Quarta-feira, 19 de Janeiro de 2011

Luta armada contra a ditadura (3) – por Carlos Loures

(Continuação)

 

 

 

Numa reunião do comité central do PCP, realizada em Agosto de 1963, verificou-se uma grave dissidência entre a linha, estalinista, ortodoxa, a corrente maioritária, a de Álvaro Cunhal, e uma minoritária, liderada por Francisco Martins Rodrigues. Sendo insanável a divergência, este, acompanhado por outros elementos daquele órgão dirigente, abandonaram o partido, acusando a linha dominante de ser «meramente eleitoralista».

Em Abril de 1964, esse dissidentes criaram a FAP- Frente de Acção Popular, através

de cujo órgão de imprensa (o Luta Popular) defenderam a acção armada como única via de derrube do regime salazarista. Em 1965 os principais dirigentes e outros militantes foram presos pela PIDE. Porém seria a partir deste pressuposto, de que o regime só cairia pela violência e nunca pela luta legal, que iriam nascer organizações clandestinas como a LUAR e como as Brigadas Revolucionárias. Organizações que o PCP sempre acusou de serem «aventureiristas», «divisionistas» e «blanquistas».

 

Abro um parêntesis, para lembrar que «blanquismo» é um conceito proveniente do nome de Louis-Auguste Blanqui (1805-1881), político francês que defendia que a revolução socialista e a consequente tomada do poder, não seria obra das massas proletárias, mas sim de um grupo reduzido de conspiradores, bem organizados em estruturas secretas. Segundo Blanqui, a revolução seria consumada sob a forma de um golpe de estado. Na linguagem dos partidos comunistas ortodoxos, blanquismo é, portanto, um termo fortemente pejorativo.

 

Em 17 de Maio de 1967, um grupo  comandado por Palma Inácio, assaltou a dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, fugindo depois num pequeno avião e levando cerca de 30 mil contos. Em 19 de Junho desse mesmo ano, fundar-se-ia em Paris a Liga de Unidade e Acção Revolucionária – LUAR, onde militariam figuras como Hermínio da Palma Inácio, Emídio Guerreiro, Camilo Mortágua, José Augusto Seabra, Fernando Echevarria e Fernando Pereira Marques. Em 1968, a LUAR tentou tomar a cidade da Covilhã, falhando no entanto a operação. Palma Inácio, preso na sequência desta operação, fugiu das instalações da PIDE no Porto, protagonizando uma fuga espectacular e que emocionou os antifascistas.

 

Em 1970 surgiram as Brigadas Revolucionárias, criadas a partir de um núcleo de antifascistas ligados à Frente Patriótica de Libertação Nacional, sediada em Argel. As BR, que em Setembro de 1973 dariam lugar ao Partido Revolucionário do Proletariado, desencadearam diversas acções, tais como a sabotagem  nas instalações da NATO na Fonte da Telha em 7 de Novembro de 1971, uma data simbólica; dias depois foi destruída uma bateria de canhões no Barreiro. Em 1972 destruíram doze camiões Berliet do Exército e assaltaram os serviços cartográficos militares obtendo mapas que enviaram aos movimentos de libertação, em 1973, uma série de operações visando sobretudo instalações e infra-estruturas militares em Lisboa e no Porto. Em 1974 foi levada a cabo uma acção de sabotagem no Quartel-General de Bissau, destruindo o edifício do comando. Foi também praticada uma acção de sabotagem no navio «Niassa» no momento em que ia partir para a Guiné com um contingente de tropas. O navio foi evacuado, sem que houvesse vítimas, pois as BR tinham avisado a PSP uma hora e quinze minutos antes da explosão. Isabel do Carmo e Carlos Antunes foram as figuras mais carismáticas e mediatizadas do PRP, partido que durante o chamado PREC teve grande influência na esquerda militar, sobretudo junto de Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON.

 

Já disse que, por princípio, o  PCP era contra este tipo de acções. No entanto, a partir da cisão de Francisco Martins Rodrigues, um número cada vez maior de militantes manifestava o seu apoio às operações da LUAR e das BR, embora o comité central continuasse a considerar essas organizações como aventureiristas e objectivamente fazendo o jogo do poder. Até que a pressão dos militantes, sobretudo dos mais jovens, foi insustentável e o Partido criou a Acção Revolucionária Armada (ARA), destacando para a organizar os membros do CC – Rogério de Carvalho e Raimundo Narciso, a que se juntaram Jaime Serra e Francisco Miguel. A ARA praticou diversas acções de sabotagem em instalações militares. A operação mais espectacular e eficaz foi (talvez não só da ARA, mas de toda a luta armada) foi, em 8 de Março de 1971, o ataque à base aérea de Tancos, destruindo 28 aeronaves e cortando as comunicações. Porém praticou outras acções, tais como em 1970 colocação de uma bomba no navio «Cunene», ao serviço das guerras coloniais, em 1971 destruição da central de comunicações nacionais e internacionais, em Lisboa, durante uma conferência da NATO, em 1972 vários actos de sabotagem visando instalações militares. Entre os elementos operacionais da ARA, encontram-se nomes como o do romancista, dramaturgo e jornalista Carlos Alberto Coutinho e o de José Brandão, historiador especializado no período entre o final da Monarquia e a I República.

 

Estas organizações clandestinas, cuja acção se desenvolveu entre o final dos anos 60 e a eclosão da Revolução de Abril, tiveram um papel muito importante, talvez mesmo decisivo, na queda da ditadura. Afinal, Francisco Martins Rodrigues tinha razão: uma ditadura violenta não cederia perante argumentos democráticos – apenas cairia pela força das armas. Salgueiro Maia, Otelo e os seus companheiros do MFA assestaram o golpe final no monstro apodrecido que entre clericais batinas, capelos doutorais e espadas de militares nascera 48 anos antes, gerado no tumulto caótico da I República.

 

(Continua)

 

publicado por Carlos Loures às 12:00

editado por Luis Moreira em 18/01/2011 às 01:05
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