Desconhecem-se as datas precisas de nascimento e morte de Joam Roiz de Castel-Branco. Julga-se que terá vivido entre finais do século XV e as primeiras décadas do séc.XVI. Fidalgo da Casa Real de D.Manuel e, depois, da de D.João III, foi em 1515 nomeado contador da fazenda da Beira.
De acordo com o que hoje se sabe, a obra poética de João Roiz de Castell - Branco consiste em quatro composições incluídas no Cancioneiro Geral ,de Garcia de Resende. Duas são trovas com contornos epistolares: numa, dirigida a um amigo em Alcácer Ceguer, o autor traça um quadro dos prazeres da vida em Portugal, contrapondo-lhes riscos vários da vida militar no Norte de África; noutra, endereçada a um companheiro em Lisboa, faz o elogio do retiro rústico em terras beirãs, que opõe aos sobressaltos da vida do paço e às inglórias agruras das expedições ultramarinas. Este texto deve ser relacionado, com outros do Cancioneiro Geral, e com a tradição de louvor da aurea mediocritas imitação dos clássicos que seria com frequência cultivada pelos poetas do séc. XVI.
As outras duas peças são uma glosa a um vilancete castelhano e a cantiga “Senhora, partem tam tristes”, de grande beleza formal e que desenvolve um tema recorrente no Cancioneiro Geral: o da partida. Joam Roiz de Castel-Branco, um dos construtores do galego-português, está, de pleno direito, neste Terreiro.
Fernando Correia da Silva apresenta-nos uma brilhante biografia ficcionada deste trovador. _________________________________
Fernando Correia da Silva
Paço em Sintra onde D. João II
foi aclamado rei.
(PERTURBANDO O REPOUSO DO POETA)
- Ó Joam Roiz de Castel-Branco:
sei que viveste na segunda metade do século XV. Sei que foste aplaudido trovador na corte de D. Joam II, o Príncipe Perfeito, monarca impulsionador dos Descobrimentos Portugueses. Sei que ao abandonares o Paço foste viver na cidade da Guarda, onde te dedicaste à agricultura e à contabilidade. Sei que hoje repousas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Peço desculpa mas vou perturbar o teu repouso com a minha agitação dos séculos XX e XXI.
Reparo que estás acordando, já te espreguiças. Resmungas:
- Que quereis de mim, ó Mafoma? - Mafoma? Quem, eu?
- Sim, Mafoma, mouro, infiel.
- Joam Roiz, mouro eu cá não sou. E infiel também não. Antes pelo contrário, sou um fiel admirador da tua poesia.
Volta a espreguiçar-se mas corrige a acintosa saudação:
- Que quereis então de mim, ó perturbador?
- Quero ouvir alguns dos teus poemas.
- Ai sim? Vou então dizer-vos um poema que enviei a António Pacheco, veador da moeda de Lisboa.
- Veador? Hoje já não se usa essa palavra.
- Estais insinuando que as palavras morrem?
- Ou morrem ou transformam-se. Hoje diríamos vedor ou inspector da moeda de Lisboa.
- Mesmo depois da minha vida ainda estou a aprender coisas novas. Grato, gosto disso...
- Mas porquê um poema para António Pacheco?
- Porque ele mandou-me uma carta motejando de mim. E a melhor forma de revidar era mandar-lhe um poema.
- Estou a perceber. E como era o poema?
- Como era, não! Como é! Já vos digo.
Declama:
- Já me nam dá de comer
senam minha fazendinha;
rei nem roque nem rainha
nam queria nunca ver.
O pagar das moradias
é o que mais contenta,
o despachar da ementa,
as madrugadas tam frias;
trabalhar noites e dias
por ser na corte cabidos,
e, os tempos despendidos,
ficar com as mãos vazias.
Interrompo:
- Ó Joam Roiz, não era esse o poema que eu queria ouvir.
Fica irritado:
- O que eu começo, acabo sempre, nunca paro a meio caminho.
- Pronto, não leves a mal, avança!
E ele avança:
Armadas idas d'além
já sabeis como se fazem:
quantos cativos lá jazem,
quantos lá vão que nam vêm!
E quantos esse mar tem
somidos que não parecem,
e quam cedo cá esquecem,
sem lembrarem a ninguém!
E alguns que sam tornados,
livres destas borriscadas,
se os is ver às pousadas,
achai-los esfarrapados,
pobres e necessitados
por mui diversas maneiras
por casas das regateiras
os vestidos apenhados.
Por isto, senhor Mafoma,
tresmontei cá nesta Beira,
por tomar a derradeira
vida, que todo o homem toma;
porque há lá tanta soma
de males e de paixam
que, por não ser cortesão,
fugirei daqui té Roma.
Pensei que já tínhamos chegado ao fim, porém ele remata ainda:
Agora julgai vós lá
se fiz mal nisto que faço:
em me tirar desse Paço
e mudar-me para cá;
pois é certo que, se dá
algum pouco galardam,
lança mais em perdiçam
do que nunca ganhará.
Amália Rodrigues canta este nosso trovador com música de Alan Oulman:
- Joam Roiz, posso agora dizer-te qual dos teus poemas eu queria ouvir?
- Dizei lá!
- Queria ouvir a tua CANTIGA, PARTINDO-SE.
- E porquê essa e não outra?
- Porque me seduz.
- E por que vos seduz?
- Não sei o que responder-te.
- Sei eu o motivo da sedução. Deus expulsou Adão e Eva do Paraíso por terem mordido e comido a maçã do pecado. Sabeis disso?
- Sim, já ouvi falar disso.
- Os descendentes de Adão e Eva, por vergonha tapam as suas partes pecaminosas mas não se aguentam e estão sempre a provar e a comer a maçã do pecado. Que nome dais a esse comportamento?
- Contravoltas da PAIXÃO?
- Contravoltas da PAIXÃO? Não está mal visto. Na minha CANTIGA, PARTINDO-SE um cavaleiro apaixonado, em vésperas de partir talvez para o além-mar, despede-se da bem-amada. Está tudo dito ou é preciso dizer mais alguma coisa?
- Precisas dizer muito mais, ó Joam Roiz... Antes de ti, na corte os jograis tocavam e cantavam. Mas depois a poesia palaciana, da qual és um exemplo típico de trovador, limitou-se a declamar. Há porém um golpe de mágica na tua CANTIGA, PARTINDO-SE porque ela consegue incorporar a música no próprio texto. De tal forma que, no meu século XX (e já lá vão cinco séculos...) Alain Oulman sobre ela compôs melodia que Amália Rodrigues interpretou. E o mesmo aconteceu com o nosso compositor e cantor Adriano Correia de Oliveira. Pergunto: que mágica foi essa que tu usaste?
- Não foi mágica, foi engenho.
- Explica lá esse engenho.
- A CANTIGA é toda em redondilha maior, sete sílabas. E todos os versos têm dois acentos tónicos, ora na 3.ª e 7.ª sílaba, ora na 4.ª e 7.ª ora na 5.ª e 7ª. ora isto, ora aquilo. Desta forma consegui eu criar um ritmo avassalador.
- Está tudo explicado?
- Não, não está. Há também um engenho especial para as rimas. As dos primeiros quatro versos, emparelham a rima do 1.º com a do 3.º e a do 2.ª com a do 4.º. E essas rimas encontram eco nos últimos quatro versos. E os cinco versos que ficam pelo meio, também rimam entre eles, o 5.º com o 7.º e o 8º., o 6.º com o 9.º.
- É tudo?
- Não, ainda não. Falta apontar o advérbio tam, surda pancada que antecede tristes, termo este que domina toda a CANTIGA. Tam irrompe dez vezes. Duas nos quatro primeiros versos. Cinco nos cinco seguintes; cinco em cinco é coincidência que favorece puxar a trela de cinco adjectivos. Mais informo que os três derradeiros tam surgem nos últimos quatro versos. Percebeis a intenção?
- Não sei. Canta lá essa tua CANTIGA para eu verificar se percebi.
E ele canta:
CANTIGA, PARTINDO-SE
Senhora partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes
tam fora d'esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
- Percebi e estou deliciado, ó Joam Roiz!
Dilui-se o trovador e as suas palavras começam a converter-se em água fresca. Antes que decorra um século LUÍS DE CAMÕES virá beber desta fonte.
Ouçamos agora a voz de Amália Rodrigues, com o poema de Joam Roiz de Castel-Branco e música de Alan Oulman:
Sons, cores e palavras do universo lusófono, foi o que prometemos para este Terreiro. Tudo isso existe no cinema. Pois então, que venham os cineastas! Nem sequer se nos colocou a dúvida sobre qual deveria ser o primeiro a vir ao Terreiro da Lusofonia - Manuel de Oliveira, obviamente.
É um fenómeno! À beira dos 102 anos, continua a trabalhar e a manter uma lista de projectos. Em entrevista dada no final do ano a Gregorio Belinchón do El País, a propósito da estreia em Espanha de «Singularidades de uma Rapariga Loira», com o entusiasmo de um jovem explicou o porquê da escolha – «O filósofo Spinoza dizia que nos julgamos livres porque ignoramos que os nossos actos são comandados pelas mais obscuras forças. Ortega y Gasset, que de dia para dia mais me agrada, fala do homem e da sua circunstância. Isto define o que penso da paixão».
Em 1931, Manoel de Oliveira realizou «Douro, Faina Fluvial» e, desde então, nunca mais parou. Os cineclubistas (há alguns no Estrolabio) conheciam esse filme, fotograma a fotograma. O mesmo acontecia com «Aniki-Bobó», realizado em 1942, de que mostramos as primeiras cenas.
Temos um grande prazer em trazer aqui ao nosso Terreiro Narf e Manecas Costa, artistas unidos pelo idioma comum - Narf é um cotado cantor galego. Manecas Costa é um dos artistas mais conhecidos da Guiné-Bissau, um exímio cantor e executante na guitarra, um grande, grande artista. Um galego e um guineense cantando... em Moçambique, no Teatro Avenida do Maputo.Um quadro lusófono perfeito. Vamos ouvir com atenção - "Alô, irmão!":
Tito Paris, a voz que hoje o Estrolabio traz até ao Terreiro da lusofonia é a de um dos mais conhecidos artistas musicas caboverdianos. Músico, compositor e cantor, nasceu em 30 de Maio de 1963, na cidade do Mindelo, na Ilha de São Vicente. Vive desde há muitos anos em Lisboa.
Após ter produzido e lançado, em 1987, o seu primeiro álbum em 1987, constituiu o grupo com que iria gravar o álbum "Dança Ma Mi criola". Em 1996, lançou o álbum "Graça de Tchega". "Guilhermina", foi gravado e lançado em 2002.
Tito Paris, excelente cantor e instrumentista, tem divulgado por todo o mundo, atrabés de gravações e de espectáculos ao vivo, os ritmos de Cabo Verde. Ouçam esta lindíssima morna e digam lá se não é uma boa maneira de começar o dia:
António Chainho (Santiago do Cacém, 1938) é aquilo que, usando um chavão, se pode considerar um nome incontornável da nossa música tradicional, quer como executante exímio de guitarra portuguesa, quer como compositor. Na passada segunda-feira, dia 28 de Junho, apresentou na FNAC de Almada uma nova etapa do seu projecto LisGoa. Este vídeo gravado durante esse espectáculo permite-nos ouvir a cantora luso - goesa Rubi Machado e a fadista portuguesa Isabel de Noronha.
Síntese da música goesa com o fado, este projecto do mestre António Chainho, com temas cantados em hindi, em concanim (dialecto de Goa) e em português é uma ponte entre o universo lusófono e as raízes culturais do povo goês, tão esquecido e abandonado à sua sorte. O Terreiro da Lusofonia põe passadeira vermelha para António Chainho, para os seus músicos, e para esta sua iniciativa cultural.
Ao sair-se do fascismo cinquentenário e da prática colonialista secular só havia que procurar-se uma presença internacional não alinhada com vista a uma inserção mundial em todos os azimutes, muito em particular junto àqueles países com que, mundo fora, de há muito a esta parte já tínhamos contactado – o velho e bem sucedido universalismo dos portugueses – e que, nos últimos anos, alguns deles – a História está a confirmá-lo – são, no mundo, os novos potentados económicos que, estes sim, logo após o 25 de Abril, deviam, com devem, merecer aos portugueses as relações bilaterais mais constantes, intimas, reforçadas e amistosas. Sem que devam abrir-se excepções para os relacionamentos amistosos com o exterior não é possível esquecer, por todas as razões, a totalidade dos Países da Lusofonia com os quais é obrigatório manterem-se laços muito estreitos, senão mesmo franca e claramente preferenciais. A lusofonia é uma arma estratégica de importância capital para uma afirmação internacional autónoma e forte.
A opção geoestratégica portuguesa, uma vez terminado o seu império ultramarino, como era, e é, da sua conveniência deve retomar a prática política internacional do seu bem sucedido universalismo de antanho e fazê-lo não só por uma questão de fidelidade histórica mas, também, para poder colher benefícios dos consequentes relacionamentos bilaterais sobretudo com cada qual daqueles grandes potentados económicos que se, hoje em dia, já estão colocados muito para além duma simples emergência, muito em breve, alcançarão preponderância significativa, senão decisiva, na vida internacional.
Se, por força e na consequência das Descobertas, esse universalismo português foi praticado séculos atrás – antes mesmo que o fosse tentado ou conseguido por qualquer outro Estado do mundo – então, após o 25 de Abril e, por maior razão, depois da Descolonização podia e devia ter sido retomado já que, mercê das consequências felizes destes factos históricos, Portugal passou a dispor de condições políticas para poder alcançar uma afirmação internacional muito positiva e inequívoca. Ao contrário do que tem acontecido será bom não esquecerem-se mas, sim, reavivarem-se as excelentes, notáveis e inequívocas visibilidade e projecção políticas internacionais que, em 1975, foram obtidas por Portugal e que, todo o mundo, viu confirmadas na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, quando aí discursou o então Presidente da República, Marechal Costa Gomes.
Logo após o 25 de Abril, graças à concretização da determinação portuguesa de descolonizar e de fazê-lo – assim teve de acontecer – sem perspectivar quaisquer formas de neocolonialismo, então, a identificação, o prestígio mundial, o reconhecimento manifesto inclusive o aplauso internacional obtidos por Portugal, sabe-se e confirma-se, estiveram em alta. Depois, tudo tem vindo a perder-se e não são os ”happenings“ pseudo-políticos, nacionais ou internacionais, umas meras fachadas da produção político-partidária portuguesa, quem consegue disfarçar tão indesejável retrocesso.
Ano após ano, identificação, reconhecimento ou aplauso têm-se perdido e, por infelicidade, bom grado as potencialidades políticas de Portugal, só resta uma presença internacional meramente consentida e, é bom não esquecer, descaradamente explorada.
Portugal, uma vez liberto da ditadura salazarista e com o país regressado à sua dimensão territorial europeia tem condições e deve definir, com autonomia total a sua estratégia política mais fundamental. Tem de caminhar-se no sentido da defesa intransigente tanto da Independência Nacional – um bem estratégico mais que fundamental – como, também, da procura duma grande abrangência mundial – o universalismo – e nunca, ao contrário do que tem estado a fazer-se, a exibir-se esta Pátria com oito séculos de História como um instrumento dócil, servil e subsidiado por qualquer congregação política de natureza multilateral (UE ou OTAN) forjada com objectivos estratégicos políticos, económicos, culturais e sociais próprios dos interesses expansionistas de potências com finalidades estratégicas nada identificáveis com as da História da população portuguesa, sobretudo, as daquela mais recente e, muito menos – disso pode estar-se certo – com quantas digam respeito ao futuro nacional.
Como se já não bastasse que a governação portuguesa aceite a dependência político-militar da OTAN que a própria Constituição da República indica como coisa indesejável, os portugueses foram obrigados a sujeitar-se – sem serem consultados – às exigências das potências continentais centro-europeias imaginadas, a si mesmas – onde vai a imaginação – como sendo, hoje em dia, as possíveis continuadoras dum passado de dominação mundial que, por bem, já terminou e terminou de vez com o final da Segunda Guerra Mundial e com a eclosão feliz, em todo o mundo, das Libertações Nacionais que, como assim, ditaram uma natural e consequente reorganização da vida mundial.
Com o fim das vantagens económicas resultantes da dominação e exploração colonial engendrada, mantida e reforçada pelas potências europeias o que restará para a Europa como fonte de receita própria, com valor económico significativo?
Se, no mundo, há, ainda, quem possa precisar de adquirir o que quer que seja de produção europeia – uma circunstância já muito pouco líquida – dentro de muitíssimos poucos anos quem continuará a precisá-lo?
Então como é que os grandes possidentes europeus pensam conseguir resolver a crise económica sem, desde logo, abalarem a sua actual estrutura sociopolítica e, também, abandonarem os seus sonhos de importância mundial? Hitler, no fim da carreira esperava ter uma arma nova para dar-lhe a vitória; agora, em Bruxelas, estar-se-á à espera algum produto novo cuja venda venha salvar o mundo velho?
Ouvimos, através da dicção perfeita de Paulo Autran, um poema de Álvaro de Campos - "Poema em linha recta". Quem foi Paulo Autran? Um dos maiores actores brasileiros de sempre, pois as suas magníficas interpretações eram sustentadas por uma inteligência elevada e por uma cultura invulgar. Paulo Paquet Autran, nasceu no Rio de Janeiro em 7 de Setembro de 1922 e faleceu em São Paulo a 12 de Outubro de 2007) Teve inesquecíveis interpretações no teatro, no cinema e na televisão. A sua voz trouxe-nos directamente, em linha recta, este clarão da galáxia que se chama Fernando Pessoa.
De Fernando Pessoa não é necessário dizer nada
Vamos então ler o Poema em linha recta. E depois de o lermos, não fazia mal ouvir de novo o Paulo Autran. Lusofonia em estado puro e em movimento.
Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. ___________________________________
No próximo sábado, 12 de junho, levar-se-á a cabo em Olivença a primeira edição das "Lusofonias", espaço dedicado à cultura do âmbito dos países de língua portuguesa.
As "Lusofonias" nascem com a vocação de ser um ponto de encontro e difusão das mais diversas manifestações culturais das quais poder fruir, vitalizando as raízes portuguesas de Olivença e fomentando a aproximação a Portugal e aos países de herança lusa.
Organizado pela associação cultural "Além Guadiana" com a colaboração da Câmara Municipal de Olivença, a Aderco (Associação para o Desenvolvimento Rural da Comarca de Olivença) e a Junta da Estremadura, terá lugar no Passeio Grande (antigo Terreiro do Chão Salgado) e contará com atividades de teatro, música, literatura e animação de rua, entre outras, que se desenvolverão durante todo o dia e até a meia-noite.
Paralelamente e ao longo de toda a jornada, haverá uma zona expositiva reservada a artesãos, à gastronomia e a instituições do espaço lusófono, bem como trabalhos ao vivo e animação por parte de agrupações musicais de Portel.
Às 10:30 h proceder-se-á à inauguração das "Lusofonías" e a um simbólico ato de apresentação das placas em português das ruas mais antigas da localidade, cujos nomes ancestrais acabam de ser recuperados, um ato que vai contar com a presença do presidente das câmaras municipais de Olivença e Tálega, Manuel Cayado e Inmaculada Bonilla, de representantes políticos locais e do presidente da Junta de Extremadura Guillermo Fernández Vara.
A seguir, os gigantes e cabeçudos dos "Gigabombos do Imaginário" animarão as ruas da cidade antes de passar a um dos atos mais importantes da jornada, a Leitura Pública Contínua em Português, na qual participarão oliventinos de todas as idades lendo ou recitando na língua de Camões.
A manhã será encerrada com o folclore de La Encina de Olivenca e das Cantadeiras de Granja.
À tarde, às 17:30 h, será projetada no Espacio para la Creación Joven o filme O Leão da Estrela, e haverá atividades de animação nas ruas, e às 19:30 h. uma atuação dos alunos de português da escola pública Francisco Ortiz.
As atividades continuarão com o conta-contos "Estória da Galinha e do Ovo" e, como encerramento, o concerto "O Canto dos Poetas", ambos interpretados pela associação eborense "Do Imaginário".
Criada há mais de dois anos para promover a cultura portuguesa em Olivença, nas suas aldeias e em Táliga, a associação Além Guadiana foi impulsionadora de diversas iniciativas no campo da língua, das tradições e, enfim, da cultura imaterial duma terra de rica história partilhada.
Realizadas só dois dias depois do Dia de Camões em Portugal, as Lusofonias, que apresentam na sua imagem promocional referências a ícones como Amália Rodrigues, Fernando Pessoa e Vasco da Gama, pretendem reivindicar que Olivença também pertence ao espaço cultural lusófono.
No vídeo podemos ouvir um trecho de uma canção popular açoriana, que Adriano Correia de Oliveira tornou famosa, cantada pela lisboeta Raquel Tavares e pela galega, de Mós, Uxía Senlle – “Morte que mataste Lira”. Um belo mosaico lusófono. O espectáculo “Cantos da Maré”, onde este vídeo foi gravado, realizou-se em 19 de Dezembro de 2009 em Pontevedra. Uxía Senlle é uma cantora galega que mantém uma estreita relação com a cultura portuguesa. Numa entrevista dada ao «Portal Galego da Língua» -PORTAL GALEGO DA LÍNGUA ( http://www.pglingua.org )da AGAL - Associaçom Galega da Língua - produziu afirmações que testemunham uma profunda convicção na unidade entre as duas vertentes da língua. Salientam-se alguns aspectos relevantes dessa entrevista.
«É um grave erro estratégico não afirmar que galego e português são a mesma língua», disse Uxía que contou como nasceu o projecto “Cantos na Maré”: «Nasceu há seis anos. Sempre tivemos o sonho de organizar na Galiza, de sermos os anfitriões dos países da lusofonia, de trazê-los à nossa terra com todas as suas músicas. Pontevedra abriu-nos as portas à primeira edição».
«O que fazíamos era uma experiência, pois não sabíamos como ia sair, mas nessa primeira edição produziu uma conexão enorme entre o público e os que estávamos no palco. Achávamo-nos ante uma realidade tão certa e segura que tínhamos que continuar a avançar por esse caminho».
«Hoje a Galiza e a sua música está presente no Brasil, agora nasceu “Cantos na Maré” em rede, que é a possibilidade real de pensarmos num mercado da Lusofonia onde os agentes culturais estejam presentes. “Cantos na Maré” tem o sucesso da vontade e da paixão que pomos nas coisas. “Cantos na Maré” tem que ser itinerante, é um encontro de músicas e músicos galegos, mas não é só isso, é algo mais».
Falando depois na receptividade do projecto em Portugal, referiu que detecta no nosso país uma desconfiança a respeito da Galiza e dos galegos, supondo-se que os projectos de que Uxía falava fizesse parte de uma manobra de Espanha para absorver Portugal. «Em Portugal ainda não se entende bem qual é a situação da Galiza, e as relações que temos com Espanha. Mas estamos num momento excepcional das nossas relações e temos que avançar por aí».
E termina chamando a atenção para o número de falantes do português: «É um grave erro estratégico não afirmar que galego e português são a mesma língua. Há que fazer que vejamos as televisões portuguesas na Galiza para já. Temos a sorte de termos uma língua internacional com todas as vantagens das culturas internacionais com milhões de falantes e temos que aproveitá-lo, eu não entendo o erro dos políticos, o erro histórico de que essa nossa realidade linguística se agache, parece-me um erro gravíssimo. Na medida em que nos afirmemos pertencentes à lusofonia formaremos parte dum mundo vasto e riquíssimo no âmbito cultural, temos uma cultura tão rica e da qual somos o berço. Não podemos deixar que no-la apaguem».
«Esse medo que há em certos sectores de reconhecer que a Galiza tem a mesma língua que Portugal e agir na política cultural e linguística consequentemente na União Europeia não deveria fazer sentido, pois as vantagens desse facto não são só para nós, são para todos».
Estes sectores de que Uxía fala, referindo-se talvez mais às entidades políticas e culturais da Galiza, existem também aqui em Portugal onde parece haver um atávico receio de desagradar a Madrid. Recusar esta ponte de fraterna unidade cultural que galegos como Uxía nos estão estendendo, seria uma estupidez.
Estrolabio afirma a disposição de dar o seu modesto contributo para essa unidade. Estamos abertos à colaboração dos irmãos galegos.