Estrolabio

Clara Ferreira Alves, jornalista e escritora, é uma analista desassombrada da realidade política. Para além dos artigos em várias publicações, participa semanalmente no programa da SIC Noticias “O Eixo do Mal”. É um extracto de uma das suas intervenções no último programa que aqui se transcreve, com a fidelidade possível e também com as vantagens e desvantagens do discurso de improviso. O assunto é a campanha para a eleição presidencial, que hoje termina.

Se algum mérito esta campanha teve, que não teve mérito político, mas pelo menos lançou alguma luz sobre coisas que estavam escondidas e muito obscuras, das quais o episódio da Casa da Coelha e Aldeia do BPN e amigos de Cavaco Silva, demonstraram que o candidato não é aquilo que se apresenta – um mísero professor com umas míseras poupanças – eram dois pobres professores que foram pôr as poupanças num dos vários sítios onde elas podiam render qualquer coisa. Este discurso absolutamente inane de Cavaco Silva… não sei se ele pensa que nós somos patetas, e quando digo nós, falo dos portugueses, ou se é ele mesmo um bocado pateta, e acredita nisto. Porque de facto, Cavaco Silva é tudo menos uma espécie de pobre homem que anda nisto sem como nem porquê, e que não percebe nada de dinheiro. Ora Cavaco Silva com a sua expertise sobre dinheiro, e como ganhar dinheiro, não pode vir dizer que agarrou nas suas poupanças, que aliás são boas, e permitiram-lhe comprar algumas coisas como a Vila Mariani II, e não pode vir dizer que não sabia, que não teve nada a ver com o assunto. De facto há uma quadrilha no BPN, e nós vamos ter de pagar os estragos que essa quadrilha fez, de enriquecimento pessoal. Isto não é um pequeno caso, e não é uma campanha suja. Isto é um caso político, isto continua a ser um caso político, e portanto, a única coisa interessante da campanha foi que ficámos a saber alguma coisa mais sobre o candidato Cavaco Silva, que tem uma característica muito portuguesa, que é ser sonso, é muito sonso, Cavaco Silva é um sonso, e tem aquela sonsice que tem algo de Salazar… embora eu ache que Salazar era mais afirmativo porque tinha convicções. (…)

Se há alguém neste país que deve e tem de ser escrutinado, é justamente Cavaco Silva. Acho que merece que se lhe dedique atenção, e atenção às poupanças, aos dinheiros, e ao seu perfil e á sua biografia, porque caso venha a ganhar as próximas eleições, aquilo que existe entre Cavaco Silva e um poder muito absoluto neste país, é José Sócrates. Eu acho que o único adversário que Cavaco Silva teme é José Sócrates. Quer se goste ou não de José Sócrates, até pela sua acção nos últimos dias, incansável e difícil, definiu um perfil que atemoriza as legiões de Cavaco. Não é Manuel Alegre, uma figura um pouco retórica também por impreparação política.

Aquilo que queremos saber de Cavaco Silva, depois de sabermos estas ligações dele com a quadrilha que ele não conhece de lado nenhum, (não vou dizer alegadamente quadrilha porque não estou hoje com paciência para isso) aquilo que nós queremos saber é o que é que ele vai fazer com aquilo que ele chamou – justamente no dia em que Portugal punha a divida pública nos leilões, o que é de facto interessante como timing – o que é que ele vai fazer com uma crise política, e como é que a vai administrar. Esse é que é o tema, e o único tema. O que me interessa é a seriedade do homem que vai fazer isto, e interessa-me o eleitorado a quem ele está a responder, pois a base eleitoral de Cavaco como primeiro-ministro, já não é a base eleitoral que ele está a ter, agora, nestas presidenciais. (…)