Sábado, 22 de Janeiro de 2011

Fiat Lux, a propósito de CDS: apenas uma nota pessoal – 6 – por Júlio Marques Mota

(Continuação)

Dir-nos-ão que a justificar estes valores estará o risco, dirão, mas expliquem então como se determinam essas taxas, qual o suporte que tem a determinação destes encargos. O risco, dirão, mas a este nível e com esta dimensão,  o risco, essa invenção moderna, está a ser negociável, ao mesmo nível que as mercadorias, que  as commodities, como se o que é produzido pelo trabalho humano ao mesmo nível possa assim ser colocado, colocado ao nível do que é imaginado. Questão tanto mais séria quanto destes mercados que vivem pois do risco criado, imaginado, negociado, leiloado, à custa de cada país quase que liquidado,  quando se começa a ter como  um dado, e aqui concordamos totalmente com Satyajit Das,  num seu  recente artigo publicado pelo Banque de France, que : “a amarga realidade é que são  muito poucos os actores do sector, tendo em conta os seus próprios interesses,  que estão  preparados para  admitir que uma grande parte da inovação financeira recente foi concebida  especificamente para dissimular o risco, para enganar os investidores e para reduzir a transparência. Este processo era foi totalmente deliberado. A eficiência  e a transparência não são compatíveis com as fortes margens beneficiárias de que procura e obtém  Wall Street. É necessário que os produtos financeiros sejam  opacos e que os seus preços não sejam fixados de forma eficiente para que se obtenham os  lucros excessivos, para que se obtenham fortes rendas económicas.. Os operadores de mercado partilham a opinião de Walter Bagehot a propósito da  monarquia inglesa: “ Não se deve expor  a magia à luz do dia” “, a magia de todos estes lucros, de  todos estes  bónus que ninguém questiona como é que são ganhos, de todos estes mercados, a sua opacidade como sistema, e sobre tudo isto a incapacidade ou o silêncio ou das nossas Instituições Europeias e dos Governos dos seus Estados Membros tem sido sepulcral.A opacidade como produto, como instrumento, como prática,  o oposto do que pode entender como mercado, é disso, portanto, que nos fala  o grande especialista em produtos  derivados, Satyajit Das.

A estabilidade social é um bem público, senhores ministros desta Europa fora, preservemo-la, proibindo, é esse o termo, tudo o que se lhe opõe. De novo aqui, não é querer muito em democracia, é querer que se respeite a concorrência não falseada, a não distorção dos preços de mercado, da economia real. Como se assinala na Assembleia da República francesa “o problema não é o da existência da especulação, o problema é a existência de uma especulação excessiva, que se poderia qualificar de patogénica, portadora de riscos sistémicos, ou susceptíveis de atingir e deformar a integridade dos mercados, ou a de uma especulação fraudulenta feita de rumores, passando pela manipulação das cotações, a difusão de falsos rumores,” e deste modo, “a especulação, pela deformação da realidade económica é evidentemente prejudicial ao bom funcionamento do mercado e contrário à sua lógica. Ora se os preços são mal formados, a poupança não se dirige para os bons investimentos”. E não se pense que se está apenas a falar de produtos financeiros numa economia globalizada, pois, como se assinala no mesmo documento “não estou nada seguro de que a prazo não haja risco sistémico nos mercados das matérias-primas agrícolas. (…) Penso que tendo em conta posições muito importantes quanto às importações, em particular da China, pode haver amanhã um grande risco sistémico: se os grandes operadores não puderem assumir as suas obrigações, isto arrastará falências em cadeia, ou seja, uma crise. (…) Para os industriais, tudo isto se traduz por uma desestabilização e por uma verdadeira perda de referências, a volatilidade das cotações não lhes permitindo arbitrar as posições e os contratos em condições normais relativamente ao horizonte económico de uma empresa. O andar do tempo dos operadores físicos não é de modo nenhum o dos operadores financeiros. (…) A enorme variação dos preços impede os produtores e os utilizadores de actuar no mesmo plano a que os outros operadores, muito mais poderosos, actuam”[1]. Como sabemos e aqui bem se explica é o próprio coração da economia real que é neste contexto atingida, pelo disfuncionamento destes mercados. Até lá, continue-se pois a especular. Como se assinala num texto produzido pela Presidência da República Francesa, a assimetria acima explicada “encoraja os especuladores a apostarem sobre a baixa das obrigações, e a existência do mercado dos CDS exerce assim uma pressão à baixa das obrigações subjacentes. Neste caso, estes investidores compram CDS, não porque antecipam uma situação de incumprimento futura, mas porque esperam que o preço dos CDS venha a aumentar como resposta aos receios e temores sobre o incumprimento do emitente.” E a nova emissão de títulos do Estados vai já incorporar estes valores novos dos CDS! E os Estado soberanos por essa via ficam prisioneiros dos mercados, como o atesta a afirmação clara da direcção do Barclays:

“Para preparar o futuro, e na esteira das turbulências nos mercados da dívida soberana, a maior parte dos países da zona euro empenhou-se a reabsorver os seus défices públicos a um ritmo muito mais rápido que inicialmente previsto e mais cedo que o que os dados sobre o longo prazo o deixariam prever. Não há nenhuma dúvida que os mercados financeiros vão vigiar atentamente os dados orçamentais e o respeito destes compromissos de saneamento financeiro, assim como a qualidade deste ajustamento: devido à integração dos países da zona euro a incidência do ajustamento orçamental entre os países da zona euro será amplificada. Desde então, o que os mercados vão vigiar, não é somente a dimensão deste ajustamento e a aplicação das medidas, mas também a estratégia global do ajustamento e de crescimento. Os países deverão igualmente introduzir as reformas estruturais para provar aos mercados financeiros que renovará bastante rapidamente com o crescimento, apesar destas contracções orçamentais.”

Vigiar os governos, é pois esta a nova função dos mercados! Inversão de posição: em democracia, nesta democracia a caminho de ser mais formal que outra coisa, a democracia da Comissão Europeia, são afinal os mercados que vigiam, e portanto controlam, os governos e não o inverso. Uma lição mais a registar, uma situação mais contra a qual temos que nos indignar. Vigiar os governos, dizem os bancos, vigiar e controlar os bancos dizemos nós. Veja-se com a Grécia e ainda de acordo com o documento produzido pela Assembleia da República francesa: “desconfia-se que em Janeiro de 2010 a Goldman Sachs tenha propagado um falso rumor para fazer aumentar os prémios de risco. Esta somente reconheceu ter aconselhado os seus clientes (principalmente hedge funds) a comprarem instrumentos de cobertura, os CDS, sobre a dívida grega, confessando implicitamente que estava a antecipar uma subida dos seus preços e, por aí, estava, portanto, a antecipar uma degradação do valor da dívida associada, enquanto ela própria tinha sido encarregada pelo governo grego de “acalmar” os compradores potenciais e tinha conseguido colocar com sucesso um empréstimo de 8 mil milhões de euros nos dias anteriores. (…) Para além deste actor privilegiado, os responsáveis europeus suspeitam dos hedge funds, procurando lucros de curto prazo, de terem apostado sobre o incumprimento do Estado grego. Estes teriam comprado volumes de CDS sobre títulos gregos nada desprezíveis para um mercado como o mercado grego dos CDS a fim de fazer aumentar artificialmente o valor destes contratos, e isto, antes das agências de notação terem degradado a dívida grega. Puderam fazê-lo tanto mais facilmente quanto não precisaram de dinheiro, contentaram-se em operar no mercado de produtos derivados”. A lição é clara e um dado também é claro, nada lhes aconteceu. Em tempos, perdidos na memória dos séculos, no obscurantismo do século XIV, um banqueiro em Barcelona foi executado na praça pública, em frente do seu banco falido, por o ter levado à falência com as suas actividades especulativas. Hoje, os dirigentes dos bancos falidos, têm saído pela porta da frente dos seus respectivos bancos sorridentes, com um cheque na ordem das muitas dezenas de milhões de indemnização. Indiferentes, imunes às críticas sociais, morais, impunes face à desgraça por eles criada, aos muitos milhões de pessoas no desemprego lançadas[2], este é o mundo neoliberal no que se aplica aos senhores dos mercados, dos seus produtos derivados, das fortunas assim acumuladas. Não haverá saída enquanto não forem os estados nacionais a controlarem estes mercados, a controlarem estes agentes.

Enquanto não forem os estados nacionais e as instituições internacionais deles saídas a controlarem estes agentes e estes mercados serão estes que continuarão a colocar os estados perante a quadratura do círculo, eis o que os mercados financeiros exigem a cada país e que a Comissão Europeia consente e impõe religiosamente. A resposta pela balança comercial é o que agora se pede, ou seja, com a contracção da procura interna, o aumento da produção tem que se conseguido pela procura externa, ou seja, com um aumento das exportações líquidas. Mas, já agora, exportar para quem? Aqui remetemos para a nossa carta aberta ao Presidente da Comissão Europeia, onde o tema é tratado.



[1] Bernard Valluis, perito da Associação Nacional das Indústrias Alimentares.

[2] Devido à crise, e segundo a Organização Internacional do Trabalho, ter-se-ão perdido mais de cinquenta milhões de empregos.

(Continua)

publicado por Carlos Loures às 21:00

editado por Luis Moreira às 01:43
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1 comentário:
De Luis Moreira a 22 de Janeiro de 2011
Nem mais, os mercados mandar e os governos a obedecer! inacreditável! Como é possível que os Estados se coloquem de cócoras perante os especuladores? Porque será que os Estados se dedicam a tudo fazer menos a regular os mercados e a impor o bem público ? Há mesmo uma cumplicidade, ou mesmo uma união de interesses dos Estados com o grande capital? Ou é, simplesmente, "burrice" e incompetência dos estados? É preciso que o Estado se dedique ao que só ele pode fazer e deixar as actividades não estratégicas nas mãos da sociedade civil.

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