Dia 25 de Abril
03:00- As forças do MFA começam a ocupar os pontos vitais da capital - O aeroporto, o Rádio Clube Português, a Emissora Nacional, a RTP e a Rádio Marconi. Todos os alvos serão ocupados sem grande resistência.
03:16 - No posto de comando do MFA é interceptada um telefonema entre o general Andrade e Silva, ministro do Exército e o Prof. Silva Cunha, ministro da Defesa,: "A situação está sem alteração e perfeitamente sob controlo...está tudo sossegado e não há qualquer problema em qualquer ponto do País."
03:30 - A força comandada por Salgueiro Maia - 10 viaturas blindadas, 12 viaturas de transporte de tropas, 2 ambulâncias e um jipe e precedida por uma viatura civil, com 3 oficiais milicianos - sai de Santarém em direcção a Lisboa.
O MFA inicia o cerco ao Quartel-General da Região Militar de Lisboa, em São Sebastião da Pedreira
CANTO CIVIL – 1 Orlando da Costa
Este é o meu canto civil
canto cívico graduado
desde um tempo antigo que vivi
entre poemas de aço camuflados e algemas de silêncio
Esse era o tempo do assalto às casernas
mas já então eu escrevia o que devia:
cartilha da guerrilha do amor e da paz
para ser ensinada à luz das lanternas
nas escolas nas igrejas na parada dos quartéis
Este é o meu canto civil
canto cívico desfardado
escrito a vinte e oito de Abril
do ano passado à noite
de punho cerrado com alegria e sem espanto
canto para ser cantado de dia
por todos por muitos por mim ou por ninguém:
Soldado raso
ao cimo da calçada
em guarda
de flor e farda
a flor que te damos
é pão da madrugada
É pão amassado
sem liberdade
é gesto de guerra
em nome da paz.
É flor de canção
em terra mar e ar
rubra flor popular
num só cano de espingarda
Soldado raso
em sentido na memória
lembra-te de novo e sempre
a flor que te damos
é da terra é do povo
é pão da madrugada.
Nota: Este poema foi musicado pelo Maestro Fernando Lopes Graça
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
01:30- Salgueiro Maia assegura o controlo da Escola Prática de Cavalaria de Santarém. Em Estremoz, Figueira da Foz, Lamego, Lisboa, Mafra, Tomar, Vendas Novas, Viseu, e outros pontos do país as tropas põem-se em marcha.
02:30- Os capitães Dinis de Almeida e Fausto Almeida Pereira controlam o Regimento de Artilharia Pesada 3 (RAP 3), na Figueira da Foz. Almeida Pereira abre o portão aos oficiais da Escola Central de Sargentos (ECS) de Águeda
25 DE ABRIL Sophia de Mello Breyner Andresen
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Dia 25 de Abril
00:20 - No programa Limite da Rádio Renascença é emitida a senha definitiva - Grândola, Vila Morena. Confirma o início das operações em todo o País.
00:30 – Forças do MFA ocupam a Escola Prática de Administração Militar.
SONETO DE ABRIL Natália Correia (1923-1993)
Evoé! de pâmpano os soldados
rompem do tempo em que Evoé! a terra
salvé rainha descruzando os braços
com seu pé de papiro pisa a fera.
Na écloga dos rostos despontados
onde dos corvos se retira a treva,
de beijo em beijo as ruas são bailados
mudam-se as casas para a primavera.
Evoé! o povo abre o touril
e sai o Sol perfeitamente Abril
maravilha da Pátria ressurrecta.
Evoé! Evoé! Tágides minhas
outras vez prateadas campainhas
sois na cabeça em fogo do poeta.
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Dia 25 de Abril
Ainda no dia 24, às 22:00 horas - Otelo Saraiva de Carvalho instala o posto de comando do MFA no quartel da Pontinha, em Lisboa.
O Plano Geral das Operações de Otelo pode ser consultado no Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra:
http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=pootc
Às 22:55 - João Paulo Diniz, nos Emissores Associados de Lisboa, põe no ar E Depois do Adeus, primeira senha do MFA para sincronizar as operações.
O COMUM DA TERRA Eugénio de Andrade (1923-2005)
Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas.
Quem conheça o sul e a sua transparência
também sabe que no verão pelas veredas da cal
a crispação da sombra caminha devagar.
De tanta palavra que disseste algumas
se perdiam, outras duram ainda, são lume
breve arado ceia de pobre roupa remendada.
Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão
era morada e instrumento de alegria.
Esse eras tu: inclinação da água. Na margem
vento areias mastros lábios, tudo ardia.
14.5.76
(in 12 Poemas para Vasco Gonçalves, Porto, 1977 e Poemabril, 2ª edição, Coimbra, 1994)
.
Excertos de uma entrevista concedida por José Afonso à revista «Questões e Alternativas», nº2, de Abril de 1984. Gravada, foi conduzida por Rui de Oliveira. A questão posta pela publicação a diversas personalidades de esquerda era - «O 25 de Abril dez anos depois – que mudança?»).
«O facto de eu poder ir a uma colectividade e poder dizer abertamente que é urgente uma subversão em relação ao momento actual que vivemos, que essa atitude subversiva não deve ficar apenas na consciência das pessoas, deve ter consequências colectivas e dirigir-se ao poder, constituir um desafio ao poder, tem alguma coisa de novo.»(…) «Existe uma democracia dita representativa, existe um parlamento que discute as leis, partidos políticos que representam correntes de opinião segundo o modelo europeu. A esse nível há um conjunto de aquisições.» (…)
«Continuamos com a sociedade de classes, sabemos por exemplo, que quem tem acesso ao ensino superior é uma pequena elite, que o ensino superior visa preparar indivíduos que, uma vez no poder, perpetuam a desigualdade de classes e, também, o sistema político que a conserva. A este nível, as coisas mantêm-se, portanto, na mesma. À sombra da legalidade democrática mantêm-se e até se acentuam, as injustiças sociais que existiam antes do 25 de Abril.» (…)»As perspectivas abertas por essa liberdade dependem da classe social a que se pertence. Digamos que, para a classe operária que vive na cintura industrial de Lisboa, não abre perspectiva alguma em relação ao desafogo a que aspira.» (…)«Agora, por exemplo, para um intelectual, cujo fim possa ser uma coluna num jornal onde possa colaborar» (…)«existe de facto liberdade para essas coisas. Mas a liberdade de uma classe pode não ser a liberdade de outra.» (…) «No que respeita à liberdade, as instituições existem. Mas funcionam num conjunto de alternativas que não favorecem o exercício da liberdade.»
«Penso que, após o 25 de Abril, devia ter havido uma prática pedagógica do exercício da democracia. As populações deveriam experimentar, directamente, quais são as possibilidades de inserção na realidade, de a transformar. Essa, para mim, é a forma mais sã de exercer a democracia. O voto de quando em quando, após 50 anos de obscurantismo, é uma coisa para especialistas em demagogia. Até porque os deputados não estão na Assembleia para resolver os problemas mais imediatos do povo, mas para cumprir desideratos políticos.» (…) «Por outro lado, todo o discurso parlamentar, com os meios de que dispõe, é de molde a configurar as consciências. É exactamente o que não acontecia imediatamente a seguir ao 25 de Abril, quando se organizaram as comissões de trabalhadores, de moradores, todos esses organismos que saíram quase espontaneamente do processo popular. Está-se hoje num círculo vicioso. A democracia só serve para confirmar, sancionar, o tipo de desigualdades a que me referi.» (…) «Há, sem dúvida, uma diferença entre o fascismo e a democracia burguesa, embora, por vezes, em certos aspectos, esta possa resultar naquele.»
coordenação Pedro Godinho
Entruido
O mesmo que entrudo.
[Dicionário Cândido de Figueiredo, 1913]
Entrudo, Entruido, Entroido, Antroido (do latim: introitu = intróito; entrada; começo), também dito de Carnaval.
Apontada como festa de origem pagã, com folguedos populares, associada ao início dum novo ciclo da natureza e dos trabalhos do campo, por alguns ligada às Saturnais romanas, que viria, como tantas outras que não conseguiu eliminar, a ser incorporada com regras próprias pela igreja católica para os dias anteriores à quaresma, sofrendo também alterações com o carnaval urbano.
Adeus martes de Entruido,
adeus,meu amiguinho
até Domingo de Páscoa
nom comerei mais toucinho
Como em tantos outros aspectos, encontram-se semelhanças entre os diferentes festejos na Galiza e, em Portugal, em Trás-os-montes.
Em 2005, Xabier Prado, coordenador da candidatura do Património Imaterial Galego-Português apresentada à UNESCO dizia basear-se aquela em cinco elementos, dos quais “o quarto elemento constitui-o o ciclo festivo anual e as actividades de lazer, onde incluímos os jogos tradicionais. Nesta parte destacamos como um elemento de excelência o Carnaval, com as suas características enraízadas em tradiçons antiquíssimas e partilhadas pelos caretos de Podence, os peliqueiros, os generais da Ulha, etc. Em geral toda a celebraçom do Carnaval como um rito anterior à cristianizaçom e que foi assimilado polo catolicismo por um processo de sincretismo.”
Quando tomou o poder, após a guerra civil, Franco proibiu o carnaval no estado espanhol.Voltou com a sua queda. Igual proibição foi imposta por Videla na Argentina. Tanto os assustava a possibilidade de manifestação popular.
Algumas “galeguices” do entrudo a merecer serem conhecidas: Festa da Pita, Domingo Fareleiro, Cigarróns de Verin, Peliqueiros de Laza, Oso de Salcedo, Merdeira de Vigo, Pantalha de Xinço de Limia.
Ambos a chocalhar,
os Cigarróns de Verin (Ourense, Galiza)
e os Caretos de Podence (Trás-os-Montes,Portugal)
E porque o entrudo se está a tornar uma moda de laivos comerciais deixo-vos, ao invés, com uma genuína “Moda do Entrudo”, música popular de Malpica, Beira-baixa, na versão de José Afonso.
Pedro Godinho
Já tinha ouvido o meu avô, que sabia era ocasionalmente detido pela PIDE, falar da ditadura e da resistência e da importância e significado da fraternidade, da liberdade e da democracia. Foi o primeiro a ensinar-me a pensar livremente; e a saber dizer não.
Tinha treze anos, meses antes da revolução de Abril, um dia, em casa dum amigo, o gira-discos tocou o que eu nunca tinha ouvido antes – Venham mais cinco, acabado de sair. Gostei tanto que me passaram de seguida, tudo na mesma tarde, Eu vou ser como a toupeira, Cantigas do Maio e Traz outro amigo também.
Desde aí, a música e a canção portuguesa não voltaram a ser as mesmas. Abriu-se-me um novo mundo: aquela voz, aquela música, aquelas palavras, fizeram-me sentir vivo e vibrante, parte da oposição e dum mundo por construir – Portugal podia ser diferente. Eram as falas do meu avô em poemas musicados, para iniciados.
Fui logo procurar os LP’s, e até isso era um acto de protesto.
Ainda hoje tenho calafrios ao ouvir A morte saiu à rua. E Os Vampiros era a melhor descrição dos tenebrosos homens do fascismo.
O Zeca foi a segunda pessoa a mostrar-me a liberdade. E a despertar-me para a vontade da acção e para a importância de combater o medo.
“Que importa a fúria do mar
Que a voz não te esmoreça
Vamos lutar.”
Chegado o 25 de Abril foi feliz que reconheci Grândola Vila Morena. Só podia ser um bom sinal. De bicicleta, fui ver a revolução nas ruas de Lisboa, quando a minha mãe pensava que ficara no liceu.
Mais tarde foi imensa a alegria de conhecer o Zeca - tanta solidariedade e boa vontade em si. E, tantas vezes insuficientemente dito, excelente poeta e músico.
José Afonso, um hino em carne e osso.
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