Agradecemos pessoalmente a Mario Domenico Nuti o envio do seu artigo. O autor foi conselheiro de Jacques Delors para os assuntos de Leste.
O texto fala por si, mas tanto como o texto fala o que no título está indicado , da guerra do Vietname à Fiat. A primeira questão que nos surge com este título é o que tem a ver a guerra do Vietname com a “guerra” da direcção da Fiat contra os seus trabalhadores na Itália? As primeiras linhas valem por um outro artigo, o que há de comum é que a guerra humilhante do Vietname feita pelos americanos, foi feita porque estes podiam fazê-la, a guerra da direcção da Fiat é também ela agora feita porque a pode fazer, porque o governo italiano e a União Europeia no quadro de valores que é o seu, o permitem também. E é tudo.
Júlio Marques Mota
Em 1968, no auge da ofensiva do Tet, discuti com o sociólogo americano Edward Shils (1910-1995), na Universidade de Cambridge, sobre a inutilidade, a maldade e a imoralidade da guerra do Vietname. Shils respondeu-me secamente, dizendo que os EUA estavam no Vietname simplesmente "porque podem" e que não havia nada mais a dizer sobre o assunto. E,de facto,com certeza que podiam: os EUA tinham as tropas, os meios militares, os recursos financeiros para o fazer e poderiam escapar às suas consequências se o quisessem (naquela altura). Isto, naturalmente, não implicava que a guerra servisse os melhores interesses americanos, que fosse justificável, ou que os americanos acabassem por ganhá-la. Shils viveu o tempo suficiente para ver a inglória fuga desordenada da últimasaída de helicóptero da embaixada dos EUA em Saigão.
Em 2010, Sergio Marchione, da Fiat, adoptou uma estratégia hostil nas relações industriaiscom os seus trabalhadores, primeiro na fábrica de Pomigliano d'Arco, no sul da Itália e, em seguida, na fábrica de Mirafiori, em Turim. Ou os trabalhadores da Fiataceitavam maior flexibilidade laboral, horários de trabalho mais longos e maior intensidade do trabalho ou a Fiat iria investir cerca de20 mil milhões de euros noutros países, nomeadamente na Sérvia e no Canadá. Em Pomigliano foi feito um referendo entre os trabalhadores, que aceitaram o acordo, mas aextraordinária maioria expressa,de mais de 60% dos votos,foi considerada insuficiente por Marchionne. Na fábrica de Mirafiori, em Turim, em 29 de Dezembro,a Fiat assinou um acordo com todos os sindicatos (Fim, Uilm e Fimsic), excepto com FIOM, o sindicato dos metalúrgicos, tradicionalmente mais militante. Agora, foi convocado um referendo para13-14 de Janeiro, e o FIOM convocou uma greve geral para 28 de Janeiro, mobilizandonão só os metalúrgicos, mas todas as "forças sociais de oposição",desde os estudantes aos movimentos que se opõemà privatização da água.
A atitudede Marchionne é uma reminiscência da perspectiva de Shils sobre a Guerra do Vietname: a Fiat está a lutar contra o Sindicato dos metalúrgicos FIOM "porque pode".A globalização agudizou drasticamente a concorrência entre os mercados de trabalho no mundo: as migrações de trabalhadores e as deslocalizaçõesda produção são as formas mais visíveisdesta intensificação da concorrência, mas a liberalização do comércio é a sua mais importante manifestação quantitativa. Mesmo que as fábricas se mantivessem para sempre onde estão, a nova produção seguiria naturalmente a lógica das vantagens comparativasa nível global. É isto que levou à redução da componente dos salários no PIB nos países avançados, de 65% para 55%, no período 1980-2005 (World Economic Outlook do FMI, de Junho de 2007), uma tendência que tem continuado até hoje, excepto um pequeno aumento do peso relativo dos salários no PIB, em 2009, devido à queda temporária de lucros na recessão. Isto é o que permite à Fiat impor este cru ultimato aos trabalhadores: é pegar ou largar, nem pensem sequer que podem negociar seja o que for.
O ex-líder comunista Piero Fassino - agora candidato a presidente da Câmara de Turim, sede da Fiat - afirmou que,se ele fosse funcionário da FIAT, apoiaria a proposta de acordo e votaria “Sim” no próximo referendo. Outros políticos do Partido Democrata discordaram: Marchionne já conseguiu dividir, não só os sindicatos, mas também o principal partido da oposição. (Ver Antonio Lettieri, "La sinistra ai piedi di Marchionne", Il Manifesto, 2011/08/01).
Um voto expresso neste referendo não reflecte necessariamente uma posição política, mas sim circunstâncias de família e de meios materiais. Se eu fosse funcionário da Fiat, confrontado com a alternativa brutal entre o desemprego e o rebaixamento das condições laborais, eu também votaria provavelmente“Sim” no referendo. O que não implica que o acordo sirva os melhores interesses da Fiat, ou que seja efectivamente superior aos acordos conseguidos com negociações, ou que as consequênciaspolíticas e sociais sejam desejáveis, especialmente a longo prazo.
Alguns aspectos do acordo proposto são muito perturbantes. A proposta não foi discutida previamente, nem sequer no seio dos sindicatos que o subscreveram. Tais referendos, ultrapassando as lideranças sindicais, não têm precedentes e assim nãohá regras definidas: em Pomigliano, uma votação maioritariamente favorável, de mais de 60%, foi considerada insuficiente para a Fiat dar sequência ao investimento; em Mirafiori, Marinhe exige apenas "mais de 51%". Uma indesejável consequênciada actual legislação italiana é a de os membros do FIOM perderem o direito à representação sindical, a não ser que este sindicato assine o acordo. Isso poderia ser corrigido facilmente por decreto governamental ou por uma cláusula adicional no acordo com a Fiat, antes de se realizar o referendo, mas, nemo governo italiano, fraco, absentista e corrupto, nem a Fiat,tomaram essa iniciativa, apesar dos protestos de vários sindicatos e de políticos, não somente do FIOM. A ameaça de perder a representação sindical coloca uma pressão adicional sobre os seus membros e sobre o próprio FIOM. O acordo marca o fim da negociação colectiva - que é, entre outras coisas, uma parte integrante do modelo social europeu - e marca o reaparecimento da negociação a nível de empresa, não incluindo as pequenas e médias empresas. A Fiat teve que deixar a Confederação da Indústria Italiana, a fim de poder substituir o actual contrato colectivo de trabalho em vigor, mas os metalúrgicos também podem ser empurrados para um novo contrato em empresas que sigam o exemplo da Fiat.
Um grande problema é que o projecto da Fiat, a chamada "Fabbrica Italia", nada garante realmente aos seus trabalhadores. O “pensado”investimento de 20 mil milhões de euros - com um horizonte temporal indeterminado - existe apenas no mais vago e mais nebuloso plano industrial,que nem sequer vale o papel em que não está escrito. Até agora, só 1,3 mil milhões de euros foram “planeados”, e apenas um outro montante de 700milhões terá sido identificado na fase preliminar.
O novo contrato seria assinado com uma Nova Empresa, uma joint-venture com a Chrysler. Como sempre acontece com as empresas multinacionais, incluindo joint-ventures, a distribuição de lucros entre a Fiat ea Chrysler vai depender dos preços de transferência das componentes entre os dois parceiros. Os critérios para essa distribuição não terãosido,nem remotamente,consideradospelas duas partes, ou sequer questionados pelos sindicatos.
A maior flexibilidade laboral, a intensificação eo prolongamento do tempo de trabalho constantes do acordo parecemter muito pouco impacto na competitividade global da Fiat, mas representamclaramente uma nítida degradação das condições de trabalho. São elas: 1) uma redução de 10 minutos por dia nas pausas no trabalho (três pausas de 10 minutos, em vez de duas de 15 e uma de 10) compensada com 0,1877 € por hora trabalhada, aproximadamente 45 €por mês; 2) o adiamento do intervalo de refeição de 30 minutos para o final do turno; 3) a perda do subsídio de doença nos períodos de "absenteísmo anómalo" a ser avaliado, caso a caso, por uma comissão mista; 4) a possibilidade de se fazer até 18 turnos de 8 horas,no período de seis dias úteis; 5) possibilidade de haver até 120 horas de trabalho extraordinário, sem ter de negociar com os sindicatos, e mais 80 horas com o acordo do sindicato; 6) e, em caso de greves ou outras violações de contrato, a Fiat deixar de estar sujeita ao consentimento do Sindicato e a pagamentos.
Será que essa maior flexibilidade laboral, estaintensificação e prolongamento do horário de trabalho irá resolver os problemas da Fiat e restaurar milagrosamente a competitividade num sector afectado pelo excesso de oferta a nívelmundial epela retracçãoda procura?
Facto 1. Em 2009, a Fiat produziu 650 mil carros em Itália, apenas um terço dos carros produzidos em 1990, em confronto com cerca de dois milhões planeados e com o crescimento estável das unidades produzidas nos principais países europeus. A propalada intenção de mais do queduplicar a produção parecedemasiado optimista.
Facto 2. A Fiat gasta em investimentos produtivos e em Investigação e Desenvolvimento, parcelas do volume de negócios significativamente inferiores às dos seus principais concorrentes europeus e não se mostra activa no desenvolvimento de alternativas de baixo impacto ambiental. Os concorrentes europeus da Fiat, como a Volkswagen, têm respondido à crise reduzindo as horas de trabalho, mas protegendo os salários eo emprego.
Facto 3. Enquanto, em 2004-2008,a Fiat recuperou de uma crise muito grave e desenvolveu alguns novos modelos, não introduziu,nos últimos dois anos, quaisquernovos modelos; a sua quota de mercado na Europa caiu para 6,7%, a maior queda das quotas de produção de automóveis na Europa, em 2010.
Facto 4. Em 2010, as acções da Fiat subiram cerca de 90%, batendo todos os concorrentes, na sequência também da recente separação da Fiat Industrial do resto da empresa envolvida na produção de automóveis. No terceiro trimestre de 2010 a Fiat foi a mais elevada na bolsa de valores italiana em termos de valorização bolsista, com uma rentabilidade de cerca de 33%.
Facto 5. Apesar da retórica da Fiat, retratada como uma empresa "capaz de caminhar no mercado sobre as próprias pernas", a empresa desfrutou, desde o final dos anos 1980 e início dos anos 2000, de subsídios públicos, na ordem de € 500milhões por ano. Talvez o governo italiano tivesse atribuído subsídios à Fiat para lidar com a crise, ou, pelo menos, Marinhe deve tê-los pedido.
Facto 6. Ao longo dos últimos dez anos o emprego global na produção de automóveis na Fiat caiu de 74.000 para 54.000 trabalhadores, dos quais apenas 22.000 estão nas fábricas italianas. Os trabalhadorestêm, em média, níveis de qualificação mais baixos do que os concorrentes da Fiat, e estão entre os que ganham os salários mais baixos do sector praticados na Europa.
Facto 7. Em 2004-2009, Marinhe ganhou 36,6milhões de euros, em acumulação com 6,3 milhões da cláusula de rescisão. Mais 4 milhões em acçõesde stock óptimos, que valiam69,8milhões em 7 de Janeiro de 2011, e que se devem ter valorizado ainda mais desde então. Isto eleva o seu rendimento anual para 38,8 milhões, por ano (ver Massimo Mucchetti ", Marchionnee lo stipendio del dipendente FIAT", "Corriere della Sera, 9 de Janeiro de 2011), o que corresponde a 1.037 vezes o custo médio anual de trabalho dos metalúrgicos italianos no mesmo período. Não que isso seja importante para a credibilidade da política industrial da Fiat, mas não é certamente uma consideração irrelevante na perspectiva de um trabalhador metalúrgico médioda Fiat, quer seja ou não membro do FIOM.
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