(Continuação)
Koba o revolucionário
Após ter saído do seminário, o jovem Estaline definiu um objectivo – desafiar e destruir o regime czarista. Seria um percurso acidentado. No Primeiro de Maio de 1900 participou na manifestação realizada em Tiflis. Pela primeira vez, falou em público, revelando-se um orador poderoso e incisivo.
Em 1901, o seu gabinete no observatório onde trabalha foi passado a pente fino pela polícia. Koba conseguiu escapar. No Dia da Festa do Trabalho, organizou uma manifestação de massas. Houve uma dura repressão – numerosos participantes foram presos e espancados pela polícia e pelos cossacos. Foi por esta altura que começou a escrever no jornal Brdzola (A Luta). Nos seus artigos fez uma defesa aberta da linha marxista ortodoxa.
Manifestação em Moscovo no ano de 1905
Porém, na sua opinião, de todas as armas revolucionárias as mais eficazes eram as manifestações violentas, pois o derramamento de sangue tornava o povo mais forte e consciente, reforçando a sua militância e proporcionando-lhe mais um motivo para lutar. Animado por estes princípios, mudou-se para Batum, dedicando-se a tempo inteiro à agitação política.
Em 1902 foi detido, percorrendo várias prisões. Em 1904 conseguiu evadir-se indo refugiar-se em Tiflis. Foi também neste ano que se casou com Ekaterina Svanidze, filha de um trabalhador do caminho-de-ferro e
irmã de um ex-seminarista, tal como ele. Ambos, sogro e cunhado, seriam seus companheiros no Partido.
Estaline nunca se iria referir a este casamento. No entanto, supõe-se que terá casado pela Igreja ortodoxa, pois Ekaterina era muito devota, nunca tendo aderido aos ideais revolucionários do marido, do pai e do irmão. Em 1910, em plena juventude, uma tuberculose pulmonar ceifou-a. Foi enterrada segundo o rito ortodoxo.
Mas voltemos atrás. Em 1905 por toda a Rússia se vivia um clima de tensão política e social. Disso falaremos amanhã.
(Continua)
A Stretto House (1989-1992), construída perto de Dallas, Texas, obra da autoria do arquitecto americano Steven Holl (1947), é uma transposição espacial de um tema musical.
Quando Steven Holl visitou o terreno sobre o qual tinha de trabalhar, encontrou uma paisagem caracterizada por um córrego com três represas e tanques. Estes estavam construídos com pequenos muros de betão, por cima dos quais a água saltava, criando o som de um constante murmúrio.
Steven Holl | Stretto House
Dallas – Texas | 1989-1992
Ao conversar com um dos seus estudantes, Holl perguntou a John Szto, um pianista que estudava na prestigiosa e prestigiada escola de música The Juilliard School de Nova Iorque, se sabia de alguma composição musical que estivesse estruturada de forma análoga à água que corria pelo lugar. O estudante falou-lhe do termo musical stretto, parte da forma fuga. A fuga é uma composição contrapontística, fundamentada no princípio da imitação normativa e no desenvolvimento da polifonia horizontal, onde os temas, ao serem apresentados sucessivamente pelas diferentes vozes, parecem perseguir-se. A sua estrutura essencial é a seguinte: exposição, ou entrada em vozes sucessivas do tema ou sujeito; resposta, baseada na conjunção do tema e do contra-sujeito, elemento que o acompanha em cada um dos seus aparecimentos (o desenvolvimento é aligeirado por episódios construídos a partir de elementos do tema) e, por fim, stretto (estreito), em que reaparecem os principais elementos da exposição, de forma cada vez mais cerrada. Então a peça Música para Cordas, Percussão e Celesta, escrita em 1936 pelo compositor e pianista húngaro Béla Bartók (1881-1945), que apresenta um uso abundante do stretto, surgiu nas suas mentes.
A composição de Bartók está dividida em quatro movimentos e caracteriza-se por sobreposições entre instrumentos de percussão (pesados) e de cordas (leves). Potentes movimentos de divisões rítmicas e ênfases irregulares fazem com que o tempo pareça deter-se ou acelerar-se com uma velocidade irresistível.
Béla Bartók | Música para Cordas, Percussão e Celesta
1936
Simetria axial: reflexão tonal no final do primeiro movimento
O arquitecto levou seis meses para propor um esboço da casa estruturada à volta desta música de quatro andamentos. Foi a ideia de um “espaço aquoso” que teria de se manter e materializar com a construção da moradia.
Steven Holl admira as conexões que Béla Bartók fez entre a música tradicional e a moderna. De modo similar a estas composições extraordinárias nas quais reverberavam melodias originais, a Stretto House construi o “espaço aquoso” com materiais tradicionais. Assim, tanto os seus blocos de betão polido como a sua estrutura metálica são parte da arquitectura vernácula do Texas. Estes materiais compõem as quatro partes da casa (quatro partes como a partitura de Bartók) que, por sua vez, se dividem em dois módulos: um rectangular e pesado de alvenaria que faz referência às represas e tanques de betão do terreno, e outro leve e curvilíneo de metal que cobre os diversos espaços – estar, depósito de obras de arte e sala de refeições. Cada um dos corpos de alvenaria acomoda as zonas de serviço na moradia – a escada que conduz ao dormitório e a uma pequena sala, a instalação sanitária, a biblioteca e a cozinha. O último módulo é um tanque parcialmente coberto, como que um último espaço inundado.
Steven Holl | Stretto House
Dallas – Texas | 1989-1992
Planta do piso 0
1. Terraço. 2. Garagem. 3. Entrada. 4. Sala de estar. 5. Depósito de obras arte. 6. Biblioteca. 7. Sala de estudo e leitura. 8. Sala de jantar. 9. Área de pequeno-almoço. 10. Cozinha. 11. Jardim. 12. Piscina. 13. Espaço inundado.
Chega-se à moradia através de uma ponte que passa sobre o córrego, à qual se segue um pátio de pedra com uma fonte, e logo se revela a justaposição de espaços em toda a casa. A planta é completamente ortogonal, enquanto o corte é curvilíneo. A casa de hóspedes é uma inversão da morfologia, semelhante às inversões que se produzem no primeiro movimento da peça de Béla Bartók.
O conceito musical de stretto permite a Steven Holl dividir o espaço de tal forma que cada parte é importante para a seguinte. A água que extravasa os tanques e represas e parece simbolizar as justaposições da forma stretto também toma parte neste jogo ao reflectir na paisagem as sobreposições do interior da casa.
Na Stretto House Steven Holl faz um apelo aos sentidos e joga com a percepção artística e a compreensão do lugar. É o prazer de experimentar a arquitectura por meio de sequências de luz, espaços, texturas, aromas e sons.
Steven Holl | Stretto House
Dallas – Texas | 1989-1992
Steven Holl | Stretto House
Dallas – Texas | 1989-1992
Steven Holl | Stretto House
Dallas – Texas | 1989-1992
Fui buscar este poema aos Sonetos Completos de Antero Quental (1842 - 1891), da Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, edição de 2002. À Editora Ulisseia e a Ana Maria Almeida Martins, autora da magnífica introdução que acompanha a obra, VerbArte apresenta os seus melhores cumprimentos.
Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,
Minguar, fundir-se sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre.
Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.
(Continuação)
Iosif, o pequeno seminarista
Em 21 de Dezembro de 1879, em Gori, pequena povoação a cerca de 50 quilómetros de Tiflis, na Geórgia, nasceu Iosif Djugachvili, filho do então servo Vissarion e de sua mulher Ekaterina. Vissarion era um sapateiro iletrado, alcoólico e muito violento – existe aliás na tradição georgiana, a expressão “beber como um sapateiro”. O homem dava frequentes tareias na mulher e no filho. Conta-se que Iosif numa dessas cenas recorrentes, saindo em defesa da mãe, arremessou uma faca ao pai. Mais tarde, alguém dirá que terá sido este ambiente de ódio e de violência que modelou o carácter despótico de Estaline.
Em 1886, o pequeno Iosif contraiu varíola, enfermidade que o desfigurará para sempre. Quando melhorou, Vissarion não queria que o filho (com sete anos) fosse para a escola, pois pretendia que aprendesse o seu ofício e viesse a ser sapateiro como ele. Porém, desta vez, não levaria a melhor. Ekaterina ambicionava para Iosif a condição de sacerdote da Igreja Ortodoxa e, dando esperança a esse sonho, em 1888 o rapaz seria admitido na escola paroquial de Gori. Em 1890, Vissarion foi morto, esfaqueado numa rixa de bêbedos.
Em 1894 entrou no seminário de Tiflis. Nesse ano caiu novamente doente – uma grave intoxicação no sangue
iria impedir o desenvolvimento normal do ser braço esquerdo. Tinha quinze anos e datam desta época poemas de sua autoria, dos quais publicou alguns – foi, nesta idade, um leitor compulsivo e voraz, lendo, entre outros, Marx e Darwin. Tornou-se ateu e assumiu um pseudónimo – “Koba o inflexível, inspirado num herói dos romances populares da Geórgia. Em 1898 aderiu a um movimento social-democrático.
Em 1898 aderiu a um movimento ecologista. Em Maio de 1898 filiou-se num partido social-democrata. Sua mãe, a doce e paciente Ekaterina, que morreria em 1936, quando o pequeno Iosif era já o todo-poderoso José Estaline, não aprecia aquela grandeza e omnipotência a que o filho se guindou. Quando este lhe fez uma última visita, disse-lhe. - Que pena não teres sido sacerdote!
(Continua)
ULTIMOS ESPECTÁCULOS de " AS peugas de Einstein" . 1,2,3 e 7,8 e 9 de JULHO. 5ª a Sabado 21, 30 , Domingo 16 horas. Não percam e avisem os amigos
“As Peúgas de Einstein”, de Helder Costa expõe as teorias científicas do grande génio da Física de uma forma lúdica e acessível, ao mesmo tempo que traça um quadro de todo o século XX através da sua biografia social e humana. É fascinante o rol de algumas personalidades públicas que privaram com Einstein e que são personagens da peça: Lenine, com quem privou enquanto estudante em Zurique, os professores de Berlim Lenard e Max Planck, seguidores de Hitler, Roosevelt presidente dos USA, Marilyn Monroe e Arthur Miller, Paulette Godard e o seu grande amigo e companheiro de lutas contra o McCarthismo, Charlie Chaplin.
No vídeo, podemos ver um momento do espectáculo interpretado por uma companhia brasileira - no dia 07/11/09 no Teatro São João em Sobral-CE-Brasil, na estreia internacional.
Sou apenas a lágrima de ninguém
caída
Que em dia de nevoeiro
foi vertida
e pelo rio recolhida.
Ou o resto duma tela pintada
quadro de vida
Sombra de mim
Sonhada.
Sou o princípio e o fim... de nada
Obra inacabada
Que há-de ser pó... e semente
Sou um produto de gente
Aquilo que o mundo fez
E deixou germinar...
Para sempre
Cresceu com o tempo
À chuva e ao vento
Deu frutos
Em terra de ninguém
Carregado de versos e sonhos
Lavados com lágrimas de alguém
(Continuação)
A última ceia
Numa tarde sábado, em 28 de Fevereiro de 1953, na sua datcha de Kuntsevo, Estaline convidou Malenkov, Béria, Bulganine e Kruchtchev para jantar. Ao longo de toda a refeição manteve-se de bom humor. Depois, despediu-se dos convidados e recolheu ao seu quarto. Sentia-se muito fatigado. Olhou em redor. Nas paredes havia grandes ampliações de fotos tiradas na Primavera e no Verão de 1929, nos seus anos de felicidade com Nadja.
Viu-se no espelho – uma sombra confusa apareceu-lhe diante dos olhos, iluminada como um ícone por elogios religiosamente fanáticos e distorcida por clamores de indignação e ódio. Um santo, o «pai da pátria socialista», um déspota perverso, o “maior criminoso da história”?
Richard Pipes, professor de História Russa da Universidade de Harvard, dirá que Estaline não tem talento de estadista e que a sua principal capacidade terá sido a de “penetrar no pior da natureza humana” e que com essa capacidade negativa terá mesmo induzido Hitler a desencadear a guerra. Muitos historiadores, marxistas inclusive, endeusam Lenine, remetendo para Estaline todo o odioso de algumas décadas em que uma nação vasta como um planeta passou de atrasada e agrícola a potência industrializada e moderna. Uma transformação
destas dificilmente se conseguiria através de métodos democráticos.
A sensação de fadiga aumenta.
Estende-se vestido sobre um tapete. À memória ocorrem-lhe imagens dispersas da sua vida que devotou inteiramente a duas causas – ao engrandecimento da sua pátria adoptiva, a Rússia, e ao marxismo-leninismo.
(Continua)
Ontem à noite fui ver um filme na sede do meu partido, aquiem Vila Francade Xira. Deixei-me dizer-vos, em primeiro lugar, que no concelho de Vila Franca de Xira, neste momento não há uma única sala de cinema a funcionar. O concelho tem 150.000 habitantes. É como vêem. É verdade que noutros concelhos da Grande Lisboa a situação é a mesma. Falaremos mais disto noutra ocasião.
O filme é, para classificar numa frase curta, bastante bom. Conheço mal a obra de Luchino Visconti (1906 – 1976), mas julgo não exagerar ao dizer que não será o melhor filme o dele. Contudo atinge uma craveira muito razoável. É de 1974. Os filmes mais famosos
O argumento é simples. Um professor (Burt Lencaster), já idoso, vive só, dedicando-se aos seus estudos. Após uma vida, que se entrevê ter sido com muitas contrariedades, dedica-se, como ele próprio diz, a estudar as obras do homem mais do que o próprio homem. Um belo dia, uma aristocrata (Silvana Mangano), frívola e corrompida, entra-lhe pela casa dentro e consegue alugar-lhe um apartamento no andar de cima, onde instala o amante (Helmut Berger), um jovem que vive à sua custa. No esquema entram também a filha (Cláudia Marsani, salvo erro) e o namorado desta. Ao longo do filme vão aparecendo os conflitos sócio-políticos italianos, incluindo referências a situações ocorridas na altura. Envoltos por esta cena, os personagens vão evoluindo mostrando as suas facetas humanas, com destaque para as suas fraquezas, e a indiferença pelo mundo real, onde circulam a maioria das pessoas, que não são privilegiadas. Simpatizam à sua maneira com o professor, que lhes retribue, também a seu modo.
A parte técnica está muito boa. Colorido excelente. Os actores, de primeira categoria (ou Luchino Visconti não os quereria). Vale a pena verem. Há versões em inglês eem italiano. Naprimeira parece que houve cortes por causa da linguagem, na segunda alguns actores (Burt Lencaster?) teve de ser dobrado.
Fazemos parte desse mistério
sonhado
Fazemos parte da bruma
que criámos
Levantamos depois este véu
Há sombra dum sol brilhante
que nasceu
Somos um pouco sol e sombra
Dum sorriso meio louco
meio sério
Somos o resto da poeira
solta
Que assenta quase louca
No restolho deste mistério
Somos pedra da estátua feita
Escopro duro dos seus traços
Somos o busto já erguido
Nem perfeito nem definido
No meio de todos embaraços
Somos parte desse mistério
Sorriso meio louco, meio sério
Subitamente na rádio Moscovo
Às primeiras horas da manhã de sexta-feira, 6 de março de 1953, a
Rádio Moscovo anunciou subitamente a morte de Estaline.
Uma enorme multidão começou a concentrar-se na Praça Vermelha. Chorando silenciosamente, comprimindo-se umas contra as outras, suportando o frio que subia da mistura de lama e neve que cobria o pavimento, as pessoas esperavam que o corpo fosse colocado na Sala das Colunas do Kremlin. A turba não cessou de aumentar e, ao fim da tarde dessa sexta-feira, a bicha ultrapassava já os quinze quilómetros. Dezenas de milhares de cidadãos soviéticos, de Moscovo e de regiões distantes, passaram perante a urna. Para arranjar lugar nesta fila imensa, atropelavam-se, espezinhavam-se. Diz-se que mais de mil e quinhentas pessoas morreram esmagadas.
De Vladivostoque, no remoto leste, até Leninegrado; de Arcangel a Astracã, portas e janelas exibiam bandeiras vermelhas com tarjas negras. Mesmo nos campos de trabalho, cheios de homens e mulheres que sofriam na carne uma dura repressão, há desolação e dor. Um estado com duzentos milhões de pessoas parecia sofrer de um sentimento colectivo de orfandade.
Em 1936, Louis Aragon, o grande poeta francês, considerou a Constituição estalinista que criara a União Soviética, uma obra acima das de Shakespeare, Rimbaud, Goethe e Puchkine, e Estaline um génio, um filósofo na acepção marxista do termo. Dele disse Milovan Djilas, o político e escritor montenegrino: “No caso de Estaline qualquer crime era possível, pois não existe nem um só que ele não tenha cometido. Seja qual for a medida que usarmos para o medir, merecerá sempre a glória – esperemos que eterna – de ser o maior criminoso da história.”
Foi Estaline um génio, como afirmou o autor de Os Sinos de Basileia ou um criminoso como disse o entrevistador de Conversations with Stalin:. Se foi um génio, que ecos restam dessa genialidade e que possam ser comparados a Romeu e Julieta, por exemplo? Se foi um criminoso, como explicar que o povo que oprimiu o chorasse, preferindo morrer espezinhado a deixar de lhe prestar uma última homenagem?
Numa série de pequenos artigos vamos tentar aprofundar um pouco o mistério de José Estaline.
(Continua)
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*Este texto é, com algumas alterações, o que foi publicado em 1997 no livro Oitenta Vidas que a Morte não Apaga, antologia de biografias ficcionadas dirigida por Fernando Correia da Silva.
Este texto foi incluído no Estrolabio, pela primeira vez, em 29 de Agosto de 2010. Pelo seu especial interesse e por ter relação com algumas matérias que temos abordado voltamos hoje a publicá-lo.
Prosseguindo neste debate em que, com o Adão Cruz, tenho vindo a dar achegas para a compreensão da poesia enquanto fenómeno social, trago hoje um testemunho de um filósofo e antropólogo britânico, George Derwent Thomson (1903-1987). Num estudo que publicou em 1945 e que a que deu o título de «Marxism and Poetry» (com uma edição portuguesa, da Teorema, em 1977 – «Marxismo e Poesia»), aborda o tema de uma óptica onde se integram a sociologia, a antropologia e a linguística. Baseia-se, principalmente, em estudos de campo e na recolha de testemunhos de sociedades primitivas, já que a poesia produzida por esse tipo de sociedades não pode ser estudada em espécimes escritos; a sua natureza oral antecede em muitos milhares de anos a escrita e o conceito de literatura. Como Thomson diz, a poesia representa um tipo especial de palavra – se queremos estudar a sua origem, temos de a procurar na origem da palavra e isto, em última análise, significa estudar a origem do homem, pois a palavra constitui um dos traços distintivos mais importantes do homem.
O aparecimento do homem não está cabalmente explicado e localizado no tempo. Há, porém um ponto em que os investigadores estão de acordo – o homem diferencia-se dos outros primatas através de duas características principais: pelo uso sistemático de utensílios especializados e pela palavra. De uma forma mais geral, os primatas diferem dos vertebrados inferiores por serem capazes de permanecer de pé e de usar as extremidades anteriores como mãos. Ter-se-ão desenvolvido e evolucionado a partir de condições particulares do meio e que determinaram um progressivo aperfeiçoamento da região do cérebro que comanda os órgãos motores. Animais florestais, a vida nas árvores, exigiu-lhes agilidade, rigorosa coordenação da vista e do tacto (visão binocular e um delicado controlo muscular). Desenvolvidas as mãos, elas colocaram ao cérebro uma gama de novos problemas, recebendo em troca um mundo de novas possibilidades. Desde a origem, portanto, existiu sempre uma total ligação entre a mão e o cérebro.
O homem difere dos outros primatas evoluídos, por conseguir não só colocar-se de pé, mas andar erecto, usando só os membros inferiores. Há quem defenda que esta aptidão se desenvolveu em consequência de um despovoamento arborícola que o forçou a instalar-se no solo. Seja isto verdade ou não, o importante é ele ter operado uma completa divisão, uma especialização, entre as funções das mãos e as dos pés. Os dedos grandes dos pés perderam a preensabilidade; os dedos das mãos atingiram um elevado grau de destreza, desconhecida entre os demais primatas superiores – gorilas e chimpanzés, por exemplo, podem manipular troncos e pedras e usá-las como armas ou ferramentas, mas só as mãos humanas conseguem transformar esses materiais em utensílios especializados.
Esta terá sido uma etapa decisiva, pois marcou o início de um novo sistema de vida – o homem, equipado com utensilagem, lançou-se na produção dos seus meios de subsistência, em vez de pura e simplesmente deles se apropriar – cavou a terra, plantou-a, regou-a, colheu, moeu os grãos, fez o pão. De utente passivo da natureza, passou a controlá-la e, nessa luta por dominá-la, apercebeu-se de que ela se regia por leis próprias, independentes da sua vontade. Apreendendo o sentido dessas leis naturais, deixou de ser escravo da natureza, passou a ser seu amo.
Necessitando de encontrar uma explicação para o universo, concebia-o como coisa que pudesse ser transformada por actos arbitrários da vontade – terá surgido a magia como técnica ilusória compensadora da falência da técnica real; ou digamos antes que é a técnica real apresentada sob um aspecto subjectivo. O acto mágico é a tentativa que os homens fazem para impor a sua vontade ao meio, imitando o processo natural que querem desencadear – se querem chuva, executam uma dança em que imitam o movimento das nuvens adensando-se, o ruído do trovão, o raio que cai… Nos estádios iniciais, o trabalho de produção era colectivo. As mãos da comunidade trabalhavam em conjunto e, o emprego de utensílios, motivou um novo meio de comunicação. A gama de gritos animais é limitada. No homem, porém, esses gritos tornaram-se articulados, foram elaborados e sistematizados como meios de coordenação dos movimentos do grupo. Por isso, quando inventou os utensílios, o homem inventou a palavra. Mais uma vez se verifica a íntima ligação entre a mão e o cérebro.
Quando vemos uma criança a tentar manejar pela primeira vez um pequeno martelo, podemos imaginar o grande esforço mental que as tentativas iniciais para usar um utensílio devem ter custado ao homem. Tal como as crianças na orquestra do infantário, o grupo trabalhava em comum e cada movimento da mão ou do pé, cada golpe sobre uma pedra ou sobre uma vara era ritmado por um recitativo mais ou menos inarticulado que todos cantavam em uníssono. Sem esse acompanhamento vocal o trabalho não poderia ser executado. A palavra terá, pois, surgido como elemento essencial da produção colectiva.
À medida que a habilidade foi evoluindo, o acompanhamento vocal ritmador foi deixando de constituir uma necessidade psíquica. Os elementos do grupo foram sendo capazes de trabalhar individualmente. Mas o aparelho colectivo sobreviveu sob a forma de uma repetição executada antes do início da tarefa concreta – uma dança através da qual os trabalhadores reproduziam os movimentos colectivos que anteriormente eram indissociáveis da tarefa propriamente dita. É aquilo a que os antropólogos chamam «dança mimética» e que ainda hoje se pratica entre as tribos primitivas.
Entretanto, a palavra desenvolveu-se – de acompanhamento directo do emprego de utensílios, na origem, transformou-se em linguagem tal como hoje a conhecemos – um meio de comunicação, consciente e articulado, entre os indivíduos. Sobreviveu na dança mimética e, enquanto parte falada, manteve a função mágica. Assim, em todas as línguas, encontramos dois modos de conceber a palavra – a «palavra corrente», o meio de comunicação quotidiano entre os homens, e a «palavra poética», material mais expressivo e mais apropriado aos actos colectivos do rito fantástico, rítmico e mágico.
Tentei aqui sintetizar, reproduzindo o sentido, o raciocínio de Thomson. Se o seu raciocínio é correcto, isso significa que a linguagem poética é essencialmente mais primitiva do que a palavra corrente, na medida em que preserva em elevado grau as qualidades de ritmo, de melodia, de fantasia, inerentes à palavra enquanto tal. Sendo apenas uma hipótese, apoia-se no que se conhece das sociedades primitivas – verificamos que a diferenciação entre a palavra poética e a palavra corrente é relativamente incompleta. Thomson estabelece, pois, uma estreita ligação entre colectividade, trabalho e poesia. É uma tese que vem colidir com os que querem que a poesia se situe num plano isolado (e superior) da realidade objectiva; esta teoria vincula a palavra poética, desde a sua mais remota origem, às tarefas concretas do quotidiano, nomeadamente ao trabalho.
_______________________________
Um dia saberei a tua face luminosa
de colina húmida e
amanhecente.
Subirei os socalcos da tua ironia,
descerei o caule do teu sorriso
até à rosa incandescente onde
nasce o dia e a vida, à terra negra
e pedregosa onde o regato murmura.
Lá, onde, silencioso o pinheiro vigia
a frágil toalha da neblina pura,
cortando com verdes agulhas
o sol nascente
………………………………
Sim, um dia saberei também
os teus seios de cidade ensanguentada
pela fina poalha do sol moribundo…
(fragmentos de “Mais uma canção de amor”, in O Cárcere e o Prado Luminoso,
Lisboa, 1990)
É a metodologia usada por Radcliffe-Brown para a recolha de dados para escrever os seus textos que passo a analisar. Metodologia que começou a utilizar na sua pesquisa entre os Ilhéus do arquipélago Andaman the Birmânia, entre 1906 e 1908, como estudante do fundo Anthony Wilkin em Etnologia da Universidade de Cambridge da Grã-bretanha O seu objectivo era ser membro do Trinity College da Universidade, para se graduar em Etnologia com a colaboração do então Doutor em Etnologia, Alfred Cort Haddon (1855-1940), leitor na Universidade de Cambridge, etnólogo, ates era biólogo, e membro da Faculdade Christ's College desde 1900, e a colaboração de William Halse Rivers Rivers, da Faculdade St John’s College, English anthropologist, neurologist, ethnologist e psychiatrist ajudaram ao antigo estudante de medicina Radcliffe-Brown a se converter em Etnólogo, com formação em psicanálise. Colaboração que foi de grande utilidade para Radclffe-Brown, que andava a analisar Ilhéus do Arquipélago Andaman do Golfo de Bengala que banha à Birmânia. O nosso autor estudou os Andaman na época em que Etnólogos e Arqueólogos analisavam as suas instituições e costumes. Não foi em vão que William Rivers organizara uma expedição ao Estreito de Torres para compilar dados de como éramos antes de ser o que hoje somos. O Estreito de Torres é uma larga savana da água, entre Australia e as Ilhas Melanésicas ou Melanesian island de New Guinea. Seu comprimento é de 150 km (quase 93 milhas marítimas).
Ao Sul, limita com a Cape York Peninsula, o extremo mais ao norte continental do Estado Australian de Queensland. Ao norte o seu limite é Western Province do Estado Independente de Papua New Guinea. Sítio do estudo de Radcliffe – Brown, por iniciativa de Haddon, para estudar as instituições e a sua gestão. Rivers era necessário por causa de ser psicanalista, Seligaman, patologista, um professor primário para entender como eram ensinadas as crianças, Sidney Ray e o jovem estudante de 1890, Anthony Wilkin, para fotografar espécies raras. Esta viagem ao Estreito de Torres marcou uma ponta de viragem na ciência antropológica. Era a primeira vez que académicos iam a terreno. O que pensavam encontrar, não existia. Era bem mais complicado: formas de matrimónio, significado de palavras, compromissos, organização social e outras funções de interacção bem mais complexas do que era esperado. Foi o motivo pelo que animaram a Radcliffe-Brown a estudar as funções sociais que eles não conseguiam entender com o seu saber ocidental. Com as pesquisas e descobertas de Radcliffe-Brown, todos os formados em patologia, zoologia, ciências da educação, passaram a ser antropólogos, após as explicações do nosso autor. A primeira ideia de Radcliffe-Brown foi distinguir entre significado e função. Significado era o conteúdo de uma Função social. Os académicos antigos, estudavam a narrativas do mito, sem entrar pelo seu significado. Significado que Sir Archibald soube explicar no seu texto a função do mito, por exemplo. O significado é o conteúdo do facto. Há palavras que falam por elas próprias, como essa explicada por ele: a da Polinésia Tapu, traduzida ao inglês como Taboo encontrada por ele nas suas pesquisa na ilha Manus e que explica na sua lição Frazer de 1939, impressa pela Cambridge University Press esse mesmo ano, diz que em toda sociedade há comportamentos permitidos e outro proibidos e punidos. A punição não é apenas como no ocidente, onde está estabelecido que tabus são proibições para relações sexuais entre parentes consanguíneos, mas não apenas. Palavra introduzida da polinésia, que significa, principalmente, o quebre de regras sociais, a desobediência a um chefe, punição de crianças para não se intrometer em ideias e matérias definidas como o saber dos adultos.
Em primeiro lugar, e como introdução ao tema, gostaria, não propriamente de responder, mas de tecer algumas considerações sobre as reacções suscitadas pelo comentário que fiz no “Estrolabio” na noite eleitoral, tentando cumprir o horário que me foi pedido e, por isso, antes de haver números definitivos. Mas este último aspecto é irrelevante, pois, no essencial, mantenho o que escrevi.
Numa conjuntura como a actual, com o desgaste sofrido pelo Governo e pelo primeiro-ministro, que o PSD só tenha conseguido nos últimos dias de campanha descolar da situação de empate técnico existente durante semanas, ilustra o que atrás afirmo sobre a alternativa. E quanto aos resultados propriamente ditos, como diria La Palice, é evidente que o PS perdeu porque o PSD teve mais votos, mas contrariamente ao que li nalguma imprensa, e como aliás então referi, não foi a maior derrota depois da de 1985.
Mas deixando estas minudências de lado, o que de facto interessa retirar é que, utilizando a conceptualização do tal paradigma de Michigan, se assistiu a uma continuidade do sistema que se caracteriza pela alternância entre dois grandes partidos. Deste modo, quer se queira quer não, o PS continua a ser um deles, nenhum outro – contrariamente ao que se passou em 1985 com o PRD – lhe disputou tal lugar, donde ser importante o que no seu seio irá acontecer neste novo ciclo entretanto aberto. Sem ele não há alternativa institucional à coligação de direita que agora nos governa, não há perspectivas de travar o desmantelamento do que nos planos político, social e económico ainda resta das conquistas mais significativas do pós-25 de Abril. E em relação a isto, bem tento, como dizia Schopenhauer – e posteriormente Gramsci -, encarar os factos com o pessimismo da razão, e o optimismo da vontade.
Como quer que seja, abstraindo de quem vai ocupar o cargo de secretário-geral – e claro que não é indiferente ser Assis ou Seguro – o PS está comprometido com o programa imposto pelos controleiros europeus e mundiais da finança, e por muito que se queira redimir de ter ajudado a conduzir o país para este impasse, isso condiciona-o e limita-o. Por outro lado, tanto no plano global como europeu, os governos estão sujeitos à chantagem do banditismo financeiro, com os seus homens de mão chamados “agências de rating”. Consequentemente, as mudanças que é necessário ocorram dentro do PS, estão dependentes de dinâmicas mais gerais, a nível europeu e não só. Num sentido conducente ao reforço da ditadura dos mercados e da finança, ou num sentido contrário, através da mobilização dos povos – incluindo o nosso -, e da reorganização estratégica da esquerda e dos movimentos sociais, tradicionais ou de tipo novo. As democracias precisam não de um “choque liberal” – como dizia, falando de Portugal, aquela figura que a governação tornou pesada, circunspecta e direitista, do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amaro – mas de um “choque social”. Ou seja, se não surgirem novos actores sociais e políticos, ou se os que à esquerda ocupam a cena política não conseguirem repor no cerne da sua acção os valores da solidariedade, da liberdade, da igualdade, da democracia, dos Direitos do Homem, da ética republicana, da laicidade, etc., etc. – tudo aquilo por que se têm batido, no decurso de séculos, gerações e gerações de homens e mulheres -, o que nos aguarda são formas, mais ou menos tecnológicas e comunicacionais, de novos autoritarismos, materializados, de modo mais ou menos soft, em reais e concretos big brothers. Isto é, os verdadeiros detentores do poder que continuarão a dominar com cinismo, a incentivar a ganância, a destruir os elos comunitários, argumentando na “novlíngua” da inversão de valores que enaltece os chamados winners que vivem esmagando os losers, quer dizer, os mais pobres, os mais fracos, os mais desprotegidos.
Radical e exagerado o que digo? Como dizia o velho Marx, se ser radical é procurar ir à raiz das coisas, confesso que sou radical. E confesso também que se tivesse menos quarenta anos estaria a ocupar uma praça qualquer de Lisboa ou de outra capital europeia. Mas a indignação não constitui um programa político e é volátil se não se transformar em força organizada.
A natureza do projecto político do Governo, que ainda se está instalar, começa a precisar-se, se dúvidas houvesse: ser ainda mais “troikiano” do que o diktat da chamada “troika” e, como grande desígnio nacional no plano económico – como confessou aquele sorridente ministro da Economia acabado de aterrar do Canadá – transformar o país numa Florida europeia, um destino de sonho para estrangeiros reformados com poder de compra… Ora há que recusar este projecto que nos quer converter em prestadores de serviços aos europeus mais abonados, e que contrariar o actual primeiro-ministro, decerto bom rapaz, um pouco populista até – aquela de viajar em classe turística faz-me lembrar o Teófilo Braga a ir para Belém de eléctrico -, quando afirmou, algures, que deverão ser os bancos e os “mercados” a “alavancar” o crescimento. Os povos não se alimentam com a especulação que só aproveita aos especuladores, e é premente reconstruir o nosso tecido produtivo nos vários sectores, pois é com força de trabalho, vontade e inteligência que se faz “a riqueza das nações”. Por isso “alavanquemos” todos para recuperar a nossa dignidade de cidadãos. É disso que se trata.
(Adão Cruz)
Sobre os teus ombros nus
Cai um lindo xaile de fitas
Delicadas e sedosas
Discretas e silenciosas
Que nesse corpo ágil habita
Nesse teu corpo suave, esguio
Pendem longas e solenes fitas
E desses lábios, doce sorriso
Soltam-se palavras nunca ditas
E do cândido e sereno olhar
Se escapa o desejo de abraçar
Nunca um sorriso pintou melhor
Um rosto que o alimenta
Nunca um xaile tapou um corpo
Tão cheio de paixão sedenta
No xaile se escondem ternuras
Que só brilham nas noites escuras
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