Domingo, 5 de Junho de 2011

Orfeu, de Claudio Monteverdi - Abertura

 

 

 

 

 

 

A obra Orfeu, de Claudio Monteverdi (libreto de Alessandro Striggio), costuma ser considerada como a ópera mais antiga de que há conhecimento. Pelo menos é a mais antiga de que se conhece na íntegra a música e o texto. Estreou-se em 1607. Apresentam-se a seguir uma das muitas interpretações existentes da abertura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 http://youtu.be/TROsH4jwomg

 

 

 

 

publicado por João Machado às 15:00

editado por Luis Moreira às 14:14
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Sábado, 9 de Abril de 2011

BelCanto 12. Joan Sutherland - Carla Romualdo e Carlos Loures

Dame Joan Sutherland (Sydney, 1926 – Genebra, 2010) ganhou, ao longo da sua longa carreira de mais de quatro décadas, os títulos de “La Stupenda” e “Koloraturwunder” (maravilha da colaratura), e Luciano Pavarotti, que cantou a seu lado durante vários anos, chamou-lhe “a voz do século”.

Reconhecida pela sua voz cálida, belíssima e vibrante, pela sua excelente técnica e grande amplitude vocal, Sutherland rapidamente atraiu as atenções, inclusivamente da já então diva absoluta Maria Callas, que dela terá dito, depois de ouvi-la numa récita da Lucia de Lammermoor, que os ingleses já não precisavam da Callas como Lucia porque já tinham a sua.

 


 

 

Estreou-se em 1947, com 21 anos, no papel de Dido, de Dido & Aenas, de Purcell, e ao longo das décadas seguintes foi ampliando o seu repertório, demonstrando uma enorme versatilidade, mas acabaria por se destacar com as grandes heroínas do belcanto: Violeta (La Traviata), Elvira (I Puritani), Norma ou Cleópatra (Giulio Cesare).

 

Em 1965 estreou-se na sua Austrália natal como a Marguerite do Fausto de Charles Gounod, obra estreada em 1859, e que adaptava de forma bastante livre a obra homónima de Goethe. “Ô Dieu! Que de bijoux!”, também conhecida como a “Jewel song” é talvez a ária mais famosa desta ópera. Nela uma deslumbrada Marguerite encanta-se com as jóias que Mefistófeles preparou para ela e admira ao espelho a forma como elas realçam a sua beleza. Para além de Fausto, Gounod é o autor de Roméo et Juliette e de Ave Maria.

 

 

 

 

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publicado por CRomualdo às 22:00

editado por Carlos Loures em 02/04/2011 às 11:33
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Sexta-feira, 8 de Abril de 2011

Belcanto - 11. Carlo Bergonzi - por Carla Romualdo e Carlos Loures

 

Dizem  as lendas familiares que Carlo Bergonzi (nascido em 1924, em Vidalenza,  perto de Parma) foi levado pela primeira vez à ópera quando tinha seis anos, por iniciativa dos seus pais melómanos. A impressão produzida no pequeno foi tal que na manhã seguinte os pais foram dar com ele na cozinha, a reproduzir, como sabia, a ária “Di quella pira” que ouvira na noite anterior. 

 

Os seus estudos musicais começaram cedo e foi admitido no Conservatório de Parma  aos 14 anos, tendo-lhe sido reconhecida uma voz de barítono.  No ano seguinte irrompia a Segunda Guerra Mundial, e Bergonzi passaria alguns anos como prisioneiro num campo alemão.  Após a libertação retomou de imediato os seus estudos musicais e em 1947 faria a sua estreia como barítono. Ainda cantou alguns anos,  mas sentia-se insatisfeito e, em 1951, acabaria por apresentar-se pela primeira vez como tenor, em Andrea Chenier. É  então que a sua carreira verdadeiramente se lança.


 




 

Durante a década de 1950, Bergonzi estreia-se nas mais importantes salas operáticas do mundo e começa a ser reconhecido como intérprete verdiano de excelência.  Tem como rivais Del Monaco, Corelli e Di Stefano, mas ao longo das décadas de 1960 e 1970, os rivais entram em declínio e Bergonzi consegue preservar  o seu belo timbre e dicção perfeita.


 

Bergonzi é, de resto, um exemplo de longevidade no canto e a sua última aparição em palco, no concerto de homenagem ao maestro James Levine,  no Metropolitan de Nova Iorque, revelou um tenor surpreendentemente em forma aos 72 anos.


 

Nos últimos anos, Bergonzi retirou-se para o seu “I due Foscari”, o hotel de que é proprietário em Busseto, perto de Parma, mas continua a dar aulas, tendo formado vários jovens tenores.


 

Conhecido sobretudo pelas suas interpretações de Verdi, Bergonzi foi uma das mais destacadas vozes do “Verismo”,  um estilo de ópera italiana que floresceu no final do século XIX, e na qual se inscreve I Pagliacci, a famosa ópera de Ruggero Leoncavallo, compositor italiano (Nápoles, 1957 – Montecatini Terme, 1919), que ficou sobretudo conhecido como autor de “I Pagliacci”, mas que foi também um destacado libretista.


 

A ária mais famosa desta ópera é, sem dúvida, “Vesti la giubba”. Nela Canio, o palhaço, prepara a sua entrada em palco após descobrir a infidelidade da sua mulher, sabendo que ao público pouco importa o sofrimento que o artista possa sentir. A ária entrou na cultura popular como um símbolo da condição do artista, um hino que ilustra a velha máximo que nos recorda que “o espectáculo tem de continuar”. 

 

 

 

 


publicado por CRomualdo às 22:00

editado por Luis Moreira às 14:14
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Quinta-feira, 31 de Março de 2011

BelCanto -3 Giuseppe Di Stefano - por Carla Romualdo e Carlos Loures

 

 

BelCanto-3

 

 

 

 

Giuseppe Di Stefano, um dos maiores tenores líricos de sempre, nasceu na província da Catânia, na Sicília, em 24 de Julho de 1921 e morreu em Santa Maria Hoé(Lombardia) a 3 de Março de 2008. No final dos anos 40 começou a ser conhecido internacionalmente. Mas foi na década de 50 que atingiu o cume da sua carreira. Com Maria Callas formou uma dupla operática de grande prestígio. Cantou, no entanto, com a rival de Callas, a grande Renata Tebaldi.

 

 

 

 

Com uma excelente presença em palco, uma voz aveludada e uma dicção impecável, pode dizer-se que Giuseppe Di Stefano foi, a par de Mario del Monaco, o maior tenor da sua época – as suas interpretações no Edgardo de Lucia di Lammermoor ou de Mario Cavaradossi na Tosca, entre muitas outras, ficaram célebres.

 

Vamos escutá-lo em 'Rêve de Des Grieux' uma ária da ópera Manon (com libreto baseado no romance de Abbé Prévost). Manon, do compositor francês Jules Émile Frédéric Massenet (1842-1912). foi estreada na Ópera de Paris no ano de 1892

 

  

 

 

publicado por Carlos Loures às 22:00

editado por CRomualdo em 29/03/2011 às 22:29
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Terça-feira, 29 de Março de 2011

Belcanto 1 -Enrico Caruso - por Carla Romualdo e Carlos Loures


BelCanto -1 

 

Enrico Caruso, o tenor italiano por muitos considerado o maior cantor lírico de sempre, nasceu em Nápoles em 25 de Fevereiro de 1873, morrendo na mesma cidade em 2 de Agosto de 1921. Foi também em Nápoles que iniciou a carreira, com apenas 21 anos, estreando-se com um repertório onde se incluíam as óperas de Puccini Fedora e La Fanciulla del West. Seria, no entanto, com interpretações como o Canio deI Pagliacci, de Leoncavallo, ou como o Radamés, em Aida, de Giuseppe Verdi que se tornaria internacionalmente famoso, actuando nos principais teatros do mundo. A singularidade das interpretações de Caruso assentou principalmente na emissão do agudo mais forte de que há registo. Foi dos primeiros cantores líricos a aceitar a então nova tecnologia do registo fonográfico.


 

 

La donna è mobile  do III acto de Rigoletto, de Giuseppe  Verdi é um dos temas mais conhecidos de toda a história da ópera e talvez o mais mais inserido no gosto popular. A ópera Rigoletto, com libreto de Francesco Maria Piave  inspirado na peça de teatro Le roi s'amuse, de Victor Hugo, foi estreada no teatro La Fenice de Veneza em Março de 1851. Em Portugal, a estreia fez-se no Teatro de São João, no Porto, em 1853 e, no ano seguinte, em Lisboa no Teatro de São Carlos.

 

Enrico Caruso, Giuseppe Verdi e La donna è mobile, iniciam esta nova série dedicada aos grandes intérpretes do universo lírico mundial.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 22:00
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Quinta-feira, 17 de Fevereiro de 2011

Um autarca na ópera

 

 

 

 

 

 

 

 

Carla Romualdo


 

Havia meses que a cambada de sarnentos do costume gania a plenos pulmões que a autarquia não tinha política cultural. Claro que poderia varrê-los das ruas, mandar detê-los por alguma infracção menor, mais para que se assustassem do que para retirá-los de circulação, mas haveria sempre alguma retaliação, alguma chatice para resolver, a necessitar de uma entrevista de auto-promoção, de novos cartazes… enfim, mais tempo perdido.

De forma que, para calar esses bandalhos e dar uma alegria ao povo, mandou chamar, certa manhã, o vereador, ditou-lhe um par de ideias com piada e em duas semanas estavam a encher a praça de carrosséis dourados, onde se erguiam, à vez, cavalos com focinhos sorridentes e crinas de plástico brilhante, carruagens da Cinderela, unicórnios de cabelo louro, todos a rodopiar ao som do “It’s a small world after all” uma e outra vez, sem parar, numa algazarra de sininhos, campainhas e notas dissonantes.
Montaram-se também as barracas de cachorros e farturas, e ainda outra de jogos, onde a boa pontaria era brindada com um peluche gigante.
Esteve presente na inauguração, num simbólico gesto de apreço e respeito pela cultura, e deixou-se fotografar sorridente ao lado da mãe de todos os saltimbancos, a Micas Mamuda, octogenária ainda no activo, e matriarca de uma dinastia de animadores culturais.
O vereador da cultura chegou ofegante e atrasado, e deixou-se ficar atrás, com o suor a escorrer-lhe pela careca enquanto enviava mensagens de telemóvel às escondidas. Quando começou a actuação da banda da moda, os “Dáconjeito”, o presidente chamou-o com um gesto imperioso.
- Ó Torres, isto são horas?
- Desculpe, meu presidente, fui receber a soprano.
- Oh diabo, já me esquecia dessa prenda. E é hoje, caraças. Não há maneira de fugir, pois não?
- Só se houver um cataclismo na cidade, meu presidente.
- Bah! - resmungou, com uma sacudidela da mão esquerda - essa sorte não tenho eu!
publicado por João Machado às 16:00

editado por Carlos Loures às 16:41
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Domingo, 13 de Fevereiro de 2011

Richard Wagner - (22/5/1813 – 13/02/1883)

 

Luís Rocha

 

Richard Wagner, foi compositor, poeta, dramaturgo e ensaísta. Inventor de um novo estilo de ópera, promoveu uma revolução musical, que influenciou músicos de todos os períodos.

Wagner nasceu em 1813 em Leipzig, no leste da Alemanha. Começou a estudar piano e contraponto aos 11 anos.

Estudou na Faculdade de Música de Leipzig, um dos principais centros musicais da época, não tendo terminado o curso. Foi nesta época que começou a compor as primeiras obras. Apreciava e lia as obras de Shakespeare. Sabia de cor as obras de Weber e Beethoven. A filosofia também esteve entre suas paixões.

Em 1848, iniciou o processo de composição do ciclo O anel dos nibelungos, obra com 18 horas de música e constituída por quatro óperas interligadas: O ouro do Reno, A valquíria, Siegfried e O crepúsculo dos deuses.

Richard Wagner viveu em Bayreuth de 1872 até à sua morte, em 1883. Na cidade encontra-se o Bayreuth Festspielhaus, uma casa de ópera especialmente construída para as óperas de Wagner. As últimas obras do compositor tiveram sua estréia neste lugar. Em todos os verões, desde 1876, é organizado o Festival de Bayreuth, conhecido a nível nacional e internacional. Pelo fato da procura por ingressos (aproximadamente 500.000 ao ano) ultrapassar a oferta, já que as 30 apresentações ao ano podem ser oferecidos a somente 58.000 pessoas ao total, há uma lista de espera por bilhetes de 8 a 10 anos.


Antisemita, em 1850, Wagner publicou O judaísmo na música, em que atacava fortemente a influência judia na cultura e na arte alemã. Na publicação, ele retrata os judeus como "ex-canibais, treinados para ser agentes de negócios da sociedade". O nazismo, que viria a dominar a Alemanha apenas no século 20, elegeu o compositor como um exemplo da superioridade da música e do intelecto alemão.

Até 1871, a Alemanha não existia como um Estado unificado. Mesmo que a música sempre houvesse exercido papel predominante na vida germânica, a ausência de uma capital centralizada não possibilitava a existência de uma cidade única, onde se concentrasse a produção artística da época. No século XIX, o sentimento nacionalista vai alimentar, em toda Europa, a busca de uma identidade própria, principalmente no campo da arte.

Foi justamente Richard Wagner, quem contribuiu para a criação de uma identidade nacional alemã. Nome de proa da corrente progressista do chamado "segundo Romantismo", poucos compositores exerceram um impacto tão profundo sobre a história da música.

A Wagner coube a missão de revolucionar a ópera do país e do mundo, tornando-a mais envolvente. A evolução veio não apenas em relação à independência dos modelos estrangeiros, mas também ao transformar a ópera de forma tão inovadora, que acabou por influenciar compositores de todas as épocas.

Wagner foi, desde sempre, um opositor da influência da ópera italiana tradicional. Na sua obra, deu maior destaque à orquestra, escreveu textos de extrema qualidade e introduziu o leitmotiv - pequeno tema que identifica musicalmente situações, personagens e sentimentos-, usado pela primeira vez na ópera Lohengrin (1848). Como temas, adoptou a mitologia germânica e escandinava.

Em relação à harmonia, o compositor também foi revolucionário. O cromatismo -modulação constante de um tom a outro- utilizado em obras no período da sua maturidade, tornou-se base das experiências de toda a música moderna. Não é por acaso que foi consagrado, como Franz Liszt, como um dos criadores da "música do futuro".

 

No auge da fama, Wagner morre devido a problemas no coração, em 13 de fevereiro de 1883. Foi enterrado na sua própria casa em Bayreuth.

 

Obras:
ÓPERAS E DRAMAS:
Die Feen (The Fairies) (1833-34);
Das Liebesverbot (Forbidden Love) (1835-36);
Rienzi (1838-40);
Der fliegende Holländer (The Flying Dutchman) (1840-41);
Tannhäuser (1843-45);
Lohengrin (1846-8);
Der Ring des Nibelungen (The Nibelung's Ring): Das Rheingold (The Rhine Gold) (1853-54), Die Walküre (The Valkyrie) (1854-56), Siegfried (1856-57 and 1864-71), Götterdämmerung (Twilight of the Gods) (1869-74);
Tristan und Isolde (1857-59);
Die Meistersinger von Nürnberg (The Mastersingers of Nuremberg) (1862-67);
Parsifal (1877-82).

ORQUESTRA:
Concert Overture. em D menor (1831),
Concert Overture. em C (1832);
Overture em E menor (1831-32);
Sinfonia em C (1832);
Christopher Columbus (1834-35);
Polonia (1836);
Rule, Britannia (1837);
Faust (1839-40);
Trauermusik (1844);
Träume (1857);
Huldigungsmarsch (1864);
Siegfried Idyll (1870);
Kaisermarsch (1871);
Centennial March (1876).

CORAL:
Weihegruss (1843);
Das Liebesmahl der Apostel (The Love Feast of the Apostles) (1843);
An Webers Grabe (1844);
Kinder-Katechismus (1873).

PIANO:
sonata em Bb (1831);
Lied ohne Worte (1840);
Album Sonata in Ab (1853);
Albumblätter em Ab e C (1861).

CANÇÕES:
Der Tannenbaum (1838);
Les deux grenadiers (1839-40);
Les adieux de Marie Stuart (1840);
5 Gedichte von Mathilde Wesendonck (5 Wesendonck Songs), (1857-58).

ESCRITAS:
My Life (1865-80);
German Opera (1851);
Art and Revolution (1849);
Judaism in Music (1850);
Opera and Drama (1850-1);
The Music of the Future (1860);
Religion and Art (1880);
On Conducting (1869).

publicado por siuljeronimo às 20:00

editado por Luis Moreira às 19:12
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Quarta-feira, 6 de Outubro de 2010

Um autarca na ópera

Carla Romualdo



Havia meses que a cambada de sarnentos do costume gania a plenos pulmões que a autarquia não tinha política cultural. Claro que poderia varrê-los das ruas, mandar detê-los por alguma infracção menor, mais para que se assustassem do que para retirá-los de circulação, mas haveria sempre alguma retaliação, alguma chatice para resolver, a necessitar de uma entrevista de auto-promoção, de novos cartazes… enfim, mais tempo perdido.


De forma que, para calar esses bandalhos e dar uma alegria ao povo, mandou chamar, certa manhã, o vereador, ditou-lhe um par de ideias com piada e em duas semanas estavam a encher a praça de carrosséis dourados, onde se erguiam, à vez, cavalos com focinhos sorridentes e crinas de plástico brilhante, carruagens da Cinderela, unicórnios de cabelo louro, todos a rodopiar ao som do “It’s a small world after all” uma e outra vez, sem parar, numa algazarra de sininhos, campainhas e notas dissonantes.
Montaram-se também as barracas de cachorros e farturas, e ainda outra de jogos, onde a boa pontaria era brindada com um peluche gigante.
Esteve presente na inauguração, num simbólico gesto de apreço e respeito pela cultura, e deixou-se fotografar sorridente ao lado da mãe de todos os saltimbancos, a Micas Mamuda, octogenária ainda no activo, e matriarca de uma dinastia de animadores culturais.
O vereador da cultura chegou ofegante e atrasado, e deixou-se ficar atrás, com o suor a escorrer-lhe pela careca enquanto enviava mensagens de telemóvel às escondidas. Quando começou a actuação da banda da moda, os “Dáconjeito”, o presidente chamou-o com um gesto imperioso.
- Ó Torres, isto são horas?
- Desculpe, meu presidente, fui receber a soprano.
- Oh diabo, já me esquecia dessa prenda. E é hoje, caraças. Não há maneira de fugir, pois não?
- Só se houver um cataclismo na cidade, meu presidente.
- Bah! - resmungou, com uma sacudidela da mão esquerda - essa sorte não tenho eu!
Virou costas e seguiu para o carro.
Nessa noite, ficariam sentados lado a lado, na primeira fila da plateia. A Fundação organizara a récita e o presidente não podia deixar ficar mal a Fundação, depois de tantos e tão valorosos serviços prestados. E se era de todos conhecida a aversão do presidente por aquilo a que, quanto a ele, estupidamente se chamava “bel canto”, não menos conhecida era a sua fidelidade para com o presidente da Fundação.
Chegou atrasado, com ar de poucos amigos, ocupou o seu lugar olhando de soslaio para o vereador, assoou estrepitosamente o nariz quando as luzes da sala desceram, e esperou com ar carrancudo. O vereador sentia-lhe o hálito pestilento, que, ao que dizia a secretária, se devia às cápsulas de alho que tomava com uma devoção inabalável, convencido de que lhe haviam de prolongar a vida e a virilidade por longas décadas.
Mas assim que a soprano entrou em palco a expressão do seu rosto transfigurou-se.
- Esta é que a soprano? – perguntou ao ouvido do vereador, deixando-o agoniado com o bafo.
- É, sim, meu presidente.
- Se soubesse tinha sido eu a ir buscá-la ao aeroporto.
Soltou um riso abafado enquanto acotovelava, com ar cúmplice, o vereador. Este remexeu-se na cadeira, incomodado com a ideia de que alguém pudesse ter ouvido, e agoniado com o hálito capaz de aterrorizar um bando de vampiros.
Principiava a ária Signore ascolta, da divina Turandot, comovente lamento da doce Liu, desesperada ante a iminência da morte do seu amor e a ruína do senhor a quem toda a vida serviu.
- Aquilo é que é uma caixa-de-ar, hã? Tem cá uma peitaça!
O vereador sentiu-se escorregar da cadeira, ou talvez fosse apenas esse o seu anseio profundo, o de ser engolido pelas entranhas não da terra mas da sala de espectáculos, ser salvo por um desses alçapões das comédias de enganos.
Alguns olhares de soslaio confirmavam-lhe que os comentários do presidente haviam chegado mais longe do que seria desejável. Certo é que já havia alguns movimentos de desconforto nas cadeiras à volta, um burburinho, ainda insuficiente para causar distúrbio, mas já assinalável.
A soprano prosseguia imperturbável.
“Ahimè, ahimè, quanto cammino col tuo nome nell'anima”
- Cheiinha de carnes, apetitosa, é cá um mulherão! Você não me contou como ela era, quis ir buscá-la sozinho, não foi? Está a sair melhor do que a encomenda.
A soprano mantinha-se imperturbável, o olhar concentrado num ponto remoto. Um arrepio estremecia a plateia: aquela voz transformara-se numa emoção, uma corrente de energia que se difundia em ondas concêntricas, de crescente amplitude, percorrendo a sala sem cessar.
O presidente estava calado há quase um minuto e o vereador começou a acreditar que também ele se deixara comover com a interpretação. Como se o tivesse ouvido, e se indignasse com a hipótese, o presidente acercou os lábios aos ouvidos do vereador.
- Vou ao camarim no final. Amanhã mando a Soraia enviar-lhe uma dúzia de rosas e está no papo.
- CHIUUUU!
Desta vez não se podia negar que alguém se indignara. A ordem tinha vindo das filas de trás, e o Torres ficara sem saber se se pretendia silenciar os sussurros que perturbavam a récita ou reprovar o plano para capturar a soprano. Fosse como fosse, o presidente estava imparável, mas, honra lhe fosse feita, começava a dar mostras de interesse pela alta cultura.
- Senhor presidente, não diga essas coisas, pode estar a imprensa por perto…
- Imprensa? Bah, à imprensa tenho-a eu agarrada pelos…
O vereador alarmou-se de tal modo que lhe pôs as mãos sobre os lábios, como se tentasse travar um caudal que jorrasse com uma força demolidora. As palmas, talvez demasiado entusiásticas para início de récita, sacudiram a fila de cadeiras.
O vereador apressou-se a corrigir o gesto, desatando a aplaudir freneticamente e acenando levemente ao presidente para que fizesse o mesmo. Esperava ver a sempre mal disfarçada fúria no rosto do presidente, mas ele já só parecia ansioso por verificar se a artista lhe permitiria, na sua vénia de agradecimento, um vislumbre do decote que fora para ele o grande atractivo da actuação.
Com efeito, a soprano inclinou-se ligeiramente mas, ao levantar o bonito rosto de tez muito branca e bochechas suavemente redondas, olhou de relance para o presidente e uma chispa de fúria incendiou-lhe por instantes a expressão. O Torres alarmou-se, espreitou a reacção do presidente, mas este, com a atenção aplicada uns bons centímetros abaixo dos olhos dela, nem reparou. As palmas esmoreceram, o silêncio foi caindo novamente, a artista concentrou-se na ária seguinte.
Mas para o vereador Torres a decisão estava tomada.
- Sabe, meu presidente – comentou em voz muito baixa – acho que faz bem em ir ao camarim.
O presidente respondeu-lhe com um sorriso lúbrico e recostou-se na cadeira, ansioso que aquela pessegada acabasse de uma vez.

publicado por CRomualdo às 19:30

editado por João Machado em 16/02/2011 às 22:32
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