Segunda-feira, 17 de Janeiro de 2011

Manifesto de Economistas aterrados - 6

 

FALSA EVIDÊNCIA N.º 10: A CRISE GREGA POSSIBILITOU FINALMENTE AVANÇAR PARA UM GOVERNO ECONÓMICO E PARA UMA VERDADEIRA SOLIDARIEDADE EUROPEIA

 

A partir de meados de 2009, os mercados financeiros começaram a especular sobre a dívida dos países europeus. Globalmente, a forte subida das dívidas e dos défices públicos à escala mundial não resultou (ainda) em aumentos das taxas de longo prazo: os operadores financeiros acreditam que os bancos centrais vão manter durante muito tempo as taxas monetárias reais em valores muito próximos de zero, e que não há, nem o perigo de inflação, nem o risco de um grande país entrar em situação de incumprimento das suas dívidas. Mas os especuladores viram bem as falhas na organização da zona euro. Enquanto os governos de outros países desenvolvidos podem sempre ser financiados pelo respectivo Banco Central, os países da zona euro renunciaram a esta opção e estão totalmente dependentes dos mercados para financiar os seus défices. Em resultado, a especulação pôde desencadear-se sobre os países mais frágeis da zona: Grécia, Espanha, Irlanda.

 

As autoridades europeias e os governos nacionais têm sido lentos na resposta, não querendo dar a impressão de que os países-membros tinham direito a apoio ilimitado dos seus parceiros, e querendo castigar a Grécia, culpada de ter escondido — com a ajuda do banco Goldman Sachs — a dimensão dos seus défices. No entanto, em Maio de 2010, o BCE e os países-membros tiveram de criar de emergência um Fundo de Estabilização, para sinalizar aos mercados que dariam aquele apoio ilimitado aos países ameaçados. Em troca, estes tiveram que anunciar programas de austeridade orçamental sem precedentes, que os vai condenar a um abrandamento da actividade económica a curto prazo e a um longo período de recessão. Sob pressão do FMI e da Comissão Europeia, a Grécia deve privatizar serviços públicos e a Espanha deve flexibilizar o mercado de trabalho. Mesmo a França e a Alemanha, que não são objecto de especulação, anunciaram medidas restritivas.

 

No entanto, a procura não é, de forma alguma, globalmente excessiva na Europa. A situação orçamental é melhor do que a dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha, possibilitando margem de manobra orçamental. É necessário reabsorver os desequilíbrios de forma coordenada: os países do norte e do centro da Europa, com excedentes comerciais, devem empreender políticas expansionistas — salários mais elevados, mais despesas sociais... — para compensar as políticas restritivas dos países do Sul. A política orçamental não deve ser globalmente restritiva na zona euro enquanto a economia europeia não se aproximar, a um ritmo satisfatório, da situação de pleno emprego.

 

Mas os defensores da política orçamental automática e restritiva na Europa estão hoje, infelizmente, com mais força. A crise grega permite fazer esquecer as origens da crise financeira. Aqueles que concordaram em apoiar financeiramente os países do Sul querem impor, em troca, um endurecimento do Pacto de Estabilidade. A Comissão Europeia e a Alemanha querem impor a todos os países-membros que inscrevam nas respectivas Constituições o objectivo de equilíbrio orçamental e que as respectivas políticas orçamentais sejam controladas por comissões de peritos independentes. A Comissão Europeia quer impor aos países uma longa cura de austeridade, para que a dívida pública volte a ser inferior a 60% do PIB. Se há um passo rumo a um governo económico europeu, é para um governo que, em vez de afrouxar o grilhão da finança, vai impor austeridade e um aprofundamento das “reformas” estruturais, em detrimento da solidariedade social em cada país e entre os diversos países.

A crise proporciona às elites financeiras e aos tecnocratas europeus a tentação para porem em prática a “estratégia de choque”, aproveitando a crise para radicalizar ainda mais a agenda neoliberal. Mas essa política tem poucas possibilidades de sucesso:

 

 

— A redução da despesa pública vai comprometer os esforços necessários a nível europeu para apoiar as despesas orientadas para o futuro (investigação, educação, política familiar), para ajudar a indústria europeia a manter e a investir em áreas de futuro (economia verde).

 

— A crise vai permitir a imposição de cortes profundos nas despesas sociais, objectivo incansavelmente perseguido pelos defensores do neoliberalismo, com o risco de comprometer a coesão social, de reduzir a procura efectiva e de pressionar as pessoas a pouparem, para garantir as suas pensões de reforma e os cuidados de saúde, e a colocarem as suas poupanças junto das instituições financeiras, os responsáveis pela crise.

 

— Os governos e as instâncias europeias recusam-se a organizar a harmonização fiscal, que permitiria o necessário aumento dos impostos sobre o sector financeiro, sobre os grandes valores patrimoniais e sobre os rendimentos elevados.

 

— Os países europeus instauram, de forma duradoura, políticas orçamentais restritivas, que pesam [negativamente] sobre o crescimento. As receitas fiscais vão cair. Deste modo, os saldos das contas públicas nunca poderão melhorar, os rácios da dívida pública irão degradar-se e os mercados não serão acalmados.

 

— Os países europeus, devido à diversidade das suas culturas políticas e sociais, não foram todos capazes de se sujeitar à disciplina de ferro imposta pelo Tratado de Maastricht, e não serão todos capazes de se sujeitar ao seu reforço actualmente instituído. O risco de desencadear uma dinâmica generalizada de os países se fecharem sobre si próprios é real.

 

Para avançar para um verdadeiro governo económico e uma verdadeira solidariedade europeia, colocamos duas medidas em debate:

 

Medida n.º 21: Instituir uma fiscalidade europeia (imposto sobre o carbono, imposto sobre os lucros...) e um verdadeiro orçamento europeu, para apoiar a convergência das economias e para caminhar no sentido da igualdade de condições de acesso aos serviços públicos e sociais nos diversos Estados-Membros, com base nas melhores práticas.

 

Medida n.º 22: Lançar um vasto plano a nível europeu, financiado por subscrição junto dos particulares, com taxa de juro baixa mas garantida e/ou por criação monetária pelo BCE, para empreender a reconversão ecológica da economia europeia.

 

CONCLUSÃO

COLOCAR EM DEBATE A POLÍTICA ECONÓMICA, TRAÇAR VIAS PARA REFUNDAR A UNIÃO EUROPEIA

A Europa tem-se construído, desde há três décadas, numa base tecnocrática, excluindo as populações do debate da política económica. A doutrina neoliberal, que se baseia na hipótese de eficiência dos mercados financeiros, hoje indefensável, deve ser abandonada. É necessário reabrir o espaço das políticas possíveis e discutir propostas alternativas e consistentes que limitem o poder da finança e organizem a harmonização e a melhoria do sistema económico e social na Europa. Isto requer a inter-mutualidade de importantes recursos orçamentais, libertados pela institucionalização de uma fiscalidade europeia fortemente redistributiva na Europa. É também necessário libertar os Estados do estrangulamento dos mercados financeiros. Só assim é que o projecto de construção europeia poderá esperar reencontrar a legitimidade popular e democrática que hoje lhe falta.

 

Não é, obviamente, realista imaginar que 27 países vão decidir, ao mesmo tempo, fazer uma tal ruptura nos métodos e nos objectivos da construção europeia. A Comunidade Económica Europeia começou com seis países: a refundação da União Europeia passará, também, inicialmente, por um acordo entre um pequeno número de países dispostos a explorar vias alternativas. À medida que se tornem evidentes as consequências desastrosas das políticas adoptadas hoje, o debate sobre alternativas aumentará na Europa. Lutas sociais e mudanças políticas ocorrerão a um ritmo diferente de país para país. Haverá governos a tomar decisões inovadoras. Aqueles que o desejarem deverão adoptar uma cooperação reforçada, para tomarem medidas ousadas em matéria de regulamentação financeira, de política fiscal ou social. Através de propostas concretas estenderão a mão aos outros países para que estes se juntem ao movimento.

 

É por isso que nos parece importante expor e colocar em debate, desde já, as grandes linhas das políticas económicas alternativas que tornarão possível a refundação da construção europeia.

publicado por Carlos Loures às 21:00

editado por Luis Moreira às 17:52
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