Quarta-feira, 19 de Janeiro de 2011

Fiat Lux, a propósito de CDS: apenas uma nota pessoal – 3 – por Júlio Marques Mota

Assimetrias de risco, especulação a descoberto, acções, obrigações e CDS

 

Admita-se que se está perante um especulador que compra uma acção no mercado a prazo, para lhe ser entregue daqui a 6 meses. Isto significa que está a especular sobre posições longas, a comprar para vender depois, isto é, no momento em que recebe o título, dita também de especulação a prazo, de especulação à alta. Se daqui a 6 meses, na altura em que se realiza o contrato, o título tiver subido, o especulador ganha a diferença e o ganho pode ser considerado ilimitado; se o título descer perde-se a diferença entre o preço spot de venda e o preço de compra anteriormente acordado. Este prejuízo é afinal o efeito da exposição ao risco, o efeito de comprar o título a um preço previamente fixado e garantido e de o vender a um preço que o especulador pensava ser superior mas em que a evolução foi exactamente a contrária, foi a da descida, tornando o preço de venda inferior ao preço de compra. No limite, o valor máximo que o especulador pode perder, será o valor do título anteriormente fixado e comprado. As situações extremas são então, para o especulador que opera no mercado a prazo e que compra a acção a preço fixo no mercado a prazo, a de ganho ilimitado com a subida ilimitada do título em alta e de prejuízo limitado no máximo ao valor fixo do título se o preço tiver descido até zero.

 

Admita-se agora uma outra situação, a de um especulador que opera com a venda completamente a descoberto, um especulador sobre posições curtas, naked short selling. Neste caso, o especulador vende a descoberto, por exemplo, por um período curto[1], acções que não tem e para além de três dias[2] terá que apresentar uma parte dos títulos em garantia no corretor, obtidos, por exemplo, em operação repo. Para realizar esta operação de venda, terá que adquirir, decorridos os 6 meses, as acções que ele não tem. Assim, se o valor da acção no momento em que se realiza o contrato de venda sobe, no momento em que a entrega, o especulador em questão fica a perder pois terá de comprar mais caro a acção que não tem para a entregar a quem lha comprou. Perde a diferença que aqui pode ser ilimitada, pois, à priori, a subida não tem limite definido. Inversamente e para a mesma operação, admita-se agora que o preço do título desce. O especulador ganha. Vendeu a um preço determinado quando no acto da entrega da acção está à venda por um preço mais baixo. Ganha a diferença entre o preço a que vendeu e o preço a que agora a pode comprar para entrega, que no máximo é o preço de venda da acção, se o seu preço de mercado tiver atingido, por hipótese limite, o valor zero. As situações extremas são, portanto, como especulador a descoberto de ganho limitado e de prejuízo ilimitado.

 

Diremos que estamos com assimetrias de posição face ao risco. Ser especulador sobre posições longas não é a mesma coisa que ser especulador sobre posições curtas. Na subida, na especulação sobre posições longas, o ganho é ilimitado e as perdas, se o título segue uma cotação inversa, são limitadas à exposição ao risco, ao valor do título, enquanto nas posições curtas, especulação sobre a descida do valor dos títulos, o ganho é limitado ao valor dos títulos, se a cotação dos títulos desce como esperado, sendo o prejuízo ilimitado se a cotação seguir uma evolução inversa ao esperado, isto é, se a cotação subir. Podendo, talvez, dizer-se que esta assimetria desencoraja a especulação a descoberto no mercado das acções, quando há a descida dos títulos, mas encoraja a especulação sobre posições longas, a especulação a prazo, a especulação sobre a subida dos títulos, pois nesta são as perdas que estão sempre limitadas. Contudo, tem de se comparar o que é comparável e, por isso, o que temos de comparar é o comportamento do mesmo agente especulador face aos dois mercados e para a mesma evolução esperada dos títulos. Temos de comparar a assimetria para o mesmo agente que especula sobre a alta nos dois mercado e comparar a assimetria para o mesmo agente que especula sobre a baixa nos dois mercados e também aqui nos dois tipos de títulos, acções e obrigações, nos dois mercados de títulos.

 

 

Vejamos agora que, nos mercados obrigacionistas e com os CDS, se passa o inverso do que temos estado a explicar.

 

Seja-se um vendedor de segurança, um seller ou writer. Admita-se que o valor do título sobe e, por isso, ganha-se. Nesta situação, o CDS não é pois exercido, o vendedor de CDS ganha o prémio de risco e, logicamente, o comprador de CDS, a jogar na descida do título, perde o prémio de risco, risco que não se verificou, pois o título subiu. Curiosamente, o vendedor de CDS corresponde no mercado das obrigações ao especulador a prazo no mercado das acções. Quer o especulador a prazo, quer o vendedor de CDS estão a jogar na subida dos respectivos títulos, pois é com essa evolução que poderão ganhar, estando as suas perdas limitadas ao valor dos títulos.

 

Admita-se agora que a evolução dos títulos protegidos pelos CDS seguiu uma trajectória inversa à esperada pelo vendedor de CDS. No limite, o especulador em questão pode perder no máximo o valor do título, se este, por hipótese, descer até zero. Confrontando ganhos potenciais com perdas ou prejuízos potenciais, diríamos que estamos com assimetria, ganhos limitados e prejuízos relativamente ilimitados, dada a enorme diferença que pode haver entre o que pode ter que vir a receber pela segurança contra um acontecimento de crédito, limitado ao prémio de risco, e o que pode ter que vir apagar no caso de um acontecimento de crédito, sendo esta perda, correspondente ao crédito seguro menos os prémios de risco, que apesar de limitada, pode atingir valores muito elevados.

 

Podemos agora sim comparar a posição da especulação à alta nos dois mercados. No mercado das acções, para o especulador sobre operações longas o ganho é ilimitado e o prejuízo limitado à exposição de risco, ao valor das acções. No caso dos CDS, especular sobre a alta das obrigações é vender CDS e aqui, para o vendedor de CDS, o ganho é limitado ao prémio de risco, enquanto o prejuízo é relativamente ilimitado, dados os valores em questão. Consequentemente, esta assimetria favorece, no caso de mercados em alta, a especulação a prazo sobre acções.

 

Admitamos agora que se é um comprador de CDS sobre títulos, sobre obrigações. Compra-se um CDS, compra-se uma protecção, e assim garante-se o valor do título, mesmo que este não se tenha, exactamente como se se tivesse vendido uma acção a descoberto, em que se garante o preço a que o título é vendido, e em que só se ganha se o valor do título, que de resto não possui, descer, ou seja, está-se especular sobre a descida do seu valor. Aqui ressalta à evidência a grande diferença com a apólice dos seguros, mostrando-se que CDS e apólices de seguros são equivalentes apenas na forma e mesmo aqui apenas relativamente ao enunciado. Os CDS, no entanto, nada têm agora a ver com seguros. Nos seguros não se ganha com a desvalorização do objecto segurado, ao contrário dos CDS em que o ganho resulta exactamente da desvalorização do objecto segurado, ou seja, o comprador do CDS, o comprador do seguro, é exactamente o agente interessado na verificação do acontecimento de crédito contra o qual se está a segurar! Tudo isto porque se trata de seguros contra riscos e sobre títulos que se podem não ter. Compreende-se pois a violência que este tipo de comportamento pode representar, pois a especulação contra a dívida soberana representa um potencial de ganho com limites quase impensáveis. Esta especulação é pois equivalente à venda a descoberto. E relembremos que foi com as vendas a descoberto que George Soros e o seu hedge fund  Quantum dobrou a imperial Inglaterra, foi com as vendas a descoberto que Soros colocou em pânico o Sueste Asiático, actuando sobre títulos e sobre câmbios, foi assim que arrasou a Indonésia.

 

Voltemos às ligações entre os dois mercados. Como já sabemos, tudo se passa pois com a compra de CDS como se estivesse em posição curta no mercado de títulos em que garantia o preço de venda do título que se não tinha, ou seja situar-se no mercado dos CDS a comprar significa que está a especular sobre a descida dos títulos, como na venda a descoberta de um título qualquer. Admita-se que a evolução do título segue uma evolução inversa da esperada, admita-se que o título sobe. O título sobe, por exemplo, o comprador do CDS não o exerce e o prémio de risco é então o seu prejuízo o que, visto simetricamente, representa o lucro do vendedor do CDS, como se sublinhou já anteriormente. O comprador está pois perante um prejuízo limitado e o vendedor perante um ganho limitado quando o preço do título sobe, os prémios apenas.

 

E quanto ao ganho do comprador de CDS? Admitamos que inversamente o título desce. Se desce o valor do título no mercado e se o preço está fixo pelo CDS o comprador recebe a diferença, exactamente como na venda a descoberto das acções. Mas, lá era o risco que era relativamente ilimitado, aqui é o ganho para os valores que permite negociar, para o comprador que podem ser considerados relativamente ilimitados, e por simetria, os prejuízos são relativamente ilimitados para o vendedor de CDS.O comprador de CDS confronta agora os ganhos que pode ter contra os prejuízos que pode sofrer e então os ganhos são relativamente ilimitados.



[1] Para simplificar, mas apenas para isso, podemos admitir o mesmo período de tempo que anteriormente.

[2] A regulação coloca agora a hipótese de reduzir o número de dias em que se está completamente a descoberto, mas não as operações a descoberto, elas próprias.

 

publicado por Carlos Loures às 21:00

editado por Luis Moreira às 18:47
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