Domingo, 20 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - XIV

 

 

 

 

 

 

 

(Continuação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 14


Cena 14

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tertúlia no café “LEÃO”

 

( SLIDE AMADEO .Tertúlia num café. Entre outros, Raul Leal, António Ferro, Fernandinha…. Almada Negreiros desenha Raul Leal)

 

Ballet….Aplausos

 

Raul Leal – Nós somos a voz dos novos poetas que se levanta contra a ignorância dos republicanos, maçónicos e bolcheviques.

 

( No exterior)

 

Alfredo da Silva – Mas para que é que você me trouxe aqui?

 

Carlos Pereira – Senhor Alfredo da Silva! Para conhecer os novos adeptos da nossa causa.

 

Alfredo da Silva – Mas o que é que quer fazer com esta gente?

 

Carlos Pereira – Eu? Nada. Quero o apoio deles e chega-me.

 

Alfredo da Silva – Esta gente não presta para nada. O movimento para ir para a frente, precisa de gente firme e determinada. Não é disto. Ao menos os velhos, sei eu quem são.

 

Carlos Pereira – Senhor Alfredo, não está a ver bem o problema desta gente, os poetas e os artistas têm mais influência do que o senhor julga. Falam de coisas que não devem, dizem-se anarquistas mas gostam da tradição, falam em nome do povo ( risos), se um dia vierem a conhecer o povo vão ter grandes surpresas, são contra a violência...

 

Alfredo da Silva – Pois claro. É o que eu estava a dizer, oh Carlos Pereira. Eu nem o estou a perceber. Você, dono da Companhia das Águas e do Banco Comercial de Lisboa...

 

Carlos Pereira – Eles também gostam do dinheiro, e se querem vender as poesias, os quadros e a música, tem de ser aos que têm dinheiro, e não aos miseráveis que nem têm onde cair mortos.

 

Alfredo da Silva – Eu nem gosto de nada do que eles fazem. E você quer que vá comprar coisas a esses malandros, imorais e inúteis.

 

Carlos Pereira – Pois quero. Para eles ficarem nossos amigos, nos defenderem e abandonarem essas ideias. Vá lá, por uma vez sacrifique o seu bom gosto. Com uma cajadada matamos dois coelhos.

 

Alfredo da Silva - Você acha que essa gente cai nisso?

 

Carlos Pereira (ri) – Por favor! Essa gente só quer andar nos corredores do poder, só quer que a gente lhe estenda a mão... Não conhece aquela “Deixar vir os pequeninos artistas, ao Grupo do Leão, comer sopa de camarão?

(Entram)

 

Poetisa Fernandinha – olha, o Carlinhos! Está bom ? (beijam – se)

 

Carlos Pereira (para Alfredo da Silva) – há aqui boa gente. Um dos que está à frente disto é o Raul Leal, filho do Leal que dirigiu o Banco de Portugal …

 

Alfredo da Silva – isso é gente com muito, muito dinheiro…

 

Carlos Pereira – parece que o rapaz tem gasto tudo…

 

António Ferro (avança) – Não escrevo por vaidade, nem pelo orgulho inútil de criar…

 

Raul Leal (interrompe – o) – António Ferro, nosso mais brilhante publicista!

 

António Ferro – Não escrevo por vaidade, nem pelo orgulho inútil de criar…

 

Senhora( interrompe-o e beija-o) - António, meu querido

 

António Ferro – Não escrevo por vaidade, nem pelo orgulho inútil de criar…

 

Almada Negreiros (entra com cavalete) – olá, António…

 

António Ferro – Não escrevo por vaidade nem pelo orgulho inútil de criar.

(mais interrupções)

 

eu sou …. (todos em coro)…um trapeiro de cores..

 

.lá dizia Marinetti (todos em coro)…”a guerra, a única higiene do mundo”…

(Aplausos, Bravos!)

 

António Ferro – vão-me desculpar, mas tenho de sair… encontro com o Fernando Pessoa…

 

Protestos.: Vai ter com uma corista! É sempre assim!

 

Diva – estou farta! Ele não é ferro, é só sucata!

(Cena de teatro)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Raul Leal - Perante a miséria e o desmembramento da nossa identidade nacional, perante o ignóbil projecto da nossa venda em leilão a castelhanos, gauleses, saxónicos e outros que tais, o nosso movimento, o integralismo lusitano, pugna pelos mais lídimos valores da raça e da portugalidade.

Somos contra a República porque eles são os herdeiros dos jacobinos da sinistra revolução francesa, bandeira da liberdade, igualdade e fraternidade, capa assassina para a decapitação de Luís XVI e milhares de membros das mais nobres classes.

Queremos vingar a morte de Sidónio Pais, seremos uma barreira indestrutível contra o anarquismo e o bolchevismo, lutaremos pelos princípios que, na Idade Média, colocaram Portugal na primeira linha do desenvolvimento da humanidade.

 

Vozes – Viva a Idade Média ! Viva a Idade Média !

Para esta luta, não bastam militares, sacerdotes, políticos, banqueiros, e povo anónimo, são e generoso.

Necessitamos de artistas, poetas, filósofos, professores, necessitamos de gente capaz de cantar o que fomos e queremos ser, de homens e mulheres que acreditem e sintam, com o maior fervor estético, o nosso desígnio nacional.

 

Vozes – Bravo! Bravo!

 

Raul Leal – E agora, oiçamos o nosso grande poeta Fernando Pessoa... alguns excertos “À Memória do Presidente Rei Sidónio Pais...

(Sinal de uma poetisa que Fernando Pessoa deve estar embriagado)

 

Raul Leal – bem, não estando o nosso Fernando, a menina Fernandinha…

 

(Poetisa põe chapéu, óculos e bigode e recita)

 

Se Deus o havia de levar

Para que foi que no-lo trouxe

Cavaleiro leal, do olhar

Altivo e doce?

 

Quem ele foi sabe-o a sorte,

Sabe-o o Mistério e a sua lei

A vida fê-lo herói, e a morte

O sagrou Rei! (Bis – Coro)

 

Mas a ânsia nossa que encarnara,

A alma de nós de que foi braço,

Tornará nova forma clara,

Ao tempo e ao espaço.

 

Tornará feito qualquer outro,

Qualquer cousa de nós com ele;

Porque o nome do herói morto

Inda compele;

 

Rei-nato, a sua realeza,

Por não podê-la herdar dos seus

Avós, com mística inteireza

A herdou de Deus; (Bis – Coro)

 

E, por directa consonância

Com a divina intervenção,

Uma hora ergueu-nos alta a ânsia

De salvação.

 

Precursor do que não sabemos,

Passado de um futuro a abrir

No assombro de portais extremos

Por descobrir,

 

Sê estrada, gládio, fé, fanal,

Pendão de glória em glória erguido!

Tornas possível Portugal

Por teres sido!

 

E no ar de bruma que estremece

O DESEJADO enfim regresse

A Portugal!

 

( aplausos. Desmaia. Histeria . Gritos)

 

Raul Leal – A essência das minhas doutrinas está na combinação íntima do hermetismo e do espírito medieval através das formas mais arrojadas dos tempos modernos.

 

Alfredo da Silva – O que é isto? Você percebe isto? Não tenho confiança nesta gente.

 

Carlos Pereira – Nem tem o senhor, nem tenho eu. Hoje dizem isto, amanhã viram a casaca, se fôr preciso. Alguns, já foram dos outros. É tudo uma questão de dinheiro. E como dinheiro é coisa que não falta ao Alfredo da Silva...

 

Alfredo da Silva – Sim, se a questão é só essa... também se arranja dinheiro para putas finas... ( Dá dinheiro a Carlos Pereiral)

 

Carlos Pereira (entrega dinheiro a Raul Leal) – tome lá, você já gastou muito dinheiro, merece ser ajudado.

 

(O Grupo sai com a poetisa aos ombros)

 

(Continua)

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Sábado, 19 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - XIII

 

 

 

 

 

 

 

(Continuação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 13


Cena 13

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sonhos de amor

( Em gravação o fado da “Triste Feia”. Berta, em casa . É jovem e espera por Carlos Deita-se num sofá fingindo dormir .Jogo de sedução entre os dois.)

 

Berta – meu amor

 

Carlos – minha mulherzinha

 

Berta – estás feliz?

 

Carlos – não.

 

Berta – não? Já não gostas de mim?

 

Carlos – não.

 

Berta – sou feia?

 

Carlos – és.

 

Berta – tu és mau.

 

Carlos – sou.

 

Berta – vou-me embora

(Ela foge ,ele agarra-a)

 

Carlos – só se me deres um beijo.

 

Berta – era o que faltava.

 

Carlos – então, dou eu.

 

Berta – não quero.

( Pequena briga. Beijam-se apaixonadamente)

 

Berta – quero ter um filho teu.

 

Carlos – não pode ser.

 

Berta – tem de ser, tem de ser.

 

Carlos – tu sabes que não pode ser. Não temos dinheiro.

 

Berta – o Carlos da Maia, sem dinheiro ! O Carlos da Maia, herói da Republica, ex-governador de Macau!

 

Carlos – querias que eu tivesse feito o mesmo que os outros que estiveram em Macau?

 

Berta - não digo isso, mas... e o nosso filho, a nossa vida?

 

Carlos – tu sabes que nós, os que lutámos pela Republica, temos de ser sempre um exemplo de honestidade. Tu conheces os jornais que intrigam contra nós de manhã à noite, para corromper pessoas, para lançarem calúnias contra a gente.

 

Berta – toda a gente sabe que é mentira.

 

Carlos – as pessoas sabem, mas calam-se. Lá no fundo, preferem continuar escravos dos antigos senhores a terem que construir o seu próprio futuro. É por isso, que nós temos de ser sempre um exemplo de verdade e de dignidade.

 

Berta - eu sei, e é por isso que te amo.

 

Carlos - a vida não há-de ser sempre tão má para o nosso amor.

( Beijam – se. Criada “fecha” cortina)

 

(Continua)

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Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - XII

 

 

 

 

 

 

 

(Continuação)

 

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 12


II Acto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cena 12

 

 

A confissão

 

(Berta Maia - chapéu e véu, agente Barbosa Viana).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Barbosa Viana – D. Berta Maia, o Abel Olímpio está muito perturbado e não mostrou nenhum interesse em voltar a vê-la.

 

Berta Maia – sr. Barbosa Viana, eu não desisto. Quero vê-lo. Por favor, tragam-mo.

( Barbosa Viana traz Abel Olímpio, muito pálido, com ar de tuberculoso).

 

Berta Maia – Ai, Abel, como tu estás! Morres e eu fico sem saber nada! O que é que te fizeram?

 

Berta Maia – Abel, o que ganhas tu com essa situação? O que ganhas tu em esconder os que te atiraram para esta cadeia e que te estão a matar aos poucos? Tu estás doente, Abel, tu estás muito doente. Se calhar andam a envenenar-te aos poucos, com a comida.

 

Abel Olímpio – Eu já pensei nisso, minha senhora. Sinto-me mal, não tenho apetite, definho a olhos vistos.

 

Berta Maia – Sim, pareces tuberculoso com essa palidez e essas olheiras. Andam a matar-te, Abel. Tens que te tratar. Eu mando-te um médico. Não morras sem me dizeres a verdade. Não morras com esses remorsos na consciência. Acredita na palavra de Cristo. Ele é piedoso e desculpará os teus crimes na eternidade. Mas tens de ser sincero e corajoso. Diz-me quem te mandou matar o meu marido.

 

Abel Olímpio – Ninguém mandou. Desconfie a senhora daqueles que mais choram o seu marido.

 

Berta Maia – Acusa esse meu melhor amigo, acusa! Diz quem é!

 

Barbosa Viana – D. Berta, calma! Abel Olímpio, os crimes foram praticados e não há solução. Ninguém pode fazer tornar à vida Carlos da Maia, António Granjo, Machado Santos e os outros. Mas pode-se fazer luz sobre todo esse caso que tem perturbado a nossa sociedade. Ninguém acredita que tu tivesses agido sozinho, por tua conta e risco. Essa camioneta fantasma apontou muito alto, foi aos grandes vultos da República. Nunca, em nenhum país, se passou um caso tão cruel e misterioso. Para bem de todos, o assunto deve ser esclarecido. E tu és a pessoa que podes ajudar a que se faça luz sobre este mistério. Falando, limpas o teu nome. Coragem, Abel Olímpio.

 

Abel Olímpio ( titubeante, com pausas) – Não fiz nada, não sei nada, andei com a camioneta tenente Mergulhão Granjo o país na ruína, jornal a “ Época”, Padre Lima eu sou contra traidores criminosos da República, Época crime morte D. Carlos marinheiros na marinha a luta miséria minha mãe Padre Lima em Monsanto...

 

Berta Maia – “ Época”, o que é isso do jornal a “Época”?

 

Abel Olímpio – Não foi nada de importante.

 

Berta Maia – Justamente porque não é nada de importante, diz.

 

Abel Olímpio – Houve uma revolução, vaca e Alguidar, plano em Monsanto, juntávamo-nos, acreditava-mos que íamos ganhar Monsanto, D. Carlos, vacas e porcos, sementeiras de milho, Época, quero ir para o mar, senhor padre, castigo divino, tiros...

 

Barbosa Viana – Porquê toda essa história que não tem fim e que não nos interessa nada? O que é que ias fazer ao jornal? O que ias fazer à Época?

 

Abel Olímpio – O Padre Lima levava-me lá para me darem dinheiro. Tínhamos reuniões na Avenida ali por alturas da Rua das Pretas, e no escritório do sr. Moutinho de Carvalho...

 

Barbosa Viana – Vamos, homem, coragem! Vai até ao fim! Não foste o maior criminoso, fala!

 

Abel Olímpio – Minha senhora, a República não avança porque os monárquicos se introduzem nela e não deixam. Quem me deu a camioneta foi o tenente Mergulhão. É monárquico ou republicano? Isso não sei, mas isto é verdade.

 

Berta Maia – E porque é que foste matar esta gente?

 

Abel Olímpio – Porque faziam parte de uma lista que o Padre Lima me deu.

 

Berta Maia – Uma lista? Onde está essa lista?

 

Abel Olímpio – Essa lista ficou em poder do adjunto da polícia de segurança do Estado senhor Virgílio Pinhão...

 

Barbosa Viana – Está na polícia?

 

Abel Olímpio – Foi ele quem ficou com ela. Eu quero dizer uma coisa à senhora.

 

Eu decidi falar porque o Augusto Gomes está preso por ter assassinado a actriz Maria Alves. Ele jurou que me matava se eu falasse. E eu sei que é verdade, porque já matou o José de Pinho que tinha sido marinheiro como ele, mulheres com quem viveu... é um criminoso sem remorsos, e eu

tenho medo.

 

Barbosa Viana – então, o Augusto Gomes era um dos chefes do golpe...( risos)... afinal, entre os empresários teatrais há grandes artistas...

 

Berta Maia – Com ele preso, já não tens de ter medo.

 

Abel Olímpio – Tenho medo, tenho. Ele tem sicários capazes de tudo. Minha senhora, proteja-me, façam a revisão do meu processo. Ajude-me!

(Barbosa Viana leva – o).


Berta Maia – Mataste o meu marido, mas eu vou ajudar-te. Vão saber quem ordenou estes crimes.

 

(Continua)

 

 

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Quinta-feira, 17 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - XI

(continuação)

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasma – peça de Hélder Costa - 11

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cena 11

 

Voz – Vamos às putas!

 

( SLIDE CARNAVAL. Cena de cabaret. Pares e grupos de coristas dançam fox -trot agitando faixas azuis e brancas. Serpentinas, confetti, capitalista acende charuto com uma nota…)

 

 

Fim do 1º Acto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Intervalo: Don’t be that way de Benny Goodman

 

 

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Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - X

 

(Continuação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 10


 

Cena 10

 

 

A conspiração com Espanha

 

 

( D. Fonseca entra com a mala que Millán Astray lhe deu, abre, tira notas. Som da aldraba, atrapalha-se, abre, entram Alfredo da Silva, Carlos Pereira, Gastão Melo Matos)

 

D. Fonseca – Muy bien, es outra ayuda del reyno de España... Pero D. Afonso XIII esta muy enfadado con la conspiración portuguesa. En la corte ya decimos por broma que de tanto conspirar, la monarquía está a dormitar.

 

Alfredo da Silva – quanto é?

 

D. Fonseca - Queremos acción, unidad de esfuerzos…

 

Alfredo da Silva – oh homem, fale português!

 

D. Fonseca - energia, bravura... lo esperamos por parte de D. Alfredo da Silva, D. Gaston, señor conde de Tarouca...

 

Alfredo da Silva – oh Fonseca, diga lá quanto é que sacou ao Rei de Espanha!

 

D. Fonseca – 700 mil!

 

Gastão Melo Matos – Muito obrigado pela ajuda de sua majestade, D. Afonso...

 

Carlos Pereira – esperemos que seja suficiente.

 

Gastão Melo Matos - tranquilize sua Alteza... temos infiltrado o Exército e a Marinha, feito agitação em diferentes meios sociais, os apoios económicos começam a chegar...

 

D. Fonseca – Caros amigos, estoy encantado con vuestras palabras y con vuestra voluntad de inversión. Así, creo que podemos mirar al futuro. Un futuro que confirmará el sueño de D. Afonso: crear la Hispania, capital en Madrid y Lisboa su bellissimo puerto de mar. frente al Atlãntico, frente al mar, frente al mundo.

 

Gastão M. Matos – Com todo o respeito que me merece D. Afonso, penso que é perigoso começar a propor que Portugal perca a independência...

 

D. Fonseca – La independência? Eso és una question absurda... hablamos de una unión... como las antiguas uniones... como si fuera una boda real... y no olvidemos que una union aporta compensasiones para todas las partes...

 

Alfredo da Silva – Então, sr, Gastão, calma! O que eu percebi foi que essa união, chamemos-lhe assim, iria ter compensações para Portugal... ou seja, lucros para os poderes económicos portugueses...

 

D. Fonseca - Si, claro...

 

Alfredo da Silva – Não vejo qual é o problema, se as minhas empresas prosperarem, mais as do sr. conde de Tarouca e outros nossos amigos, se o sr. Gastão fizer progredir a sua casa bancária...

 

Gastão M. Matos – Mas, a independência...

 

Alfredo da Silva – Sobre a independência, claro que eu penso que só se pode perdê-la em último recurso, até porque é uma arma de propaganda na mão da maçonaria que pode inflamar o povo.

 

Carlos Pereira – Também acho.

 

Alfredo da Silva – Mas também é evidente que, se a situação no país evoluir para o fortalecimento da República, destes ladrões e assassinos, eu lutarei para que Portugal fique debaixo da pata espanhola. Este país, dominado por essa ralé deixa de ser o meu país. Eu não tenho nada a ver com os meus operários, nem com os camponeses, nem com estes agitadores que envenenaram Lisboa.

 

Carlos Pereira - Os nossos irmãos são os reis de Espanha, da Áustria, da Alemanha, os homens das grandes empresas, a grande finança que está a fazer avançar o mundo.

 

Alfredo da Silva - O capital não tem pátria, entre nós não há fronteiras, e se Portugal se tornar num buraco sem préstimo, sórdido e repelente para nossa vergonha, que deixe de existir.

 

(Murmurios de aprovação. Foto frontal)

 

Gastão M. Matos – Pronto, já me convenceram. E se fossemos comemorar?

 

Carlos Pereira(atira serpentina) É Carnaval! O Augusto Gomes está no Teatro Nacional!

 

(Continua)

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Terça-feira, 15 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - IX

 

 

 

 

 

 

 

(Continuação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa – 8/9

 


Cena 8

 

Pesadelo

 

(Berta Maia com o bébé. Acarinha-o, canta canção de embalar. Adormece).

 

(Faróis.Sons do pesadelo e da camioneta. Dente de Ouro e grupo de marinheiros apontam armas a Machado dos Santos encostado a uma parede).

 

Machado Santos – Vocês, rapazes, estão levando-me por equívoco. Eu, em casa, estava esperando o carro que deveria levar-me a Belém, onde Manuel Maria Coelho, o chefe da revolução, está a esta hora depondo do poder António José de Almeida, para logo a seguir, empossar-me a mim, Machado Santos, no cargo de Presidente da República. Entendem? Eu é que vou ser o Presidente. Vocês, rapazes, estão, estão levando-me preso por equívoco, sim, por equívoco, por equívoco, por equívoco...

 

Augusto Gomes – Não oiçam este malandro. Ele é que levou este país à desgraça.

 

Dente de Ouro – O senhor Augusto Gomes é que sabe. Mas custa-nos um bocado.

 

Augusto Gomes – Vocês estão aqui para fazer o que se combinou. Se recusarem, esperem pelo castigo.Fogo!

 

(Descarga. Machado Santos escorrega e cai).

 

Augusto Gomes (Tira a carteira, os anéis e o relógio de algibeira a Machado Santos) – Eu guardo isto. Levem-no para a morgue.

 

(Saída da camioneta)

 

 

Cena 9

 

 

D. Afonso XIII, com D. Fonseca, exilado português

 

(Em fundo ,“ A rendição de Breda” de Velásquez Afonso XIII faz uma paciência com cartas de jogar com Millán Astray ,no Salón del Reino, a sala do trono do Palácio del Buen Retiro)

 

D. Fonseca – Sete arrepelões me deram à entrada, mas eu dei uma punhada naqueles figurões…

 

Millán Astray – Majestad, D. Fonseca...

 

D. Afonso XIII – Ah, el portugués... el pobre exiliado... si, si, venga, venga...

 

D. Fonseca – Majestad, saludos de los exilados portugueses...

 

D. Afonso XIII – Gracias, D. Fonseca. Que hay de nuevo?

 

D. Fonseca – Majestad, la restauración de la Monarquía Portuguesa está para muy breve, la miseria pone miles de nuestros súbditos contra la República y la masonería. Pero tenemos dificultades. Necesitamos de apoyo, de dinero.

 

D. Afonso XIII – D. Fonseca, yo no comprendo los monárquicos de su país. Yo ya ayudé a Paiva Couceiro en 1911, en 1919, ayudé a Sidónio, ayudé a los exilados, ayudé, ayudé... y no veo un movimiento sério em Portugal. Además, vuestro Rei D. Manuel, en Londres muy tranquilo, declara que no es el momento para la restauracion monárquica. Que pasa con vuestras cabezas? Donde esta la dignidad de los viejos nobles? Estoy harto, estoy harto.

 

Millán Astray – Calma, D. Alfonso. Su corazon.

 

D. Afonso XIII – Gracias, Millán Astray, gracias.

 

D. Fonseca – Majestad, tiene mi senhor toda la razon de estar enfadado com nosotros, pero ahora és un gran momento...

 

Millán Astray – un gran momento, un gran momento...

 

D. Afonso XIII – Que gran momento, que momento! Esta lucha contra la República portuguesa interesa a España porque hay que atacar el inimigo cuando esta cerca de nuestras portas, y porque es necessario unir toda la Ibéria... volveremos a ser el país más poderoso de la tierra... es mi homenaje a mis antepasados del glorioso império, de nuestro siglo de oro.

 

Y Hispania, com su capital en Madrid, tendrá un belíssimo puerto de mar que es Lisboa.

 

D. Fonseca – Majestad, me temo que la question de la independência...

 

D. Afonso XIII – Que independência? Que mérito teneis ustedes para ser independientes? Com un rey enano y cobarde, una nobleza sin garra ni cojones...

 

Millán Astray – Sin cojones? Sin uevos! La question de la independência de Portugal no se pone. Por supuesto, és ridicula. Porque hoy la vida de las naciones las obliga a serem grandes y a tenerem riquezas e fuerza. El mundo ya no acepta los pequenos y miserables payses.

D. Afonso XIII – Millán Astray, nuestro heroe militar símbolo de la más pura hispanidad, sabe lo que esta deciendo...

 

D. Fonseca – Muy bien, muy bien. Perdonem, perdonem. Ahora és un momento para atacar Portugal, porque todos atacan la corrupcion de los republicanos... ya dicen que son tanto o más corruptos que los monárquicos...

 

D. Afonso XIII – D. Fonseca, los monárquicos nunca son corruptos. Ellos solo utilizan los derechos de sus privilegios... (risos) sin firmeza em sus convicciones, como quieren los monárquicos portugueses ser independientes? (risos) yo ayudo, yo ayudo, pero es la ultima vez... salga... salga...

 

D. Fonseca (recua, agradecendo) – Muchas gracias, majestad, muchas gracias...

 

D. Afonso XIII – Volvemos a mi paciencia que nos es tan pesada como estos portugueses...

 

Millán Astray - y Lisboa será la nueva Breda rendida a Alfonso XIII, el nuevo caudillo Ambrosio de Spínola...

 

D. Alfonso XIII - y asi sera vingada la traicion de essos hidalgotes portugueses a nuestro querido Filipe IV. Astray – essos miserables, que siempre han vivido a nuestras tenças, luchando por independencia!

 

D.Alfonso XIII - todo falso, lo sabemos. Cambiaram de patron, la libra era fuerte, la pirataria dominaba los mares y era agraciada por la nobílissima Realeza britânica, volveram lacaios de los Ingleses. Miserables!

 

Millán Astray – pero esta vez, las van a pagar. Miserables!

 

(Continua)

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Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - VIII

 

 

 

 

 

 

 

(Continuação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 7


Cena 7

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Memórias de Carlos da Maia

 

Ciclorama com bambus chineses

 

(Berta Maia recorda Carlos da Maia )

 

Berta - (estende a mão sem folha) o que é isto ?

 

Carlos(com folha na mão) mostra. Ah, é uma carta do Sun–Yat-Sen...o 1º. Presidente da China...

 

Berta – que engraçado!

 

Carlos - na altura, não teve muita graça. Antes disso, ele esteve exilado em Macau, foi médico no hospital. Não o aceitavam em nenhum país. Como Macau tinha um estatuto de independência (quase), ficou por ali.

 

Berta – Que interessante. E essa carta, porquê?

 

Carlos – Essa carta é de 1916, quando eu era governador. Sun-Yat-Sen estava outra vez no exílio, e o governo de direita da China pediu a Portugal a extradição dos criminosos que tinham fugido para Macau. Claro que os tais criminosos que eles pediam eram os revolucionários, os companheiros de Sun-Yat-Sen. Os assassinos e ladrões podiam continuar em paz, no exílio dourado de Macau, organizando seitas, o jogo, o negócio do ópio.

 

Berta – e tu não entregaste nenhum republicano chinês.

 

(Separados, mimam beijos)

 

Carlos – como é que adivinhaste? Não foi fácil, houve uma grande luta diplomática, o Império Britânico a pressionar a Republica Portuguesa, mas ganhámos.

 

Berta - mas, a Inglaterra...

 

Carlos – nossa velha aliada, não é? Berta, Bertinha, menina bonita, tão ingénua...um Império, é um Império, é para mandar em tudo e todos. Não duram toda a vida, mas enquanto puderem...lembras-te da guerra do ópio? Os Chineses revoltaram-se porque , a dada altura, os Ingleses condenavam à morte os trabalhadores que se recusavam a tomar ópio...além de um grande negócio, a droga era para os acalmar...claro que os Ingleses não tomavam ópio... ( risos)

 

(Carlos da Maia deixa cair a folha e desaparece; Berta Maia mima abraço, “acorda” da evocação, levanta-se , vê a folha no chão e pega nela)

 

Berta Maia – Macau…

 

Criada – ( com cesto com comida, ovos, uma galinha) - Minha senhora, vieram entregar isto.

 

Berta Maia – Quem mandou isso?

 

Criada – Disseram que era da parte de um grande amigo do seu marido.

 

Berta Maia – Põe na cozinha. O Carlos, que tinha tantos amigos... agora, já nem dizem o nome.

 

Criada – Minha senhora, as pessoas andam com medo de falar, depois destes crimes, as pessoas são assim. Está aqui o jornal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Mostra jornal)

 

Berta Maia – (lê) Augusto Gomes, o empresário teatral, assassinou a actriz Maria Alves. Sabes quem é?

 

Criada – É o senhor do teatro, não é ?

 

Berta Maia – Sim, um empresário teatral que está ligado a todas as conspirações monárquicas, amigo do Alfredo da Silva da CUF, e ... uma testemunha da morte de Machado Santos...

 

(No Tribunal)

 

Augusto Gomes – Eu tinha ido a Pedrouços para uma missão de confiança, e fui ao Arsenal. Uns civis armados disseram-me que estavam à espera do senhor Cunha Leal para o assassinarem. Corri ao quarto do oficial de dia onde estavam António Granjo e Cunha Leal e convenci-o a ir ao hospital tratar do ferimento que já tinha no braço.

 

Depois do hospital fui a casa do Sr. Presidente da República e vi que só tinha dois polícias a protegê-lo. Dirigi-me ao Sr. Manuel Maria Coelho, chefe do golpe e pedi protecção para o Sr. Dr. António José de Almeida. Depois fui ao Rossio e meti-me num carro para ir para casa; passando no Intendente, um grupo armado disse que o carro seria preciso para levar um cadáver à morgue. Contra as minhas súplicas, mataram o Almirante Machado Santos. E consegui, a muito custo, que não fossem a casa dos senhores Barros Queiroz e Sotto Mayor, que também estavam condenados a morrer. Horrorizado com tanto sangue inocente que tinha visto correr, fugi para casa.

 

(Sai)

 

(Continua)

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Domingo, 13 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - VII

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Continuação)

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 6


Cena 6

 

Padre Lima e Dente de Ouro com os marinheiros

 

(No convés do barco. Cenas de trabalho)

 

Abel Olímpio (canta)Por vestir fato de ganga e boné/Todos me olham com certo desdém/Mas o fato de ganga ainda é/O orgulho de quem o enverga bem

 

(outros acompanham) Se um dia Portugal estiver em perigo /Todo o fato de ganga sai p’ra rua/A Pátria em cada um tem um amigo/Que prefere morrer mas não recua

 

Marinheiro – A Pátria tem um amigo...Temos de agarrar a nossa vida. Arriscámos tudo no 5 de Outubro, e o que é que tem acontecido? Estamos nas mãos de monárquicos e de traidores. A miséria não nos larga, os filhos nem têm comida, nem roupa, nem sapatos...

 

Abel Olímpio – Sapatos? Estás muito fino... Querias os teus filhos com sapatos?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

( Risadas)

 

Marinheiro – Passam a vida doentes... foi para isto que veio a República? Abaixo os traidores!

 

Abel Olímpio e outros – Abaixo!

 

Abel Olímpio - eu tenho aqui algum dinheiro para dar aos camaradas.

 

Marinheiro – Dinheiro? Onde é que foste buscar isso?

 

Abel Olímpio – Aos republicanos. Há muitos que têm dinheiro e são a favor do povo.

 

(Entra padre Lima)

 

Foi o senhor padre Lima que arranjou isto.

 

Marinheiro – Viva o Dente D’Ouro. E viva o senhor padre Lima!

 

Todos – Viva!

 

Padre Lima – Meus irmãos, as vossas palavras são justas e a vossa indignação tem razão de ser. Muitos têm dúvidas em relação à República. Eu estou entre esses. Mas, por enquanto, esperamos para ver se cumprem as promessas que fizeram ao infeliz povo português.

 

Se continuarem a enganar-nos, saberemos responder com a força da nossa razão ultrajada. Tende calma e paciência. Muitos são os bons portugueses que vos compreendem e que lutarão ao vosso lado por uma vida melhor.

 

Marinheiros (cantam) – Não entres na igreja ó cavador/É falsa a religião dessa canalha/Os santos são de pau não têm valor/Valor só se dá a quem trabalha.

 

Padre Lima – ah, temos cantadores...então, ouçam esta...

 

(canta) Esfacelai a cruz/Num golpe audaz, profundo/Procura o progresso/No mais pequeno atalho/P’ra erguermos bem alto/Os dois heróis do mundo /Ferrer na instrução/Lenin no trabalho

 

Abel Olímpio – Viva o sr. Padre Lima!

 

Vozes – Viva! ( Circula garrafão de vinho)

 

Padre Lima – Bebei meus irmãosi. Cobrai forças para os trabalhos que se avizinham.

 

Abel Olímpio (chama o corneteiro da GNR) – Senhor Padre, este é que é o corneteiro da Guarda de que lhe falei.

 

Padre Lima – Vê-se que tem bom ar. Parece uma rocha, pronto para tudo. Bebe mais.

 

Corneteiro – Obrigado, senhor padre. A minha Teresa agradece aquele dinheiro que eu levei para casa.

 

Padre Lima - Foi uma ajuda de pessoas boas que se interessam por vocês. Mas isso não passa de uma esmola. Vocês têm de lutar para conquistarem tudo a que têm direito.

 

Corneteiro – Estou pronto para tudo. Gosto muito de ouvir o senhor Padre Lima, vê-se que fala verdade e que se interessa pela gente.

 

Padre Lima – Cumpro o meu dever de pastor das almas transviadas.

 

Corneteiro – Pode contar comigo e com muitos lá da Guarda Republicana.

 

Padre Lima – Deus te abençoe, meu filho!

 

Corneteiro (com o sabre levantado) – Abençoada arma que Deus me pôs na mão!

 

(Grupo sai cantando “Esfacelai a cruz…”,Padre Lima e Dente de Ouro riem-se pela facilidade com que manipularam os marinheiros)

 

(Continua)

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Sábado, 12 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - VI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Continuação)

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 5

 


Cena 5

 

 

1ª reunião dos conspiradores

 

 

(Reunião de conspiradores monárquicos. Padre Lima, Gastão de Matos, Carlos Pereira, Abel Olímpio ,Rudolph, agente alemão)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gastão de Matos – O nosso movimento está mais forte do que se julga.

 

Carlos Pereira – Mas eu não vejo os pequenos comerciantes e industriais a reagir, não vejo essa gente a lutar pela monarquia.

 

Gastão de Matos – Não lutam pelo Rei, mas calam-se se a gente ganhar. Para esses, basta dar-lhes umas encomendas de meia tijela e começam logo a dizer que somos os salvadores da Pátria! (Risos).

 

Carlos Pereira – não tenho a certeza disso.

 

Gastão de Matos – é porque anda distraído. Essa gente que veio da ralé tem ódio aos mais pobres porque eles lhes lembram o buraco de onde sairam. É por isso que se juntam a nós; invejam-nos, mas andam da mão estendida à procura da migalha. E também querem mais polícia para os defenderem dos que são mais pobres que eles!

Carlos Pereira – oh Gastão!

 

Gastão de Matos – ainda não acabei. É por isso que nós, que não passamos de meia dúzia, mandamos nisto tudo.

 

Carlos Pereira – mas há revoltas na populaça.

 

(Ciclorama – carruagem ,chicote, som. Figura de cartola)

 

(Som de aldraba. Entra Rudolph)

 

Gastão de Matos – estávamos a dizer que o nosso movimento está mais forte…

Carlos Pereira - não tenho a certeza disso.

 

Rudolph - A dificuldade tem a ver com o dinheiro com que se compram as consciências. Pela Europa, ninguém aceita a situação portuguesa. O horrível crime dos assassinatos do rei D. Carlos e do príncipe assustou as monarquias. Todas nos querem ajudar e serão extremamente gratas em relação aos portugueses que conseguirem derrubar este regime. A situação tornou-se insustentável, principalmente depois da morte do nosso grande amigo Sidónio Pais.

Há dinheiro, muito dinheiro...

 

Gastão de Matos – Meu caro Rudolph, o dinheiro é indispensável, mas talvez precisemos de nos convencermos a nós próprios.

 

Rudolph – O Rei de Espanha também quer ajudar-vos... mas aqui não estão todos convencidos?

 

Gastão de Mato - Temos que ser realistas. Um golpe monárquico, é hoje completamente impossível. Os nossos grandes homens estão em Espanha, exilados. Outros fugiram para mais longe, até para o Brasil. Onde já encontraram apoios e empregos que os fazem desistir do regresso e da luta pela regeneração de Portugal.

 

Carlos Pereira– É uma vergonha nacional se não há homens capazes de atacar os inimigos da pátria.

 

Rudolph – Há dinheiro para pagar. Até os Estados Unidos querem ajudar!

 

Carlos Pereira – Eu quero que os vingadores sejam pagos. Mas bem pagos. Para evitar que quando a gente triunfar, nos venham pedir situações especiais e de favor. Até porque esses que hoje trabalham para nós, mais tarde podem trabalhar para eles.

 

Gastão de Matos – É isso mesmo, Carlos Pereira, é isso mesmo. Depende da maquia que receberem.

 

(toque de aldraba)

 

Carlos Pereira – É o padre Lima.

 

C. Pereira( risos) Vá abrir, vá depressa. Não faça esperar a voz do Senhor.

 

(Entram Padre Lima e Abel Olímpio, “Dente D’Ouro”)

 

Padre Lima – Boas tardes, muito boas tardes.

 

Vozes – Padre Lima, como vai? Como vão as ovelhas do seu rebanho? Deus vos tenha em boa guarda.

 

Padre Lima – Trouxe comigo um rapaz de muita confiança. É da Marinha, cabo, de toda a confiança. É de Estivais, Moncorvo, da minha terra. Trouxe-me umas alheiras. O meu pai enviou-mo, falámos, está de acordo com o que a gente pensa, e disposto a colaborar.

 

Gastão de Matos – Com certeza que precisará de dinheiro.

 

Abel Olímpio – Não é bem para mim, mas convinha ter alguns escudos para dar na Armada. Para saberem que eu não os estou a enganar.

 

Carvalho – E eles, não o enganam?

 

Abel Olímpio – A mim? Ao Abel Olímpio? Ao Dente D’Ouro?

 

C. Pereira – Você é homem rijo, vê-se logo.

 

Abel Olímpio – Muito obrigado, meu senhor. É a minha fama.

 

Gastão de Matos – Então faça provas disso, que não se há-de arrepender.

 

Abel Olímpio – Eu já sei o que os senhores querem, que o meu amigo senhor padre Lima, já me disse.

 

Gastão de Matos – E percebeu bem?

 

Abel Olímpio – Temos de rebentar com os malandros que estragaram isto tudo.

 

Gastão de Matos – Está bem... (risos)... mas não vamos fazer nenhum golpe.

 

Abel Olímpio – Não vamos fazer nenhum golpe?

 

Gastão de Matos – Senhor Padre, já vi que não lhe explicou tudo...

 

Padre Lima – Eu julguei...

 

Gastão de Matos – O senhor...

 

Abel Olímpio – Abel Olímpio, cabo de artilharia da Armada, nº 2170.

 

Gastão de Matos – O senhor cabo não vai organizar nenhuma revolução. Está calmo, vai informando os seus homens de confiança, vai sabendo em quem é que deve ter confiança...

 

C. Pereira – De quem é que deve ir desconfiando...

 

Gastão de Matos – E espera que o senhor padre lhe diga alguma coisa, lá mais para diante. E agora, pode retirar-se.

 

Abel Olímpio – Então, muito boa tarde.

 

C. Pereira – Espere um momento. Senhor Gastão, é melhor levar já algum dinheiro, não acha?

 

Gastão de Matos – Sim, sim.

 

(Agente Alemão dá dinheiro a Gastão, este passa a Carlos Pereira que dá ao padre Lima que o entrega ao Abel Olímpio)

 

Padre Lima –( piscando o olho) Abel, depois faz um apontamento de despesas, para se mostrar a quem de direito.

 

( Abel Olímpio faz o mesmo sinal e sai)

 

Gastão de Matos – Senhor Padre, para a outra vez, não nos traga esta gente para as reuniões. Isto não é para qualquer labrego. Está entendido?

 

Padre Lima – Eu julguei que os senhores gostassem de ver que o trabalho na Armada está a avançar.

 

Agente Alemão – Mas quem é esta gente?

 

Padre Lima – É uma grande confusão. Há de tudo, dos vários partidos Republicanos, há comunistas, anarquistas, e nós só precisamos de nos infiltrarmos. E temos o povo mais baixo, mais reles, são capazes de matar a mãe por cinco mil réis.

 

Gastão de Matos – Não se esqueçam. Nós não vamos fazer um golpe. Nós vamos aproveitar uma das lutas entre os republicanos, e depois empalmamos o movimento. Assim é que se trabalha. Está de acordo?

 

Padre Lima – Para convencer bem esta gente, é preciso pagar. E se fizéssemos um documento?

 

C. Pereira – Escreve-se que damos 100 contos, e depois logo se vê.

 

Padre Lima - Isto é um documento histórico (Começa a escrever)

 

Agente alemão – Penso que é o caminho justo. Sehr Gut!

 

( Sai e atira notas para o chão que eles dividem)

 

(Continua)

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Quinta-feira, 10 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - IV

 

 

 

 

 

 

 

(continuação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 2

 

Cena 2

 

 

Pesadelo

 

(Percurso da camioneta fantasma. Som da viatura misturado com derrapagens e música. Pausa. Passos. Pancadas numa porta com aldraba).

 

Berta Maia (jovem, cabelos soltos, camisa de dormir) - Quem é?

 

Abel Olímpio - O Sr. comandante Carlos da Maia.

 

Berta Maia - quem?

 

Abel Olímpio - O Sr. Coronel Manuel Maria Coelho quer falar com o Sr. Comandante.

 

Carlos Maia (em camisa) - Mandem-me um oficial da minha patente para me acompanhar.

 

Abel Olímpio - Tem de vir já. São ordens.

 

Berta Maia (de joelhos) – Larguem o meu marido, deixem-no. Ele nunca fez mal nenhum. Sempre protegeu os marinheiros. Deixem-no!

 

Carlos da Maia – Levanta-te Berta, uma senhora não suplica a esta gente!

 

(Abel Olímpio empurra Carlos da Maia. Choro de bébé. Som e saída da camioneta).

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa – 3

 

Cena 3

 

 

Julgamento

 

Carmona – Eu, Oscar Fragoso Carmona, acusador público, declaro que estou aqui para cumprir o meu dever, como militar que sou, e só à lei e ao dever obedeço no exercício deste espinhoso cargo.

 

Berta Maia - Sr. Dr. Juiz, a minha dor é imensa e a minha revolta não tem nome. Sei que não me podem dar outra vez o meu querido marido, sei que nunca deixarei de sofrer pelo seu desaparecimento. Quero que este tribunal faça justiça, que liberte a memória de Carlos da Maia de qualquer mancha ou calúnia e que faça luz sobre o mistério desta noite e destas mortes que enlutaram tanta gente de bem.

 

É a minha esperança para que o ódio – que Deus me perdoe – adormeça no meu coração.

 

Dente D’Ouro - Vou perguntar eu, réu e criminoso, porque não soube o Governo guardar as moradias dos cidadãos ameaçados por facínoras que poderiam andar toda a noite a cometer crimes que ninguém surgiria para os evitar. Disso os acusarei; juro!

 

Carmona - Os acusados, os oficiais que realizaram o 19 de Outubro, não tiveram ligações com os assassinos, mas a verdade é que não tomaram as providências necessárias para que se evitassem, se não todos, pelo menos alguns dos crimes.

 

Berta Maia - Tu falarás, não hoje, neste Tribunal, mas mais tarde, tu falarás.

 

Carmona – Finalmente, em Fevereiro de 1923, acabámos o julgamento dos bárbaros crimes do 19 de Outubro de 1921. Abel Olímpio (o Dente de Ouro) Heitor Gilman e José Carlos, 10 anos de prisão maior e 20 de degredo, Mário de Sousa, Acácio Cardoso, Matías Carvalho, Palmela Arrebenta, José Maria Felix, Acácio Ferreira, 8 anos de prisão maior seguidos de 20 de degredo (redução de voz). Benjamim Pereira, Manuel Aprígio, Baltazar de Freitas...

 

Jaime Cortesão - (com um exemplar da Seara Nova) – O que vai sair daqui? Quem esperará ver nos ministérios que se seguirem outra coisa que não seja ministérios de simples expediente administrativo?

 

E isto quando a força das coisas e a própria lógica nos não levarem para uma ditadura militar, com toda a opressão do sistema militar e o predomínio dos interesses militares.

 

Nós, que fizemos o voto de dizer toda a verdade, levantamos a nossa voz de protesto e acusação. Fundámos a revista “Seara Nova” e acusamos os de ontem e os de hoje.

 

Os que já fizeram o mesmo e agora condenam os outros, e os que, para corrigir os erros passados, começam por seguir os métodos do passado. Acusamos os partidos da oposição, que conheciam o que se ia passar e nada fizeram para evitar a catástrofe.

 

Raul Proença – (c/ ex. Seara Nova) Na “ Seara Nova” acusamos os que fomentaram todas as desordens, os que fizeram silêncio sobre todos os desvarios demagógicos, que não tiveram uma palavra de condenação e de proscrição para os miseráveis que, dizendo-se seus partidários desmentiam todos os sentimentos de humanidade. Acusamos os potentados da finança (exploradores, especuladores, açambarcadores, falsificadores, inimigos do povo) que vivem de sugar todo o sangue da Nação pelas ventosas da sua ambição desmedida.

 

Jaime Cortesão e Raul Proença - Acusamo-nos a nós próprios, Jaime Cortesão e Raul Proença, por só agora termos tido este grito.

 

(Continua)


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Quarta-feira, 9 de Fevereiro de 2011

O Mistério da Camioneta Fantasma - III

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Mistério da Camioneta Fantasmapeça de Hélder Costa - 1

 

Introdução

 

Na manhã do dia 19 de Outubro de 1921 deu-se mais um golpe militar contra um governo republicano. Demissão do Ministério e nem soou um tiro.

 

O golpe nascera na Armada e tinha a chefiá-lo um dos heróis do 31 de Janeiro, o Tenente – Coronel Manuel Maria Coelho. Tratava-se, portanto, de um golpe de esquerda contra o governo de António Granjo, prestigiado combatente transmontano nas forças republicanas que se opusera a Paiva Couceiro. Este governo imprimia medidas impopulares para tentar equilibrar a bancarrota e combater o desemprego e a miséria do pós-Guerra.

 

Entretanto, na parte da tarde e à noite, uma camioneta começou a percorrer a cidade raptando e assassinando figuras importantes da República: o primeiro ministro António Granjo, Machado Santos, o herói da Rotunda, Carlos da Maia, ex-governador de Macau e chefe da abordagem ao cruzador “D. Carlos”, o Almirante Botelho de Vasconcelos e Freitas da Silva.

 

Conduzida por marinheiros essa camioneta de morte provocou um enorme choque emocional na sociedade que se dispôs a castigar os autores desses assassinatos de lesa-Pátria e lesa-República.

 

Os autores foram presos e vários oficiais absolvidos, num processo que também se quis julgador da esquerda republicana.

 

Parecia que tudo estava resolvido, mas para várias pessoas o processo tinha várias zonas escuras.

 

E Berta Maia, a viúva de Carlos da Maia, dispôs-se a investigar quem poderiam ser os instigadores e autores morais desses crimes. Depois de vários encontros com o marinheiro que chefiava a carrinha, Abel Olímpio , o Dente de Ouro, este confessou que tudo tinha sido uma conspiração monárquica destinada a eliminar os autores do 5 de Outubro, e que a táctica seguida era a de “infiltrar e depois empalmar os movimentos revolucionários”.

 

O que foi feito com sucesso. Perante estes novos dados, que se passou? Nada.

 

Entretanto, dera-se o golpe do 28 de Maio precursor da Ditadura Salazarista e foi decretado silêncio absoluto sobre os acontecimentos da “Noite Sangrenta”.

 

Personagens principais

 

Berta Maia

Carlos da Maia

Abel Olímpio, o Dente de Ouro

Padre Lima

D. Afonso XIII

D. Fonseca, exilado português

Millán Astray

Gastão Melo Matos

Alfredo da Silva

Carlos Pereira

Augusto Gomes

Condessa de Tarouca

Condessa de Ficalho

Raul Leal

Fernandinha, poetisa

Mimoso Ruiz, director de “Imprensa da Manhã”

jornalista

Virgílio Pinhão

Barbosa Viana

Salazar

Senhora Maria

 

Camponeses

Marinheiros

Coristas

 

1º Acto

 

 

1. Berta Maia encontra o Dente de Ouro

 

2. Pesadelo – prisão de Carlos da Maia

 

3. Julgamento

 

4. Ódios e necessidades

 

5. Primeira reunião dos conspiradores

 

6. Padre Lima e Dente de Ouro com os marinheiros

 

7. Memórias de Carlos da Maia

 

8. O Dente de Ouro começa a falar

 

9. Pesadelo – Morte de Machado Santos

 

10. D. Afonso XIII com D. Fonseca, exilado português

 

11. A conspiração com Espanha

 

12. Carnaval no Teatro Nacional

 

 

“O Mistério da Camioneta Fantasma” estreou pelo grupo A BARRACA no teatro CINEARTE no dia 19 de Outubro de 2005.

 

A Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República Portuguesa de 5 de Outubro de 1910 convidou A BARRACA a integrar esse espectáculo na programação dos vários eventos previstos para 2010 e 2011.

 

Esta reposição corresponde a esse convite com a seguinte

 

FICHA TECNICA E ARTISTICA

 

HÉLDER COSTA – texto, encenação, espaço cénico, luz, programa

 

PEDRO MASSANO – animação gráfica

 

MARIA DO CÉU GUERRA – figurinos

 

BRUNO COCHAT – coreografia

 

ALEXANDRE DELGADO – selecção musical de Luís Freitas Branco, Frederico de Freitas, Stravinsky

 

JOSÉ CARLOS PONTES – adereços e apoio técnico

 

FERNANDO BELO – luminotecnia

 

RICARDO SANTOS - sonoplastia

 

 

RITA FERNANDES ---- Berta Maia

CÉLIA ALTURAS - Condessa de Ficalho, Millán Astray, corista, marinheiro

VÂNIA NAIA - Condessa de Tarouca, corista, marinheiro, poetisa Fernandinha, jornalista, Sra Maria

LUIS THOMAR - Abel Olímpio, o Dente de Ouro

ADÉRITO LOPES - Carlos da Maia, marinheiro, D. Fonseca, Almada Negreiros

JOÃO D’AVILA – Rudolph, Alfredo da Silva, Barbosa Viana

PEDRO BORGES - Gastão Melo Matos, marinheiro, Salazar

RUBEN GARCIA – Raul Proença, Augusto Gomes, Raul Leal , D. Afonso XIII,

SERGIO MORAS - Padre Lima, António Ferro, Virgílio Pinhão

SERGIO MOURA AFONSO – Jaime Cortesão, Carlos Pereira, corneteiro, Mimoso Ruiz

 

Relações Pública e produção : Inês Costa ; Secretariado – Maria Navarro

 

Costureira : Inna Siryk ; Montagem : Mário Dias

 

1º ---Slide/Texto e Voz

 

 

No dia 19 de Outubro de 1921 abateu – se uma enorme tragédia sobre a vida portuguesa. Nessa noite um grupo de marinheiros assassinou figuras ímpares da Republica: António Granjo, o vencedor das invasões de Paiva Couceiro, Machado Santos, o herói da Rotunda e Carlos da Maia, comandante do navio D. Carlos.

 

Os assassinos foram presos e condenados, mas ficaram sempre impunes os autores morais desses crimes.

 

A quem interessava a morte dos heróis Republicanos ?

 

E assim se criou…..

 

2º Slide ---- O mistério da camioneta fantasma

 

Fim do som da camioneta

 

Cena 1

 

 

 

 

Berta Maia encontra o Dente de Ouro

 

Berta Maia - Estás a conhecer-me? Olha bem para mim. Não me deste tiros, mas fizeste de mim um cadáver! Nunca esquecerei esse dia, esse 19 de Outubro...

 

Abel Olímpio - A senhora é a única pessoa que me pode acusar.

 

Berta Maia - Bandido, roubaste-me a minha felicidade, fizeste órfão o fruto do nosso amor, mataste um homem honrado e sério. Porquê? Quem te mandou? Porque disseste mentiras? Os outros marinheiros estavam a desistir de levar o meu marido, e tu foste o mais duro, o mais cruel, foste tu que o levaste... Porquê? Quem te mandou? Diz, Dente de Ouro! Diz, maldito!

 

Abel Olímpio - Dê-me dois tiros, minha senhora.

 

Berta Maia - Mais que o castigo, o que eu quero é saber o porquê da morte do meu marido. Fala, Dente de Ouro! Fala! Alguém conseguiu os seus fins, dentro ou fora do movimento. Fala! Quem foi o cobarde que te deu essas ordens e que se esconde?

 

(abeira-se dele) – Quem te mandou?

 

Abel Olímpio - Ninguém.

 

Berta Maia - Mas tu tens conspirado, andaste com integralistas, estiveste preso por isso, andaste com o

 

Padre Lima... Porquê? Para quê?

 

Abel Olímpio - Eu sou republicano. Meti-me nessas conspirações para saber o que se passava e contar aos republicanos.

 

 

Berta Maia - Ai sim? Então conta tudo o que sabes. Aqui somos todos republicanos, não tens problema.

 

Abel Olímpio - Tratava-se de um movimento nacional comandado por um capitão de fragata.

 

Berta Maia - Até que enfim! Eu disse que tu falarias! Quem é esse capitão de fragata?

 

Abel Olímpio - Não sei, não digo, não me façam mais perguntas, não digo.

 

Berta Maia - Em que fragata é que está esse oficial?

 

Abel Olímpio – não sei, não sei.

 

Berta Maia - E outros que estiveram no movimento?

 

Abel Olímpio - Havia o Padre Lima.

 

Berta Maia - Esse já sabemos. O Padre já confessou que andava em conspirações contigo.

 

Abel Olímpio - Como vêem, eu falo verdade. Só falo do que sei. (sai)

 

Berta Maia - Tu escondes a verdade, marinheiro. Tu escondes a verdade, maldito! Mas eu hei-de descobrir tudo, eu hei-de limpar a honra do meu querido marido.

________________

 

(Continua)

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Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2010

A "CRISE" DO TEATRO














Hélder Costa

Na muito desde sempre falada “crise” do Teatro, esquece-se frequentemente que a CRISE, qualquer crise, é sempre um ponto de ruptura de uma falsa estabilidade.


Crise pressupõe que se vai operar qualquer modificação no status quo.

Crise é, portanto, fonte de movimento e nunca de estagnação.

Claro que nestas coisas do Teatro como em qualquer situação da vida, há a posição passiva e a activa; ou seja, há os que reagem e ensaiam soluções, e há os que aceitam porque “afinal, a coisa não está tão mal”, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”, e outras frases chamadas de prudência e bom senso que nos têm conduzido a muitos becos sem saída.

O que se passou com o Teatro? Baixou o público? Sim, é verdade. E baixou em relação a todas as formas de espectáculo, excepto concertos de rock e outras manifestações colectivas que sublimam pela massificação a necessidade social de encontrar e fazer ou refazer grupos.

E o público também baixou por razões de ordem económica e porque prefere – precisamente porque a crise é mais geral, de valores, conceitos, de segurança, até de programação televisiva - , consumir tempo e dinheiro em restaurantes modestos ou de luxo, falando pela noite fora, rindo, divertindo- se e, evidentemente, discutindo a Crise.

Outro contributo muito importante para a Crise é a política oficial de Cultura (pelo menos, na Europa).

O teatro foi ficando asséptico, sem alma e sem cor, nos Teatros Nacionais e em algumas companhias transformadas em “templos” de produções caríssimas. O que implica, pelos temas e pelos preços, a exclusão de amplas camadas da população mais carenciada.

Diz–se que é para prestigiar o teatro. Claro que é falso. Do que se trata é de transformá–lo num arremedo premonitório da decadência da ópera. Que também foi afastada da sua inicial vocação de espectáculo popular, convém não esquecer.

E agora vem o problema mais grave. É que os criadores teatrais também contribuíram para o afastamento do público. Porque acreditaram nessa promoção do teatro para “elevados espíritos”, ou porque recearam a campanha ideológica que combate as linhas do teatro popular em nome do “anti-maniqueísmo”. Que é , evidentemente, outra mistificação, porque não há nada mais maniqueísta do que o teatro do bom – senso e o habitual formalismo repetitivo e gratuito não tem a menor poética nem encanto estético.

E muitos não perceberam que o teatro popular é precisamente o oposto do populismo rasca tão adorado – dir-se-ia paradoxalmente - , por essa gente de “alto nível”.

E então, o que aconteceu ?

Em nome de experimentalismos e de pós – modernismos brotam falsos vanguardismos. Substituem-se histórias por textos díspares e inconsequentes, surgiu o culto sórdido da incomunicabilidade em vez da relação afectiva com o espectador, ressurgiram o vedetismo caduco e o artista da torre de marfim.

E como o público não tem nada a ver com isso, pratica a deserção das salas.

Claro que perante este panorama apetece perguntar:

Quem tem medo do teatro ?

Que pergunta ridícula, não é ? Ter medo do teatro, de uma peça, de uns actores que nos preenchem momentos de ócio?! Que absurdo!...

Mas...será que aqueles que têm medo de se verem retratados na praça pública gostam de teatro?

E os que pensam que o teatro só serve para fazer agitação política?

E os outros que lutam para que o teatro não tenha nada a ver com política? Como se isso fosse possível !!!

E os que têm horror ao humor e ao cómico que é impiedoso a descarnar situações, personagens e comportamentos ?

E os que fogem da emoção e das lágrimas ?

E os que se recusam a pensar e a olhar para o seu mundo ?

E os que não se querem ver nas más companhias dos artistas ?

E os que julgam que os artistas não passam de marginais e falhados sociais?

Gente infeliz, com certeza. Muita gente infeliz.

Tudo isto, e se calhar falta alguma coisa, são factores de crise. Mas o pessimismo é o sentimento mais reaccionário do mundo e eu continuo a acreditar no valor transformador das crises.

Porque o teatro é uma corrente de felicidade e de afectividade contra o egoísmo e o medo.

Luta por participar, comunicar, e por se entender entre si e os outros.

Sabe que pode desbloquear insegurança, que consegue abrir sentimentos e que transforma o acto poético em acto de vida.

Contra isso esbarram e são derrotados mil conceitos reaccionários: intrigas, invejas, discriminações sociais e económicas ( sim, estou a pensar nos subsídios do Estado), a cobardia dos lacaios de “quem está a mandar”, e a parolice dos admiradores incultos de vários modismos ( estéticos, éticos, políticos).

Quem não tem medo do teatro é quem ama a vida, quem aceita as suas contradições, e quem sabe que o mundo está em eterna transformação.

Pessoalmente, continuo a ter um gosto e convicções profundas em relação aos méritos do humor, do riso e do absurdo por vezes violento e pouco cómico, na exposição e desmontagem dos mecanismos que nos cercam nesta, parece que dolce vita, que nos dizem que temos.

É evidente que a minha experiência de contactos com vários níveis de classes sociais me ensinou que a minha função seria útil e bastante agradável, se conseguisse assumir-me como um “elo de comunicação” e não como o Mestre senhorial e intocável.

Porque fazia a troca de experiências, absorvia o saber do

“ Outro”, descobria contradições, fazia a síntese com os meus conhecimentos e algo de novo e melhor surgia; e , curiosamente, também da parte do “ Outro”( por vezes menos preparado intelectualmente), se operava esse esforço de encontro, de contradição e síntese.

Ou seja, este método ajudava a desenvolver o acto de cidadania liberto de individualismo e projecto unipessoal, transformando – se num exercício colectivo, aberto, e por isso mesmo, fonte de novas acções de cidadania.

Para terminar, sugiro um debate sobre uma questão bem actual : toda a vida lutámos contra a Censura do Salazar, e o que é curioso, é que se ela voltasse, podia autorizar cerca de 80% dos espectáculos que estão em cena!

Não será isso o verdadeiro factor de crise?

Se nos jornais da TV só vemos terror e pânico, com as guerras imperialistas e regionais, com as falências das prestigiadas multi-nacionais, com a instabilidade ambiental, com a corrupção Universal, com o renascimento do nazismo, é natural e lógico ir ao teatro para adormecer e não sentir nenhum sobressalto de inteligência?
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publicado por João Machado às 16:00
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Terça-feira, 12 de Outubro de 2010

Fotopoemas- Joaquim Letria entrevista el-rei D.Dinis

Texto de Hélder Costa  e
fotografia de José Magalhães

Não resisto a comentar a rosa porque me recordou o milagre da rainha Sta Isabel e uma versão que eu escrevi para um programa de entrevistas históricas em que o Joaquim Letria.entrvista o rei D. Dinis.

J. Letria- Magestade, uma ultima pergunta..


D. Dinis - lá vem a velha pergunta...

J. Letria - quando a rainha abriu a capa havia mesmo rosas?

D. Dinis - cairam rosas, sim senhor.

J. Letria - então houve a transformação do pão em rosas...

D. Dinis - nada disso. Cairam rosas, mas por baixo havia o pão. A rainha nunca me enganou.

J. E o rei não se zangou ?

D. Dinis - fingi que não percebi. Para ela não me aborrecer com os meus devaneios sentimentais...

É esta a minha colaboração. Pouco romantica, mas é de boa vontade.



publicado por Carlos Loures às 10:00
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Sábado, 9 de Outubro de 2010

O Mistério da camioneta fantasma, de Hélder Costa -22 (última parte)

ANEXO 1


O MISTERIO DA CAMIONETA FANTASMA

A BARRACA volta a debruçar-se sobre um tema da História de Portugal. Desta vez, da nossa História recente: os crimes da “Noite Sangrenta”.




O ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

1. No dia 19 de Outubro de 1921,desabou sobre Portugal uma horrível tragédia desmistificadora dos nossos tão celebrados brandos costumes.

Sendo presidente António José de Almeida, o governo presidido por António Granjo, heróico Republicano reconhecido “ Homem Bom “ respeitado por correligionários e adversários políticos.

A insatisfação provocada por algumas medidas necessárias e não demagógicas, era sistematicamente acirrada pela oposição monárquica e integrista através de vários órgãos de imprensa de que é essencial destacar “A Voz”, e a “Imprensa da Manhã”, propriedade de Alfredo da Silva, antigo deputado da ditadura de João Franco, industrial do Barreiro, e que se referia ao jornal como sendo “a sua amante mais cara”.

2. Foi por isso, com naturalidade, que os rumores de revoltas militares se concretizaram na manhã do 19 de Outubro, num putsh dirigido por Manuel Maria Coelho, antigo herói do 31 de Janeiro de 1891, primeira revolta Republicana, na cidade do Porto.

E foi ainda mais natural que o Presidente tenha acedido às exigências dos revolucionários, demitindo o governo e entregando-o aos revoltosos. António Granjo encarou também com naturalidade a sua demissão, retirando-se tranquilamente para casa.

Ao fim da manhã o golpe estava consumado e nem se tinha disparado um tiro.

3. Parecia chegado ao fim um período particularmente agitado da jovem Republica portuguesa.

Na verdade, o 5 de Outubro de 1910 não tinha significado a pacificação da sociedade portuguesa. Seguiram-se lutas e greves operárias e camponesas, golpes e invasões monárquicas, cisões no bloco republicano, sabiamente aproveitadas pelas forças mais reaccionárias, a ditadura de Pimenta de Castro recheada de revanchismo monárquico absolutista, a grande guerra de 14/18, a ditadura de Sidónio Pais e seu assassinato em Dezembro de l918, e mais pequenos golpes e intrigas.

Tudo isto convenientemente acompanhado por crise económica, bancarrota, corrupção, nepotismo e alienação progressiva da independência económica e financeira.

Parecia chegado o momento da pacificação, dado o prestígio ético e militar dos chefes da revolta.

Mas os Deuses tinham outros projectos


O DEZANOVE DE OUTUBRO

1. E, de repente, outra estória deu a volta à História.

Um grupo de marinheiros começou a percorrer a pacata e tranquila Lisboa com uma camioneta. A tradição anarquista e republicana da marinha permite-nos visualizar um grupo eufórico, gritando morras aos exploradores, talvez agitando bandeiras, e possivelmente com um pouco de álcool a mais. Nada de estranho, porque a revolução é uma festa e está longe dos cerimoniais académicos e professorais. É até de supor que tenham sido apoiados e vitoriados no seu épico percurso de triunfadores.

2.Para onde foram esses marinheiros, ao cair da noite?

Continuar a revolução, que tinha possivelmente ficado em águas mornas para os seus gostos?

São interrogações legítimas que permitem compreender o apoio ou a passividade com que o povo de Lisboa assistiu ao percurso dessa camioneta.

A primeira paragem foi na casa de António Granjo, na rua João Crisóstomo. Os gritos de vingança e de linchamento faziam-se ouvir e o primeiro-ministro deposto procurou refúgio, pelas traseiras, em casa do seu adversário político e vizinho, Cunha Leal, que vivia na avenida Miguel Bombarda.

Uma porteira, que teria ido buscar cebola e hortaliça à sua rica hortinha, avisou os marinheiros da fuga de António Granjo pelos quintais.

O cerco continuou à porta de Cunha Leal, e depois de telefonemas e insistências várias, a teimosia deu resultado, pois foram os dois para o Arsenal

À entrada quiseram matar António Granjo, Cunha Leal opôs-se, foi ferido com um tiro no pescoço, António Granjo fugiu, foi encurralado numa escada, abatido.com dezenas de tiros e trespassado pela espada de um “ corajoso” corneteiro da Guarda republicana.

O sangue espirrou à altura de metro e meio, e assim se silenciou para sempre um dos mais corajosos combatentes de Trás-os-Montes contra a invasão de Paiva Couceiro.

3.Os “bravos marinheiros” tinham começado a fazer justiça.

Chefiados por Abel Olímpio, cabo, conhecido por “Dente de Ouro”, retomam o percurso da vingança.

O próximo alvo chamava-se José Carlos da Maia, oficial da Marinha que tinha tomado o cruzador D. Carlos no 5 de Outubro , antigo ministro de Sidónio Pais em l917 e 1918, e de José Relvas em 1919.

Com informações de antigas vizinhas, chegam à sua nova residência na rua dos Açores.

São 11 horas da noite, e o casal, depois de beijar o filho de poucos meses, é assustado com fortes pancadas na porta.

Apesar dos esforços de Berta Maia, é arrastado e será assassinado à entrada do Arsenal.

Mas a “noite sangrenta”, nome por que ficaram conhecidas essas terríveis horas, tinha mais mortes a executar.


Seguiram-se Freitas da Silva, capitão de fragata, ex - chefe de gabinete do ministro da Marinha do Governo cessante de António Granjo, e o coronel de Cavalaria Botelho de Vasconcelos.

Os crimes continuavam, mas para os assassinos ainda faltava a chave de ouro.

4.São duas horas da madrugada, e a camioneta fantasma arranca do nº 14 da rua José Estêvão, no bairro da Estefânia, depois de arrancar Machado Santos, o herói da Rotunda, do sossego do lar.

No largo do Intendente, param a camioneta e fuzilam-no, sem dó nem piedade.

No mistério dessa noite surge um nebuloso empresário teatral, Augusto Gomes, que cede o seu táxi para que se leve o corpo à morgue.

Estes são os dados essenciais do que se passou no tristemente célebre 19 de Outubro.

O MISTÉRIO E AS DUVIDAS

Tanta barbárie, levantou suspeitas.

Claro que a imprensa reaccionária e monárquica imputava os crimes à Republica, à desordem, e à falta de autoridade e anarquia do Governo.

Mas...a quem interessavam esses crimes?

Era possível que os marinheiros tivessem actuado em plena impunidade e a seu belo prazer?

Foram estas dúvidas que persistiram na mente dos familiares das vítimas e na convicção da opinião pública.

A 1 de Junho de 1923,o Tribunal Militar Extraordinário de Santa Clara condena o bando assassino a adas penas e iliba os oficiais revolucionários.

Mas as dúvidas continuam, e Rocha Martins publica as grandes questões:

- Quem preparou a aura do terror?

- Trabalharam por sua conta estes carrascos?

- Saiu das suas cabeças essa ideia terrível de assassinar gente honrada e deixar com vida tantos miseráveis?


BERTA MAIA

A viúva de Carlos da Maia desenvolve uma actividade incessante tentando desvendar o mistério dos mandantes desse massacre.

A insistência com o Dente de Ouro acabou por dar resultado. Ele acabou por confessar a ligação com o padre Lima, o dinheiro que iam receber ao jornal “A Voz”, e que o plano da conspiração monárquica consistia muito simplesmente em “infiltrar um movimento revolucionário, e depois empalmá-lo”.

Táctica, como se sabe, de ampla e profícua aplicação histórica.

Confissão adquirida, nomes denunciados, e a justiça parou.

Entretanto, tinha-se dado o 28 de Maio, o tal “movimento purificador”, e para uma paz tranquila não há como calar assuntos incómodos.


A peça “O mistério da camioneta fantasma”(x)

O trabalho dramaturgico consistiu em desenhar o enquadramento do 19 de Outubro, focando a oposição monárquica, o importantissimo papel da imprensa -principalmente os jornais “ A Época” e “A Imprensa da Manhã” do industrial Alfredo da Silva - na formação de um clima anti-regime através de boatos e intrigas, a conspiração dos exilados e o seu apoio por parte do Rei de Espanha, a acção determinante –no terreno e na confissão do Dente de Ouro -, dessa figura sinistra ,o empresário teatral Augusto Gomes, e a incapacidade ou total impossibilidade de os Republicanos terem conseguido a total clarificação deste “mistério”perante a opinião publica.

Será talvez essa a razão de se continuar a intitular de “mistério”um golpe reaccionário suficientemente clarificado nos seus propósitos e objectivos.

E se todos esses dados ainda são considerados insuficientes, pois que se faça luz definitiva sobre um dos mais bárbaros e repugnantes acontecimentos que manchou a vida politica nacional.

A História e o futuro vivem de saber ler o passado.

Não será despiciendo saber toda a verdade sobre os crimes que se abateram sobre os dirigentes do 5 de Outubro, onze anos depois de terem conquistado a liberdade para o povo português.

Hélder Costa


Hélder Costa nasceu em Grândola. Estudou Direito nas universidades de Coimbra e de Lisboa. Em Coimbra fez parte do CITAC. Em Paris, onde estudou Teatro, fundou o "Teatro Operário de Paris". Regressou a Portugal em 1974 Actor, dramaturgo e encenador, dirigiu cursos de Arte Dramática. É o director do Grupo de Teatro " A Barraca".


Principais obras: : Liberdade, Liberdade, Lisboa, 1974; O Congresso dos Pides e Um Inquérito, in "Ao Qu'isto chegou", 1977; A Camisa Vermelha, Coimbra, 1977; Três Histórias do Dia-a-Dia (O Jogo da Bola, A Sorte Grande, A Vaca Prometida), 1977; Histórias de fidalgotes e alcoviteiras, pastores e judeus, mareantes e outros tratantes, sem esquecer suas mulheres e amantes: sobre textos de Gil Vicente e Angelo Beolco, o Ruzante, Lisboa, 1977; Zé do Telhado, Coimbra, 1978; D. João VI, Coimbra, 1979; Teatro Operário: 18 de Janeiro de 1934, Coimbra, 1980; É Menino ou Menina (dramaturgia composta a partir de textos de Gil Vicente), Lisboa, 1981; Um Homem é um Homem - Damião de Góis, teatro, Coimbra, 1981; O Príncipe de Spandau, Lisboa, 1997; Marilyn, meu amor, drama original em dois actos, Lisboa, 1997;

 O Mistério da Camioneta Fantasma, Lisboa, 2001.O Incorruptivel, Fernão, mentes?, Bushlandia, Obviamente demito-o!, O Professor de Darwin, A Balada da Margem Sul, As peugas de Einstein (estreada no Brasil, inédita em Portugal)


(x) O texto de "O Mistério da Camioneta Fantasma" foi o produto de um concurso de bolsas de criação literária do Ministério da Cultura ganho pelo autor;


A peça teve uma 1ª edição (esgotada) pela “Colibri” com patrocínio do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas

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publicado por Carlos Loures às 22:30
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Sexta-feira, 8 de Outubro de 2010

O Mistério da camioneta fantasma, de Hélder Costa -20 e 21

(Continuação)

Cena 20

Pesadelo e melancolia

(Musica e luz intermitente)

Berta Maia – Diz-me Dente de Ouro: quem te mandou matar o meu marido?

(esta fala é repetida por outras vozes a seguir a cada fala de BM ou de AO)


Abel Olímpio – Ninguém mandou. Desconfie a senhora daqueles que mais choram o seu marido.

Berta Maia – Tu hás-de falar. Tu falarás.

Abel Olímpio – Padre Lima, ... ia receber dinheiro ao jornal “A Época”...

Berta Maia – Eles vão-te matar. Não morras sem me dizeres a verdade.

Abel Olímpio – Minha senhora, a República não avança porque os monárquicos se introduzem nela e não deixam.

Berta Maia – Fala, Dente de Ouro... fala!

Abel Olímpio – Eu fui aliciado pelo Padre Lima, residente na Rua da Assunção, 56 – Direito.

Sou o cabo de artilharia da Armada, nº 2170, e estou a prestar declarações sem coacção, nem dádivas ou promessas, para efeitos de justiça e revisão do processo das vítimas de 19 de Outubro.

O Padre Lima dizia nas reuniões: “no próximo movimento revolucionário, depois de tudo organizado, como devia ser, lançavam-se no movimento para o empalmar, e donos da situação liquidavam-se os republicanos, em especial os do 5 de Outubro, e vingava-se a morte de el-rei D. Carlos”.

Berta Maia (com o filho nos braços) – Ninguém me pode dar o meu marido. Mas limpei a sua honra e o ideal dos republicanos honestos.

(Slide—morte de Carlos da Maia e reprodução ao vivo—Dente de Ouro dá tiro na nuca a Carlos da Maia)

Cena 21

O silêncio

(Salazar sentado numa cadeira É novo, entra senhora Maria. Mimam cálices de porto).

Senhora Maria – Aqui está o biscoitinho e o portinho, senhor doutor.

Salazar – Muito obrigado, senhora Maria. Olhe, não quer um cálicezinho?

Senhora Maria – Não vale a pena, muito obrigada, senhor doutor.

Salazar - Vá lá, tome lá um golinho... que é para não dizer que o Salazar é um sovina.

Senhora Maria – Valha-me Deus, se alguma vez eu era capaz de uma coisa dessas!

Salazar - É que eu estou satisfeito com umas coisas, quero comemorar, e também quero saber a sua opinião

Senhora Maria - Se eu souber dizer alguma coisa que se aproveite...

Salazar – O que é que pensa daquele caso do Dente de Ouro?

Senhora Maria – Olhe, senhor doutor, vê-se que Deus não dorme. Quem é que havia de dizer que passados tantos anos, aquele monstro ia começar a falar... grande mulher, aquela senhora...

Salazar – Pois olhe, eu acho que isto já deu conversa a mais e vou proibir que os jornais falem do assunto.

Senhora Maria – O senhor doutor é que sabe, mas olhe que agora, anda toda a gente a querer saber o que se passou... e parece que aquele bandido que matou a Maria Alves também estava metido nisso...

Salazar – O perigo disto é que há amigos nossos que estiveram metidos no caso, e se isso se sabe é uma carga de trabalhos.

Senhora Maria – Parece impossível. Então não foram esses republicanos, ou lá o que é, que mataram aqueles senhores?

Salazar – Está a ver... a coisa estava tão bem feita, que até a senhora acreditou... está-se a descobrir que foi a nossa gente quem organizou tudo; é por isso que tem de se pôr uma pedra sobre o assunto.

Senhora Maria – O que vai haver pr’aí de barulho...

Salazar – Está enganada. Esses republicanos, democratas e revolucionários e outros nomes que lhes quiser chamar, calam-se todos.

Senhora Maria – Oh senhor doutor!

Salazar – Mataram o Machado Santos e quem é que quer saber disso? O Carlos da Maia, com a mania da seriedade... e o Granjo...

Senhora Maria – O senhor Granjo parece que até estava a governar menos mal...

Salazar – Estava, estava. Estava a cortar no que a populaça exigia. Era para ficar bem visto pelos capitalistas. Esse ainda está pior. Primeiro, porque os seus antigos companheiros aproveitaram isso para dizer que ele tinha mudado, que já não merecia confiança, e que foi muito bem feito ter morrido como morreu. Os capitalistas e os monárquicos também não irão mexer uma palha, porque esse tipo de política é para ser feita por nós, e não por eles.

Está a perceber porque é que eles se vão calar?

Senhora Maria – Alguém há-de refilar.

Salazar – Senhora Maria, vai tudo ficar calado, até porque apanharam medo a sério. Já perceberam que a gente não está para brincar, e que as coisas vão mesmo endireitar. O reviralho acabou.
Umas prisões, uns safanões dados a tempo, umas deportações para bem longe... Timor, Cabo Verde, Costa de África... ficam a fazer a revolução com os pretinhos...eles é que gostam dessas algazarras… (ri)... os que nós deixarmos por aqui, a gente já os conhece... não fazem mal a uma mosca e até convém que digam as suas coisas para parecer que o nosso regime respeita a liberdade. Está tudo bem assim, e nem podia ser de outra forma.

Senhora Maria – O Senhor doutor Salazar é muito inteligente.



Salazar (bebe) – Olha traga-me a minha mantinha….

(Senhora. Maria põe-lhe a manta nos joelhos)

É muito bom este vinho do Porto...

(Som de máquina de escrever e voz)

- Condenados só vi, até agora, os executores, aqueles cujas culpas não oferecem dúvidas. Trabalharam por sua conta estes carrascos? Saiu das suas cabeças essa ideia terrível de assassinar gente honrada e deixar com vida tantos miseráveis?

Quem preparou a aura do terror? Das suas revelações é que depende a justiça, não a do tribunal republicano, que só condena marujos e soldados, mas a outra, a que algum dia, tarde ou cedo, se fará em nome da Nação.

Rocha Martins

(Som da camioneta. Faróis no ciclorama .)

Voz off (acompanhando a entrada dos personagens)


Os autores morais dos crimes nunca foram inquiridos.

Alfredo da Silva fugiu para Espanha, voltou a financiar outro golpe – o 28 de Maio – e foi recompensado com A Tabaqueira, o grande negócio dos tabacos.

Gastão de Melo e Matos, monárquico e investigador pertenceu à Comissão de Censura de Espectáculos

Carlos Pereira continuou a dirigir a sua Companhia das Aguas

O Padre Lima voltou para a terra, sendo pároco em Macedo de Cavaleiros e Mogadouro. Morreu em paz .

Augusto Gomes, preso pelo assassinato de Maria Alves

Abel Olímpio, o Dente de Ouro, foi degredado para Àfrica.

O sargento que assassinou Carlos da Maia nunca foi preso.

Tinha-se dado o golpe do 28 de Maio, e estes crimes foram cobertos com um oportuno manto de silêncio.

( 4 Actores (Alfredo da Silva, Gastão de Melo e Matos, Carlos Pereira e Padre Lima) atiram para os projectores que se vão apagando até se atingir o black – out)

FIM

Saída do publico com

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publicado por Carlos Loures às 22:30
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