José Carlos Ary dos Santos (1937-1984)
Soneto do Trabalho
Das prensas dos martelos das bigornas
das foices dos arados das charruas
das alfaias dos cascos das dornas
é que nasce a canção que anda nas ruas.
-
Um povo não é livre em águas mornas
não se abre a liberdade com gazuas
á força do teu braço é que transformas
as fábricas e as terras que são tuas
-
Abre os olhos e vê. Sê vigilante
a reacção não passará diante
do teu punho fechado contra o medo.
-
Levanta-te meu povo. Não é tarde.
Agora é que o mar canta é que o sol arde
pois quando o povo acorda é sempre cedo.
(Vinte Anos de Poesia, 1983)
Vamos ouvir Fernando Tordo interpretar com música sua este poema de Ary dos Santos:
Isto anda tudo ligado
Quadro de Júlio Pomar
Eduardo Valente da Fonseca (1928 - 2003)
Canto do Ceifeiro
Canta ceifeiro canta,
sob o sol de Agosto, canta,
a terra é tão farta e tanta,
que chega para a tua fome
e cresce para a tua manta,
Canta ceifeiro canta
a charneca e não sossobres.
Espanta o medo e o cansaço,
aguenta mais um pedaço
e canta ceifeiro canta
o heroísmo dos pobres.
Canta ceifeiro canta
o Alentejo todo teu,
canta a charneca em flor,
canta o trigo com suor,
canta a lonjura do céu.
Canta ceifeiro canta
em Serpa. Cuba ou Ermidas,
ia que os braços são pequenos
dêem-se as vozes ao menos
que as vozes serão ouvidas.
Canta ceifeiro canta
canta sempre sem espanto
tudo quanto tanto anseias,
que não vem longe o minuto
do teu suor ser enchuto
e tu seres a própria Paz.
Canta ceifeiro canta
e diz de quanto és capaz,
Canta esses sulcos vermelhos
como as tuas maiores veias,
canta a luta e a tua sede
os azinheiros e o trigo,
canta a carne e o desabrigo
por todo o frio do inverno,
canta a morte dos teus filhos
mais a dos teus companheiros,
canta sempre canta, canta
belas canções de ceifeiro,
que o Alentejo cresceu.
dos teus braços de sobreiro
erguidos ao sol de estio,
e de todo o teu suor
Já do tamanho dum rio.
Canta ceifeiro canta
o Alentejo todo teu,
que nele foi que nasceste
com raízes desde o fundo,
e nele os irmãos da terra
vem sendo há muito ofendidos
nos seus sempre sagrados
e humanos cinco sentidos.
Canta ceifeiro canta
canta com ânsia e bravura
e que o canto que se levante
dê mais força á tua altura.
(A Cidade e os Homens e outros poemas, sem data)
Francisco Fanhais canta, com música de sua autoria, estes versos de Eduardo Valente da Fonseca:
.
E falando de ceifeiros, como podíamos esquecer o Cantar Alentejano, de José Afonso?
José Afonso (1929-1987)
Cantar alentejano
Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer
Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou
Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou
Aquela pomba tão branca
Todos a querem p´ra si
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti
Aquela andorinha negra
Bate as asas p´ra voar
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar
(Cantares, 1967)
E, como dizia o Eduardo Guerra Carneiro, isto anda tudo ligado - vejam a gravura que José Dias Coelho fez como homenagem à mesma Catarina Eufémia que inspirou a canção doZeca:
E(isto anda mesmo tudo ligado), ouçamos a canção que o Zeca dedicou a José Dias Coelho que foi assassinado a tiro pela PIDE, em 19 de Dezembro de 1961, na Rua dos Lusíadas, em Lisboa: A Morte Saiu à Rua - uma canção de uma arrepiante beleza:
Afonso Duarte (1884-1958)
Elegia do cavador
Quadro de Graça Morais
Deus do céu venha a meu rogo
Que a enxada já mal se ferra:
Grita o sol dardos de fogo
E eu ando farto da terra!
Há nuvens negras a prumo
sobre os meus ombros, ó dor!
São minha carne a pôr fumo,
São bagas do meu suor.
Vejo daqui a subir
Fumeiros da minha casa…
Outros que passam a rir
Custam-me os nervos em brasa.
Serei eu escravo dum crime
que a Deus fizesse algum homem?
De corpo feito num vime,
Minhas lágrimas consomem.
Deu-me Deus a vida cara,
P´rás nuvens se vai meu ganho:
Custam-me os olhos da cara
Donas das terras que amanho.
(Sete Poemas Líricos, 1929)
Cavador ( 1913 ) Jardim Guerra Junqueiro (Jardim da Estrela), escultura de
Guerra Junqueiro (1850-1923)
O cavador
Dezembro, noite, canta o galo...
Rouco na treva canta o galo...
– Oh, dor! oh, dor! –
Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...
– Oh, dor! oh, dor! –
Bate-lhe à porta, é teu vassalo,
Que traga a enxada, é teu vassalo,
Miséria negra, o cavador!
O vento ulula... Tremem ninhos...
Na noite aziaga tremem ninhos...
– Oh, dor! oh, dor! –
A neve cai, fria d’arminhos...
Na escuridão, fria d’arminhos...
– Oh, dor! oh, dor! –
Passa maldito nos caminhos,
D’enxada ao ombro nos caminhos,
Fantasma negro, o cavador!
Vem roxa a estrela d'alvorada...
Vem morta a estrela d'alvorada –
– Oh, dor! oh, dor! –
Montanhas nuas sob a geada!...
Hirtas, de bronze, sob a geada!...
– Oh, dor! oh, dor! –
Torvo, inclinado sobre a enxada,
Rasga as montanhas com a enxada,
Fantasma negro, o cavador!
Cavou, cavou desde que é dia...
Cavou, cavou... Bateu meio-dia...
– Oh, dor! oh, dor! –
De pé na encosta erma e bravia,
Triste na encosta erma e bravia,
– Oh, dor! oh, dor! –
Largando a enxada, «Ave-Maria!...»
Reza em silêncio... «Ave-Maria!...»
Fantasma negro, o cavador!
Cavou, cavou na serra agreste,
D'alva à noitinha, em serra agreste...
– Oh, dor! oh, dor! –
E um caldo em prémio tu lhe deste,
Meu Deus!... seis filhos tu lhe deste...
– Oh, dor! oh, dor! –
Batem trindades... «Pai Celeste!...
Bendito sejas, Pai Celeste!...»
Reza, fantasma, o cavador!
Cavou cem montes... que é do trigo?
Gerou seis bocas... que é do trigo?!
– Oh, dor! oh, dor! –
Bateu a Fome ao seu postigo...
Bateu a Morte ao seu postigo...
– Oh, dor! oh, dor! –
«Que a paz de Deus seja comigo!...
Que a paz de Deus seja comigo!...»
Disse, expirando, o cavador!
(Os Simples, 1892)
Luís Cília canta-nos, com música de sua autoria, os versos de Guerra Junqueiro:
Dentro de uma hora, iniciaremos as comemorações do Dia Mundial do Trabalhador. O texto de José Brandão que a seguir apresentamos recorda-nos por que motivo o Primeiro de Maio é celebrado pelos trabalhadores de todo o mundo.
Chicago, Maio de 1886
- por José Brandão
Em 1886, Chicago foi palco de uma intensa greve operária. À época, Chicago não era apenas o centro da máfia e do crime organizado era também o centro do anarquismo na América do Norte, com importantes jornais operários como o Arbeiter Zeitung e o Verboten, dirigidos respectivamente por August Spies e Michel Schwab.
Como já se tornou praxe, os jornais patronais chamavam os líderes operários de preguiçosos e canalhas que buscavam criar desordens. Uma passeata pacífica, composta de trabalhadores, desempregados e familiares silenciou momentaneamente tais críticas, embora com resultados trágicos no pequeno prazo. No alto dos edifícios e nas esquinas estava posicionada a repressão policial. A manifestação terminou com um ardente comício.
No dia 3, a greve continuava em muitos estabelecimentos. Diante da fábrica McCormick Harvester, a policia disparou contra um grupo de operários, matando seis, deixando 50 feridos e centenas presos, Spies convocou os trabalhadores para uma concentração na tarde do dia 4. O ambiente era de revolta apesar dos líderes pedirem calma.
Os oradores alternavam-se; Spies, Parsons e Sam Fieldem, pediram a união e a continuidade do movimento. No final da manifestação um grupo de 180 policiais atacou os manifestantes, espancando-os brutalmente. Uma bomba estourou no meio dos guardas, uns 60 foram feridos e vários morreram. Entretanto, chegaram reforços e começaram a atirar em todas as direcções. Dezenas de pessoas de todas as idades morreram.
A repressão foi aumentando num crescendo sem fim: decretou-se “Estado de Sítio” e proibição de sair às ruas. Milhares de trabalhadores foram presos, muitas sedes de sindicatos incendiadas, criminosos e gangsters pagos pelos patrões invadiram casas de trabalhadores, espancando-os e destruindo os seus haveres.
A justiça burguesa levou a julgamento os líderes do movimento, August Spies, Sam Fieldem, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Shwab, Louis Lingg e Georg Engel. O julgamento começou dia 21 de Junho e desenrolou-se rapidamente. Provas e testemunhas foram inventadas. A sentença foi lida dia 9 de Outubro, no qual Parsons, Engel, Fischer, Lingg, Spies foram condenados à morte na forca; Fieldem e Schwab, à prisão perpétua e Neeb a quinze anos de prisão.
Spies fez a sua última defesa:
"Se com o nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário - este movimento de milhões de seres humilhados, que sofrem na pobreza e na miséria, esperam a redenção – se esta é sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não poderão apagá-lo!"
Parsons também fez um discurso:
"Arrebenta a tua necessidade e o teu medo de ser escravo, o pão é a liberdade, a liberdade é o pão". Fez um relato da acção dos trabalhadores, desmascarando a farsa dos patrões com minúcias e falou de seus ideais:
"A propriedade das máquinas como privilégio de uns poucos é o que combatemos, o monopólio das mesmas, eis aquilo contra o que lutamos. Nós desejamos que todas as forças da natureza, que todas as forças sociais, que essa força gigantesca, produto do trabalho e da inteligência das gerações passadas, sejam postas à disposição do homem, submetidas ao homem para sempre. Este e não outro é o objectivo do socialismo".
Em baixo: mártires de Chicago: Parsons, Engel, Spies e Fischer
foram enforcados, Lingg (ao centro)suicidou-se na prisão.
No dia 11 de Novembro, Spies, Engel, Fischer e Parsons foram levados para o pátio da prisão e executados. Lingg não estava entre eles, pois suicidou-se. Seis anos depois, o governo de Illinois, pressionado pelas ondas de protesto contra a iniquidade do processo, anulou a sentença e libertou os três sobreviventes.
Em 1888 quando a AFL realizou o seu congresso, surgiu a proposta para realizar nova greve geral em 1º de Maio de 1890, a fim de se estender a jornada de 8 horas às zonas que ainda não haviam conquistado.
Como nos Estados Unidos já havia sido marcada para o dia 1º de Maio de 1890 uma manifestação similar, manteve-se o dia para todos os países.
No segundo Congresso da Segunda Internacional em Bruxelas, de 16 a 23 de Setembro de 1891, foi feito um balanço do movimento de 1890 e no final desse encontro foi aprovada a resolução histórica: tornar o 1º de Maio como "um dia de festa dos trabalhadores de todos os países, durante o qual os trabalhadores devem manifestar os objectivos comuns de suas reivindicações, bem como sua solidariedade".
Como vemos, a greve de 1º de Maio de 1886 em Chicago, nos Estados Unidos, não foi um facto histórico isolado na luta dos trabalhadores, ela representou o desenrolar de um longo processo de luta em várias partes do mundo.
O incipiente movimento operário que nascera com a revolução industrial, começava a atentar para a importância da internacionalização da luta dos trabalhadores. O próprio massacre ao movimento grevista de Chicago não foi o primeiro, mas passou a simbolizar a luta pela igualdade, pelo fim da exploração e das injustiças.
Muitos foram os que tombaram na luta por mundo melhor, do massacre de Chicago aos dias de hoje, um longo caminho de lutas históricas foi percorrido. Os tempos actuais são difíceis para os trabalhadores, a nova revolução tecnológica criou uma instabilidade maior, jornadas mais longas com salários mais baixos, cresceu o número de seres humanos capazes de trabalhar, porém para a nova ordem eles são descartáveis.
Neste sentido, naturalmente, a reflexão das lutas históricas passadas torna-se essencialmente importante, como aprendizagem para as lutas actuais.
Ouçamos, na voz de Luísa Basto, com música do Maestro Fernado Lopes-Graça e com poema de José Gomes Ferreira, a canção Jornada (mais conhecida como "Vozes ao Alto").
Jornada
Não fiques para trás oh companheiro
É de aço esta fúria que nos leva
Para não te perderes no nevoeiro
Segue os nossos corações na treva.
Vozes ao alto, vozes ao alto
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada
Ao sol desta canção.
Aqueles que se percam no caminho
Que importa? Chegarão no nosso brado
Porque nenhum de nós anda sózinho
E até mortos vão a nosso lado.
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