Domingo, 23 de Janeiro de 2011

Luta armada contra a ditadura (7) – por Carlos Loures

 

Se esta série de textos sobre a resistência armada contra a ditadura tivesse uma organização cronológica, este deveria ter sido o primeiro artigo, pois refere-se à primeira reacção violenta contra a ditadura que, sob o pretexto de solucionar a situação caótica que as lutas entre os diversos partidos tinham criado no País – Portugal era designado na imprensa estrangeira como «o pequeno México» - aludindo-se às frequentes revoltas que agitaram o País nos dezasseis anos que durou a I República.

Menos de oito meses depois do pronunciamento de 28 de Maio de 1926, no dia 3 de Fevereiro de 1927, foi desencadeado no Porto um amplo movimento republicano e democrático, civil e militar, contra a Ditadura. A Revolta de Fevereiro de 1927, por vezes também referida como Revolução de Fevereiro de 1927, foi uma rebelião militar que ocorreu entre os dias 3 e 9 de Fevereiro de 1927. Na cidade foi instalado o posto de comando dos insurrectos e ali se travaram os principais recontros que se estenderam a partir do dia 5 a Lisboa.

Na génese do levantamento terá estado o «Grupo da Biblioteca Nacional». Alguns dos seus elementos tinham manifestado um sentimento de expectativa relativamente ao golpe militar de 28 de Maio de 1926, pois, como muitos outros cidadãos, entendiam ser preciso pôr ordem no caos que se vinha agudizando na vida política, económica e social do País. No entanto,  Ditadura Nacional, depressa começou a abandonar o seu carácter transitório de normalização da vida política nacional, como fora prometido, assumindo um carácter protofascista, com o apoio da Igreja Católica e de algumas franjas sociais e intelectuais. Houve quem depressa se apercebesse desse perigo e, menos de um mês depois do golpe, já o grupo onde pontificavam intelectuais como Raúl Proença e Jaime Cortesão, ambos ligados à «Seara Nova», conspirava activamente. Outro elemento da conspiração foi o general Adalberto Gastão de Sousa Dias, que se fizera notar na oposição ao putsch de 28 de Maio.

Se a conspiração começou em Lisboa, por que foi o Porto escolhido para desencadear a Revolta? Por diversas razões. O general Sousa Dias, indigitado comandante da revolta, estava internado, sob prisão no Hospital Militar do Porto; por outro lado, havia ali um forte núcleo de republicanos, incluindo comandantes e oficiais de unidades militares ali sediadas. Em Lisboa, os comandos das unidades eram de cooptação mais complicada, o núcleo de democratas sendo mais vasto, era menos coeso. Sendo o levantamento bem sucedido no Porto, logo as adesões da capital seriam mais fáceis, acreditava-se. Finalmente, uma razão simbólica – o 31 de Janeiro de 1891, data em honra da qual se pensava iniciar a rebelião nesse dia, em 31 de Janeiro de 1927. E no Porto. Ao general Sousa Dias, no comando, foram agregados o comandante Jaime de Morais, o capitão Sarmento Pimentel e o tenente João Pereira de Carvalho, Jaime Cortesão, capitão-médico à altura, pertencente ao núcleo duro da conspiração e que viera de Lisboa. Recorrerei com frequência às «Memórias do Capitão», de João Sarmento Pimentel.

Elemento de ligação entre os dois pólos, Raúl Proença viajou para o Porto  em 21 de Janeiro, colaborando no planeamento das operações. Sarmento Pimentel, aliciado pelo general Simas Machado, logo dissera que só aderia «se a revolução rebentasse simultaneamente no Porto e em Lisboa». Simas Machado concordou com essa opinião, prometendo transmiti-la e apoiá-la. Como vamos ver, a questão da simultaneidade ficou afastada logo à partida. A data, simbolicamente marcada para 31 de Janeiro, foi adiada para 3 de Fevereiro, ficando decidido que começaria no Porto e que 12 horas depois Lisboa se sublevava também. Sarmento Pimentel, Jaime Cortesão, o comandante Jaime de Morais e  José Domingues dos Santos assinaram a Proclamação Revolucionária que desencadeava formalmente o movimento.

De acordo com uma bem gizada ordem de operações, na madrugada de 3 de Fevereiro, o Regimento de Caçadores 9, saiu do quartel e começou a tomar posições em pontos estratégicos da cidade. Uma companhia da GNR aquartelada na Bela Vista em breve se lhe juntou. O Regimento de Cavalaria 6, de Penafiel, chegou também, embora sem a totalidade dos seus efectivos. De outras unidades da cidade que não haviam aderido ao movimento, foram chegando também oficiais, sargentos e praças que se identificavam com os objectivos do levantamento. Já no dia 4, chegou o Regimento de Artilharia de Amarante.

Dos respectivos quartéis os revoltosos dirigiram-se para a zona da Batalha, onde estavam as sedes do Quartel-General e do Governo Civil e onde ficava a mais importante estação do telégrafo. De acordo com o plano traçado, as posições no terreno começaram a ser ocupadas. Já no dia 4, no topo da Rua de 31 de Janeiro, na esquina com a Rua de Santa Catarina, foi colocada uma metralhadora, cobrindo as duas importantes vias do centro da cidade e vedando o eventual avanço das forças lealistas. Chamaram-lhe a "trincheira da morte".

Na fotografia acima vê-se a «trincheira». O oficial em pé e de capote é nem mais nem menos do que Emídio Guerreiro. Na manhã de 4, juntaram-se aos revoltosos o Regimento de Artilharia de Amarante, cujas peças de artilharia obrigaram as forças do Governo a refugiar-se no monte da Virgem, prosseguindo a flagelação das posições rebeldes. Ainda na manhã do dia 4, o Regimento de Cavalaria 8, vindo de Aveiro e leal ao Governo, conseguiu atravessar a Ponte de D. Luís sob o fogo rebelde, mas foi detido pelas barricadas que defendiam a Praça da Batalha. Outra metralhadora foi colocada por detrás da barricada erguida na junção das ruas de Cima da Vila e da Madeira. A Rua do Cativo estava coberta também por uma arma pesada, colocada à esquina do Hospital da Ordem do Terço. Também ao cimo da Rua do Corpo da Guarda, cobrindo o largo que época tinha o mesmo nome, foi montado um dispositivo idêntico. Duas peças de artilharia foram postas em prontidão na confluência da Alexandre Herculano  com a Rua de Entreparedes. Efectivos de infantaria 6, de Penafiel, e da GNR, ocuparam a Rua Chã.

Basicamente, este era o dispositivo de defesa que foi rapidamente montado no perímetro pré-definido. Passou-se à vertente política – Em nome do «Comité Revolucionário do Norte», foi enviado um ultimato ao presidente da República, general Óscar Fragoso Carmona. Dizia: «Forças revolucionárias de todo o Norte impõem demissão do Gabinete Militar que abusivamente quis governar em nome do Exército, desejando a sua substituição por um Governo Nacional republicano e o regresso à Constituição.»

(Continua)

publicado por Carlos Loures às 12:00

editado por Luis Moreira às 01:13
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1 comentário:
De Luis Moreira a 23 de Janeiro de 2011
A foto é de um valor histórico enorme, repare-se como os cidadãos civis estão ali a obsevar como se trata-se da passagem do orfeão lá da terra..
Os textos dão-nos a conhecer um período pouco conhecido da história.
Abraço, Carlos!

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