(Enviado por Júlio Marques Mota)
Como diria Calimero, “é realmente demasiado injusto”. De acordo com o Banco Central Europeu (BCE), a zona euro deverá registar este ano uma redução do seu produto interno bruto (PIB) de 4,6%. Os Estados Unidos, pelo seu lado, conhecerão uma redução limitada a 2,8%.
É realmente demasiado injusto: o país da crise de subprimes, o crédito à habitação de muito difícil recuperação, o país do excesso de endividamento e de todas as derivas da desregulamentação, o país de Lehman Brothers, de Freddie Mac e de Fannie Mae, de Bernard Madoff, de AIG e de General Motors, deverá conhecer uma recessão menos severa que o Velho Continente, conhecido como mais virtuoso e mais sábio.
Pior. Em 2010, a América deverá voltar a ter um crescimento, embora muito fraco, mas um crescimento mesmo assim, quando a Europa se irá continuar a enervar-se e a ver o seu PIB recuar (de 0,3%). É realmente demasiado injusto.
É certo, muitos tinham previsto pior, nomeadamente uma deslocação pura e simples da zona euro sob o efeito deste choque sem precedentes desde 1929, com a saída da zona Euro dos países mais fragilizados economica e financeiramente pela crise, como a Grécia, Irlanda ou a Espanha. De momento, tudo se mantém, e a probabilidade de ver estes países sair da zona Euro diminui à medida que, lentamente mas de forma segura, as tensões sobre os mercados de capitais se aliviam e que as suas condições de refinanciamento se melhoram.
Mas se a zona euro evitou o pior, também escapou ao melhor, mostrou-se incapaz de ganhar uma vantagem decisiva sobre uma América em pleno fracasso, de impor ao mundo “o seu” modelo económico. A crise dita de subprimes pôs em evidência os defeitos de estrutura da zona Euro, a sua heterogeneidade e as suas incapacidades, mostrou a incompetência do seu comando e as falhas da sua governança.
Não há realmente mistério. Se a economia americana sair, como é muito provável, mais rapidamente do buraco negro do que a Europa, não é porque tenha entrado mais cedo em recessão . É porque a resposta económica foi incomparavelmente mais forte e mais vigorosa. A Reserva Federal americana, o FED, baixou as suas taxas directoras a toda a velocidade, até a zero por cento, enquanto o BCE reduzia as nossas a passos muito lentos.
No plano orçamental, o montante acumulado das medidas de apoio decididas nos Estados Unidos representa, de acordo com os economistas de Natixis, 23,8 pontos de PIB para os anos 2008,2009 e 2010. Na Alemanha, a primeira potência económica da zona euro, os seus valores atingem 8,8 pontos de PIB, na França 7,8 pontos, como na Itália.
Esta timidez europeia é primeiro que tudo “ideológica”. A Alemanha, traumatizada pelo custo da reunificação e obcecada pelo saneamento das suas finanças públicas, tudo tem feito para impedir o relançamento intensivo sobre o Velho Continente. Berlim conseguiu mesmo convencer o Eliseu que, no entanto, estaria mais disposto a priori a aceitar as teorias keynesianas. Cada vez que o pode fazer , Ângela Merkel mostra o seu descontentamento face “à montanha de dívidas” que se estão a acumular. E esta semana, preocupou-se mesmo com as medidas não convencionais de criação monetária tomadas pelo BCE e com os riscos de se menosprezar o sacrossanto princípio, de além-Reno da independência do banco central.
Os Americanos, no mesmo momento, mostraram-se muito menos ideólogos, esquecendo os seus ideais liberais e não intervencionistas. Gastando sem estar a contar com os seus bancos, fazendo com que a Reserva Federal compre os empréstimos de Estado ou nacionalizando a General Motors.
Mas os receios dos Europeus são também o reflexo da sua incapacidade em superar os seus egoísmos. Cada país agiu, face à crise, a solo, de acordo com as suas próprias necessidades e os próprios interesses, que eram em-si contraditórios. Nada há de comum entre uma Espanha posta K.O pela crise enorme do seu sector imobiliário e uma Alemanha sobretudo afectada pela contracção do comércio mundial. O ideal, certamente, teria sido que Berlim apoiasse maciçamente a sua procura interna, mas isto teria custado ao contribuinte alemão e essencialmente teria trazido proveito aos outros países. O altruísmo tem os seus limites, sobretudo quando se está apenas a alguns meses das eleições. Falta de uma estrutura política superior capaz de impor o seu ponto de vista a todos, falta de um governo económico forte, a Europa por conseguinte foi reduzida a estratégias “não cooperativas”, para falar como os economistas. Por outras palavras, assistiu-se à estratégias do cada um para si mesmo e do crescimento para ninguém.
Na cauda da retoma, pela sua incapacidade em se coordenar, a Europa está também, e pelas mesmas razões, na cauda no domínio das reformas do sistema financeiro, onde tinha no entanto a pretensão de mostrar a via a seguir. Quer seja em matéria de supervisão bancária e vigilância macro prudencial, quer seja na regulamentação dos hedge funds, quer seja ainda na elaboração de normas contabilísticas, no enquadramento dos salários, na organização dos mercados derivados, na avaliação da solidez dos bancos - os famosos stress tests -, a Europa está ainda na fase dos projectos e das palavras, quando os Estados Unidos têm tudo isto mais ou menos já muito adiantado.
A história, certamente, dirá se os Americanos não forem demasiado rápido e demasiado a fundo. É possível. Esperando, e isto já deixou de ser somente “demasiado injusto”, para ser também matéria de humilhação, os europeus devem sobretudo contar com a eficácia das despesas decididas em Washington e com a recuperação financeira dos bancos americanos para poderem eles próprios respirar de novo.
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(l’Europe à la traine, Le Monde, 7 de Junho de 2009)
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