A Sábado publicou, a Agência Financeira replicou. O Facebook espalhou. No ar a ficha de idoneidade de Cavaco Silva. De onde? Como? Dos arquivos da Torre do Tombo, pertencente aos arquivos da PIDE. Reza assim o início da notícia:
"Veja a ficha que Cavaco preencheu na PIDE
Tinha 28 anos, não tinha actividade política e estava afastado da segunda mulher do sogro
A ficha da PIDE que está nos arquivos da Torre do Tombo revela um Cavaco Silva integrado no regime, sem actividade política e afastado da segunda mulher do sogro. Tudo aconteceu em 1967, tinha o Presidente da República 28 anos.
A ficha divulgada pela revista «Sábado» e preenchida pela mão do actual presidente da República, serve para confirmar a idoneidade de Cavaco Silva. Quando instado a declarar a sua posição e actividades políticas, o jovem Aníbal escreve que está integrado no actual regime político e que não exerce qualquer actividade política. (...)"
Há uns meses discuti com uma arquivista da Torre do Tombo sobre o Arquivo da Pide. Sempre defendi a destruição desse arquivo. Nunca atinei com o argumento de que destruía a história. Poucos anos depois do 25 de Abril, se houvesse um golpe, os fascistas teriam em mãos um tesouro a perseguir.
A quem interessa dados tão invasivos da vida privada de um cidadão?
Hoje,de um arquivo que dizem ser tão seguro, veio a notícia de uma ficha sobre Cavaco e Silva que não interessa a ninguém.
Não voto neste personagem porque ele é contrário a tudo que defendo.
Defender a história pela história, esquecendo que dela fazem parte seres humanos, onde a ética deve ser pedra basilar dá-me voltas ao estômago.
Completamente de acordo, Ethel. Até porque na altura em que Cavaco Silva assinou a tal declaração ela era absolutamente obrigatória para quem quisesse desempenhar funções públicas - era conhecida pela designação de «decalaração anticomunista", vinha do tempo das listas do MUD e quem não a assinasse não era admitido. Se fezessemos uma lista de gente de esquerda que assinou essa declaração, teríamos um livro com centenas de páginas. Detesto Cavaco Silva e para não me sentir tão deprimido por ser cidadão de um país com um presidente tão iletrado e inadequado às funções, tenho de me lembrar de Itália e do inenarrável Berlusconi, nunca votaria em Cavaco, a menos que contra ele estivesse Adolf Hitler, mas vir com "argumentos" desses é feio e anti-democrático. Apoiado, Ethel!
Até eu aos 10 anos fui da mocidade portuguesa única maneira de vir a Lisboa e passar cá um mês maravilhoso...
De Paulo Rato a 22 de Janeiro de 2011
Conhecem a "ficha"? Isto é, sabem de que é que estão a falar?
O Carlos, pelos vistos, não sabe, já que a confunde com uma declaração igual à que eu preenchi, alegremente, para ingressar na Emissora Nacional. E digo "alegremente", porque uma cambada de sub-gente merece ser tratada como tal, isto é, que se lhes minta, engane, vigarize (e outras coisas que não digo...), com prazer e sem qualquer remorso.
Só que a tal "ficha" não é uma "declaração" como a referida, mas algo de mais completo, que se destinava a conseguir autorização para ter acesso a documentos que interessavam ao preenchedor, com vista a uma "investigação"... O que lá está escrito, na totalidade, já ultrapassa esse meu patamar de "diversão" e a minha capacidade estomacal.
Outro pormenor, este para a Ethel e talvez só inteiramente compreensível para um historiador ou para um modesto documentalista, que acabei por também ser: a História, mesmo a que nos dói, não se varre para debaixo do tapete do esquecimento. Dos arquivos dos torcionários fazem parte elementos importantíssimos para estudar o que aconteceu e como. Isso queriam "eles", tanto que não há ditadura (e seus sicários) que não tente destruir o máximo de provas das atrocidades e crimes cometidos! E, a considerar-se que alguns documentos deveriam ser destruídos, quem decidiria e com que critérios, inevitavelmente humanos e subjectivos?
Os documentos, pura e simplesmente, não se "deitam fora", sejam escritos, fotografias, filmes, gravações sonoras, o que for: este é um princípio "sagrado" para historiadores, investigadores em geral, documentalistas. Nem sequer na boa, mas completamente infundamentada e inútil, ilusão de impedir hipotéticas futuras perseguições.
Já quanto às condições de segurança dos diversos tipos de documentação e às condições para lhes aceder, isso é diferente e, em princípio, certo tipo de informação deve permanecer reservada aos investigadores e estudiosos (alguns, mesmo, sujeitos à autorização dos visados - enquanto vivos - ou a um período de reserva, mesmo após a morte dos neles citados), cabendo aos responsáveis assegurar o cumprimento das regras - democraticamente (e só democraticamente!) estabelecidas - para a respectiva consulta.
No entanto, neste caso (sendo que a minha falta de consideração "pessoal" por gente como o Cavaco está explicada numa resposta que ontem escrevi, a um artigo do José Guimarães), eu diria que alguém que se dispõe a desempenhar determinados cargos políticos tem de saber que o seu passado, como cidadão (não a vida privada!), pode - e deve - ser conhecido por quem o elege.
Se calhar, também sobre o que deve ser considerado privado terei perspectivas diferentes de muita gente, mas isso já não cabe aqui.
De Paulo Rato a 22 de Janeiro de 2011
Onde se lê "(alguns, mesmo, sujeitos...)", deve ler-se "(alguma, mesmo, sujeita)", já que a frase se refere à informação e não aos investigadores... Mea culpa...
"E, a considerar-se que alguns documentos deveriam ser destruídos, quem decidiria e com que critérios, inevitavelmente humanos e subjectivos?"
Quem, Paulo, com que critérios, inevitavelmente humanos e subjectivos, usa este mesmo argumento como em absoluto científico e o transforma num conceito histórico?
Muito obrigada pelo teu comentário, porque era mesmo sobre isso a minha discussão.
Quando é que a investigação se torna mais importante que o próprio homem?
De Paulo Rato a 23 de Janeiro de 2011
Ethel,
Às vezes, parece-me que não lêem o que escrevo. Ou escrevo tão mal que não consigo fazer-me entender...
O que me preocupa, neste caso, são as condições de segurança e reserva de informação, legalmente estabelecidas, que limitam o acesso a Arquivos como este e que foram desrespeitadas. O que ficou implícito no meu comentário.
A investigação histórica faz parte do próprio Homem, da sua estruturação individual e colectiva.
Ou serão os historiadores, arqueólogos, paleontólogos uma chusma de gente inútil e mesmo nociva? Para que precisamos de saber o que se passou antes de nós? Qual o nosso lugar na cadeia evolutiva? Quais as razões e circunstâncias de acontecimentos que fundaram, alteraram, derrubaram impérios e civilizações? Que papéis tiveram os intervenientes nesses acontecimentos? Se existiu Tróia, ou Jesus de Nazaré, ou Átila, ou Júlio César, ou Hitler, ou o Holocausto, ou...? Não será melhor destruir todos os exemplares das Crónicas de Fernão Lopes, as referências aos assassínios cometidos por D. João II, o processo dos Távoras, que ensombra a obra do Marquês? Há muito por onde escolher. Sem tanto documento, registo, vestígio, despacha-se tudo em meia dúzia de linhas, talvez da autoria do José Rodrigues dos Santos, e ficamos todos contentes?
Claro que não acredito que estejas de acordo com o que escrevi no parágrafo acima. Mas será que consegui tornar mais clara a incoerência de pretender destruir documentos históricos?
É precisamente porque a investigação não se pode tornar mais importante que o ser humano que o que afirmei sobre a preservação de fontes documentais históricas não é um "absoluto científico" (o que é isso?), mas uma regra - transcrita nas palavras propositadamente excessivas que ouvi a muitos dos especialistas que referi - que tem, obrigatoriamente, de se submeter a regulamentações, conforme as características intrínsecas de documentos e acervos, antes de mais para salvaguardar as pessoas envolvidas - se se trata de documentação recente - mas também para acautelar a sua preservação.
E foi sobre isso que malbaratei "o meu latim" em todo o parágrafo seguinte, que até tinha uns erros de concordância que emendei depois:
"Já quanto às condições de segurança dos diversos tipos de documentação e às condições para lhes aceder, isso é diferente e, em princípio, certo tipo de informação deve permanecer reservada aos investigadores e estudiosos (alguns, mesmo, sujeitos à autorização dos visados - enquanto vivos - ou a um período de reserva, mesmo após a morte dos neles citados), cabendo aos responsáveis assegurar o cumprimento das regras - democraticamente (e só democraticamente!) estabelecidas - para a respectiva consulta."
É conhecida a importância de uma "nota de despesas" ou de uma lista de roupa para lavar, para determinar a datação de uma pintura, analisar as condições de vida de uma época e de um local, ou abordar questões históricas mais complexas.
Bem mais evidente é a importância da preservação de Arquivos que documentam épocas e actos dos mais vergonhosos da história da Humanidade: se, mesmo com eles, há quem ouse pôr em causa as atrocidades do regime nazi, que se passaria se, pudicamente e com receio de novas perseguições, tivessem sido todos destruídos?
Nenhuma supressão de arquivos oficiais (não estou a falar de papéis queimados à pressa, com a PIDE a bater à porta...) asseguraria que, numa hipotética reconquista do poder pela ditadura derrubada, alguém se safava da subsequente sangueira. Só se, em vez de deixar fugir os agentes da PIDE e condenar uns poucos a penas irrisórias, se procedesse à sua eliminação, organizada, sistemática, completa... Assim, sim, a tal perigosa memória ficava apagadinha de todo: uma autêntica "formatação" do disco rígido. E nós tornávamo-nos iguaizinhos a eles, ou piores!
A vida é complexa e difícil, Ethel. Está cheia de escolhas e de escolhos.
Se, desta vez, não consegui ser claro, o problema é meu. E como não escrevo só para ter a última palavra, prometo não me esforçar mais.
tens toda razão! quanto à mensagem que por vezes não chega ao outro, parece-me interessante porque o canal de comunicação é deficiente quando os nossos pontos não nos deixam acolher o outro. Assim, resolvi largar os meus, por ora, e ler o teu. Obrigada.
E o jovem Cavaco de 28 anos, a viver num país dominado pela ditadura teria que ser um antifascista activo ou não aceitar empregos que exigissem a tal declaração! A ser assim, milhões e milhões de portugueses foram fascistas. Não acredito!( o que valoriza e me faz admirar os que tiveram coragem de serem opositores activos...)
De Paulo Rato a 22 de Janeiro de 2011
O que Cavaco Silva, como professor universitário, não podia desconhecer era que vivia numa ditadura, coisa que eu (que não sou nenhum génio e até calha enganar-me e ter dúvidas) descobri quase com metade dos tais 28 aninhos!
Mas o teu comentário fez-me lembrar uma história engraçada.
Quando o famoso almirante Tenreiro foi dirigir (e encher mais os bolsos) o Arsenal do Alfeite, passou a exigir aos novos operários que se inscrevessem na Legião, condição indispensável para serem admitidos. E levava aquilo tão a sério que os legionários à força até tinham reuniões e tudo. Daí que, durante uns tempos (não sei ao certo, pois o episódio foi-me contado, há 30 anos, por um velho camarada que dirigia as obras da urbanização onde moro, então ainda em construção... e eu não sou jornalista, como costuma salientar a minha mulher, que pergunta logo tudo) tivesse existido, na organização do PCP no Alfeite uma "célula da Legião", muito útil pelas informações que obtinha!
Não há como os fanáticos para espanejarem a estupidez!
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