Quando iniciei esta rubrica, prometi trazer aqui outras vozes sem ser a minha. Já publiquei um debate sobre a resistência armada à ditadura, onde intervieram Carlos Antunes, Fernandp Pereira Marques e José Brandão. Hoje, é Carlos Mesquita quem publica aqui um texto onde nos conta como foi o seu 25 de Abril. Este texto foi ontem publicado no seu blogue oclarinet.
O dia 25 de Abril começou mal, soube da chegada de tropas a Lisboa por um passageiro do comboio descendente (como diria o Zeca) de Queluz para o Rossio, muito cedo. Eu levava um grande saco, e o meu companheiro não soube dizer que tropas eram.
Orlando da Costa (1929-2006) foi um poeta verdadeiramente lusófono. Nascido em Moçambique numa família goesa e, como tal, criado em Margão, veio para Lisboa para a Universidade e, com três nacionalidades possíveis, optou pela portuguesa. E foi um português de eleição, um homem que lutou contra a ditadura e sempre se mostrou consequente com os seus princípios. Um grande português e um grande escritor.
A voz rouca do Baptista Bastos, perguntando onde estávamos no 25 de Abril formula uma pergunta importante. O que a pergunta pretende saber, não é onde estávamos fisicamente, mas onde estávamos politicamente. O que é importante é saber o que cada um de nós fez para merecer o 25 de Abril. No entanto, vou responder ao sentido literal – como passei o «meu» 25 de Abril.
Vivia desde 1971 perto da Parede. Desde as eleições legislativas de 1973 quando se verificou a cisão no MDP- CDE (entre os militantes do PCP e os da chamada extrema-esquerda), todas as semanas, nas noites de sexta-feira, fazíamos uma reunião política. O local era a garagem do Pedro Pai, na Rua de Silves. Tinha um filho adolescente com o mesmo nome. Daí o «Pedro Pai», para que não houvesse confusões entre um homem politicamente actuante e um jovem estudante e surfista emérito, se não estou a fazer confusão. Éramos três ou quatro dezenas. Gente da Parede e de Carcavelos que depois se espalhou pelo MES, pela LCI, pelo PRP. Algumas reuniões fizeram-se na minha garagem que era maior do que a do Pedro. Quando vinha gente de Lisboa, a reunião tinha de ser num espaço mais amplo.
Em casa do meu compadre Joaquim Reis (um segundo andar quase defronte do Pedro) havia reuniões mais íntimas. Meia dúzia de pessoas. No primeiro andar morava um jornalista da RTP, um homem conhecido, e que fora indigitado para assistir às reuniões do MFA. Trazia-nos comunicados e informações. Quando em 16 de Março houve o movimento das Caldas, ficámos desapontados, Foi num sábado, mas logo no domingo à noite esse amigo nos tranquilizou – o «movimento» fora preservado.
Tínhamos o hábito, eu e a minha mulher, de irmos às quartas-feiras almoçar a casa dos meus pais na Rua dos Douradores e, no dia 24 lá fomos. Quando acabado o almoço íamos tomar o metro para São Sebastião (eu trabalhava na António Augusto de Aguiar e ela na Filipe Folque), o António José Forte, que estava no Café Lusitano (vulgo Patinhas), na esquina da Rua da Prata com a de Santa Justa, viu-nos passar e saiu a correr para me perguntar:
- Quando é que é «aquilo»? - «Aquilo» era a Revolução. Quase todas as semanas almoçávamos (salvo erro às quintas) num restaurante da João Crisóstomo, o Pelé. Era o grupo da “Comuna”, uma ideia do Pedro Oom de que aqui falei há tempos. Nesses almoços ia-os pondo ao corrente do que sabia nas tais reuniões e trazia-lhes fotocópias dos comunicados. O Forte queria saber se eu sabia quando era. Não sabia. Em todo o caso, respondi-lhe:
- É amanhã! – respondi com um sorriso, pois não era para levar a sério e o Forte riu-se também.
No dia seguinte uma quinta-feira acordei à hora do costume, pouco depois das seis. Cerca das sete, quando íamos a sair, uma vizinha, que tinha o hábito de ouvir rádio durante a noite, informou-nos de que estava a dar-se um golpe militar. Ouvira comunicados. Aconselhou-nos, a mim e à minha mulher, a não irmos trabalhar, pois os comunicados mandavam as pessoas ficar em casa. A Helena resolveu ficar com os filhos que também não iriam à escola. Levei o carro até São Pedro e tomei o comboio. Pouca gente ao contrário do que era costume. Nada de estranho pelo caminho. Na 24 de Julho alguns carros da polícia.
No Cais do Sodré entrei num um táxi. O motorista disse-me que o Terreiro do Paço estava cheio de tanques e auto metralhadoras. Não se passava. Subiu a Rua do Alecrim, depois a da Misericórdia. Pôs uma hipótese pessimista - «Isto é um golpe do Kaúlza». – e acrescentou – «o Caetano amoleceu e o Kaúlza vai endurecer o regime» – Era uma hipótese plausível. Mas eu tinha esperança de que fosse «aquilo». Conseguimos chegar sem impedimentos. No cruzamento da António Augusto de Aguiar, onde a Duque D’ Ávila dá lugar à Marquês de Fronteira, algum aparato, uma Panhard salvo erro e policia militar a dirigir o trânsito. O Quartel general ali a poucos metros estava cercado.
No escritório deserto comecei a fazer telefonemas. Liguei a rádio. Ao quarto para as nove ouvi o comunicado do MFA - «As Forças Armadas iniciaram uma série de acções com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina». E avisava as forças policiais de que qualquer acção hostil seria repelida severamente. Pedia à população para se manter calma e recolhida nas suas casas. Percebi que era mesmo «aquilo».
Entretanto chegou o Luís Rocha. O pessoal foi aparecendo e mandámos todos para casa. Resolvemos não funcionar. Telefonei a dois «conjurados». O Jaime Camecelha, gerente bancário, veio de Campo de Ourique e o Joaquim Reis, tesoureiro numa agência de viagens, zarpou do Cais do Sodré. Começámos a percorrer a cidade. Depressa tivemos um retrato da situação. Depois do meio-dia acompanhámos a coluna que subiu a rua do Carmo e a Garrett na direcção do Carmo. Temos uma foto tirada pelo Jaime em que eu e o Joaquim estamos encostados a um tanque em frente do Jerónimo Martins. As empregadas saíram com as suas batas brancas com caixotes cheios de laranjas. Nós e muitos outros ajudámos a distribui-las pelos soldados.
Passava do meio-dia. Fomos até ao Camões e subimos a Rua da Misericórdia. Camiões da GNR e soldados da Guarda, postavam-se ao longo da Rua da Trindade. Eram forças fiéis ao governo. Um cabo perguntou-nos se tínhamos tabaco. Demos-lhe um maço de SG e aproveitámos para conversar. Era um “velho” (mais de quarenta anos). Dissemos-lhe que o MFA ia triunfar e que não merecia a pena ele e os colegas sacrificarem as vidas, O homem concordou, tinha mulher e filhos. Mas tinha que obedecer a ordens. Um sargento a poucos metros ouvira a conversa – cumprimentou-nos, sinal de que não discordara dos nossos conselhos.
Descemos até ao Carmo. Ao fim da tarde fomos para minha casa no carro do Jaime. Na Praça do Município, cruzámo-nos com um grupo de guardas do Corpo de Intervenção, com o capitão Maltês a comandá-los. Afastaram-se para nos dar passagem. Em minha casa havia muita gente – improvisou-se um jantar e ficámos presos à televisão até que. já nas primeiras horas do dia 26 apareceu a Junta e o seu comunicado. O Reis, alentejano e sempre irónico, comentou - «Porra! Parecem mexicanos!». Era verdade, parecia uma junta militar sul-americana, no sentido pejorativo, claro.
Nunca consegui convencer o Forte de que a minha resposta à sua pergunta fora casual. “Aquilo” aconteceu mesmo quando lhe disse.
Junto um poema que saiu em livro e em diversas antologias. Foi escrito quanto «aquilo» terminou e a «normalidade» foi reposta.
Aqui posto de comando
Do movimento das Forças Armadas
De súbito, a manhã ficou mais clara:
uma ave luminosa invadira o tempo,
rasgando com as asas a cortina brumosa,
a toalha de pus, a cirrose do medo.
De repente, tudo assumiu outro sentido
na poalha dourada da luz amanhecente
com os soldados, os tanques, os comunicados,
com as espingardas floridas e com a gente.
O silêncio derramou das suas feridas
um rio de fogo que destruiu as mordaças
e um grito colectivo de raiva e esperança
inundou as ruas, as praças e as avenidas.
Um hálito de futuro as percorreu;
uma inscrição floresceu vitoriosa
sobre a pedra musgosa de um velho muro
como um murro nos dentes da opressão.
A criminosa apatia que por tantos anos
nos enevoara o gesto e sufocara a voz
esfumava-se na rosa evanescente da alvorada
e surgia agora transformada em canção.
Um mundo de intermináveis corredores,
de cárceres, de tortura, exílio e morte
diluía-se no ácido subtil desta alegria,
que ocupara a cidade, o país e todos nós.
Pela noite, enqunto quase todos dormiam
eclodira a soleira, o limiar de um novo tempo:
o assassínio, a fome e a ignorância
pareciam já só uma recordação pungente.
Os milhões de cérebros violentados
por décadas de estupidez e crueldade
pareciam ser produto da nossa imaginação
ou ter existido apenas num pesadelo atroz.
Adormecéramos velhos, ciciantes e derrotados,
acordávamos jovens, iluminados e vitoriosos
e isso deixava-nos atónitos e boquiabertos,
cegados pela luz feroz da liberdade.
Falo do instante, do momento feito de horas
em que o tempo se suspendeu solene
enquanto se esvaía a noite da repressão
e a manhã clara nascia, incandescente.
Não falo do tempo em que, hesitantes,
procurávamos a bússola, o sextante, a vela
para navegar Abril, para sulcar o oceano
que o coração do povo abria generoso à Revolução.
Falo, sim, do momento em que o chacal
se escondeu, amendrontado, no fundo do covil,
espiando-nos a esperança, sonhando anoitecê-la
em setembros e marços de ódio e de vingança.
(Nas nossas mãos espreitavam já talvez
as garras de dilacerar revoluções e matar sonhos,
dentro de muitos de nós despontavam sementes
de outras novas e cinzentas servidões).
A luz atravessou o prisma de cristal da vida
e explodiu em mil cintilações de cor
perfurando o pulmão dos velhos medos
com um seta de amor, um estilhaço de sol…
Desse momento falo, do instante breve e puro
em que o Paraíso pareceu estar à mão dos nossos dedos;
não, não é do passado que vos falo – juro,
pois foi no futuro que Abril aconteceu.
Zeca Afonso Grândola, Vila Morena
Para os cidadãos lusos, pais das crianças, que hoje vivem a nova História de Portugal.
Houve o tempo em que Portugal era uma eterna tirania. Não apenas nos tempos do ditador dos começos do Século XX, 1928 até o 25 de Abril de 1974. Antes, as primeiras repúblicas não se sabiam governar, era uma nova experiência ter um Presidente da República e não um rei, Dom Carlos de Bragança que fora morto com o Príncipe Real, herdeiro da coroa, Luís Filipe. Portugal passou a ser um país sem monarquia a partir do dia que o outro filho varão de Carlos I, Dom Manuel, que passou a ser o Manuel II e teve que assumir a coroa. Era novo, não estava preparado para governar, era quase um Menino.
D. Manuel II de Portugal (nome completo: Manuel Maria Filipe Carlos Amélio Luís Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis Eugénio de Bragança Orleães Sabóia e Saxe-Coburgo-Gotha; 15 de Novembro de 1889 – 2 de Julho de 1932) foi o trigésimo-quinto e último Rei de Portugal. Fonte: PROENÇA, Maria Cândida, 2006: D. Manuel II, Rio de Mouro, Círculo de Leitores. D. Manuel II sucedeu ao seu pai, o rei D. Carlos I, depois do assassinato deste e do seu irmão mais velho, o Príncipe Real D. Luís Filipe, a 1 de Fevereiro de 1908. Antes da sua ascensão ao trono, D. Manuel foi duque de Beja e Infante de Portugal. O herdeiro nada preparada para governar, reinara apenas dois anos, teve que fugir de Portugal com a Rainha viúva Dona Amélia e a família a 5 de Outubro data da proclamação de República mo nosso país. Fugiram para Inglaterra, país dos seus parentes Saxo-Coburgo.
Na verdade, a 4 de Outubro de 1910, começou uma revolução e no dia seguinte, 5 de Outubro deu-se a Proclamação da República em Lisboa. O Palácio das Necessidades, residência oficial do Rei, foi bombardeado, pelo que o monarca terá sido aconselhado a dirigir-se ao Palácio Nacional de Mafra, onde sua mãe, a Rainha, e a avó, a Rainha-mãe D. Maria Pia de Sabóia viriam juntar-se a ele. No dia seguinte, consumada a vitória republicana, D. Manuel II decidiu-se a embarcar na Ericeira no iate real "Amélia" com destino ao Porto.
Os oficiais a bordo terão demovido D. Manuel dessa intenção, ou raptaram-no simplesmente, levando-o para Gibraltar. A família real desembarcou em Gibraltar, recebendo-os logo a notícia de que o Porto aderira à República. O golpe de Estado estava terminado. A família real seguiu dali para o Reino Unido, onde foi recebido pelo rei Jorge V.
O regicídio tinha sido preparado pela organização regicida, A Carbonária tendo sido organizada em Portugal pelo sobrinho tetraneto de Michelangelo Buonarotti. Philippo, quem era especialista em matar à aristocracia. De todos eles, cabeças coroadas, como narra no seu livro de 1858, Paris, Chez C.Charavay Jeune, editora. O original está comigo.
Os livros de História sabem melhor narrar estes episódios, que a minha capacidade de escrita e investigar. Remeto a eles os inconfortáveis factos dos séculos XIX e XX.
Uma ditadura começou em 1928, orientada por um Ministro das Finanças, de nome António de Oliveira Salazar GO TE (Vimieiro, Santa Comba Dão, 28 de Abril de 1889 — Lisboa, 27 de Julho de 1970) foi um estadista, político português e professor cátedra. Instituidor do Estado Novo (1933-1974) e da sua organização política de suporte, a União Nacional, Salazar dirigiu os destinos de Portugal, como Presidente do Conselho de Ministros, entre 1932 e 1968.
Os autoritarismos que surgiam na Europa foram amplamente experienciados por Salazar em duas frentes complementares: a propaganda e a repressão. Com a criação da Censura, da organização de tempos livres dos trabalhadores FNAT, da Mocidade Portuguesa, masculina e feminina, o Estado Novo garantia a doutrinação de largas massas da população portuguesa da Universidade de Coimbra.
Adoeceu, se for homem de fé, diria graças a deus, e Marcelo Caetano o substituiu, até o dia em que as forças armadas portuguesas, fartas já de andar colonizar a África Portuguesa, baixo o mando do capitão Salgueiro Maia, como se tornou conhecido, foi um dos distintos capitães do Exército Português que liderou as forças revolucionárias durante a Revolução dos Cravos, que marcou o final da ditadura.
Filho de Francisco da Luz Maia, ferroviário, e de Francisca Silvéria Salgueiro, frequentou a escola primária em São Torcato, Coruche, mudando-se mais tarde para Tomar, vindo a concluir o ensino secundário no Liceu Nacional de Leiria (hoje Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo). Depois da revolução, viria a licenciar-se em Ciências Políticas e Sociais, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa. Fernando José Salgueiro Maia GO TE (Castelo de Vide, 1 de Julho de 1944 — Santarém, 4 de Abril de 1992), liderou esse dia do 25 de Abril, era i capitão que arrecadou ao exército e outros capitães e ganhou a batalha de denominada Revolução dos Cravos, bem conhecida por todos nós .
Infelizmente Salgueiro Maia foi atacado por um cancro e faleceu, o herói do 25 de Abril, em 4 de Março de 1997, com 44 anos. Não viveu o suficiente para fazer do 25 de Abril, uma democracia de seres igualitários. Democratas e livres.
Dia 25 de Abril
23:30 - Chegada da EPC a Cavalria7 e a Lanceiros 2 que são ocupados, perante a rendição, sem resistência, dos seus comandantes.
Nessa noite o país festejou. À 1,30h do dia 26 foi feita a proclamação da Junta de Salvação Nacional.
FIM DE TARDE DE ABRIL Orlando Cardoso (1948)
atravessávamos a poalha do fim da tarde em abril
escuro lamento da voz rompíamos o círculo estreito de
amizades cinzentas o muro branco da lamentação
antiga abríamos um seco areal aí passava o sol
banhando a tua roupa a nudez do corpo macerado no
ofício dolorido dos navios
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Equipa responsável por este dia: Augusta Clara, Carlos Loures, Luís Moreira.
Dia 25 de Abril
22:00 - Pára-quedistas chegam à prisão de Caxias. A PIDE/DGS continua a resistir.
AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU José Carlos Ary dos Santos
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Era uma vez um país Onde entre vinhas sobredos (…) Ora passou-se porém Era a semente da esperança Era já uma promessa (…) Posta a semente do cravo Foi então que o povo armado Pois também ele humilhado Era preso e exilado Capitão que não comanda Porque a força bem empregue
(in Poemabril, 2ª edição, Coimbra, 1994) |
Dia 25 de Abril
LEGENDA DE ABRIL Papiniano Carlos (1918)
Para os meninos do meu país
Eram
três capitães
eram trezentos capitães
Eram
trinta sargentos
eram três mil sargentos
Eram
trezentos soldados
eram trinta mil soldados
E eram
duas e quinze da madrugada
Vestiam camuflados de combate
e relampejantes
e empunhavam as armas
Eram
duas e quinze da madrugada
a noite chegava ao fim
Não eram super-homens
não eram arcanjos cavalgando
o relâmpago e o trovão
eram jovens soldados sangue
do nosso sangue popular
Relampejantes
empunhavam as armas
fitavam de frente os monstros
uivantes
a abominável hidra
do terror fascista
Eram
duas e quinze da madrugada
finalmente amanhecia
em Portugal
E era
de cravos couraçado
o povo triunfante
às portas de Abril
(Diário, 25/4/80)
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
25 DE ABRIL José do Carmo Francisco (1951)
Dez anos depois eu trago numa bandeja
Retratos e sons que guardei na altura
Não como quem já chora ou inda festeja
A certidão de óbito passada à ditadura
Porque os abutres logo vieram a correr
Sem mais cuidado que tomar outro lugar
à frente das muitas secretárias do poder
Para proibir a festa de mais avançar
Dez anos depois trago uma revolta
A raiva já sem limites duma tradição
Feita em eleições com fascismo à solta
Só amordaçam mas não matam a Revolução
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
20:00 - Disparos de elementos da PIDE/DGS sobre manifestantes que começavam a afluir à sede daquela polícia na Rua António Maria Cardoso, fazem quatro mortos e 45 feridos.
20:05 - É lida no RCP, a Proclamação do Movimento das Forças Armadas.
RUMOR Antunes da Silva (1921)
Se gosto desgosto
desta terra onde nasci,
porque longe meço o gosto
de viver onde vivi.
Se aqueço arrefeço
ao lume que pressenti,
ser o lume donde aqueço
outro lume que escolhi
Não vou cantar: canto
em Abril o que colhi,
meu país e meu recanto:
outro canto descobri.
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
Duas entrevistas de Otelo sobre a organização do 25 de Abril:
http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=txtOtelo1
http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=txtOtelo2
19:30 - Marcelo Caetano e os ministros que com ele estavam no quartel são transportados, numa Chaimite (veículo blindado), para o posto de comando do MFA, na Pontinha.
19:50 - Comunicado do MFA anuncia a queda do Governo.
10º POEMA DE ABRIL José Manuel Mendes (1948)
Acolher maio com punhos
de metal
repartir orvalhadas rosas
bagos de coral
agitar bandeiras espigas
ruivas
na luz fria
alagar as ruas do límpido cantar
como semeando faias na penumbra
da alegria
dizer íris com verdes asas
povo com mica dum clamor
fabril
gritar este dia com agulhas
de cristal
e fecundar abril
(in Pedra a Pedra, Lisboa, 1983 e Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
15:10 - Salgueiro Maia solicita, com megafone, a rendição do Carmo em 10 minutos. Momentos antes recebera do Posto de Comando do MFA uma mensagem escrita pelo major Otelo Saraiva de Carvalho na qual ordena que apresente um aviso-ultimato para a rendição.
15:30 - Não sendo atendido após 15 minutos, Salgueiro Maia ordena ao tenente Santos Silva para fazer uma rajada da torre da Chaimite sobre as janelas mais altas do Quartel, repetindo o apelo de rendição logo a seguir.
15:45 - Do Quartel do Carmo sai o major Hugo Velasco, membro do MFA, para falar com o capitão Salgueiro Maia.
16:00 – O coronel Abrantes da Silva, a pedido de Salgueiro Maia, entra no Quartel para dialogar com os sitiados.
16:15 - O capitão Salgueiro Maia dá ordens ao alferes miliciano Carlos Beato para instalar os seus homens no cimo do edifício da Companhia de Seguros Império e fazer fogo sobre o Carmo, agora com armas automáticas G-3.
16:25 – Salgueiro Maia, não tendo resposta dos sitiados no Quartel do Carmo, ordena a colocação de um blindado em posição de tiro e chega a dar "voz" de "um, dois"..., sendo interrompido pelo tenente Alfredo Assunção que conduz dois civis até ele. Trata-se de Pedro Feytor Pinto, director dos Serviços de Informação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, e Nuno Távora, que se dizem portadores de uma mensagem do general Spínola para Marcelo Caetano.
16:30 - Salgueiro Maia autoriza a entrada no Quartel dos dois mensageiros.
Spínola comunica ao Posto de Comando do MFA ter recebido um pedido de Marcelo Caetano para ser ele a aceitar a rendição do chefe do governo. Otelo, após recolher a opinião dos presentes, concede-lhe esse mandato.
16:45 - Os dois mensageiros saem do Quartel do Carmo e deslocam-se num jipe, acompanhados por Alfredo Assunção, para casa de Spínola que, entretanto, se dirige já para o Carmo.
17:00 - Salgueiro Maia desloca-se ao interior do Quartel e fala com Marcelo Caetano que, após ter colocado algumas perguntas, lhe solicita que um oficial-general vá efectuar a transmissão de poderes (Spínola, com quem, aliás, falara já ao telefone) para que o poder não caia na rua. .Salgueiro Maia pede a Francisco Sousa Tavares e a Pedro Coelho, oposicionistas ligados à CEUD e ao PS, para ajudarem a afastar a população. Sousa Tavares sobe para uma guarita da GNR e, usando o megafone, apela à calma.
17:45 - Chega ao Largo do Carmo António de Spínola. Após longos minutos envolvido pela multidão, o carro que transporta Spínola consegue, finalmente, chegar junto da porta de armas do quartel.
18:00 - António de Spínola, acompanhado por Salgueiro Maia (que o informa sobre o modo como os membros do Governo serão retirados das instalações), entra no Quartel do Carmo para dialogar com Marcelo Caetano.
18:15 - Spínola encontra-se com Marcelo e informa-o dos procedimentos que serão adoptados para a sua saída do local e posterior evacuação para a Madeira. Enquanto isso, Salgueiro Maia pede à população que abandone o Largo do Carmo, a fim de se proceder à retirada do Presidente do Conselho e dos ministros. O apelo é ignorado.
18:20 - Um comunicado do MFA informa o País da entrega de Marcelo Caetano e de membros do seu ex-governo, refugiados no Carmo.
18:30 – A Chaimite entra de marcha atrás no Quartel do Carmo.
18:45 - O Decreto-Lei 171/74, que "entra imediatamente em vigor", extingue a Direcção-Geral de Segurança, a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa e a Mocidade Portuguesa Feminina.
SONETO Olga Gonçalves (1929-2004)
festejar no teu corpo a liberdade
que a dobra desta noite pronuncia
sobre o nervo da voz força de alarme
garganta milimétrica de abril
um cravo da coronha de um soldado
no carmo há meia hora ainda em sentido
para o gesto tão fundo tão volável
infância já da luz dentro do sismo
jornais não censurados no tapete
uma fábula fértil de fogueiras
crepitando onde rola o som da estampa
interior ao rumo a labareda
o desenho final do nosso beijo
na premissa mais livre do meu sangue
(in Só de amor, Lisboa, 1975 e Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
LEMBRANÇA ENTRE ELEGIA E HINO PARA O 25 DE ABRIL António Salvado (1936)
O trigo espera o campo das searas
vive o sonho o pomar:
um canto de cigarra
aguarda os frutos para se entregar
A sombra nega a promessa
na tristeza maior das oliveiras:
ausente luz que atravessa
sem clarão o estreme nevoeiro
Que esvaído o contorno
é este que quando o granito
sufoca a terra onde nasceu o grito
adormecido em desalento morto
Despertas pousam ainda nos galhos
as aves: o desafio
E o vento aguarda puro sobre as árvores
A vinha se anuncia!
(in Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
25 DE ABRIL José do Carmo Francisco (1951)
Dez anos depois eu trago numa bandeja
Retratos e sons que guardei na altura
Não como quem já chora ou inda festeja
A certidão de óbito passada à ditadura
Porque os abutres logo vieram a correr
Sem mais cuidado que tomar outro lugar
à frente das muitas secretárias do poder
Para proibir a festa de mais avançar
Dez anos depois trago uma revolta
A raiva já sem limites duma tradição
Feita em eleições com fascismo à solta
Só amordaçam mas não matam a Revolução
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
12:30 - É cercado, pelas forças de Salgueiro Maia, o Quartel da GNR do Largo do Carmo, onde se encontra o presidente do Conselho, Marcelo Caetano.
12:45 - Forças da GNR, fieis ao Governo ocupam posições na Rua da Trindade, na retaguarda do dispositivo de Salgueiro Maia.
E CORRERAM OS RIOS Wanda Ramos(1948-1998)
Correram como rios as palavras
altas e soltas correram os rios na gente
rios de lava Lisboa inflamada acorrendo fremente
nos dias eu se abriram vinda das faldas vertida
dos dormitórios da cintura fumegante e mecanizada
Lisboa livre acorreu
enxameadas as veias avenida da liberdade
rossio terreiro do paço Belém
- e além na outra banda absurdo o cristo:
braços em cruz impotente –
e correndo os rios cada vez mais latos
até o súbito despedaçar-se da seda contra a amurada
afundadas as olheiras da vigília entornadas
as falas em busca do nexo – e achámos esta sorte
o sangue agitado o tempo:
uníssono o nosso grito
escancarado em cada rua
em passo de estar alerta
uníssono ressoou porém mais fundo.
E assim nos pergunto que águas nos lavaram tão de dentro
e levaram alamedas da liberdade acima
que rios tão feitos de luta e punhos? alegria?
(Diário de 25/4/79)
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
O CARANGUEJO Carlos Pinhão (1924-1993)
O caranguejo
talvez seja bom rapaz
não digo que não
mas quando o vejo
a andar para trás
faz-me lembrar a Revolução.
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
EU CANTEI ABRIL António Augusto Menano (1937)
Eu cantei Abril
e tu também
Eu cantei Abril
e tu também
A raiva e o amor cantámos
sem trilhos vagos
e secretos lugares
Cantámos o amor
de estar em Abril, amando-o,
a cantar Maio
(De Cinco poemas de Abril e Maio, in Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
07:00 - Vindo da Ribeira das Naus, chega ao Terreiro do Paço um pelotão de reconhecimento Panhard de Cavalaria 7, comandado pelo tenente-coronel Ferrand de Almeida, que acaba por se render, sendo preso.
07:30 - Quinto comunicado do MFA – Repete as advertências às forças policiais e militarizadas e pede à população que se mantenha calma e permaneça nas suas residências.
25 DE ABRIL Hélia Correia (1949)
Agora deve-se beber, ohé, dançai
sobre este chão que estala com o cheiro
das coisas prometidas, com o fresco
tambor da ansiedade.
É, a festa, mulheres!
Que sangue vibra,
que flor ou menstruo? Cor
que abotoais nas blusas, que atirais
na direcção do sol.
Espantosamente
se desfaz a montanha..
Hoje é a ceifa, oh!
Beijai a terra,
soletrai-a com sede e devagar
como se toma a posse do amor
e se mordem os frutos.
Salve, mãe, o teu ventre perfumado
pelo nosso triunfo.
Bebamos, pois, o vinho destas vozes,
soltemos estes cravos como potros
embriagados.
Como intensas éguas
incendiárias
Cantai, cantai, crianças o esplendor
de que nasceis herdeiras.
Erguei nas vossas mãos o ar por onde
esvoaça esta alegria.
Que ninguém adormeça.
Por que dias,
meses a fio, e anos, dançaremos
por sobre a claridade.
Vinde, bebei, ciganos:
eis a pátria.
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
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Dia 25 de Abril
06:05 - Chega ao Terreiro do Paço um esquadrão de Chaimites reforçado com Panhards de Cavalaria 7, fiel ao Governo. Adere ao MFA, tal como os dois pelotões do Regimento de Lanceiros 2 que guardam o Ministério do Exército.
06:45 - Quarto comunicado do MFA: Dá-se conta de que as Forças Armadas decidiram tomar a seu cargo a presente situação, repetindo-se o aviso de que qualquer oposição das forças militarizadas será duramente punida.
AINDA HOJE SE FALA NESSE DIA António Cabral (1931-2007)
Ainda hoje se fala nesse dia. Que
surgiu como bola de fogo
na sulfurosa montanha.
Dies irae, dies illa. Distante, mas
não tanto que se tenha apagado da raiva.
Sobretudo os mais novos são os primeiros
a recordar. Um hálito forte
de primavera excitava o húmido
corpo da noite e alguns cravos
trocavam na varanda suas palavras
recentemente proibidas.
À boca de muitos túneis, o mesmo corpo
surgia lentamente inundado de tons
claros. E passos musicais, firmes ,
falavam cada vez mais alto
pela incrível madrugada.
Quem decidiu tão feroz descontentamento
e encheu de alecrim as urnas
da memória? Até o ouro tinha um sabor
a enxofre. Velhas ideias
ardiam. Quão doce espectáculo! As culpas
reentravam no buraco dos olhos,
coisas insalubres, enquanto as lendas
vinham para a rua em cabelo.
Quando rompeu a manhã, um clarão
íntimo começou a jorrar
dos armários da luz, acumulação
de muitos anos, subiu de novo
às varandas, floriu no púbis.
Escancarou as coisas interditas.
Os jornais e as fábricas, a alcova
secreta, a rua e os campos anilados,
a escola da luz, tudo isso comoveu
o frágil coração do poeta que
pôs olhos atentos na cotovia:
do morro o coração, emerso no nevoeiro,
cintilava. Ainda hoje
se fala desse dia.
Mas sobretudo os mais novos continuam a recordar.
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
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