira para sábado, alguns oficiais em serviço no Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, capitaneados por outros que nele se introduziram, insubordinaram-se, prendendo o comandante, o segundo comandante e três majores e fazendo em seguida sair uma Companhia auto transportada que tomou a direcção de Lisboa. O Governo tinha já conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras Unidades não tinham tido êxito.

Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR. Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar».

 

Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo. Reina a ordem em todo o País».

Esta última frase, “Reina a ordem em todo o País”, ficou famosa – era repetida ironicamente a propósito e a despropósito.

O professor e historiador Fernando Rosas, numa sessão realizada há três anos nas Caldas da Rainha, lembrou que o movimento das Caldas se verificou na sequência da publicação do livro de Spínola, “Portugal e o Futuro”, que terá deixado Marcelo Caetano à beira da demissão e que o presidente do Conselho pretendeu entregar o poder a Costa Gomes e a Spínola, tendo estes recusado. Por outro lado, o presidente da República, Américo Tomás, não aceitou a demissão.

 

Na opinião de  Fernando Rosas, a revolta das Caldas foi a maneira da generalidade das unidades militares demonstrarem a sua repulsa contra a submissão das Forças Armadas simbolizada pela cerimónia de 14 de Março em que a chamada “Brigada do Reumático” foi jurar fidelidade ao regime. Por outro lado, a demissão de Spínola e de Costa Gomes a seguir à tal cerimónia a que nem um nem outro compareceram.

 

Muitos dos militares revoltosos eram próximos de Spínola e pretenderam desagravar a afronta que lhe foi feita. Isto, apesar de Spínola, não estando inteirado da conspiração, ter proposto que, em uniforme nº. 1 e ostentando as condecorações descessem a Avenida da Liberdade, na capital.

 

O coronel Ferreira da Silva, na altura do golpe o principal instigador da saída dos militares do Regimento de Infantaria 5 (actualmente, Escola de Sargentos das Caldas da Rainha), admitiu ter telefonado para o RI5 (Tomar) informando que a sua unidade iria avançar sobre Lisboa, com ou sem outras adesões, provocando  a saída precipitada da unidade em direcção a Lisboa.

 

Já em Lisboa, os militares foram mandados para trás pelo coronel Monge, um dos oficiais do M F A, que percebeu que o golpe iria fracassar perante o elevado número de forças do regime que esperava a coluna revoltosa na capital. Cerca de 200 militares do RI 5 foram presos.

Otelo Saraiva de Carvalho interveio no fim. Contou como tendo sido informado da progressão da coluna militar depois desta ter saído, na madrugada de 16 de Março, dirigiu-se ao seu encontro. Deparou com uma elevada concentração de unidades militares e GNR à entrada de Lisboa. Terá sido da observação que fez do dispositivo  militar governamental que extraiu a ideia de na «Ordem de Operações» para 25 de Abril, atribuir a Salgueiro Maia a missão de ocupar o Terreiro do Paço, atraindo ali as forças fiéis ao regime e permitindo que os outros alvos militares fossem ocupados e controlados sem oposição.

 

Ainda quanto ao 16 de Março, Otelo revelou que o major Casanova Ferreira procurou aliciar unidades militares, sobretudo, os pára-quedistas e a Escola Prática de Cavalaria de Santarém. Contudo, estas recusaram participar face à fragilidade do plano. Casanova Ferreira não desarmou, acreditando que, mesmo sem plano, “basta sair uma unidade para saírem todas as outras atrás.”

 

O adiamento da revolta proposto por Otelo e aceite por Casanova, seria, contudo, contrariado pelo capitão Virgílio Varela que não acatou a ordem de desmobilização. Os militares do RI 5, apesar das dúvidas que os assaltavam,  como foi testemunhado nesta conferência, neutralizaram o seu comandante e saíram em direcção a Lisboa. O 16 de Março estava na rua. Uma aparente derrota, mas  um excelente ensaio para a grande vitória do mês seguinte.

     

 

publicado por Carlos Loures às 12:00
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Segunda-feira, 28 de Fevereiro de 2011

Música romântica do Século XX - 100

E Depois do Adeus, música de José Calvário letra de José Niza, venceu o Festival RTP da Canção em 1974. Cantada por  Paulo de Carvalho a canção representou Portugal no Eurofestival. É uma canção romântica e tem alguma qualidade e tornar-se-ia muito popular - todos sabemos porquê: na madrugada de 25 de Abril, foi a primeira senha transmitida pelo Rádio Clube Português e deu o sinal de arranque para a Revolução. Seguir-se-ia a segunda senha - Grândola, Vila Morena... 

 

Revolução, também ela romântica, utópica e adiada. Ouçamos Paulo de Carvalho cantando E Depois do Adeus. Última canção desta série de cem.

 

publicado por Carlos Loures às 23:00
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Sexta-feira, 31 de Dezembro de 2010

Boaventura de Sousa Santos no Estrolabio - A 'ditamole'


Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para especuladores internacionais. Fazem outro sentido os atuais juros da dívida soberana num país do euro e membro da UE?
8:14 Quinta feira, 21 de Out de 2010

Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, dentro de alguns anos se dirá que a sociedade portuguesa viveu, entre o final do século XX e começo do século XXI, um luminoso mas breve interregno democrático. Durou menos de 40 anos, entre 1974 e 2010. Nos 48 anos que precederam a revolução de 25 de abril de 1974, viveu sob uma ditadura civil nacionalista, personalizada na figura de Oliveira Salazar. A partir de 2010, entrou num outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstrata chamada "mercados".

As duas ditaduras começaram por razões financeiras e depois criaram as suas próprias razões para se manterem. Ambas conduziram ao empobrecimento do povo português, que deixaram na cauda dos povos europeus. Mas enquanto a primeira eliminou o jogo democrático, destruiu as liberdades e instaurou um regime de fascismo político, a segunda manteve o jogo democrático mas reduziu ao mínimo as opções ideológicas, manteve as liberdades mas destruiu as possibilidades de serem efetivamente exercidas e instaurou um regime de democracia política combinado com fascismo social. Por esta razão, a segunda ditadura pode ser designada como "ditamole".

Os sinais mais preocupantes da atual conjuntura são os seguintes. Primeiro, está a aumentar a desigualdade social numa sociedade que é já a mais desigual da Europa. Entre 2006 e 2009 aumentou em 38,5% o número de trabalhadores por conta de outrem abrangidos pelo salário mínimo (450 euros): são agora 804 mil, isto é, cerca de 15% da população ativa; em 2008, um pequeno grupo de cidadãos ricos (4051 agregados fiscais) tinham um rendimento semelhante ao de um vastíssimo número de cidadãos pobres (634 836 agregados fiscais). Se é verdade que as democracias europeias valem o que valem as suas classes médias, a democracia portuguesa pode estar a cometer o suicídio.

Segundo, o Estado social, que permite corrigir em parte os efeitos sociais da desigualdade, é em Portugal muito débil e mesmo assim está sob ataque cerrado. A opinião pública portuguesa está a ser intoxicada por comentaristas políticos e económicos conservadores - dominam os media como em nenhum outro país europeu - para quem o Estado social se reduz a impostos: os seus filhos são educados em colégios privados, têm bons seguros de saúde, sentir-se-iam em perigo de vida se tivessem que recorrer "à choldra dos hospitais públicos", não usam transportes públicos, auferem chorudos salários ou acumulam chorudas pensões. O Estado social deve ser abatido. Com um sadismo revoltante e um monolitismo ensurdecedor, vão insultando os portugueses empobrecidos com as ladainhas liberais de que vivem acima das suas posses e que a festa acabou. Como se aspirar a uma vida digna e decente e comer três refeições mediterrânicas por dia fosse um luxo repreensível.

Terceiro, Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para especuladores internacionais. Fazem outro sentido os atuais juros da dívida soberana num país do euro e membro da UE? Onde está o princípio da coesão do projeto europeu? Para gáudio dos trauliteiros da desgraça nacional, o FMI já está cá dentro e em breve, aquando do PEC 4 ou 5, anunciará o que os governantes não querem anunciar: que este projeto europeu acabou.

Inverter este curso é difícil mas possível. Muito terá de ser feito a nível europeu e a médio prazo. A curto prazo, os cidadãos terão de dizer basta! Ao fascismo difuso instalado nas suas vidas, reaprendendo a defender a democracia e a solidariedade tanto nas ruas como nos parlamentos. A greve geral será tanto mais eficaz quanto mais gente vier para a rua manifestar o seu protesto. O crescimento ambientalmente sustentável, a promoção do emprego, o investimento público, a justiça fiscal, a defesa do Estado social terão de voltar ao vocabulário político através de entendimentos eficazes entre o Bloco de Esquerda, o PCP e os socialistas que apoiam convictamente o projeto alternativo de Manuel Alegre.
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Segunda-feira, 29 de Novembro de 2010

Quando Eu Fui Líder Natural

Augusta Clara de Matos

“E se começássemos por aqui?” Assim terminava o último texto que escrevi, a propósito de toda a gente discutir economia e poucos se interessarem por política.

Esta frase fez-me vir à memória um episódio delicioso que se passou comigo naquele período naïf, logo após o 25 de Abril, em que todos queríamos fazer coisas, tomar parte na construção dum país livre. Ainda hoje me riu quando me lembro dele.

Episódio que foi, ao mesmo tempo, esclarecedor de outra coisa: nós, seres humanos, quando somos genuínos e sinceros, podemos não conseguir, só por isso, grandes empreendimentos mas, pelo menos, não construímos ídolos com pés de barro.

Como todos devem estar lembrados, a seguir à Revolução, foram publicados uns livrinhos da escritora e jornalista chilena Marta Harnecker de iniciação à teoria marxista. Eram uma espécie de pequenos manuais para principiantes que começavam por explicar o que era a política.

Nessa altura eu ainda não estava organizada partidariamente mas, como sempre fez parte da minha personalidade tomar iniciativas sem precisar que mas sugiram, tive uma ideia e decidi avançar com ela (anos mais tarde, um colega que se dedicava à astrologia informou-me que vira nos astros que eu era uma líder natural). Seja ou não seja, a verdade é que os caderninhos da Marta Harnecker desencadearam em mim uma avalanche de liderança.

Escrevi um convite a todas as pessoas do meu departamento convidando-as a virem, à hora do almoço, ler e discutir em conjunto os tão oportunos caderninhos. E a verdade é que as pessoas apareceram e começámos a abordar os conceitos da forma mais simples como “O que é a política?...É a vida de todos nós, etc., etc.” e uma das horas de intervalo para o almoço foi durante uns quantos dias um proveitoso fórum de discussão política em que, gente que nunca se tinha interessado pelo assunto participou activamente. Foi um período curto, sem ambições, mas muito interessante.

Embalada pelo interesse daquele pequeno grupo, senti-me estimulada a passar a outro nível mais alargado de discussão . E a líder natural, cheia de entusiasmo mas ingénua até mais não, escreveu outro convite, com o mesmo objectivo, a todo o pessoal da instituição agrupado em diversos departamentos espalhados pela cidade de Lisboa.

Como eu nessa altura era delegada sindical do meu (mais tarde haveria de ser também representante sindical da instituição no exterior), ia todas as semanas à reunião do conjunto dos delegados, a comissão sindical.

Numa dessas reuniões alguém, sentado numa ponta da mesa diametralmente oposta àquela em que eu me encontrava, perguntou se eu é que era a fulana de tal que tinha enviado um convite para uns debates porque queria falar comigo no fim da reunião. Para minha grande surpresa, esse colega, que viria a ser presidente do meu sindicato, informou-me que ele e outras pessoas, que tinham recebido o meu convite, estavam interessados em participar nas nossas reuniões da hora do almoço.

Imagine-se a minha satisfação. Eu que queria pôr toda a gente a discutir, agora aqueles, e as pessoas que trariam, manifestavam vontade de vir engrossar o grupo. Que diabo, éramos todos colegas, estávamos a travar uma luta conjunta por objectivos comuns…Que viessem, pois claro, que outra coisa havia eu de dizer, ainda para mais num período tão feliz e solidário como aquele que vivíamos?

Mas o final da história foi lamentável e a minha liderança ressentiu-se bastante com isso.

Aquelas reuniões agradáveis, aquele ambiente feliz em que procurávamos, em conjunto, perceber o que se tinha passado noutros países, antes da Revolução dos Cravos ter acontecido, e colher ensinamentos úteis para futuro, transformaram-se em lições de mestre-escola, rígidas e dogmáticas que começaram a desinteressar as pessoas e estas, pouco a pouco, foram desaparecendo, tal como a minha ingenuidade.

O meu colega, futuro dirigente sindical, ficou muito meu amigo mas nunca mais nos entendemos politicamente.
publicado por Carlos Loures às 19:30
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